Resumo: A presente pesquisa se funda na necessidade de se pontuar como é estabelecido o nexo causal entre o adoecimento de ordem mental e a conseqüente incapacidade laboral no meio ambiente de trabalho bancário. Pretende-se propor uma reflexão sobre como a organização do ambiente laboral bancário pode contribuir para o adoecimento mental considerado como acidente do trabalho, visando diminuir o alto índice de afastamento do trabalhador bancário que faz jus ao benefício incapacitante de auxílio-doença acidentário, bem como os prejuízos causados à empresa diante do incremento cada vez maior de tais afastamentos.
Palavras-chave: Auxílio-doença acidentário. Incapacidade laborativa. Transtornos mentais. Nexo causal. Bancário.
Abstract: This research is based on the need to point how is it established the causal link between mental illness and the consequent work incapacity in the banking environment. It intends to propose a reflection about how the banking work organization can contribute to the mental illness considered na occupational accident, aiming to reduce the high rate of remoteness of the bank worker who has the right to the accidental sickness insurance, as well as the damage caused to the company in view of the increasing number of such departures.
Keywords: Accidental sickness insurance. Work incapacity. Mental disorders. Causal nexus. Bank worker.
Sumário: Introdução. Depressão: o transtorno mental mais incapacitante dentre os bancários. Aspectos legais. Observância do NTEP e perícia médica e psicológica como parâmetros para um adequado estabelecimento do nexo causal nos casos de auxílio-doença acidentário. Considerações finais.
INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende realizar uma breve análise sobre a forma de organização do trabalho no ambiente bancário e sua contribuição para o adoecimento mental que gera a incapacidade laboral autorizante à concessão do auxílio-doença acidentário, apontando como se configura o nexo causal entre o trabalho nos bancos e o surgimento ou agravamento das doenças mentais que geram a concessão de tal benefício por incapacidade.
A importância de se estabelecer, com precisão, como se verifica o nexo causal entre o transtorno mental e o trabalho desempenhado refere-se ao adequado enquadramento do benefício em comento pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) como de natureza acidentária (B-91) ou previdenciária (B-31), os quais têm tratamento jurídico diferenciado, apesar de ambos se tratarem de auxílio-doença.
“Entre as principais dificuldades para prevenir as doenças mentais do trabalho estão os diagnósticos imprecisos dos médicos, tratamento deficitário e a dificuldade do próprio trabalhador em aceitar a doença” (Teixeira, 2007). Este panorama praticamente impede a concessão do benefício pela via administrativa, não reconhecendo a autarquia previdenciária seu caráter acidentário, o que impõe ao trabalhador a procura pela via judicial comum, que é sempre mais morosa.
DEPRESSÃO: O TRANSTORNO MENTAL MAIS INCAPACITANTE DENTRE OS BANCÁRIOS.
“O trabalhador bancário é uma das categorias profissionais que mais sofreu com as mudanças decorrentes da reestruturação produtiva” (Soares e Villela, 2012). As autoras concluíram que o problema não se limita à atuação do agressor e do assediado, mas engloba o sistema econômico no qual está inserida a relação de trabalho, afirmando: “no contexto bancário, foco de nossa observação, as falas dos sujeitos denotam que humilhar o outro é um instrumento de domínio e de controle de corpos e mentes a favor da produção, a favor de uma instituição financeira, a favor de metas, resultados e lucro. As pessoas passam a ser descartadas, olhadas como um produto que serve mais ou menos. As próprias empresas passam a gerar forças de autocontrole por meio da formatação de seus funcionários, que têm de aceitar as regras do jogo, e o assédio moral passa a ser um meio a mais de impor a lógica do banco.”
Nesse panorama, vislumbra-se que a forma e a organização do trabalho levam ao acometimento de doenças (Teixeira, 2007). No campo da Psicologia do trabalho, de acordo com a autora, “há um consenso de que as condições e o meio ambiente de trabalho podem ser responsáveis, em muitos casos, pelo aparecimento do quadro de depressão.” O Anexo II do Decreto 3.048/99 elenca a depressão como doença do trabalho.
Até o ano de 2020, há uma projeção da OMS, de que a depressão será a doença mais incapacitante para o trabalho no mundo. Dificuldades profissionais e estresse ocupacional são fatores que podem levar o obreiro a desenvolver a doença, devido a fatores presentes nos ambientes de trabalho, como a pressão por resultados, através de metas inatingíveis, alta competitividade e extensas e extenuantes jornadas de trabalho (Júnior, 2014). Dentre os bancários, a depressão já é o transtorno mental mais incapacitante, seguida pelo transtorno de estresse pós traumático, devido aos sequestros e assaltos que ocorrem com frequência no ambiente bancário.
“Segundo estudos na área da psicopatologia do trabalho, a depressão atinge todas as raças, idades e profissões, tanto os profissionais que trabalham direto com o contato humano, como aqueles que têm atribuições rotineiras extremamente operacionais e mecânicas.” (Teixeira, 2007)
A PhD em Medicina e Saúde Ocupacional Anadergh Barbosa Branco, apud Teixeira (2007), coordenadora do Laboratório de Saúde do Trabalhador da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB afirma que a mudança tecnológica, feita de uma forma muito rápida no Brasil, causou um impacto considerável, acrescentando que “além disso, temos um problema, principalmente nos últimos dez anos, que é o aumento da violência social, que vem interferindo de uma forma muito acentuada no trabalho.”
Ainda segundo a pesquisadora Anadergh Barbosa Branco, apud Teixeira (2007), a depressão pode surgir de vários fatores, afirmando ela que “a gente percebe claramente que a depressão e também outras doenças de cunho afetivo são multifatoriais. Muitas vezes o trabalhador recebe uma demanda que ultrapassa seus limites causando-lhe o estresse. Pessoas que já são vulneráveis e que passam situações de muito estresse podem até sofrer crises de esquizofrenia. Aliás, o estresse é o maior causador das doenças osteomusculares (DORT) e a depressão pode evoluir dele.”
Ao tratar sobre a DORT, Dejours (2000), apud Rocha et al.(2010), afirma que a doença está presente em ambientes de trabalho caracterizados por “(1) sedentarismo das atividades e rigidez das posturas que acarretam hipertonia estável e invariante nos membros superiores; (2) relação direta com clientes associada a dificuldade de expressão de sentimentos agressivos e a presença de sentimentos de culpa; (3) aumento das cadências, por dedicação ao trabalho ou por ameaça de demissão ou fechamento da empresa.” Todas as características descritas acima estão presentes no contexto do labor bancário e, segundo as autoras, causam sofrimento psíquico ao obreiro, capaz de gerar o transtorno depressivo.
ASPECTOS LEGAIS:
De acordo com a Convenção nº 155 da OIT (Organização Internacional do Trabalho):
“Art. 3 — Para os fins da presente Convenção:
e) o termo ‘saúde’, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho.”
A partir do Decreto Legislativo nº 3.724, de 15.01.1919, primeira lei acidentária brasileira, as doenças provocadas pelo trabalho do empregado foram equiparadas a acidente do trabalho.
Nos termos da Lei n. 8.213/91, que regula as doenças ocupacionais:
“Art. 20. Consideram-se acidente de trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. (…)
§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.”
A Portaria nº 1.339/99 do Ministério da Saúde apresenta os princípios norteadores utilizados no Brasil para o diagnóstico das doenças relacionadas ao trabalho e tem um capítulo dedicado aos chamados “transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho”.
A lista de doenças ocupacionais da Previdência Social constante do Anexo II do Decreto nº 3.048 de 06.05.1999 indica o grupo dos chamados “transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho”, apontando como fatores dessas doenças problemas com o emprego e com o desemprego, condições difíceis de trabalho, ritmo de trabalho penoso, reação após acidente grave, reação após assalto no trabalho, desacordo com o patrão e colega de trabalho, circunstâncias relativas às condições de trabalho, má adaptação à organização do horário de trabalho, etc.
A lista B do Anexo II do Decreto nº 6.042, de 12.02.2007 traz os agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, fazendo a correlação entre o CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) e as classes de Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE.
OBSERVÂNCIA DO NTEP E PERÍCIA MÉDICA E PSICOLÓGICA COMO PARÂMETROS PARA UM ADEQUADO ESTABELECIMENTO DO NEXO CAUSAL NOS CASOS DE AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO:
Conceitua-se o auxílio-doença acidentário como o “benefício pecuniário de prestação continuada, com prazo indeterminado, sujeito à revisão periódica, que se constitui no pagamento de renda mensal ao acidentado urbano e rural, que sofreu acidente do trabalho ou doença das condições de trabalho.” (Hertz, 2003)
A previsão legal do benefício em estudo se encontra no artigo 23 da Lei nº. 8.213 de 24.07.1991, que dispõe:
“Art. 23. Considera-se como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo para este efeito o que ocorrer primeiro.”
Para a concessão do auxílio-doença acidentário, a incapacidade para a atividade laborativa habitual há de ser total e temporária, causada por doença do trabalho ou acidente do trabalho.
Quando ocorre um desequilíbrio entre as exigências de uma dada ocupação e a capacidade para realizá-las, verifica-se incapacidade laborativa, que é o fator a ser levado em consideração para a concessão ou não do benefício. Portanto, não basta o diagnóstico da doença em si, mas o grau de incapacidade verificado no caso concreto. Assim, “a Perícia Médica tem como finalidade a avaliação da capacidade laborativa do examinado, para fins de enquadramento na situação legal pertinente” (JÚNIOR, 2014).
A Portaria nº 20 INSS/DIRBEN de 15 de dezembro de 2006 traça as diretrizes de psiquiatria no tocante aos benefícios por incapacidade, listando os transtornos mentais com prováveis etiologias ocupacionais para o estabelecimento de Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), previsto no Decreto nº 6.042, de 12 de fevereiro de 2007, que concede o direito do trabalhador ao reconhecimento de sua doença ocupacional. Antes do advento do referido diploma legal, isto só era possível com a emissão de CAT (Comunicação de acidente de trabalho) pela empresa.
O NTEP relaciona doenças como stress, stress pós–traumático, neurose profissional, a fatores de risco ocupacional, tais como: ritmo de trabalho penoso, problemas com o emprego, ameaça de perda de emprego, desacordo com patrão e colegas de trabalho, circunstâncias relativas às condições de trabalho, dentre outras. O NTEP traça o nexo causal entre as patologias e o labor bancário, autorizando o perito do INSS a conceder o benefício em estudo ao segurado nos seguintes casos, previstos no Anexo II da Lista B do Decreto nº 6042 de 12 de fevereiro de 2007:
A par disso, o que se verifica na prática é que isto não ocorre na esfera administrativa, tendo o segurado de socorrer-se ao Poder Judiciário, que tem decidido favoravelmente à concessão do benefício, como na decisão exemplificativa a seguir:
“BANCÁRIO – ACIDENTE DE TRABALHO – DEPRESSÃO – ANSIEDADE CRÔNICA – DANOS – NEXO DE CAUSALIDADE – COMPROVAÇÃO – Os bancários, por desenvolverem atividades estressantes e repetitivas, estão mais expostos às manifestações de ‘sombras mentais’ lesivas e incuráveis. As decepções sucessivas em situações de trabalho frustrantes, as exigências excessivas de desempenho no trabalho, geradas pelo excesso de competição, alcance de metas, excesso de jornada implicando ameaça permanente de perda de função, perda do posto de trabalho e demissão podem determinar quadros depressivos. Assim, cotejando-se as provas documentais e testemunhais dos presentes autos, à luz das alegações do reclamante, entendo que efetivamente a doença adquirida pelo mesmo decorreu das condições de estresse a que foi submetido, fazendo jus, portanto, à indenização por dano moral.” (TRT- 07ª R. – RO 38100-23.2008.5.07.0002 – 1ª T. – Relª Dulcina de Holanda Palhano – DJe 21.01.2011 – p. 17).
Para Teixeira (2007): “torna-se imprescindível a atuação dos profissionais da saúde ocupacional para realizar diagnósticos, sugerir medidas preventivas ou soluções nos ambientes do trabalho, inclusive, com a participação de psicólogos do trabalho nas perícias judiciais realizadas com o objetivo de se averiguar a existência ou não do nexo causal entre depressão e trabalho, porquanto é preciso compreender cada caso dentro do seu contexto humano e cultural.”
De acordo com o artigo 78 do Regulamento da Previdência Social (RPS), não há previsão de quanto tempo durará o benefício. “Durante a permanência em auxílio-doença-acidentário obviamente não se tem a definição da incapacidade laborativa. As lesões e as seqüelas de doenças presumivelmente estão em fase de avaliação, cuidados médicos e consolidação.” (Hertz, 2003).
“Quando o trabalhador se acidenta, a legislação em vigor outorga-lhe prejuízo de dupla ordem: o pecuniário, porque não recebe o salário integral, o que provoca previsível desajuste em seu orçamento familiar, e o psíquico porque permanece, em muitos casos, durante vários anos sem que sua capacidade laborativa obtenha a devida definição temporal.” (Hertz, 2003).
Exatamente por esses fatores que Cestari e Carlotto (2010) apontam a reabilitação profissional, prevista no artigo 89 da lei 8.213/91, como alternativa de reintegração funcional, com a possibilidade de retorno para o mesmo local de trabalho e para a mesma função, com restrição de tarefas, ou para outra atividade. No entanto, para que a reabilitação seja bem sucedida, deve ocorrer uma interação entre o trabalhador, o INSS, a empresa e a família.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aumento do número de casos de bancários acometidos de transtornos mentais é diretamente influenciado pelo ambiente de trabalho, organizado exclusivamente para gerar lucro a qualquer custo, com base em metas de vendas de produtos ou serviços, em sua maioria, desproporcionais, ou metas de aceleração do processo produtivo, sem mão-de-obra ou condições técnicas suficientes para tanto. Nesse panorama, o obreiro é frequentemente ameaçado de demissão ou rebaixamento de cargo, além de sofrer violência psicológica por ocasião de assaltos e sequestro de familiares.
Para o aferimento do nexo causal entre a enfermidade mental e as atividades efetivamente desempenhadas pelo bancário, bastaria que a autarquia previdenciária aplicasse a correlação entre a entidade mórbida e as classes de CNAE prevista no Anexo II da Lista B do Decreto nº 6.042/2007, para a concessão do benefício. Para as situações não abarcadas pela lei, é fundamental que haja, no mínimo, uma perícia psicológica, realizada por psicólogo do trabalho, aliada à perícia psiquiátrica, produzindo laudos completos e condizentes à realidade de cada caso, uma vez que, dentre trabalhadores expostos às mesmas condições de trabalho extremamente estressantes ou nocivas, alguns podem vir a desenvolver transtornos mentais, enquanto outros permanecerão ilesos, com a saúde mental intacta. Isto decorre de fatores genéticos, biológicos e psicossociais, porém, se realizado em condições como as descritas acima, o trabalho tem influência direta no desencadeamento ou agravamento da doença e na conseqüente incapacidade laborativa.
A cessação do auxílio-doença deveria, sempre que possível, a depender da situação do segurado, estar vinculada à reabilitação profissional, prevista no artigo 89 da lei 8.213/91. De modo geral, não há uma expressiva integração entre o INSS e os bancos no Programa de Reabilitação Profissional (Cestari e Carlotto, 2010), com a efetiva capacitação do segurado para desempenhar ofícios diversos, a fim de conservar, do ponto de vista individual, sua capacidade produtiva, evitando-se maiores prejuízos psíquicos e, sob o ângulo social, evitando-se a exclusão dessa imensa fatia de obreiros do mercado de trabalho.
Informações Sobre os Autores
Ana Carolina Soares de Viveiros
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Advogada. Pós-graduanda em Direito da Seguridade Social pela Universidade Cândido Mendes
Joseval Martins Viana
Graduado em Letras e em Direito. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie