Os tributos e a política tributária em uma sociedade democrática

Resumo:  A democracia não se caracteriza apenas pela escolha periódica dos governantes, mas pela adoção de certos valores que lhe são fundamentais. A igualdade e a liberdade são valores fundamentais na democracia. Os modelos de democracia oscilam entre os que, para assegurar o máximo de liberdade do indivíduo, preservam as desigualdades existentes entre os homens, e os que, pretendendo igualar os homens, suprimem-lhe a liberdade. É impossível separar-se o tributo da política. O Estado democrático de Direito tem seus princípios fundamentais. A formulação das políticas tributárias e a instituição e cobrança de tributos exigem o pleno acatamento desses princípios. As regras e os princípios constitucionais tributários admitem a adoção de políticas tributárias diversas das que costumeiramente vem sendo adotadas pelos governos brasileiros. No Brasil, a rejeição social do modelo de tributação adotado pelos governantes escolhidos pelos cidadãos é um paradoxo que pode ser explicado quando se percebe a frágil representatividade dos partidos políticos.

Palavras-chave: tributação, cidadania, democracia, política tributária, sociedade democrática, direito dos contribuintes.


Abstract: Democracy is not only characterized by periodic choice of rulers, but by the adoption of certain values which are fundamental.  Equality and freedom are fundamental values of democracy. The democracy models oscillate between that, to assure the maximum of freedom of the individual, they preserve the existing inaqualities between the men, and the ones that, intending to equal the men, supress theirs freedom. It is impossible to separate the tribute of the politics. The democratic state of law has its fundamental principles.  The formulation of tax policies, and the imposition and collection of tributes, require the full observance of these principles.  The rules and principles of the Brazilian Constitution admit the adoption of fiscal policies different from that usually has being adopted by the Brazilian governments. In Brazil, the social rejection of taxation model adopted by the rulers chosen by the citizens is a paradox that can be explained when one realizes the weak representation of political parties.


Keywords: taxation, citizenship, democracy, fiscal policy, democratic society, taxpayer rights.


Sumário: 1.  Tributo e política. 2.  Os fins do Estado. 3.   O custeio das despesas estatais. 4.  A Política Tributária e a Política Fiscal. 5. Conceito de tributo. 6.  A finalidade do tributo. 7.  A escolha dos devedores. 8.  O Direito Tributário como a instrumentalização jurídica das opções políticas do legislador. 9. Governo e Democracia. 9.1.  A democracia representativa. 9.2.   O mandato político. 9.3.   A democracia pelos partidos. 9.4.  Os valores básicos da democracia. 10.   Tributo e Democracia na Constituição brasileira de 1988. 10.1.   O Sistema Tributário Nacional. 10.2.   O princípio da estrita legalidade da tributação. 10.3.   As matérias sob reserva de lei. 10.4.   O princípio da igualdade. 10.5.   A irretroatividade da lei. 10.6.   As imunidades tributárias. 11.   Propostas em defesa da ampliação do conteúdo democrático das políticas tributárias e fiscal. Referências bibliográficas.


1.  Tributo e política


É impossível dissociar o tributo da política.  A imposição tributária decorre de opções políticas, sendo que o dinheiro arrecadado pelo governo necessariamente será usado em conformidade com  opções políticas.


A arrecadação tributária onera setores sociais, sempre de forma desigual; a política fiscal encaminha os gastos públicos em conformidade com opções políticas, dando tratamento desigual a seus destinatários.


A íntima relação entre o tributo e a política fica evidenciada, em uma perspectiva histórica, quando se analisa a evolução das instituições político-jurídicas da Humanidade. O tributo sempre esteve na raiz das grandes transformações políticas e jurídicas da sociedade.  Para citar apenas os exemplos mais conhecidos, a denominada Magna Carta de 1215, o Bill of Rights, o Constitucionalismo do século XVIII, a Revolução das Colônias Britânicas da América do Norte, a Revolução Francesa, a Inconfidência Mineira: todas tiveram no tributo o seu motor.


A questão tributária é apenas um aspecto de uma outra questão política mais abrangente, relativamente aos fins do Estado.  Isto porque as despesas públicas são função das atividades exercidas pelo Estado, no fornecimento de bens e serviços aos jurisdicionados.   As pressões políticas para que o Estado amplie sua participação na vida econômica e social de seus súditos acarretam o aumento dos gastos públicos e, por via de conseqüência, exigem que os recursos correspondentes sejam auferidos pelo Governo.


A legislação tributária é o instrumento pelo qual as opções políticas, referentes ao financiamento dos gastos públicos,  são aplicadas.  Isto evidencia que a tão decantada reforma tributária, que o reformismo crônico do discurso político em voga nos meios de comunicação não se cansa de pregar, somente poderá ser eficazmente equacionada com a correta apreensão dos fenômenos envolvidos.


O governo equilibra-se entre as reivindicações de maior presença dos poderes públicos no fornecimento de bens e serviços e a oposição feita por aqueles que terão que pagar por isso. Há uma contínua tensão na sociedade e esses conflitos devem ser resolvidos no interior da própria sociedade, com observância dos princípios ditos democráticos.


2.  Os fins do Estado


O debate sobre as atribuições que devem ser dadas ao  Estado é perfeitamente conhecido.  A resposta a essa indagação vincula-se à ideologia.


O movimento constitucionalista do século XVIII, na ânsia de proteger o indivíduo, elaborou um modelo político onde ao Estado eram atribuídas reduzidas funções, relacionadas com a manutenção da ordem pública, ao contato com outros Estados e à distribuição de justiça entre os particulares. Na concepção de seus formuladores, o Estado era entendido como um mal necessário, que deveria ser mantido com estrutura mínima.


No entanto, as reivindicações políticas dos membros da sociedade, decorrentes da adoção do sufrágio universal e da expansão da organização política dos setores mais pobres da população, foram gradativamente ampliando as funções do Estado.  É fato amplamente conhecido que as revoluções mexicanas e soviéticas, no começo do século XX, impulsionaram a concepção de que o Estado não poderia ficar alheio aos problemas sociais e econômicos.  O modelo liberal, oitocentista, ficou superado.  A duas grandes guerras mundiais e as contradições internas do próprio sistema capitalista permitiram a consolidação do Estado intervencionista.  As discussões passaram a girar em torno do grau de intervenção estatal que se deveria admitir como adequado.


O Estado moderno agigantou-se, e o poder público transformou-se em uma complexa organização, separando-se a Administração Direta da  Administração Indireta, surgindo as autarquias, as empresas públicas, as fundações públicas e as sociedades de economia mista.


A poderosa máquina estatal exige gerenciamento técnico e profissional, havendo fluxo permanente de receitas e despesas.


3.   O custeio das despesas estatais


Os recursos financeiros para o atendimento das necessidades do poder público são obtidos a partir das denominadas receitas originárias (decorrentes do próprio patrimônio do Estado, como os dividendos pagos pelas empresas estatais) e das receitas derivadas (como os tributos), da emissão de títulos públicos (para a obtenção de empréstimos), e da emissão de moeda.


As denominadas receitas originárias atingem pequeno montante.  A emissão de moeda, sem os rígidos controle de uma política monetária eficaz, ocasiona inflação, e as experiências vividas pelos diversos países, inclusive o Brasil, demonstraram não ser esse um caminho economicamente adequado.


Restam as duas alternativas mais importantes: a captação de recursos mediante a emissão de títulos públicos (o que aumenta a divida pública) e a arrecadação tributária.


A arrecadação tributária representa o ingresso mais significativo.  Aliás o financiamento da administração pública mediante empréstimos torna o Estado devedor, e essa dívida terá que ser paga com recursos que, normalmente, serão obtidos pela arrecadação tributária.


4.  A Política Tributária e a Política Fiscal


A ampla gama de atribuições assumidas pelo Estado acarreta a eleição de prioridades do poder público, tendo em vista que os recursos econômicos disponíveis são finitos.  Há uma contínua tensão entre a busca de recursos e a efetividade das políticas públicas.


Em decorrência, passam a serem relevantes a Política Tributária e a Política Fiscal.  A Política Tributária direciona a captação dos recursos de origem tributária.   O governo deve definir onde irá buscar os recursos necessários para o custeio das despesas públicas.  A Política Fiscal define as aplicações desses recursos.


Em cada um desses polos opostos decisões políticas são tomadas.  Essas decisões são adotadas pelos governantes.  Essa constatação evidencia a importância de serem conhecidos os mecanismos pelos quais surgem os governantes, e de como eles se mantêm no poder.


Constata-se que na sociedade há uma minoria que governa e a imensa maioria é governada.  É da própria natureza das coisas que o governo seja exercido por uma minoria


As formas pelas quais os governos se instalam e se mantêm  nas sociedade têm sido alvo da indagação dos filósofos, que há séculos refletem sobre o tema.  A moderna Ciência Política ajuda a lançar alguma luz sobre essa realidade.


Os governantes, nas democracias, são escolhidos pelos governados.  Esses governantes cercam-se de assessores e auxiliares, havendo a formação de uma poderosa cúpula de técnicos e burocratas,  sem mandato político, ávidos por dinheiro.


Os mecanismos de implantação das políticas tributária e fiscal passam a ser considerados de natureza técnica, sob gerenciamento dos técnicos governamentais. Surge, assim, paralelamente ao poder dos governantes escolhidos pelos cidadãos, o poder da tecnocracia.


5. Conceito de tributo


O tributo, no sentido de entrega compulsória de bens ou serviços aos governantes, revela sua presença desde os albores da História.  “Tributo e governo” é uma constante nas sociedades humanas.


A noção de tributo depende da estrutura econômica e jurídica da sociedade e do próprio Estado.


O tributo é uma realidade complexa, podendo ser analisado a partir de diversas perspectivas.  A pluralidade dos conceitos de tributo apresentada pelos estudiosos revela os múltiplos enfoques a partir dos quais  esse fenômeno pode ser apreendido.  Esses diversos conceitos podem ser integrados em uma visão multidisciplinar, que permite uma compreensão mais adequada do mundo real.  Assim, esses conceitos não se repelem, mas se integram; todavia, é preciso especial cuidado para não se mesclar os domínios das diversas ciências que podem ser desenvolvidas a partir do núcleo essencial do tributo.


O núcleo essencial do tributo é a existência da entrega compulsória de prestação ao Governo, decorrente de uma relação de força, sem que tenha havido prévia concordância pessoal do devedor, com a finalidade de custear as despesas públicas.


A evolução das relações sociais e o aprimoramento das instituições jurídicas lentamente transformaram a “relação de fato”, que inicialmente caracterizava a relação tributária, em “relação jurídica” e introduziram no conceito de tributo a concordância do devedor, que lhe foi imputada,  em razão de  a exigência tributária ter sido aceita pelo seu representante (“não há tributação sem representação”).


As prestações compulsórias que os governantes têm exigido de seus súditos no decorrer dos tempos amoldaram-se às peculiaridades das épocas e dos locais.


Em épocas pretéritas, o objeto dessas prestações era mais diversificado  que o atual,  admitindo-se a entrega de produtos rurais ou industriais, além de pedras e metais preciosos e, obviamente, de dinheiro.  Essas prestações incluíam também a entrega de serviços aos governantes (como, exemplificativamente, do serviço militar).


Há muito o conceito de tributo foi circunscrito à entrega compulsória de recursos financeiros ao Estado, com a finalidade preponderante de custeio dos serviços públicos.  O controvertido art. 3º do Código Tributário Nacional apresenta o conceito jurídico de tributo, adotado pelo direito positivo:  “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.


Por outro lado, o Estado contemporâneo obriga o particular a entregar tais recursos não somente ao próprio Estado, mas também a terceiros (as denominadas contribuições parafiscais), o que revela uma ampliação da abrangência da noção de tributo.


6.  A finalidade do tributo


O tributo implica transferência de recursos privados para o Governo.  Ínsita nesta constatação está a concepção da existência de tais recursos privados, razão pela qual não se poderia falar em tributo em uma economia totalmente socializada.


Embora se possa admitir que a finalidade da cobrança de tributos é a de financiar os gastos do Governo, a evolução das instituições políticas e jurídicas da sociedade implicaram a adoção de tributos com finalidades outras. É que os aspectos relacionados com a análise econômica da tributação mostram que a tributação não é economicamente neutra, e afeta as decisões dos agentes econômicos.  Com efeito, a interferência da carga tributária sobre os diversos aspectos da economia acarreta modificação no comportamento desses agentes econômicos. Assim, exemplificativamente, a tributação afeta a renda disponível do contribuinte, alterando suas opções de compra; a tributação aumenta  o custo de produção e, por conseqüência, o preço do produto.


Por tais razões, o Governo pode exigir tributo com a finalidade de intervenção no domínio econômico, tendo importância secundária a própria arrecadação financeira que essa intervenção venha a produzir.  Em uma situação extrema, é possível a instituição de tributo com a finalidade de não arrecadar mais recursos, mas a de inibir uma atividade econômica entendida como prejudicial. Essa tributação punitiva[1] pode ocorrer em circunstâncias tais como a da elevação dos direitos aduaneiros (inibindo a ocorrência de importações) ou a de elevada alíquota sobre produtos alcoólicos ou sobre o fumo (que acabam arrecadando menos dinheiro do que ocorreria se a alíquota fosse menor, em virtude da inibição do consumo).


Os estudiosos referem-se a esses aspectos do tributo com o nome de “efeitos extrafiscais” da tributação.


7.  A escolha dos devedores


Os governantes devem previamente escolher os devedores dos tributos, isto é, definir quais pessoas deverão pagar os tributos ao poder público.  A escolha dos devedores é política.  Assim, mediante a edição de leis, são definidos os fatos geradores da relação jurídica tributária, as bases de cálculo e alíquotas e os devedores da prestação tributária.   Os formuladores da política tributária do governo (geralmente, os tecnocratas sem mandato político) fazem as opções de tributação e os cálculos.


No entanto, cabe ressaltar que, no Brasil,  os tributos já se encontram previstos na Constituição, que estabelece as competências tributárias dos legisladores,  e as leis que os criam permanecem produzindo efeitos, independentemente da mudança de governantes.  Por esse motivo, a substituição dos governantes, e até mesmo a alteração de partidos no governo,  somente produzirá efeitos na política tributária e na legislação tributária se houver fortes razões para isso.


Ao contrário do que ocorria no passado, a aprovação do Orçamento  não é mais condição para a cobrança dos tributos. As leis tributárias permanecem em vigor até serem revogadas ou alteradas.  A vigência das leis tributárias garantem um fluxo constante de recursos para o governo.


Em uma sociedade democrática é crucial que a escolha dos que irão pagar os tributos, e o montante de tributos que serão exigidos,  seja feita com estrita obediência às diretrizes e princípios estabelecidos na Constituição, preservando-se os valores básicos da democracia.  A instituição de tributos exige um procedimento formal, com a edição de lei.  No entanto, é também fundamental que a lei tenha rigorosamente atendido aos princípios constitucionais.


A escolha daqueles que irão pagar é feita a partir de critérios políticos, respeitando-se as diretrizes e princípios estabelecidos na Constituição. Assim, ao lado dos valores essenciais à democracia, como a liberdade, a igualdade e a propriedade, os tributos podem estar sujeitos a princípios próprios, exigidos pelo ordenamento constitucional.  Por exemplo, o imposto de renda deve adotar a progressividade; e o imposto sobre produtos industrializados deve ser seletivo em função da essencialidade do produto.


8.  O Direito Tributário como a instrumentalização jurídica das opções políticas do legislador


A formação do Direito Tributário, que evoluiu a partir do Direito Administrativo e do Direito Financeiro, foi impulsionada pela publicação do Código Tributário Alemão, no começo do século XX.


O desenvolvimento do Direito Tributário foi contemporâneo do desenvolvimento das próprias concepções de democracia, que convulsionaram o ambiente político e jurídico do século XX.  Por essa razão, os progressos no campo do Direito Constitucional refletiram-se no Direito Tributário, que absorveu os valores democráticos e busca dar-lhes expressão ao moldar os institutos jurídicos da tributação.


No caso brasileiro, o sistema tributário é estruturado pela própria Constituição Federal, de forma bastante analítica, com ampla interseção entre o Direito Constitucional, direito essencialmente político, e o Direito Tributário (onde o tecnicismo encontra-se presente de forma acentuada).


Os institutos de Direito Tributário proclamam os princípios fundamentais em uma democracia,  tais como o da legalidade da tributação, o da igualdade, o da vedação do confisco (reconhecendo a legitimidade da propriedade, direito assegurado pela Constituição Federal).


O lançamento de tributos, conforme expressa o parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional, é obrigatório e vinculante para as autoridades fiscais, sob pena de responsabilidade funcional.  Portanto, retira-se da autoridade fiscal a possibilidade de deixar de cobrar o tributo devido (favorecendo alguns contribuintes, com desrespeito ao princípio democrático da igualdade) ou cobrá-lo maior do que o devido (com desrespeito ao princípio democrático da estrita legalidade da tributação).


As leis tributárias asseguram ao contribuinte o direito de apresentar impugnações e recursos administrativos contra as exigências tributárias que lhe sejam feitas, tendo essas impugnações e recursos efeitos suspensivos da exigência.  Além disso, é assegurado ao contribuinte, em qualquer tempo, dirigir-se ao Poder Judiciário contra a Administração Tributária, alternativamente à defesa administrativa, ou em seqüência desta, caso discorde da decisão administrativa.  Dessa forma, há observância do comando da Constituição que veda à lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (Constituição Federal, art. 5º, XXXV).


A cobrança de tributos, administrativa ou judicial,  somente pode ser feita com obediência ao devido processo legal, assegurado o contraditório e a ampla defesa (Constituição, art. 5º, LV).


O sigilo fiscal, que impede a divulgação por parte da Administração Pública ou de seus servidores de informação “obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”, é assegurado pelo art. 198 do Código Tributário Nacional.


O Direito Tributário não se limita às normas expedidas pelo legislador, mas admite pluralidade de fontes, o que garante a  flexibilidade da ação administrativa.  Todavia, os atos normativos expedidos pela Administração Tributária devem observar rigorosamente, sob pena de invalidade, os princípios democráticos e os comandos constantes das normas hierarquicamente superiores.  Em conformidade com o  art. 96 do Código Tributário Nacional a legislação tributária “compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”.


Em um Estado de Direito as decisões governamentais devem ser formalizadas em atos jurídicos apropriados, e as competências normativas das autoridades fazendárias, quer na  implementação da Política Tributária do governo, quer na execução da legislação tributária, somente serão legítimas e juridicamente válidas se derem perfeito acatamento às normas e princípios explícitos ou implícitos da Constituição.


9. Governo e Democracia


A crença de que o poder do governante tem origem divina predominou na maior parte da História da Humanidade.


Com efeito, é do apóstolo Paulo a afirmação de que “não há poder que não venha de Deus” (Romanos, XIII,1).  As conseqüências dessa frase nas lutas políticas na Europa e na América são bastante conhecidas.


A relação entre os súditos e os governantes estava, assim, na dependência de concepções religiosas.  Nessa perspectiva, a soberania era atributo do monarca.


No entanto, já na Antigüidade houve a afirmação de pertencer ao povo a soberania, e de o poder do governante ter sua origem na vontade dos súditos.


É clássica, nos manuais de Direito Constitucional, a referência a três formas de governo: a monarquia, a aristocracia e a democracia.


A propósito das formas de governo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho recorda a Política de Aristóteles, onde se diferencia as formas legítimas (“que buscam o interesse geral”) e as formas ilegítimas (“que visam ao interesse de alguns, mormente dos governantes”). E acrescenta:


Três são as formas legítimas: a monarquia (governo de um só em proveito de todos), a aristocracia (governo de uma minoria – dos melhores ou mais capazes – em proveito geral) e a república (ou a democracia, para alguns tradutores, o governo da maioria mas em benefício de todos).  As ilegítimas são: tirania (governo de um só mas em benefício de uma minoria, ou do próprio tirano), oligarquia (governo da  minoria dos mais ricos em benefício próprio) e demagogia (ou democracia, conforme o tradutor, o governo da maioria explorada pelos demagogos em vista do interesse de alguns, em prejuízo da maioria”.[2]


A lição de Aristóteles permite que se distingam governos legítimos e governos ilegítimos, tendo-se em vista o objetivo do governante: será legítimo o governo que visa o benefício de toda a sociedade.  Assim, até mesmo o governo da maioria será ilegítimo se visar ao interesse de alguma minoria.  Nessa perspectiva, um governo aristocrático pode ser legítimo ser visar ao benefício de toda a sociedade.


Não obstante seja sedutora a idéia de democracia, e  as pessoas, em geral,  gostarem de dizer-se democratas, a verdade é que o conceito de democracia não é claro, e sempre esteve sujeito a acaloradas polêmicas, do que resultam democracias adjetivadas: “democracia direta”, “democracia representativa”,   “democracia liberal”, “democracia popular”, “democracia marxista”, “democracia cristã”, “democracia social”.  No Brasil, durante o período militar posterior a 1964, houve quem reconhecesse a existência da “democracia relativa”.  PINTO FERREIRA assinala que “Trata-se de uma idéia que a princípio parece muito simples, apresenta-se claramente ao entendimento do estudioso, porém sobre ela dissentem os doutores no tocante à sua exata compreensão.”[3]


A definição mais singela é a literal: democracia é o governo do povo, distinguindo-se da aristocracia,  da monarquia e da teocracia.


É, também, corrente a definição de que a democracia é “o governo do povo, pelo povo e para o povo”.  No entanto, é problemático dizer-se que o povo se autogoverna.  É nítida a existência de governantes e de governados.


Uma tradicional classificação da democracia a distingue em dois tipos: a democracia direta e a indireta.


Constata Manoel Gonçalves Ferreira Filho que a democracia direta, (“aquela em que as decisões fundamentais são tomadas pelos cidadãos em assembléia”) é apenas uma reminiscência histórica.[4] O modelo clássico de democracia direta foi a ateniense, na Antigüidade.  Conforme salienta o autor citado, o supremo poder na democracia ateniense era atribuído a todos os cidadãos, todo cidadão ateniense tinha o direito de participar da assembléia onde as decisões eram tomadas, com direito de palavra e voto.  Todavia, nem todos os homens eram cidadãos.  A qualidade de cidadão era hereditária e, de forma geral, somente concedida aos filhos de atenienses, ficando excluídos os estrangeiros e os descendentes de estrangeiros, além das mulheres.[5] Constata-se, pois, que nem no “modelo clássico” de democracia direta o povo, entendido como as pessoas residentes em determinado território e sujeitas a determinado governo, se autogovernava.


A democracia direta não é adotada modernamente sob a alegação de que não seria possível reunir milhões de cidadãos em assembléias freqüentes; além disso, o povo não teria capacidade para “compreender os problemas técnicos e complexos do Estado-providência”.[6] 9.1.  A democracia representativa


Na democracia indireta o povo é governado por meio de pessoas escolhidas para a função de governar.[7]


Há, assim, na democracia indireta, o problema da escolha das pessoas que irão governar. Os escolhidos exercerão o governo em nome do povo.  Portanto, na democracia indireta (isto é, em todas as democracias modernas) o povo não se governa, mas é governado pelos escolhidos para isso.


As idéias vitoriosas na Revolução Francesa tornaram-se o fundamento teórico da chamada democracia representativa.  A burguesia ascendeu ao poder, sobrepondo-se à nobreza e ao clero, e carregando a bandeira dos ideais de igualdade e liberdade. Na ideologia desses revolucionários o indivíduo era percebido  como a grande realidade, os indivíduos deviam ser livres, sendo a sociedade apenas a decorrência do contrato social celebrado pelos  indivíduos. A propriedade privada e a liberdade de contrato eram vistas como direito natural. Os enciclopedistas propagaram esses ideais do Iluminismo, proclamando que a Natureza e a Razão orientariam os Indivíduos a encontrar a  Felicidade.


Nessa cosmovisão, seria imprescindível a participação de todos os membros da sociedade, reunidos  em assembléia, para debater  e aprovar a Constituição e as leis. No entanto, percebendo-se que essa proposta não pode ser concretizada, tornou-se necessária a elaboração de uma teoria que justificasse a realização de assembléia sem a participação da maioria, mas que ao mesmo tempo adotasse decisões obrigatórias para todos os indivíduos.


O impasse foi habilmente contornado com a elaboração da doutrina que veio a se tornar conhecida como democracia representativa, modalidade de democracia indireta, que uniu as idéias de Montesquieu com as noções então geralmente aceitas  relativas ao Direito Natural.


A doutrina da democracia representativa distingue os membros da  sociedade, separando-os  em governados e governantes. Os governantes são considerados representantes dos governados, e nessa condição adotam as decisões políticas e legislam em nome dos representados.


A impossibilidade de serem realizadas assembléias com a presença de todos os cidadãos, e a certeza de que a maioria dos cidadãos não estaria apta a decidir as questões que seriam submetidas à apreciação da assembléia, serviram de pretexto para a adoção desse modelo de democracia.


De acordo com o pensamento dominante à época, embora o cidadão comum não esteja apto para gerir os negócios públicos,  sabe escolher aqueles que estão habilitados para governar. Destarte,  o eleitor saberia discernir o melhor candidato.


Constata-se que, apesar de aclamar como valores supremos a igualdade, a liberdade e a fraternidade, os revolucionários do final do século XVIII acabaram afastando do poder a maior parte da população. No entanto, para esses revolucionários esse fato era irrelevante,  tendo em vista que no seu ideário a função de legislar consistia apenas na  positivação do Direito Natural. Prevalecia naquele tempo a convicção da racionalidade da lei que, em conformidade com a expressão tomista, é “a ordenação da razão“, visando ao bem comum, feita e promulgada pelo legislador. Em conformidade com esse modo de pensar,  o direito não seria criado pelo legislador, pois o direito precederia ao próprio legislador, cuja missão seria a de encontrá-lo,  explicitá-lo e positivá-lo, o que se faz por meio da edição de um texto escrito, para que os demais participantes da sociedade dele tomem conhecimento e o acatem.


Decorre do exposto que, na concepção predominante à época da adoção da democracia representativa, a  positivação do direito resumir-se-ia  à descoberta da solução mais justa para cada um dos possíveis conflitos humanos e à sua divulgação  para conhecimento das demais pessoas. Assim, haveria sempre a lei justa para solver cada conflito, e qualquer pessoa que tivesse inteligência e conhecimentos necessários descobriria essa lei. Diante disso, irrelevante a quantidade de deputados que representasse o povo, bastava apenas que os mais capacitados fossem escolhidos. Se o conjunto dos representantes fosse substituído por outro, a lei a ser aprovada continuaria sendo a mesma.


Esse ponto de vista parecia suficiente para conciliar a idéia de igualdade, com o fato de que poucos cidadãos efetivamente participavam do governo.


A própria noção de cidadania não tinha, na época, a abrangência contemporânea, eis que somente pequena parte da população tinha direitos políticos. O direito de votar, precavidamente, ficou reservado aos que possuíam renda acima de determinado valor.


O voto censitário garantia o caráter aristocrático da “democracia representativa”. 


Segundo FERREIRA FILHO, para a doutrina política helênica, a eleição era um método aristocrático de seleção dos governantes, enquanto o sorteio é que era considerado o modo democrático.[8]


9.2.   O mandato político


O mandato político se diferencia do mandato de direito privado em diversos aspectos.  No direito privado, o mandante, em geral, pode revogar o mandato, além de estabelecer as regras que o mandatário deve observar no exercício do mandato, sendo que o mandatário está sujeito a prestação de contas.  No mandato político, o mandatário (o eleito) não está juridicamente subordinado ao eleitor, não tendo que lhe prestar contas. O eleito é considerado “representante” de toda a população e não somente dos eleitores que nele votaram.


 Aliás, o eleito não sabe sequer quem nele votou, eis que adota-se o voto secreto. No Brasil, o voto secreto foi estabelecido como “cláusula pétrea”, não podendo ser abolido (Constituição Federal, art. 60,§ 4º, II). No mandato político, imputa-se ao representado a vontade do representante.  Isto é, o eleito toma as decisões que julga adequadas, e entende-se que o eleitor quis essas decisões.


9.3.   A democracia pelos partidos


A idéia original defendida por Montesquieu sustentava que, embora nem todos os homens tivessem a capacidade para governar, todos os homens teriam a  capacidade para escolher os representantes.  Isto se daria porque cada eleitor escolheria alguém que conhecesse e em quem reconhecesse a capacidade para “administrar os negócios” públicos.


No entanto, as  “democracias” evoluíram para as denominadas “democracias pelos partidos”, onde o eleitor já não mais indica alguém que conheça, mas deve escolher alguém em uma lista de estranhos que lhe é apresentada pelos partidos políticos.  Os partidos políticos têm o monopólio das candidaturas e, de uma forma geral, os partidos políticos não têm, internamente, estrutura “democrática” (vale dizer, nem sempre os filiados ao partido conseguem escolher o nome daqueles que serão apresentados como os candidatos do partido).


Deve ser acrescentado que, em decorrência de a “democracia pelos partidos” aceitar o sistema eleitoral proporcional,  o eleitor vota em um candidato de uma lista, sendo que o voto será atribuído ao partido, podendo eleger outro candidato, não votado pelo eleitor.


Essa situação trouxe o descrédito no mandato político.  O eleitor, embora tendo votado, não se sente representado, e  procura fazer valer sua opinião política pelos meios os mais diversos.  O eleitor e os grupos sociais passaram a pressionar os políticos das mais diversificadas formas.


Surgiram, assim, os grupos de pressão, cuja existência demonstra a discutível legitimidade do sistema eleitoral.


Além disso, a maioria dos eleitores não vê significativas diferenças nos programas dos partidos políticos.


9.4.  Os valores básicos da democracia


Apesar das distorções políticas na escolha dos governantes, a noção de democracia tem-se imposto pela aceitação de que essa modalidade de organização política agasalharia alguns valores básicos, resultantes da longa evolução da sociedade humana.


Ao examinar os valores e fatores condicionantes da democracia, acentua Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Fundamentalmente são dois valores que inspiram a democracia: liberdade e igualdade, cada um destes valores, é certo, com sua constelação de valores secundários.  Não há concepção de democracia que não lhes renda vassalagem, ainda que em grau variabilíssimo.  E pode-se, até, conforme predomine este ou aquele valor, distinguir as concepções liberais das concepções igualitárias de democracia”.[9]


José Afonso da Silva critica os autores que concebem apenas um “conceito estático” de democracia, eis que segundo esse autor a democracia é um processo dialético que “vai rompendo os contrários, as antíteses, para, a cada etapa da evolução, incorporar conteúdo novo, enriquecido de novos valores”.[10] Esse autor reconhece que a doutrina afirma que a democracia repousa sobre três princípios fundamentais: o princípio da maioria, o princípio da igualdade e o princípio da liberdade.  E, a seguir, acrescenta: “Aristóteles já dizia que a democracia é o governo onde domina o número, isto é, a maioria, mas também disse que a alma da democracia consiste na liberdade, sendo todos iguais”.[11]


10.   Tributo e Democracia na Constituição brasileira de 1988


A Constituição é, ao mesmo tempo,  a decisão política fundamental da sociedade e o documento jurídico básico.


Portanto, é na Constituição que se encontram os primeiros alicerces relativos ao equacionamento das políticas tributária e fiscal.


A Constituição brasileira de 1988, já no preâmbulo proclama sua vocação democrática ao afirmar que os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, tinham por objetivo “instituir um Estado democrático”.


O art. 1º da Constituição assegura que a República Federativa do Brasil constitui-se em “Estado democrático de direito[12], e o parágrafo único arremata: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.


Por outro lado, o art. 3º enumera os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre os quais incluem-se “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos…”.


Resulta cristalinamente do texto constitucional a adoção do regime democrático, para a obtenção dos objetivos enumerados.  A Constituição constrói um Estado intervencionista na ordem econômica e social, mas exige que essa intervenção seja feita democraticamente.


As ações estatais em busca da efetivação de seus objetivos exigem aportes financeiros de grande magnitude.  Os princípios democráticos devem ser observados na formulação concreta das ações estatais e nas definições das fontes de financiamento dessas ações.


A questão financeira vem amplamente tratada no Título VI da Constituição, sob o nome de “Da Tributação e do Orçamento”.  Nesse título, o Estatuto Supremo estabelece a estrutura jurídica do “Sistema Tributário Nacional” (Capítulo I) e das “Finanças Públicas” (Capítulo II).


Ao disciplinar a questão tributária e orçamentária, a Constituição define e preserva os valores que são essenciais para a  construção e manutenção de uma sociedade democrática.


10.1.   O Sistema Tributário Nacional


O texto constitucional traz minuciosa descrição da estrutura jurídica do denominado sistema tributário nacional, dispondo sobre os “princípios gerais” (art. 145 a 149-A), “as limitações do poder de tributar” (art. 150 a 152), os “impostos da União” (art. 153 a 154), os “impostos dos Estados e do Distrito Federal” (art. 155), os “impostos dos Municípios” (art. 156) e a “repartição das receitas tributárias” (art. 157 a 161).


As regras do denominado Sistema Tributário Nacional, estruturado no texto da própria Constituição, e desenvolvido no Código Tributário Nacional,  deve ter aplicação uniforme em todas as esferas autônomas de governo, dentro da Federação brasileira.


Ao dispor sobre as limitações ao poder de tributar, a Constituição assegura certos direitos clássicos dos contribuintes, conquistados em árdua luta no decorrer da História, e associados ao desenvolvimento da noção de democracia.


Entre esses direitos podem ser ressaltados os relativos ao denominado “princípio da legalidade”,  ao “princípio da isonomia”, “princípio da anterioridade em relação ao exercício de cobrança”; “princípio da capacidade contributiva”, “princípio do não-confisco”.


Esses princípios abrigam certos valores caros na construção e conservação da “democracia”.


10.2.   O princípio da estrita legalidade da tributação


O princípio da estrita legalidade da tributação, contemplado pelo inciso I do art. 150 da Constituição, veda a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça.  Tal princípio exige, portanto, a participação do órgão legislativo na instituição ou majoração de tributos. É a tradução moderna de outro importante princípio, segundo o qual “não há tributação sem representação”.  O princípio visa a assegurar que o governante não poderá cobrar tributo que não tenha sido autorizado pelos representantes dos contribuintes.  A História registra que esse princípio foi uma das exigências dos barões revoltados contra o rei João sem Terra, em 1215, na Inglaterra.  O rei teve que fazer a concessão, e o princípio foi insculpido na denominada Magna Carta.  Posteriormente, o princípio foi desrespeitado e os contribuintes conseguiram novamente impô-lo (“Bill of Rights”, em 1689). O próprio movimento que culminou com a revolta dos colonos britânicos na América do Norte, e a formação dos Estados Unidos da América, resultou do desrespeito ao princípio de que “não há tributação sem representação”.


Em sua formulação contemporânea, esse princípio exterioriza a concepção democrática da representação.  Ressalte-se que o contribuinte deverá aprovar a instituição ou majoração dos tributos por meio de seus representantes, não se exige a aprovação direta por parte de cada um dos contribuintes.  Conforme anteriormente assinalado, a democracia representativa é modalidade de “democracia indireta” onde imputa-se ao eleitor a vontade do eleito.  Isto significa que quem quis o tributo foi o eleito e não o eleitor.


Essa característica do mandato político permite o paradoxo dos “representantes eleitos” e a rejeição dos tributos aprovados por esses “representantes”.


 Tem sido entendido que o termo “lei” inclui a lei ordinária (ou a lei complementar, conforme o caso) e as medidas provisórias.  Na vigência da Constituição anterior os tribunais entenderam como constitucional a instituição ou majoração de tributos por meio de decreto-lei.


O desenvolvimento histórico da aplicação do princípio “não há tributação sem representação” exigiu a lei, aprovada pelos representantes, como condição para a tributação.  É que o tributo seria cobrado pelo monarca, cujo poder não derivava de escolha popular.  Hodiernamente, o tributo é cobrado pelo Poder Executivo, cujo titular é eleito pelo povo, à semelhança do que ocorre com os parlamentares.  Assim, a instituição de tributo por decreto do Poder Executivo, à primeira vista,  poderia ser entendida como tendo satisfeito o mencionado princípio, eis que o chefe do Poder Executivo pode reivindicar o título de “representante do povo”, tanto quanto o fazem os parlamentares.


Há, porém, nova razão para a exigência de lei na instituição ou majoração de tributo. O princípio visa a coibir abusos do Poder Executivo, que premido por necessidades financeiras, poderia ser compelido a instituir tributo em excesso.  O princípio da legalidade exige a submissão da tributação ao Poder Legislativo e, dessa forma, o debate público a respeito da matéria, e a sua submissão a espectro político mais vasto que o Governo.


A tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional atende a valores importantes em uma democracia, como seja o da publicidade e do debate público da matéria  a ser votada, permitindo que setores sociais que se oponham ao projeto possam manifestar-se e trazer seus argumentos.


Esses valores ficam parcialmente prejudicados quando é utilizada a medida provisória, pois a edição da norma é gestada, muitas vezes sem a publicidade devida, no seio do Poder Executivo, vindo os contribuintes a tomarem conhecimento dela com sua publicação e encaminhamento ao Congresso Nacional.  As denominadas “medidas provisórias” representam retrocesso no procedimento de elaboração legislativa, e têm permitido abuso por parte do Poder Executivo, com violação de direitos fundamentais em uma democracia; o confisco da poupança, de infeliz memória, é um dos mais salientes exemplos.


Na elaboração das medidas provisórias, ou no encaminhamento de projetos de lei ao Congresso Nacional, abordando matéria tributária, nota-se a poderosa influência da tecnocracia.  A tentativa de transformar em questão técnica as opções nas formulação da Política Tributária é um dos problemas delicados na evolução e aprimoramento da democracia.  Montesquieu entendia que o eleitor não está capacitado para governar, devendo limitar-se à escolha dos governantes, a tecnocracia moderna entende que os escolhidos pelo povo não estão capacitados para adotarem as opções políticas corretas, devendo submeter-se aos “critérios técnicos”  estabelecidos nos fechados ambientes dos tecnocratas.


10.3.   As matérias sob reserva de lei


Por determinação do art. 146-II da Constituição, cabe à lei complementar “regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”.


Ainda na vigência da Constituição anterior, o Código Tributário Nacional disciplinou, no art. 97,  o princípio da estrita legalidade da tributação, enumerando analiticamente as matérias que estão sob reserva de lei: “a instituição de tributo ou sua ou a sua extinção”, “a majoração de tributos, ou sua redução”, “a definição do fato gerador da obrigação tributária principal e do seu sujeito passivo”, “a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo”, “a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas” e “as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades”.


A preocupação em garantir a exata observância do princípio da estrita legalidade da tributação induziu o Código Tributário Nacional à enumeração, com redundância, das matérias insertas na reserva de lei.  Relativamente à majoração de tributos, sua redução e à fixação de alíquotas, são excetuados aqueles tributos aos quais  a Constituição atribuiu ao Poder Executivo competência para alterar as alíquotas, “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei” (§ 1º do art. 153 da Constituição).


Ao facultar ao Poder Executivo, atendidas as condições e  limites fixados em lei,  alterar as alíquotas do “Imposto de Importação”, do “Imposto de Exportação”, do “Imposto sobre Produtos Industrializados”, e do “Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários”, a Constituição equilibrou os valores protegidos pelo princípio da estrita legalidade com os valores econômicos decorrentes das funções extrafiscais dos tributos mencionados.


É que a Política Tributária não desconhece as conseqüências extrafiscais dos tributos, e expressamente permite sua utilização com tais finalidades.  Os tributos mencionados constituem mecanismos que permitem rápida atuação do Governo sobre a economia, e a Constituição entendeu que não seria adequado privar o Governo desses instrumentos.


As matérias sob reserva de lei estão relacionadas aos elementos essenciais da tributação, e afetam valores resguardados pelo ordenamento jurídico democrático.


A definição do fato gerador da obrigação tributária, e do seu sujeito passivo,  implica a escolha de um fato de conteúdo econômico, manifestador de capacidade contributiva, imputável ao sujeito passivo ou com ele relacionado. 


A definição da base de cálculo e da alíquota exige  a avaliação da capacidade contributiva do sujeito passivo.


A fixação dos elementos quantitativos da obrigação tributária decorre de avaliação discricionária do legislador, e constitui outro momento delicado no funcionamento da democracia.  É que a tributação colide com o princípio constitucional que garante a propriedade. A mesma Constituição que garante a propriedade dá ao legislador e ao Governo o poder de retirar do proprietário a parcela de seu patrimônio correspondente ao tributo a ser pago.  A busca do equilíbrio entre o direito de propriedade e a exação tributária deve ser um dos objetivos da Política Tributária.


10.4.   O princípio da igualdade


Conforme já salientado, a igualdade é um dos pilares da democracia.


Afirma  Américo Lourenço Masset Lacombe que “a isonomia é o princípio nuclear de todo o nosso sistema constitucional.  É o princípio básico do regime democrático”.[13]


  A igualdade nas denominadas “democracias liberais” pretende a igualdade jurídica de todas as pessoas.  Essa igualdade formal não mais atende aos anseios da maioria, que pretende que as desigualdades injustas sejam removidas. O art. 3º, inciso III, da Constituição elege como objetivo fundamental da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.  O dispositivo não prevê a extinção das desigualdades, mas a sua redução.


Em matéria de tributação, o inciso II do art. 150 veda aos entes federados “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.


A igualdade deve ser observada não apenas no campo da definição da obrigação tributária principal, mas também no que concerne às exigências administrativas relativas à tributação e na fiscalização dos sujeitos passivos.


O princípio da igualdade, que tem permitido grandes controvérsias nos diversos setores do direito, adquire peculiaridades no campo tributário.


É notório que a igualdade entre os homens, essencial na democracia,  não significa que todos devam pagar o mesmo montante de tributos.  A desigualdade no mundo real faz com que haja desigualdade nas exigências tributárias.  O dever tributário corresponde à justiça distributiva e não à justiça comutativa.


Por isso, a lei tributária leva em consideração essas diferenças econômicas, avaliando-as em diversos aspectos.


No caso, o inciso II do art. 150 da Constituição veda tratamento desigual “entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”.  Assim, a equivalência da situação deve ser apreciada pelo legislador.  Na prática, essa apreciação não é fácil.


Em uma sociedade heterogênea, cheia de interesses conflitantes, o legislador poderá distinguir duas situações equivalentes, introduzindo um critério para diferenciá-las e, assim, justificar a tributação diferenciada de cada uma delas.  A rigor, essa diferenciação deveria ser considerada inconstitucional, mas a doutrina e a jurisprudência tem admitido que se a diferenciação for razoável, ela pode ser aceita.  A própria noção de equivalência é equívoca.


Exemplos não faltam.


 A legislação do imposto de renda diferencia os rendimentos salariais dos rendimentos de aplicação financeira, e tributa-os diferenciadamente, podendo resultar menos gravosa a incidência sobre as aplicações financeiras.  Essa decisão da política tributária visa a estimular as aplicações financeiras (inclusive as provenientes do exterior) consideradas importantes pelas autoridades monetárias.  Assim, a política monetária (certa ou errada) influencia a política tributária, e passa a existir uma razão para tratamento diferenciado a situações equivalentes (o mesmo montante de rendimento será diferentemente tributado, conforme refira-se a salário ou a juros).


A legislação tributária vigente tem permitido que o interesse administrativo possa ser responsável pela quebra da isonomia.  Veja-se o exemplo da tributação diferenciado do imposto de renda sobre aluguéis.  Se um proprietário alugar seu imóvel para uma pessoa jurídica, o imposto de renda deverá ser retido pelo locatário; caso a locação seja feita a uma pessoa física, o imposto de renda deverá ser pago, mensalmente, pelo locador (“carnê-leão”).  Essa diferença de tratamento poderá levar, dependendo do valor do aluguel pago, a incidência mais gravosa no caso de o inquilino ser pessoa física, além de ser instituída uma obrigação a mais para o contribuinte (o de ser responsável pelas antecipações, sujeitando-se a penalidades no inadimplemento dessas antecipações).


A concessão de estímulos fiscais, como estratégia de política tributária, é muito freqüente, mas implica admissão de um critério que diferencia os contribuintes. O legislador resolve estimular um setor da economia, ou um segmento desse setor, concedendo-lhe um tratamento tributário distinto do tratamento geral às situações que poderiam ser consideradas equivalentes.  Observam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo  que “questão complexa é a relativa à compatibilidade entre isenções não gerais e o princípio da isonomia, especialmente nos casos em que a isenção é concedida a pessoas com grande poder econômico, em óbvia contradição com o princípio da capacidade contributiva”.[14]


10.5.   A irretroatividade da lei


Entre os princípios constitucionais tributário inclui-se o relativo à irretroatividade da lei, que no campo tributário adquire feição própria.


Assim, a alínea “a” do inciso III do art. 150 veda a cobrança de tributo em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.  Na sistemática tributária, cabe à lei eleger os fatos reveladores de capacidade contributiva e instituir os tributos mediante a definição das hipóteses de incidência.  A Constituição assegura que os fatos ocorridos antes do início da vigência da lei não podem ser incluídos no fato gerador definido pela lei.


É também vedada a cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.  Trata-se do clássico princípio da “anterioridade em relação ao exercício de cobrança”, sucessor do antigo princípio da anualidade, que preserva o contribuinte da surpresa pela edição de leis instituindo ou majorando tributos.


Houve um aperfeiçoamento do princípio da anterioridade, com a introdução, pela alínea c do inciso III do art. 150 da vedação de se cobrar tributo “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.


10.6.   As imunidades tributárias


A Constituição preservou os valores fundamentais da democracia impedindo que o legislador possa prejudicá-los mediante o uso da tributação.  Com esse desiderato, foram estabelecidas vedações constitucionais que impedem o uso da competência tributária.  Nos casos de imunidade tributária, o legislador não detém competência para instituir o tributo.


A relação de imunidades previstas no art. 150, VI, da Constituição contempla diversos objetivos.


A  denominada “imunidade recíproca”, assegurada na alínea “a”  mira a preservação da Federação, evitando que a instituição de impostos possa onerar as finanças dos entes federados.  A noção de federação, como organização estatal, é um dos valores políticos mais relevantes na sociedade brasileira, sendo “cláusula pétrea” a sua manutenção.


A alínea “b” consagra a imunidade dos “templos de qualquer culto”.  O objetivo é assegurar a liberdade religiosa, evitando que por meio da instituição de impostos possa haver perseguição a alguma entidade religiosa.  A amplitude que deve ser reconhecida a essa imunidade tem sido alvo de polêmicas. Além disso, há acusações de que entidades religiosas têm sido instituídas apenas com a finalidade de encobrirem negócios lucrativos e tributáveis.


A alínea “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição veda a instituição de impostos sobre “patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”.


Os partidos políticos são considerados essenciais para a democracia, e a Constituição houve por bem preservá-los da incidência de impostos.  Destarte, impede-se a eventual perseguição política a partidos rivais daquele que esteja no exercício do poder.  Além disso, essa imunidade tem o condão de não criar dificuldades financeiras para a instituição de novos partidos, principalmente aqueles ligados às camadas mais pobres da população.  A imunidade dos partidos políticos liga-se à liberdade política dos cidadãos.


A imunidade das entidades sindicais dos trabalhadores garante a liberdade sindical, impedindo que essa liberdade seja cerceada em razão de incidência de impostos.


Na mesma trilha, a Constituição preserva da incidência de impostos o patrimônio, a renda ou serviços das instituições de educação e de assistência social, desde que não tenham fins lucrativos e atendam os requisitos da lei.  A liberdade de educação é uma das expressões da liberdade política dos cidadãos.  O dispositivo garante que o poder público não inibirá o florescimento de instituições de educação (sem fins lucrativos) mediante a instituição de impostos.  Portanto, ao lado das escolas públicas, podem ser instituídas escolas particulares que, se não tiverem fins lucrativos (isto é, se não distribuírem  lucros para seus instituidores), e desde que atendam os requisitos da lei, não terão seu patrimônio, renda ou serviços onerados por impostos.  Essas entidades ajudam cooperam com o desenvolvimento do país, sendo que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família (art. 205 da Constituição).


Razões similares explicam a imunidade das instituições de assistência social sem fins lucrativos e que atendam os requisitos de lei.  Essas instituições cooperam com o próprio Estado, prestando a assistência social.  Não tendo fins lucrativos, a totalidade de sua receita é aplicada na assistência social.  O dispositivo garante que a liberdade de existência de assistência social privada, importante para que haja  o pluralismo na assistência social, não será inibido em razão de incidência de impostos.


A alínea “d” do dispositivo constitucional em análise veda a instituição de impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. Conforme é curial, há aqui a garantia de que o poder público não tentará inibir a liberdade de informação e de transmissão de pensamento, mediante a instituição de impostos.  É ínsita à democracia a liberdade de palavra, de comunicação e de transmissão de pensamento.  A História revela que nas sociedades não democráticas essa liberdade sempre foi cerceada, em benefício dos governantes.


11.   Propostas em defesa da ampliação do conteúdo democrático das políticas tributárias e fiscal


Conforme salientou JOSÉ AFONSO DA SILVA, a democracia não é estática, e se desenvolveu ao longo da História, com a ampliação de seu conteúdo e a imposição de novos valores.


A “democracia burguesa” instalada na maioria dos países, inspirada nos ideais  da Revolução Francesa, preocupou-se em garantir o direito dos indivíduos contra o Estado. 


A Constituição Federal brasileira, ao definir o sistema tributário nacional, preocupou-se em proteger os direitos fundamentais do contribuinte, entre esses a liberdade, a igualdade e a propriedade.  Indiscutivelmente, esses valores são essenciais e devem ser protegidos.


O contribuinte possui esses direitos constitucionalmente assegurados, para se defender contra alguma ofensiva do legislador, relativamente a seus direitos fundamentais.  Entende-se por contribuinte a pessoa física ou jurídica que é devedora de tributos, em razão da incidência da lei tributária.


No entanto, os novos tempos estão a exigir a ampliação da presença do cidadão-eleitor na formulação de políticas tributárias e  fiscais; o cidadão deve buscar maior envolvimento com as decisões sobre o custeio da Administração Pública e a aplicação dos recursos orçamentários.


As campanhas políticas dos candidatos não dão a devida ênfase sobre a questão tributária, limitando-se a vagas promessas de “diminuir a carga tributária”, enquanto contraditoriamente prometem ampliar os serviços públicos.


Esse comportamento dos candidatos aos cargos eletivos decorre da circunstância de que a quantidade de eleitores é muito maior do que a quantidade de contribuintes (entendido aqui o contribuinte em seu sentido técnico, isto é, a pessoa que, tendo praticado fato gerador da obrigação tributária, deve apresentar declaração e realizar pagamentos).   A maior parte da população brasileira tem baixa renda e é isenta de impostos[15] (ou deve pagar, a título de imposto, um pequeno valor).  Para esses eleitores (portanto, para a maioria do eleitorado), a discussão sobre política tributária, além de ser tecnicamente incompreensível, é desinteressante.  Esses eleitores são mais sensíveis às promessas de maior presença da Administração Pública, com a melhoria dos serviços públicos e o aumento do assistencialismo.


Para angariar maior quantidade de votos, os candidatos fazem promessas de campanha que implicariam, se fossem cumpridas, aumento das despesas públicas e, por conseqüência, aumento dos tributos.


O eleitor, que escolhe os candidatos em quem quer votar, na maioria dos casos não é o contribuinte, que tem consciência de que vai custear as despesas públicas mediante o pagamento de tributos.  Essa “perversão democrática”  acarreta a adoção de políticas tributárias onde predominam os tributos aos quais os economistas denominam de “indiretos”, cuja carga tributária onera o consumo e são cobrados “invisivelmente” (embutidos nos preços dos produtos e dos serviços).


Aristóteles já havia afirmado que a democracia pode corromper-se em demagogia.


A evolução da democracia, em um estado democrático de direito, deve exigir maiores compromissos dos partidos políticos e dos candidatos na definição das políticas tributárias que adotarão, caso assumam o poder.  Essa definição deve vincular os candidatos eleitos.


As leis devem assegurar maior transparência da Administração Pública, com acesso facilitado ao cidadão-eleitor, ao qual devem ser conferidos direitos de ação contra o uso ilegal ou ilegítimo dos recursos orçamentários.


Portanto, aos cidadãos devem ser conferidos poderes jurídicos para atuar na fiscalização da aplicação dos recursos públicos, de forma que o envolvimento da cidadania com as políticas tributárias e fiscais seja dinamizado.


Em síntese:


1. O Estado necessita de recursos financeiros para atender às suas finalidades.


2. A definição das finalidades do Estado é opção política,  de forte cunho ideológico.


3. O incremento das finalidades atribuídas ao Estado acarretou o surgimento de complexa organização, envolvendo autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista.


4. O incremento das finalidades atribuídas ao Estado implica aumento das necessidades financeiras do Estado.


5. A principal fonte de recurso estatal é o tributo.


6. A estrutura dos serviços públicos contemporânea torna complexa a definição de tributo e a própria noção de tributo é controvertida.


7. A estrutura dos serviços públicos é decorrente de opções políticas.


8. A distribuição da carga tributária entre os segmentos sociais é opção política.


9. A Política Tributária é o conjunto de opções políticas adotadas pelo governo, visando a instituição e calibragem dos tributos a serem pagos pela sociedade.


10. A Política Tributária leva em consideração os efeitos extra-fiscais da tributação.


11. Em uma democracia, a Política Tributária respeita os direitos fundamentais do contribuinte.


12. O sistema tributário adotado pela Constituição admite amplo espaço para a escolha política dos segmentos sociais que deverão financiar a Administração Pública.  Assim, há diversas alternativas tributárias  possíveis.


13. Em um Estado de Direito somente mediante lei podem ser estabelecidas exigências tributárias.


14. A lei tributária deve respeitar os princípios e os valores democráticos, conforme insculpidos na Constituição.


15. O conjunto de regras relativamente à instituição, fiscalização e cobrança de tributos é disciplinado pelo  Direito Tributário, e o Direito Tributário é o instrumento da política tributária.


16. Em uma democracia, os gastos públicos são feitos no interesse da população.


17. A disciplina dos gastos públicos é regida pelo Direito Financeiro e deve atender às regras e princípios orçamentários estabelecidos pela Constituição.


18. A destinação do produto da arrecadação tributária é, também, opção política.


19. As regras jurídicas constitucionais exigem a elaboração de Orçamento, e os gastos públicos devem ser feitos em conformidade com as leis.


20. Os recursos públicos são fornecidos pela sociedade ao governo, e devolvidos pelo governo à sociedade.


21. O segmento social que paga o tributo não é necessariamente o que irá receber a ação estatal custeada por esse pagamento.


22. Em uma democracia a tributação pode implicar em realocação da renda nacional.


23. É da natureza do governo ser exercido por uma minoria.


24. A democracia caracteriza-se pela escolha dos governantes pelo povo e pela adoção de princípios que consagram valores fundamentais, como a liberdade e a igualdade de todos os homens.


25. O governo democrático é exercido “em nome do povo”.


26. A relação entre tributo e democracia é de grande complexidade, tanto no que concerne à definição de tributo, como à definição de democracia.


27. A Constituição estabelece limitações ao poder de tributar, preservando os valores democráticos.


28. Os “direitos individuais”, embora de inspiração burguesa, são de aplicação universal.


29. Os “direitos individuais” limitam a formulação das políticas tributárias.


30. O direito de propriedade é afetado pela imposição tributária.


31. A escolha dos contribuintes que irão custear as despesas públicas resulta de opções ideológicas e das pressões dos grupos sociais.


32. A escolha dos setores e segmentos da sociedade que serão beneficiados pela ação estatal  resulta de opções ideológicas e das pressões dos grupos sociais.


33. Nas sociedades a maioria  dos eleitores é formada pelas pessoas com menos recursos econômicos.


34. Para obter votos, os políticos adotam critérios de gastos públicos que atendam a seus eleitores.


35. Governar é administrar recursos limitados para atender uma ânsia ilimitada por parte da população.


36. A democracia pode-se corromper na  demagogia “irresponsável”.


37. Na democracia indireta, a maioria escolhe quem vai governar, mas a maioria não governa.


38. O aprimoramento da democracia está a exigir a ampliação dos direitos do cidadão, de forma a permitir uma maior participação na política tributária, e na elaboração e execução da lei orçamentária.  Entre os novos direitos da cidadania, deve ser incluído o direito de ação contra o uso ilegal ou ilegítimo dos recursos orçamentários.


 


Notas:

[1] Punitiva, não no sentido jurídico do termo, mas no econômico.

[2] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves – “Curso de Direito Constitucional”, Saraiva, São Paulo, 34ª ed., 2008, p. 79

[3] PINTO FERREIRA – “Curso de Direito Constitucional”, Editora Saraiva -6ª ed.ampliada e atualizada, São Paulo, 1993, p. 87

[4] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves – obra citada, p.83

[5] “Desse modo, o ateniense tinha de descender de quem o era ao tempo de Sólon” (Ferreira Filho, obra citada, p. 84).

[6] idem, ibidem, p.83.

[7] “A democracia indireta é aquela onde o povo se governa por meio de “representante” ou “representantes” que, escolhidos por ele, tomam em seu nome e presumidamente no seu interesse as decisões de governo.  O modelo clássico de democracia indireta é a chamada democracia representativa, que apresenta dois subsistemas: o puro ou tradicional, e a democracia pelos partidos”.  (FERREIRA FILHO, obra citada,  p.85)

[8] Idem, ibidem, p. 85

[9] Idem, ibidem, p. 101

[10] SILVA, José Afonso da – “Curso de Direito Constitucional Positivo”, 28ª ed. revista e atualizada, São Paulo, Malheiros Editores, 2007,  p.129.

[11] SILVA, José Afonso da – p.129

[12] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet – “Curso de Direito Constitucional”, Editora Saraiva e IDP-Instituto Brasiliense de Direito Público, São Paulo, 2007, p.139. Segundo esses autores “Mais ainda, já agora no plano das relações concretas entre o Poder e o indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos”. p.139.

[13] LACOMBE, Américo Lourenço Masset – “Princípios constitucionais tributários”, Malheiros Editores, São Paulo, 1996.

[14] ALESSANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente – “Direito Tributário na Constituição e no STF- Teoria e Jurisprudência”, editora Impetus, Niterói, RJ, 13ª ed. revista e atualizada, 2007

[15] Obviamente, isenta dos impostos impropriamente chamados de “diretos”. Juridicamente, todos os impostos são “diretos”, no sentido de que sempre há um sujeito passivo em toda a relação juridico-tributária, do qual é exigível a entrega da prestação tributária.  Os economistas utilizam a expressão “tributos indiretos” para se referirem àqueles tributos cujo encargo financeiro pode ser transferido a terceiros, dentro das relações econômicas.


Informações Sobre o Autor

Ronaldo Lindimar José Marton

Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Professor e Pesquisador no Curso de Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília


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