Resumo: Visa-se analisar, neste texto, os princípios e as regras a partir das teorias de Dworkin e Alexy.
Palavras-chave: Princípios. Regras. Dworkin. Alexy.
Abstract: It is intended to analyze, in this text, the principles and rules from the theories of Dworkin and Alexy.
Keywords: Principles. Rules. Dworkin. Alexy.
Sumário: 1. Introdução. 2. Dworkin e Alexy. 3. Considerações finais. Referências.
1. Introdução
A Constituição incorpora um sistema normativo aberto de princípios e regras, os quais, enquanto referência para o intérprete (aplicador do direito), não possuem hierarquia.
A consideração dos princípios como normas é um tanto quanto recente, valendo, para os devidos fins aqui pretendidos, promover uma ligeira análise acerca da evolução de sua concepção e consequente consecução normativa.
O processo de reconhecimento normativo dos princípios percorre diversas etapas na história jurídica, podendo-se afirmar englobar três etapas, quais sejam, a do Jusnaturalismo, a do Positivismo Jurídico e a do Pós-positivismo Jurídico.
No Jusnaturalismo os princípios eram encarados como valores superiores, eternos, uniformes, permanentes e imutáveis. Ou seja, percebidos de uma forma abstrata e metafísica, carecendo de normatividade, servindo, unicamente, como um norte valorativo a seguir-se.
O Positivismo Jurídico, que dominou a ciência jurídica no século XX, possui algumas faces, as quais não trabalharemos neste texto. De uma forma geral, a maioria dos juristas encara as regras como normas, negando a normatividade dos princípios neste período, classificando-os como fontes subsidiárias, a serem observadas unicamente, por este caráter, como uma “válvula de segurança”, caso haja eventual lacuna no ordenamento jurídico, após esgotadas as previsões legais, da analogia e dos costumes.
Diversos autores, com ênfase em Luis Roberto Barroso, sustentam que somente com o advento do pós-positivismo jurídico, que veio à lume nas últimas décadas do século XX, reconheceu-se a normatividade destes.
Tal corrente filosófica, conforme Barroso (2006) tem como principais características, além do reconhecimento da normatividade dos princípios, a ascensão dos valores, sob o fundamentando de que a dogmática tradicional (positivismo jurídico) se baseou no mito da objetividade do Direito e da neutralidade do intérprete, tendo encoberto seu caráter ideológico bem como sua instrumentalidade à dominação econômica e social.
Postas essas breves considerações, deve-se considerar, portanto, que no âmbito do direito contemporâneo os princípios e as regras são considerados subespécies de normas.
Passemos ao que viemos aqui.
2. Dworkin e Alexy
A doutrina pretende diferenciar os princípios e as regras de diversas maneiras. Viemos aqui, para destacar, nesse horizonte, as propostas de Ronald Dworkin e de Robert Alexy.
Antes de enfrentarmos as teorias desses autores, necessário mencionar que o critério mais utilizado para se estabelecer distinções entre princípios e regras refere-se ao grau de abstração (ou generalidade) entre estes, como se vislumbra na obra de Norberto Bobbio, na qual os princípios poderiam ser definidos como mandamentos normativos mais abstratos, genéricos. Já as regras, podem ser definidas como mandamentos normativos mais específicos. Passemos ao estudo da teoria de Ronald Dworkin.
Ronald Dworkin afirmara que as regras devem ser analisadas no plano da validade, sendo aplicáveis na forma de tudo ou nada.
Nesse viés, em ocorrendo os fatos previstos por uma regra válida, a resposta por ela dada deve ser aceita (ela deve ser aplicada). Segundo o autor “[…] as regras são aplicáveis à maneira de tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ele fornece deve ser aceita, ou não é válida […]” (DWORKIN, 2007, p. 39).
Apesar do que afirmara, o admite o mesmo que as regras podem conter exceções, sendo apropriado anuncia-las e enumera-las, pois segundo este, em tese, todas as exceções podem ser arroladas, e, quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da regra.
Reforçando a ideia, Dworkin assevera que eventual conflito entre regras deverá ser resolvido segundo os critérios tradicionais de hierarquia (norma hierarquicamente superior prevalece sobre norma hierarquicamente inferior), cronologia (norma posterior prevalece sobre norma anterior) e especialidade (norma especial prevalece sobre norma geral), devendo uma delas, ser considerada inválida.
“Se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida. A decisão de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada, deve ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras. Um sistema jurídico pode regular esses conflitos através de outras regras, que dão precedência à regra promulgada pela autoridade superior, à regra promulgada mais recentemente, à regra mais específica ou outra coisa desse gênero […]” (DWORKIN, 2007, p. 42).
As regras, para o autor, desse modo, não possuem uma dimensão de importância, de maneira que, se duas regras entram em conflito, apenas uma delas será aplicada ao caso concreto e a outra deve ser declarada inválida, a não ser que uma seja exceção à outra.
Segundo Dworkin, os princípios possuem, diversamente das regras, uma dimensão de peso ou importância, e que isso, inevitavelmente, levará a uma controvérsia acerca do melhor caminho a se seguir, devendo o intérprete do direito, no caso concreto, observar qual deles terá uma precedência em relação ao outro, por meio de uma ponderação. Ou seja, os princípios são prima facie.
“[…] Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que a outra frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem e o quão importante ele é” (DWORKIN, 2007, p. 42-43).
Marcelo Novelino, desenvolvendo as distinções existentes entre os princípios e as regras em Ronald Dworkin, alude que:
“Segundo DWORKIN, enquanto as regras impõem resultados, os princípios atuam na orientação do sentido de uma decisão. Quando se chega a um resultado contrário ao apontado pela regra é porque ela foi mudada ou abandonada; já os princípios, ainda que não prevaleçam, sobrevivem intactos. Um determinado princípio pode prevalecer em alguns casos e ser preterido em outros, o que não significa sua exclusão. Assim como os aplicadores do Direito devem seguir uma regra considerada obrigatória, também devem decidir conforme os princípios considerados de maior peso, ainda que existam outros, de peso menor, apontado em sentido contrário” (NOVELINO, 2012, p. 127).
Ronald Dworkin, para comprovar sua tese, lançará mão das metáforas do juiz Hércules e do romance em cadeia.
No primeiro caso, Dworkin imagina um magistrado com capacidades e paciência sobre-humanas, competente para, de maneira criteriosa e metódica, selecionar as hipóteses de interpretação dos casos concretos a partir do filtro da integridade.
Assim, em diálogo com as partes daqueles processos, ele deverá interpretar a história institucional como um movimento constante e partindo de uma análise completa e criteriosa da Constituição, da legislação e dos precedentes, para identificar nestes a leitura feita pela própria sociedade dos princípios jurídicos aplicáveis aos casos.
Como consequência, supera-se a chamada “vontade do legislador” como requisito assegurador da objetividade na interpretação do Direito, como defendido noutros tempos.
O fundamento da tese dworkiana para tal postura está na compreensão da interpretação jurídica como uma forma de interpretação construtiva, capaz de tomar as práticas sociais da melhor forma possível.
Já no romance em cadeia, o que se propõe consiste num exercício literário em que um grupo de romancistas seja contratado para um determinado projeto e que jogue dados para definir a ordem do jogo.
O número mais baixo escreve o capítulo de abertura de um romance, que ele depois manda para o número seguinte, o qual acrescenta um capítulo, com a compreensão de que está acrescendo um capítulo a esse romance, não começando outro, e manda os dois capítulos para o seguinte, e assim por diante. Cada romancista, a não ser o primeiro, tem a dupla responsabilidade de interpretar e criar, pois precisa ler tudo o que foi feito antes para estabelecer, no sentido interpretativista, o que é o romance criado até então.
Nessa perspectiva, cada juiz será como um romancista na corrente, de modo que deverá interpretar tudo o que foi escrito no passado por outros juízes e partes nos respectivos processos, buscando descobrir o que disseram, bem como o seu estado de espírito quando o disseram, objetivando chegar a uma opinião do que eles fizeram coletivamente.
A cada caso, o juiz incumbido de decidir deverá se considerar como parte de um complexo empreendimento em cadeia no qual as inúmeras decisões, convenções e práticas representam a história, que será o seu limite.
O trabalho consistirá, portanto, na continuação dessa história, mas com olhos para o futuro, levando em consideração o que foi feito, por ele e pelos demais, no presente (com os olhos para o passado). O magistrado deverá interpretar o que aconteceu no passado e não partir numa nova direção, já que o dever do juiz consiste, para Dworkin, em interpretar a história jurídica que encontra e não inventar uma história melhor.
Dessa forma, não pode o magistrado romper com o passado, porque a escolha entre os vários sentidos que o texto legal apresenta não pode ser remetida à intenção de ninguém in concreto, mas sim deve ser feita à luz de uma teoria política e com base no melhor princípio ou política que possa justificar tal prática.
Dworkin pressupõe, também, a identificação de uma comunidade de princípios, ou seja, uma dada sociedade é compreendida por pessoas que consideram sua prática governada por princípios comuns e não somente por regras criadas em conformidade com um acordo político.
Assim, o Direito não está restrito ao conjunto de decisões tomadas em âmbito institucional, mas o transborda, devendo ser encarado, em termos gerais, como um sistema de princípios construídos a partir da interpretação da história das práticas sociais, ponto que se deve pressupor nas decisões institucionais. Dessa forma, tanto o juiz Hércules quanto os co-autores do romance em cadeia representam os membros dessa comunidade, tendo sua visão moldada por esse mesmo pano de fundo de silêncio compartilhado que rege as práticas sociais.
Nesse quadrante, tais atividades levarão não somente o magistrado, mas também a comunidade, compreendida pela totalidade de seus membros, ao melhor argumento possível do ponto de vista de uma moral política substantiva, bem como a um argumento com pretensões de ser o correto.
Passemos à análise da teoria de Robert Alexy.
Para Alexy, a despeito das teorias positivistas separarem o direito e a moral, por meio de um conceito de direito com validade puramente formal, corroborada pela legalidade em conformidade com o ordenamento e a eficácia social, teorias não-positivistas tendem a vinculá-los (direito e moral), concebendo o autor um conceito de direito carreado de um terceiro aspecto além dos dois primeiros, vale dizer, o da correção material:
“o direito é um sistema de normas que (1) formula uma pretensão de correção, (2) consistindo na totalidade das normas que pertencem a uma Constituição geralmente eficaz e que não são extremamente injustas, bem como à totalidade das normas promulgadas de acordo com esta Constituição, que possuem um mínimo de eficácia social ou de probabilidade de eficácia e não são extremamente injustas a qual (3) pertencem princípios e outros argumentos normativos nos quais se apoia o procedimento de aplicação do Direito e/ou tem que se apoiar a fim de satisfazer a pretensão da correção[1]” (ALEXY, 2004, p. 123).
A passagem revela que Alexy se preocupa com a correção do direito, pois um sistema jurídico desprovido desta não pode ser legítimo, como pode-se compreender a seguir:
“um sistema desprovido de pretensão à correção não possa ser considerado sistema jurídico, e que na prática os sistemas jurídicos a formulam. Que os elementos outrora descritos (legalidade em conformidade com o ordenamento, eficácia social e a correção material) referem-se além da constituição, às normas postas em conformidade com essa constituição, existindo uma estrutura escalonada, excluindo-se normas extremamente injustas da seara do direito. E por fim, que incorpora-se ao direito o procedimento de sua aplicação, pois tudo aquilo em que se apoia ou que tem que se apoiar alguém que aplica o direito almejando sua correção o direito abarca. Ou seja, que princípios não identificados como jurídicos sobre as bases da validade de uma constituição bem como demais argumentos normativos fundamentadores de decisões pertenceriam ao direito” (ALEXY, 2004, p. 123-126).
Se não estivermos enganados, Alexy considera direito e moral como “aliados”. Aliados estes que, por meio de princípios bem como de argumentação jurídica, buscam uma aplicação justa para o direito no caso concreto.
Alexy (2008) concebe princípios e regras como espécies de normas jurídicas, por mais que sejam distintos. Para este, as regras são aplicáveis na maneira do “tudo ou nada”. Vale dizer, se uma regra é válida, deverá ser aplicada na sua totalidade. Em se tratando de um conflito entre regras, para que apenas uma delas seja considerada válida, deveremos tomar alguns cuidados, pois se considerarmos determinada regra como válida a fim de aplicá-la ao caso, como consequência, além da desconsideração da outra regra pela decisão, sua invalidade será declarada, a não ser que essa regra se encontre em uma situação que excepcione a outra.
Os princípios, de outro modo, para Alexy (2008), são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. São, por conseguinte, mandamentos de otimização, caracterizados pela possibilidade de satisfação em diferentes graus e de acordo com as aduzidas possibilidades fáticas e jurídicas.
Podemos, assim, encará-los como razões em favor de determinado posicionamento argumentativo, atribuindo-se peso à luz do caso concreto, quando de uma colisão:
“As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido –, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com maior peso têm precedência […]” (ALEXY, 2008, p. 93-94).
Importante frisarmos, a partir das palavras ora mencionadas, que antecipadamente nenhum princípio tem primazia sobre os demais, e que o uso da ponderação torna possível vislumbrar-se o maior peso de um princípio com relação a outro em dado caso, sem que haja a invalidação do princípio tido como de peso menor. Ademais, em outro caso, poderá haver a redistribuição dos pesos de uma maneira distinta, inclusive oposta.
Isso se dá, porque segundo Alexy (2008), os princípios equiparam-se a valores, apesar de não se tratarem destes. Para o autor, princípios dizem respeito a um conceito deontológico (de dever ser), enquanto que os valores atinem a um conceito axiológico (de bom, de melhor), não obstante estarem intimamente ligados, possibilitando-se colisão, bem como sopesamento, tanto de princípios como de valores, vez que a realização gradual dos princípios corresponde à dos valores.
Alexy (2008) delimita que a visão do nível dos princípios mostra que neles estão reunidas coisas extremamente diversas. Mas, mais importante que referir-se a essa diversidade é a constatação de sua indeterminação, pois no mundo dos princípios há lugar para muita coisa, podendo-se chamá-lo de mundo do dever-ser ideal. Para ele, as colisões, tensões, conflitos, etc, surgem exatamente no momento em que se tem de passar do espaçoso mundo do dever-ser ideal para o estreito mundo do dever-ser definitivo ou real.
Mas os princípios por si só, não têm a possibilidade de determinar a resposta correta para cada caso, necessitando de um “amparo” para que alcance a aplicação racional do Direito. Alexy então, na busca dessa aplicação racional do Direito, elabora uma teoria da argumentação jurídica, identificando-a como um caso especial da argumentação prática geral (da argumentação moral), que conjuntamente com as regras e princípios formam um procedimento, apto a estabelecer a melhor decisão para o caso concreto.
Postas essas considerações, importa afirmar, Ronald Dworkin e Robert Alexy, procuraram elaborar teorias das normas a serem aplicadas no Regime de Estado Democrático de Direito, cujo principal signo é a procura pela melhor resposta para o caso concreto, a correção material, visando-se, em última instância, rechaçar a discricionariedade do julgador e, correlatamente, o autoritarismo e a arbitrariedade.
3. Considerações finais
Não há dúvidas de que os autores aqui trabalhados contribuíram, grandiosamente, com uma nova forma de se “olhar” para o direito e as normas a partir das suas teorias.
O primeiro, Dworkin, é mais aceito e aplicado pela maioria dos juristas no Brasil, enquanto Alexy, em contrapartida, é muito criticado pelos mesmos, sob argumentos variados.
Particularmente, pensamos tratarem-se de autores com teorias muitíssimo parecidas e, sem rechaçar, por completo, a teoria de Dworkin, preferimos a de Alexy, por maiores que sejam as críticas sobre a mesma, o que será enfrentado em textos futuros. Aguardemos.
Informações Sobre o Autor
Hugo Garcez Duarte
Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE