Os fundamentos do assédio moral nas relações de trabalho


ETIMOLOGIA E CONCEITUAÇÃO DAS PALAVRAS “ASSÉDIO”, “MORAL” E “DANO”


A palavra assédio, segundo o dicionário da língua portuguesa Houaiss, significa insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém, sitiar, cercar, perseguir com propostas.


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A palavra moral, segundo o mesmo dicionário, significa disposição de espírito que uma pessoa apresenta para agir com maior ou menor vigor diante de circunstâncias difíceis, espírito de luta, denota bons costumes, boa conduta, segundo os preceitos socialmente estabelecidos pela sociedade ou por determinado grupo social, conjunto de valores como a honestidade, a bondade a virtude etc., considerados universalmente como norteadores das relações sociais e da conduta dos homens.


A palavra dano, deriva do latim damnum, significando qualquer perda moral ou material causada a uma pessoa, no dizer de Valdir Florindo “dano é lesão a qualquer bem jurídico, é a lesão a um patrimônio”.


O termo assédio moral, espécie do gênero dano moral, para os estudiosos do tema, não conceitua adequadamente o fenômeno social que observamos nas relações de trabalho, até porque o assédio é inerente à natureza humana, quanto a moral, esta não se sujeita a qualquer possibilidade de assédio.


Os termos em inglês bullying e mobbing são mais utilizados e caracteriza de forma mais coerente o que é chamado no Brasil de assédio moral.


O ASSÉDIO NAS RELAÇÕES HUMANAS


Historicamente o relato bíblico e teológico descreve a situação vivida por Saul, o Rei David e Urias, como sendo um dos primeiros casos de assédio moral na história das relações humanas.


Segundo a Professora Marie France Hirigoyen o assédio moral pode ser definido:


Assédio moral no trabalho é qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude por sua repetição ou sistematização contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho).” (In Revista Justiça do Trabalho, 242, fevereiro de 2004, p. 09)


Inicialmente vale discriminar os tipos de assédio moral: vertical, horizontal e ascendente ou vertical-ascendente.


O tipo vertical ocorre quando o ato de assediar parte da pessoa do superior hierárquico em relação a um ou alguns dos seus subordinados.


O tipo horizontal ocorre quando o ato de assediar parte dos colegas de mesmo nível ou classe de um mesmo campo laboral.


Finalmente, o tipo ascendente ocorre quando o ato de assediar parte dos subordinados em relação ao chefe.


Em todos os tipos de assédio moral há o objetivo de minar a resistência física e psicológica do trabalhador, através de uma perseguição sutil, reiterada e por um tempo razoável, acarretando verdadeiro sofrimento psicológico para o trabalhador.


Os meios utilizados pelo vitimizador, citados pela maioria dos doutrinadores são: críticas, ironia, isolamento, desqualificação, aumento/redução excessivos da carga de trabalho.


DIREITO COMPARADO


No direito comparado encontramos evidente repúdio à prática do mobbing, que equivale a assédio moral, em leis e projetos de leis objetivando a defesa e proteção da dignidade da pessoa humana do trabalhador, dentro das relações de trabalho.


A expressão bullying, na Inglaterra, Áustria e Estados Unidos, significa o uso da força ou poder para coagir outros pelo medo.


Já na Espanha acossar, perseguir sem guarida, trégua ou repouso, denomina-se acosso moral.


O Mestre Marcelo Prata cita em sua obra Anatomia do Assédio Moral no Trabalho, Uma abordagem Transdisciplinar, por José Maria Garcia Callejo:


Que o Tribunal Constitucional da Espanha considera que a dignidade devida à pessoa humana é fundamento da ordem política e da paz social, está na base de todos os demais direitos e é a fonte da qual se nutrem todos os direitos e liberdade públicas.”


Importante ressaltar ainda, no direito comparado, que embora se defenda um número mínimo de ocorrências para que se caracterize o assédio moral, existem outros posicionamentos contrários que tipificam o acosso laboral desde que a conduta do assediador seja relevante para a quebra do conceito de saúde psicológica da pessoa.


Entende o Professor Prata que tal conduta é violadora da saúde mental, social e espiritual do trabalhador.


Citando ainda o ilustre Mestre Marcelo Prata, em sua magnífica obra Anatomia do Assédio Moral no Trabalho, Uma abordagem Transdisciplinar:


dentro do conceito de assédio moral ele se caracteriza por qualquer tipo de atitude hostil, individual ou coletiva, dirigida contra o trabalhador, por seu superior hierárquico, por colega do mesmo nível, subalterno ou por terceiro relacionado com a empregadora, que provoque uma degradação em atmosfera de trabalho, capaz de ofender a sua dignidade ou de causar-lhe danos físicos ou psicológicos, bem como de induzi-lo à prática de atitudes contrárias à própria ética, que possam excluí-lo ou prejudicá-lo no progresso em sua carreira.”


Portanto, o Direito Comparado, por norma imperativa contida no artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, pode ser utilizado para preencher as lacunas legais ainda existentes sobre o tema.


DIREITO BRASILEIRO


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A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no inciso V, do artigo 5°, robustece a previsão de dano material, moral ou a imagem, tal regramento constitucional constitui a chamada cláusula geral (aberta) de reparação de danos.


Conceitua-se dano, ainda, como sendo o resultado que decorre da violação de um dever jurídico. Dallegrave leciona com propriedade quando conceitua dano como “a lesão a interesses juridicamente tutelados”(Dallegrave, 2006, p.151). O fundamento da responsabilidade civil é a existência do dano, podendo sua origem ser contratual ou extracontratual (Giaconli, 2008).


Os atos que geram perdas, perdas e danos, danos e prejuízos, sempre geram o direito à compensação.


O dano patrimonial (material) atinge bens com conteúdo econômico, sendo fato gerador da possibilidade do dano emergente, tal dano aquele efetivamente comprovado pela vítima.


Já o dano extrapatrimonial (moral) atinge a existência da pessoa, a sua intimidade, o bem da sua própria personalidade, não repercutindo na esfera financeira da vítima.


Dentro do regramento civil pátrio, temos como ponto de partida o artigo 186 do Código Civil atual, que traz o princípio geral de que ninguém pode lesar a outrem, implicando em responsabilidade (aquiliana, Lex Aquilia), quem infringe tal princípio comete ato ilícito.


Ainda em diálogo com outros “microssistemas” aprendemos que não só o ato ilícito é gerador de responsabilidades, mas também o lícito, na medida em que efetivamente causar dano a direito ou interesse alheios também gera o direito a devida compensação.


Há dano moral que se projeta para o futuro sendo este um dano de probabilidade concreta, relacionando-se, por exemplo, à teoria da perda de uma chance.


RELAÇÃO JURÍDICA LABORAL


Não se deve perder de vista a dimensão e complexidade da relação contratual trabalhista, ou seja, uma relação de dinamismo e solidarismo, ou no dizer de Baracat deve ser vista como uma “totalidade” e não sob a égide da superada dogmática jurídica positivista.


A relação contratual trabalhista não é um mero negócio jurídico e individualista ou patrimonialista, uma simples compra e venda, o trabalhador dentro da estrutura oligárquica que vige entranhada na cultura brasileira não pode mais ser visto como mera “mercadoria”, um alienado para o trabalho.


No dizer de Boa Ventura de Souza Santos, na obra Pela Mão de Alice, o Social e o Político na Pós-Modernidade, p. 273/274,


quanto menos o trabalhador for só trabalhador, mais viável se torna o trânsito político e simbólico entre o trabalhador-cidadão e o cidadão-trabalhador”.


A relação jurídica trabalhista deve ser analisada sob a ótica do “supremo quadro axiológico constitucional (Dallegrave, 2006, p.55), são valores e princípios os quais desnudam a ideologia liberal de um país fundado no ranço do escravagismo e da deseducação, criando um “pais dos coitadinhos” (Emil Farah, 1965) e uma “plusvalia do trabalho”(Lenio Streck citando Leonardo Boff – hermenêutica jurídica em crise,2004, p.29).


Os direitos sociais são fundamentais (arts. 6° e 7° da CRFB/88) e devem ter aplicabilidade imediata (autoaplicáveis), são dotados de universalidade no que se refere ao mínimo existencial garantidor da dignidade de pessoa humana do trabalhador (art. 1° da CRFB/88).


Portanto, o contrato de trabalho se traduz em instrumento de cooperação.


As partes/contratantes se inserem numa nova concepção contratual, onde prevalecem os interesse e direitos da coletividade e a liberdade contratual sofre profunda flexibilização e limitação pela função social que exsurge do próprio texto constitucional.


Esta relação deve ser harmônica e equilibrada, sem violação de direitos e muito menos descumprimento de deveres, inclusive os anexos, inafastáveis ou supervenientes, como acontece com o mobbing, tendo em vista que quando há vítima e agressor exercendo a prática do assédio moral toda a relação harmônica no ambiente de trabalho é quebrada.


A relação de trabalho (res)surge vocacionada ao desenvolvimento socioeconômico, seus princípios e deveres a projetam para novos valores da constituição republicana, em plena harmonia com os princípios da ordem econômica (art. 170 da CR).


Com responsabilidade social (Bulgarelli) a empresa pensa o social (pessoas) pensa o ambiental (planeta/meio ambiente do trabalho) e pensa o econômico (o lucro), ou seja, a função social (art.170, III da CRFB), se torna norma posta, preceito de ordem pública, inafastável por quaisquer das partes.


A MODERNA EMPRESA


A tríade da moderna empresa depõe contra a nociva e deseducada prática do assédio moral, pois impede o desenvolvimento socioeconômico, legitimamente esperado pelos contratantes ao desequilibrar e degradar o meio ambiente de trabalho.


A ordem econômica deve servir de suporte para o livre desenvolvimento da pessoa (Baracat, 2003, p.149) não apenas da pessoa do empregagor/empresa, mas de toda a sociedade.


O mobbing impede que as partes retirem do contrato todo o seu proveito útil, isto é, a plena produção de riquezas, pelo empresário (art. 966 do CC/2002), e a construção de uma história digna do homem enquanto produtor.


Ao produzir riquezas a empresa atrai para si uma tutela jurídica (art. 52 do CC/2002).


Os paradigmas constitucional e civilista realçam a plenitude de uma ótica social, na medida em que o estado democrático de direito elegeu como pressuposto da ordem econômica a valorização do trabalho humano (Art.1º. da CRFB/88) sem olvidar dos princípios da livre iniciativa (Art. 170 da CRFB/88).


Nessa mesma esteira se apresenta o princípio da boa-fé como preceito de ordem pública impondo um padrão de comportamento sobre todo e qualquer contrato, inclusive ao contrato de trabalho.


O dever de boa-fé preside todas as fases contratuais (art.422 cc/2002), pois está voltado para a boa conduta das partes (lealdade, proteção, informação e sigilo), o que não se vê no ato de assediar a pessoa do trabalhador.


MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E ASSÉDIO MORAL (MAT)


A constituição republicana em seu art. 225 tutela o meio ambiente, como direito de todos (direito difuso) em todos os seus aspectos natural, artificial, físico e do trabalho (art. 200,VIII CRFB/88).


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O bullying contamina e desequilibra o meio ambiente, como já dito, na medida em que desrespeita direitos destinados a proteção do ser humano.


O trabalho como direito social, de 3ª. Dimensão se apresenta como direito humano fundamental, colocando “a ética dentro do direito” (Bezerra Leite, 2008).


Gianpaolo Poggio Smanio conceitua meio ambiente como sendo o complexo de bens da empresa, objeto de direitos relativos à saúde e integridade física dos trabalhadores.


O assédio moral viola direitos da pessoa humana do trabalhador. É um abuso de direito, quando o ataque é vertical, pautado no extrapolar do poder diretivo pelo empregador. Tal poder “não pode ser convertido em instrumento de tirania, tortura e humilhação” (Prata, 2008, p 204).


Logo o acossar fere a boa-fé e enseja responsabilidade objetiva (dano e causalidade – § 3º, do art. 225 da CRFB/88), pois existe uma conexão entre o referido princípio e o abuso de direito.


A prática de assediar atenta contra a ordem pública do trabalhador, (Berthier, 2008), pois viola direito fundamental na exata perspectiva de que o objeto do meio ambiente do trabalho é a saúde e segurança do trabalhador.


A empresa como instituição social possui o dever de manter o Meio Ambiental do Trabalho saudável, pois este último repousa sobre “direito á saúde ocupacional” (Oliveira, Geraldo, 2006, p.95) devendo empregar esforços para a qualidade de vida do trabalhador.


Para Simão de Mello o Meio Ambiente do Trabalho (bem jurídico social) é um dos mais importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador.


Perseguir sem tréguas equivale ao uso anormal do direito.


As normas de saúde, higiene e segurança (art.7º. XXII da CRFB/88) buscam preservar a dignidade da pessoa humana (art. 1º. da CRFB/88).


Nestes termos o assedio moral se configura em um dano ambiental, cujo poluidor suportará o ônus de sua ilicitude (art. 5°, X da CRFB/88) por não ter agido com a ética esperada por todos os que se relacionam com ele direta ou indiretamente.


O Trabalho e a saúde (direitos sociais) não se dissociam do meio ambiente do trabalho e a humilhação imposta pelo acossador à vítima é verdadeira burla ao que resta normatizado no art. 5°, X da CRFB/88.


SÍNDROME DE BURNOUT ou BORN-OUT


O mobbing, bullying ou assédio moral, pode provocar um estado negativo e patológico (distresse) na pessoa da vítima, ultrapassando o seu limite de tolerância e resistência, e como resposta a esse estado prolongado de estresse, instala-se a síndrome de burnout, ou seja, o processo psicopatológico de cronificação do estresse, que pode inclusive levar a vítima ao suicídio.


O psicoterrorismo é o mais conhecido tipo de assédio moral praticado no meio ambiente do trabalho. O que implica em dano ambiental do trabalho e acarreta graves conseqüências à pessoa humana do trabalhador.


A Síndrome de Burnout, ao contrário do estresse (euroestresse) sempre é negativa, haja vista que por ser um processo a vítima já não esboça qualquer resistência ou enfretamento. A Burnout está relacionada com o mundo do trabalho, podendo atingir os âmbitos físico, mental, emocional e social.


A Síndrome de Burnout, em realidade, é o diagnóstico encontrado em vítimas que são usualmente assediadas e que acabam por desestruturar-se como ser humano integral, sendo levado a um sentimento de ruína emocional, isolamento afetivo e dificuldades intensas no convívio com a família e amigos, e tudo pela via do meio ambiente doentio no trabalho.


Como dito por Ana Maria Benevides Pereira, em sua obra Burnout: Quando o trabalho ameaça o bem estar do trabalhador, no jargão popular inglês Born-out, é aquilo que deixou de funcionar por absoluta falta de energia, seria a síndrome de “estar acabado” o que acarreta contundente exaustão emocional na vítima e a sua própria despersonalização.


No aspecto sintomatológico a referida síndrome acarreta os seguintes distúrbios: transtornos cardiovasculares, distúrbios do sistema circulatório, como outros; no aspecto comportamental evidencia-se ou chama à atenção a possibilidade de suicídio.


Por fim, resta considerar que o estudo do assédio moral no trabalho sob a nova ótica constitucional exige um comprometimento social dos contratantes da relação de trabalho.


De um lado a empresa na sua tríplice visão: social, com valorização do trabalho, ambiental e econômica, com toda a liberdade para estruturar a sua produção, e de outro, o trabalhador que tem para sua proteção o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1° da CRFB/88, princípio verdadeiramente informador da ordem constitucional vigente no país, esses atores sociais devem buscar, com responsabilidade, harmonizar a tensão entre capital e trabalho com um pacto em favor da humanidade que eles próprios representam.



Informações Sobre os Autores

Rodrigo Gonçalves Alves

Advogado Patronal Trabalhista, Pós-Graduado pela Universidade Cândido Mendes, patrocinando causas para Empresas Públicas, CBTU, Banco do Brasil, CEF e BNDES, Cursando Aprofundamento Dir. do Trabalho, Especializado em Advocacia Trabalhista Empresarial

Luiz Fernando de Paula

Serventuário da 24ª Vara do Trabalho do TRT da 1ª Região


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