Resumo: A procura de meios que culminem numa efetiva prestação jurisdicional é o foco dos processualistas. Para tanto, diversas reformas foram realizadas nos processos civil e penal nos últimos anos. No processo civil, por vezes, é no momento da execução que a tutela jurisdicional é efetivamente prestada. Com esse intuito, a fase (e o processo) de execução sofreu reformulações nos anos de 2005 e 2006 pelas Leis n. 11.232 e n. 11.382, respectivamente, resultando no surgimento do art. 745-A do Código de Processo Civil. Este artigo trata da possibilidade de o executado requerer o parcelamento do crédito do exequente. Em face da omissão desse dispositivo legal, questiona a doutrina sobre a necessidade ou não de aceitação do credor em receber parceladamente seu crédito como requisito para a concessão dos benefícios do referido artigo 745-A do CPC ao executado. Não obstante, a doutrina pátria – em virtude da localização topográfica de tal artigo dar-se no Livro II do CPC, dedicado ao “Processo de Execução”, mais especificamente em seu Título III, Capítulo III – discute se o citado dispositivo legal seria aplicável à fase de cumprimento de sentença e à ação de execução fiscal. Em face dessas divergências, caberá aos intérpretes do Direito (e do processo) dar-lhes as soluções pertinentes.
Palavras-chave: Parcelamento. Benefícios. Cumprimento de sentença.
Sumário: 1. Introdução; 2. Os impasses face a aplicabilidade do art. 745-a ao cumprimento de sentença; 3. Concessão dos benefícios do art. 745-a do CPC ao executado; 4. Cabimento do parcelamento na execução fiscal. 5. Considerações finais. Referências bibliográfias.
1 Introdução
O processo antes de qualquer coisa deve ser acessível a todos. Vencida a etapa do acesso, cabe aos seus operadores e ao legislador torná-lo efetivo. Para tanto, torna-se imprescindível a constante busca de instrumentos que o torne mais simples, objetivo e eficiente.
Com tal finalidade, foram editadas recentemente diversas leis que reformaram o Código de Processo Civil. Em relação ao processo de execução, principalmente, as reformas se operaram por meio das Leis nº 11.232/05 e nº 11.382/06.
A Lei nº 11.382/06 originou dispositivos até então desconhecidos ao Direito, como o artigo 745-A[1] do CPC. Este dispositivo criou a possibilidade de o devedor, ao reconhecer o crédito do exequente e no prazo para a oposição de embargos à execução, depositar 30% do valor de sua dívida, acrescida de custas e honorários advocatícios, e requerer o parcelamento do restante em até seis parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de 1% ao mês.
Entretanto, diversos questionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca desse art. 745-A do CPC surgiram a partir de então.
O primeiro deles está relacionado a aplicação desse dispositivo. Como esse artigo está inserido no Livro II do CPC dedicado ao “Processo de Execução”, correntes doutrinárias e jurisprudenciais indagam sobre a possibilidade de sua aplicação na fase de cumprimento de sentença.
Não obstante, questiona-se também se há necessidade de o credor ser ouvido e de sua concordância em receber parceladamente seu crédito caso o executado opte por valer-se dessa prerrogativa de parcelamento.
Por fim, a possibilidade ou não de tal parcelamento ocorrer durante um processo de execução fiscal também é discutida, assim como, caso seja possível estabelecer o parcelamento nesse processo, a necessidade de prestação de garantias para tanto.
Estão instauradas as discussões. Para tentar sanar tais pontos controvertidos, algumas palavras explicarão, por meio de posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários, possíveis soluções para tais questionamentos, com vistas a tornar mais efetiva a prestação jurisdicional.
2 OS IMPASSES FACE A APLICABILIDADE DO ART. 745-A AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
O processo não se limita a alcançar um número cada vez maior de jurisdicionados. Sua efetividade como instrumento de tutela de direitos é o objetivo visado pelos operadores, intérpretes e, principalmente, pelos processualistas. Nessa constante busca, dogmas, regras e preceitos são questionados e, por vezes, superados.
Nessa toada, com vistas à superação e evolução da ciência processual, Kazuo Watanabe diz que
“Do conceptualismo e das abstrações dogmáticas que caracterizam a ciência processual e que lhe deram foros de ciência autônoma, partem hoje os processualistas para a busca de um instrumentalismo mais efetivo do processo, dentro de uma ótica mais abrangente e mais penetrante de toda a problemática sócio-jurídica. Não se trata de negar os resultados alcançados pela ciência processual até esta data. O que se pretende é fazer dessas conquistas doutrinárias e de seus melhores resultados um sólido patamar para, com uma visão crítica e mais ampla da utilidade do processo, proceder ao melhor estudo dos institutos processuais – prestigiando ou adaptando ou reformulando os institutos tradicionais, ou concebendo institutos novos -, sempre com a preocupação de fazer com que o processo tenha plena e total aderência à realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos. É a tendência ao instrumentalismo que se denominaria substancial em contraposição ao instrumentalismo meramente nominal ou formal”. (WATANABE, 2000, p. 20-21).
Partindo dessa evolução e em busca de um instrumentalismo efetivo do processo, o legislador contemporâneo, com ênfase ao da última década, tem voltado suas atenções para as regras contidas no texto processual. Assim, reformas foram realizadas e bruscas alterações no processo civil, com ênfase ao processo executivo, foram instaladas.
A doutrina mais moderna embasou e acompanhou essa evolução procedimental. Dessa forma, até mesmo as finalidades do processo foram reescritas, conforme disposto nos ensinamentos de Paulo Henrique Lucon:
“O processo é um instrumento à disposição das partes para que o Estado cumpra uma de suas funções, mais precisamente a jurisdição, chegando a um resultado justo. Por isso, a noção de efetividade da tutela jurisdicional coincide com a de pleno acesso à justiça. Esse entendimento vai ao encontro à conhecidíssima máxima de Chiovenda de que na medida do que for praticamente possível, o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha o direito de receber”. (LUCON, 1999, p. 101).
Não obstante, é no procedimento executivo que a prestação jurisdicional é devidamente satisfeita no caso do não cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor. Tendo por finalidade maior a efetividade dessa prestação, o legislador ordinário nos anos de 2005 e 2006 criou as leis nº 11.232 e 11.382, respectivamente.
Esta última lei deu origem ao art. 745-A do Código de Processo Civil, concedendo, ao executado, o direito potestativo ao parcelamento da dívida na execução fundada em título executivo extrajudicial.
Para a aplicação dessa norma ao processo executivo, Misael Montenegro Filho elenca, em regime de coexistência, a necessidade da observância dos seguintes requisitos:
“a) A apresentação de requerimento expresso pelo devedor.
b) Que o requerimento em exame seja apresentado no prazo para a oposição dos embargos (impondo a preclusão lógica, retirando-lhe a possibilidade de embargar em momento posterior, pelo reconhecimento da dívida).
c) Que o executado efetue o depósito do valor do sinal, sponte sua, no prazo preclusivo de quinze dias, contados da juntada do mandado de citação aos autos, sem necessidade de autorização judicial”. (MONTENEGRO FILHO, 2007, p. 531)
Observa-se no disposto acima que Montenegro Filho, assim como a redação do art. 745-A do CPC, não condiciona a concessão das benesses desse artigo à necessidade de oitiva e concordância do exequente, conforme será abordado a seguir (v. item 3).
Assim, cuidou o legislador de estabelecer um incentivo legal ao pagamento espontâneo da dívida, evitando-se custos e desgastes inevitáveis (das partes e da máquina Judiciária) que fatalmente ocorreriam com o desenrolar do processo.
Devido a esta inovação estar disposta no Livro II do CPC, sob o título “Do Processo de Execução”, mais especificamente em seu Título III, Capítulo III, surgiu o seguinte questionamento: seria possível aplicar esse art. 745-A na fase de cumprimento de sentença (execuções por quantia fundadas em títulos judiciais)?
A doutrina e a jurisprudência pátria têm opiniões convergentes e conflitantes tanto no sentido afirmativo, quanto no negativo.
Negando a possibilidade de aplicação de tal favor legal ao cumprimento de sentença, Humberto Theodoro Jr. diz
“(…) não teria sentido beneficiar o devedor condenado por sentença judicial com novo prazo de espera, quando já se valeu de todas as possibilidades de discussão, recursos e delongas do processo de conhecimento. Seria um novo e pesado ônus para o credor, que teve de percorrer a longa e penosa via crucis do processo condenatório, ter ainda de suportar mais seis meses para tomar as medidas judiciais executivas contra o devedor renitente. O que justifica a moratória do art. 745-A é a sua aplicação no início do processo de execução de título extrajudicial”. (THEODORO JR, 2007, p. 217)
O Tribunal de Justiça do estado de São Paulo tem entendimentos em ambos os sentidos. Alguns julgados da 23ª[2] e da 25ª[3] Câmaras de Direito Privado apóiam a doutrina supracitada de Humberto Theodoro Jr.
Exemplificando, no julgamento da Apelação n. 990.10.227447-0, relatada por Elmano de Oliveira da 23ª Câmara de Direito Privado, foi proferida a seguinte decisão:
“EMENTA: (…) Parcelamento do débito. Descabimento. A aplicação do art. 745-A do CPC somente é admitida nas execuções decorrentes de título executivo extrajudicial, o que não é a hipóteses dos autos, que tratam de ação de cobrança pelo procedimento sumário. Incidência dos arts. 313 e 314 do novel Código Civil, uma vez que o parcelamento só poderia ser concedido pelo credor, mediante liberalidade. RECURSO DESPROVIDO neste tópico”. (grifo nosso).
Vê-se nesse julgado que houve o entendimento de o art. 745-A ser aplicável apenas em execuções fundadas em título executivo extrajudicial. Ademais, entendeu-se que, por incidência dos arts. 313[4] e 314[5] do Código Civil, apenas seria possível o parcelamento mediante concordância do credor.
Em contrapartida, Luiz Guilherme Marinoni entende ser possível a aplicação do art. 745-A do CPC no cumprimento de sentença
“(…) em razão da regra que permite a aplicação subsidiária ao cumprimento de sentença, naquilo que não for incompatível, das regras da execução por quantia certa fundada em título extrajudicial (art. 475-R, CPC). Como se trata de uma técnica de incentivo ao cumprimento espontâneo da obrigação – (portanto, em consonância com o princípio da efetividade), e não havendo qualquer inadequação com o procedimento executivo para a execução da sentença, seria possível que o executado, no prazo para impugnar a execução, exercesse o direito potestativo ao parcelamento da dívida previsto no art. 745-A do CPC. Marinoni” (2004 apud CUNHA, DIDER JR et al, 2009, p. 387-388).
Ratificando o entendimento de Marinoni, o Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, Andrade Marques, no julgamento do Agravo de instrumento n. 990.10.202824-0[6], relatou o seguinte:
“(…) As alterações do ordenamento processual civil foram realizadas na tentativa de tornar mais célere e efetiva a tutela jurisdicional, como, no caso, o instituto do cumprimento de sentença para, em prazo menor, entregar ao exequente, o direito perseguido.
Nessa cadência, houve a distinção entre os títulos executivos judiciais e extrajudiciais, cada um respeitando suas condições e particularidades.
Assim, os títulos executivos judiciais foram disciplinados em apartado na legislação processual e sua forma de execução é diferenciada.
Porém, para evitar lacunas em seu cumprimento, foi redigido o artigo 475-R que determina a aplicação, de forma subsidiária, das normas relativas aos títulos extrajudiciais, no que couber e sem prejuízo às partes.
No caso concreto, encontra-se a referida hipótese.” (…) (MARQUES, 2010, p. 2-3)
É inegável o brilhantismo do Desembargador no julgado supracitado, tendo em vista que ele relatou de forma clara o ideal revisionista do processo executivo almejado pelo legislador. A efetiva prestação da tutela jurisdicional, tão almejada por todos, deve ser atingida em qualquer situação em que atue o Judiciário.
Se o próprio legislador ao proceder a reforma do Código de Processo Civil criou, por meio da Lei 11.232/2005, o art. 475-R[7] – antes mesmo da criação do art. 745-A – almejando a aplicação subsidiária das normas que regem a execução por título executivo extrajudicial ao cumprimento de sentença, torna-se evidente a intenção do legislador em possibilitar a aplicação de tal dispositivo aos créditos que forem executados por meio do cumprimento de sentença.
Corroborando este entendimento, Nery e Nery Jr dizem que as alterações oriundas da Lei 11.232/05 trouxeram uma simplificação procedimental da execução da sentença, não alterando, assim, a essência da pretensão executória.
“Essa é a razão pela qual, havendo lacunas no tocante ao regramento do cumprimento de sentença, a ele se aplicam as regras previstas no Livro II para a execução dos títulos extrajudiciais, que são as mesmas previstas para a antiga, e não mais existente, execução fundada em título judicial.” (NERY e NERY JR, 2008, p. 762)
Por fim, Carneiro da Cunha, Fredie Didier Jr et al tomam um posicionamento intermediário, condicionando a aplicação do art. 745-A na fase de cumprimento de sentença à concordância das partes:
“Conferir ao executado, no cumprimento de sentença, o direito potestativo ao parcelamento equivaleria a esgarçar a coisa julgada e a impor ao exequente a aceitação de um direito de que o executado não desfruta. Nada impede, contudo, que o exequente concorde com alguma proposta do executado de parcelar a dívida, mas aí haverá um acordo ou uma transação entre as partes, não se tratando de direito potestativo do executado, que deverá ser obedecido necessariamente.” (CUNHA, DIDER JR et al, 2009, p. 388).
Entende-se que a adoção desse art. 745-A no cumprimento de sentença não significa afronta a coisa julgada, tendo em vista que o próprio legislador criou tal dispositivo como mecanismo processual com vistas a satisfazer a pretensão do credor reconhecida no título executivo. A criação do art. 475-R do CPC foi fundamental para interligar os preceitos processuais executivos dispostos tanto no Livro II, quanto no art. 475 do CPC.
Com isso, tem-se um sistema de regras executivas que atuam de forma subsidiária, completando, no que couber, umas as outras. Se o preceito esboçado no art. 745-A pode ser aplicado à execução de título executivo extrajudicial, logo, valendo-se do disposto no art. 475-R, é possível sua aplicação também na fase de cumprimento de sentença. Se naquela execução não há afronta à coisa julgada, nesta fase também não haverá.
Como o texto do art. 745-A não condiciona a aplicação de suas benesses à concordância de quem quer que seja, contrariamente ao que respeitosamente entende Didier Jr, trata-se de um direito potestativo do executado. Dessa maneira, preenchidos os requisitos, devem ser garantidos tais benefícios, pelo juiz, ao executado.
Assim, deve prosperar a tese da aplicação do art. 745-A do CPC ao cumprimento de sentença, pois, dessa forma, não se estaria limitando o direito do exequente, nem favorecendo intuitos protelatórios do executado. O que se busca é fornecer ao executado meios de que possa se valer para facilitar o cumprimento da obrigação, culminando na entrega da prestação jurisdicional, por meio da satisfação da pretensão do credor, e na consequente extinção da demanda.
3 CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DO ART. 745-A DO CPC AO EXECUTADO
Vencida a discussão anterior, outra surge ainda se tratando do mesmo dispositivo (art. 745-A): A aceitação do credor em receber parceladamente seu crédito é requisito para a concessão dos benefícios do artigo 745-A do CPC ao executado?
Athos Gusmão Carneiro trata dos benefícios trazidos a ambas as partes em virtude do parcelamento, dispondo que
“Pelo novo instituto (que deve a Ada Pellegrini Grinover suas características fundamentais) ambas as partes resultam favorecidas. O exeqüente vê seu crédito reconhecido pelo executado, e poderá de imediato levantar os trinta por cento depositados; e não estará sendo prejudicado pela demora em receber o saldo, pois provavelmente os atos executórios demandariam mais tempo. Também favorecido o executado, porque diante de um débito vencido e inconteste, obtém um prazo razoável para efetuar o pagamento, com ônus bem inferiores aos de qualquer empréstimo em instituição bancária”. (CARNEIRO, 2007, p. 27)
A doutrina é farta no sentido de que se fará necessária a oitiva do exequente para a que o parcelamento da obrigação seja deferido. Entretanto, nem todos concordam que ele poderá opor-se ao parcelamento.
Nelson Nery Jr e Maria Rosa Nery entendem que é necessária a oitiva do exequente, porém este não poderá se contrapor ao pedido de parcelamento. Para eles, em virtude do contraditório (CF 5º, LV), o juiz poderá mandar ouvir o exequente que, contudo, não poderá opor-se ao parcelamento caso o executado preencha os pressupostos legais para seu deferimento (NERY e NERY JR, 2008, p. 1.091).
Corroborando tal entendimento, a 1ª Câmara de Direto Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no agravo de instrumento n. 990.10.109419-3, relatado por Rui Cascaldi em 10 de agosto de 2010, proferiu a seguinte decisão:
“EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL – Pedido de parcelamento do débito, nos termos do art. 745-A do CPC – Exequente que não concordou com o pedido – Determinação do parcelamento pelo juízo a quo – Ausência de manifestação da exequente acerca do deferimento – Executado que efetuou a complementação do depósito, conforme determinado pelo juízo de primeiro grau – Parcelamento que deve ser deferido – Suspensão da decisão que determinou a imissão da exequente na posse do imóvel – Recurso provido, com observação.
(…) Este, não tendo condições de arcar com o valor integral da dívida, requereu o parcelamento do débito com fulcro no art. 745-A do CPC. O juízo a quo, por sua vez, determinou a manifestação da agravada sobre referido pedido, uma vez que a presente ação cuida de título executivo judicial, enquanto o art. 745-A permite o parcelamento da dívida apenas nos casos de execução de título extrajudicial. (…)
A manifestação da agravada, contudo (…) dava a entender que até aceitaria o parcelamento, desde que por outros valores e ainda acrescido de custas e honorários advocatícios (…)
Assim sendo, fazia, o agravante, à oportunidade de quitação de seu débito junto à agravada, que não lhe foi ensejada, bem como ao parcelamento de sua dívida ainda remanescente, diante da irrecorrida decisão de primeiro grau que o deferiu, e que ora fica confirmada com base no art. 745-A do CPC, aplicado ao caso por analogia” (…) (grifo nosso).
Este acórdão não apenas confirmou a possibilidade de aplicação, por analogia, do art. 745-A do CPC à execução de título executivo judicial, como também estabeleceu sua aplicabilidade no caso em que, apesar de ouvido o credor, é dispensável sua concordância sobre o parcelamento.
Contrariamente, defendendo a tese da necessidade da oitiva e concordância pelo exequente do pedido de parcelamento, encontra-se Luiz Guilherme Wagner Júnior. Valendo-se da doutrina e do diploma civil, Wagner Jr diz que
“Conforme observa Maria Helena Diniz, “o devedor não poderá exigir que o credor receba por partes um débito que, por convenção, deve ser pago por inteiro. O credor não está obrigado a receber parceladamente aquilo que combinou receber por inteiro. Mesmo que a prestação seja divisível, não se admitirá pagamento parcelado de dívida exigível por inteiro (CC, art. 314)”.
Conclui a eminente civilista que “ante o princípio da indivisibilidade do objeto do pagamento, a solução parcial acarretaria uma desconformidade entre o débito e a prestação, ainda que o conjunto das parcelas pagas corresponda à totalidade, pois se não há consentimento do credor, ninguém poderá forçá-lo a aceitar o fracionamento da obrigação”.
Percebe-se, então, que a aceitação do credor é condição indispensável para que se autorize o pagamento de forma diversa da pactuada. Como o artigo 745-A do CPC traz modalidade de extinção de obrigação diferente da originariamente devida, faz-se necessária a aceitação do credor.” (WAGNER JÚNIOR, 2010, p. 9) (grifo nosso)
O professor Wagner Jr deixa claro que a concordância do credor é indispensável para que se opere a extinção da obrigação, por meio do pagamento, quando esta é cumprida de forma diversa da pactuada.
Acrescentando a esta ideia, Malinvaud conceitua o princípio da exatidão ou da identidade como aquele em que “(…) o devedor tem de prestar na forma contratada, não estando o credor obrigado a receber prestação diversa da acordada, ainda que objetivamente possa ser considerada melhor do que a contratada”. Malinvaud (apud Nery e Nery Jr, 2008, p. 446)
A partir de tais ensinamentos surge a seguinte dúvida: em qual situação poderia ter o credor interesse em recusar a receber o pagamento parcelado pelo executado?
Respondendo a ela, Robert Pothier diz que “há mais interesse em receber uma grande quantia toda junta, com a qual são feitos melhores negócios, do que muitas quantias pequenas em diversas datas, as quais se gastam imperceptivelmente à medida em que são recebidas (…)” (POTHIER, 2001, p. 476).
Não se pode esquecer que também é interessante ao devedor ver extinta a sua obrigação, ficando livre dela e das possíveis consequências de seus efeitos. O cumprimento espontâneo pelo executado evidencia sua nítida intenção de ver-se alforriado do compromisso. Dessa forma, se o legislador cria um favor legal para facilitar o adimplemento voluntário da obrigação, é interessante ao credor aceitá-la, tendo em vista que, por vezes, o credor não teria outro meio para satisfazê-la.
Com o advento da Lei 11.382/06, o legislador criou um método com essa finalidade no art. 745-A do CPC. Contudo, não estabeleceu condição alguma de oitiva ou aceitação do credor para a efetivação do previsto em seu texto.
Por conseguinte, tem-se que a concessão da vantagem de parcelamento do débito dada ao devedor está implicitamente condicionada à renúncia do mesmo de oferecer embargos à execução, tendo em vista que haverá o reconhecimento do débito. Do contrário, configurar-se-ia um ato contraditório do devedor caso este se dispusesse a pagar parceladamente uma dívida que entende não existir.
Essa situação prevista no art. 745-A do CPC é vantajosa para o credor, tendo em vista que no caso de oferecimento de embargos, o tempo de seu trâmite e julgamento muito provavelmente superaria os seis meses de espera previstos para o caso de parcelamento do débito. Além disso, não há garantia de que o exequente-embargado lograria êxito na sentença que julgaria tais embargos.
Nessa toada, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald entendem que
“O parcelamento da obrigação é outra forma de estímulo ao adimplemento por parte do legislador reformista, com a particularidade de que o executado reconhecerá o crédito descrito na inicial e manifestará seu direito potestativo de parcelar no prazo de oposição de embargos, comprovando o depósito prévio no patamar referido no aludido dispositivo. O reconhecimento do crédito implica a renúncia à oposição de embargos (caso contrário haveria um venire contra factum proprim processual!!)” (sic) (FARIAS, ROSENVALD, 2009, p. 192).
Consolidando tal entendimento, mais uma vez, registra-se o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo. Desta vez, a 35ª Câmara de Direito Privado[8], no julgamento do Agravo de Instrumento n. 990.09.254527-2, entendeu que o parcelamento é um “direito subjetivo do devedor”. Dessa forma, preenchidos os requisitos legais – dispostos no art. 745-A do CPC –, tem o devedor direito ao parcelamento.
O fundamento utilizado nesse julgado é a aplicabilidade do princípio da menor onerosidade ao devedor previsto no art. 620 do CPC[9]. Inclusive, in casu, o credor era idoso e os devedores tinham condições de proceder ao pagamento à vista.
Mesmo assim, o relator José Malerbi (2009, p. 3) destacou que o art. 745-A do CPC, que concede o direito subjetivo ao devedor, está em consonância com esse princípio, e “não pode deixar de ser aplicado (…) ainda que contra a vontade do exequente”.
Em suma: deve prevalecer o entendimento de que as benesses do art. 745-A do CPC nada mais é que um direito subjetivo do devedor. Por esse motivo, contrariando parte considerável da doutrina pátria, a oitiva e concordância do credor para tal concessão é inteiramente dispensável. Por se tratar de um favor legal e, em virtude de seu texto nada dizer a respeito, a anuência de quem quer que seja não se faz necessária.
Por conseguinte, mesmo que, fundado no princípio do contraditório, fosse necessária tão somente a oitiva do credor para que se possa aplicar o art. 745-A, estar-se-ia diante de um contraditório imperfeito. Isso porque apenas a oitiva do credor divorciada da possibilidade do mesmo em influenciar a vontade do juiz torna o contraditório inócuo, deficiente. Assim, impossibilita-se, na prática, a prerrogativa de o credor impor-se contrariamente à prestação parcelada da obrigação pelo executado.
4 CABIMENTO DO PARCELAMENTO NA EXECUÇÃO FISCAL
Após averiguar-se a possibilidade de aplicação das regras de parcelamento do art. 745-A do CPC à fase de cumprimento de sentença e a necessidade ou não de oitiva e concordância do credor em ver seu crédito sendo pago em parcelas, voltam-se as atenções para a possibilidade do parcelamento ser aplicável na execução fiscal.
Mais uma vez valendo-se da doutrina de Carneiro da Cunha, Fredie Didier Jr et al, entendem os autores que, quanto ao débito não tributário, o art. 745-A do CPC poderia ser aplicado sem ressalvas (CUNHA, DIDIER JR et al, 2009, p. 753). Todavia, para os autores, o impasse surge no tocante a possibilidade de ocorrer o parcelamento quando se tratar de dívida de origem tributária a ser cobrada na execução fiscal. Nesse ponto, dizem os autores que
“(…) cumpre ao juiz, ao deferir o parcelamento requerido pelo executado, impor garantia do pagamento, bem como a aplicação da multa e da correção monetária e juros previstos na legislação de regência, a fim de não prejudicar o Erário, com diminuição no valor do crédito tributário pago com atraso. O art. 155-A do Código Tributário Nacional exige que o parcelamento seja concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. Sendo certo que o parcelamento não se enquadra nas hipóteses do art. 146 da Constituição Federal, o art. 745-A do CPC pode ser considerado como a “lei específica” exigida pelo art. 155-A do Código Tributário Nacional, desde que obedecida a correção monetária da legislação de regência e imposta garantia real ou pessoal.” (CUNHA, DIDIER JR et al, 2009, p. 753).
Assim, segundo Didier Jr, o Código de Processo Civil pode ser considerado a lei específica de que trata o art. 155-A do Código Tributário Nacional[10]. Portanto, seria possível a aplicação do art. 745-A à execução fiscal, mesmo diante de dívida tributária, condicionada ao pagamento de correção monetária e a imposição de garantia real ou pessoal.
Em contrapartida, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em diversas oportunidades[11], manifestou-se pela inaplicabilidade do parcelamento do art. 745-A do CPC em execuções fiscais. Num de seus julgados, proferido pela 6ª Turma no Agravo de Instrumento nº 2009.03.00.036928-8[12], a relatora Desembargadora Federal Regina Costa prolatou a seguinte decisão:
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO PREVISTO NO ART. 745-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INAPLICABILIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA.
I – Agravo de instrumento interposto contra a decisão que indeferiu pedido de parcelamento do débito na forma prevista no art. 745-A, do Código de Processo Civil.
II – O artigo 745-A, do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei n. 11.382/06, facultou ao Executado, no prazo para os embargos, e após a comprovação de depósito de 30% (trinta por cento) do valor da dívida, a formulação de requerimento para pagar o restante do débito em até seus parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês.
III – A inovação introduzida pelo art. 745-A, do referido diploma legal, não se aplica aos créditos tributários.
IV – Agravo de instrumento improvido”.
A melhor interpretação a ser dada – considerando, inclusive, o princípio da menor onerosidade ao devedor e desde que não haja manifesto prejuízo ao Erário – a hipótese é a possibilidade do parcelamento dos créditos cobrados em execução fiscal, inclusive aos tributários.
O legislador deve criar meios que facilitem o adimplemento dos créditos da fazenda pública. Deve o juiz desconsiderar atitudes desta que contrarie ou dificulte, imotivadamente, a aplicação do art. 745-A do CPC ou qualquer outra forma que simplifique o cumprimento das obrigações de seus credores para com a mesma.
Dessa forma, valendo-se do entendimento de Didier Jr supracitado, o parcelamento do art. 745-A do CPC deve ser concedido ao devedor da fazenda pública, seja o débito de natureza tributária ou não.
Ressalvando-se apenas em parte tal entendimento, entende-se possível a aplicação do referido dispositivo mesmo sem a prestação de garantia alguma. Isso porque não deve haver diferenciação entre os créditos a serem recebidos face a particularidade de cada credor. Desse modo, o parcelamento disposto no art. 745-A deve ser opcional a qualquer devedor, seja ele da fazenda pública ou não.
Ademais, o disposto neste artigo já condiciona a sua aplicação ao prévio depósito de 30% do valor do débito (que pode ser imediatamente levantado pela fazenda pública), bem como a incidência de correção monetária e juros de 1% ao mês sobre as seis parcelas mensais restantes. Assim, não há defasagem do valor do débito (tendo em vista a correção monetária e aos juros), e estimula o adimplemento da obrigação pelo devedor.
A fazenda pública já possui a execução fiscal prevista na Lei 6.830/80 como procedimento especial para a cobrança de seus créditos. Não é plausível que ela tenha mais esse favorecimento de condicionar o parcelamento de seus créditos de acordo com o art. 745-A do CPC à prestação de garantia, seja ela de qualquer natureza.
Como esse parcelamento previsto no CPC é direito subjetivo do devedor, não deve este ter a concessão de tal benefício condicionada a qualquer outro requisito que não o disposto no próprio art. 745-A do CPC.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sede conclusiva, vislumbra-se que a intenção do legislador em tornar mais eficiente a entrega da prestação jurisdicional rendeu frutos. Apesar de todas as discussões acima debatidas, vê-se que, mesmo não sendo pacífico, doutrina e jurisprudência dão o seu apoio para ajudar o legislador nessa árdua tarefa.
Sobre os pontos discutidos, compreendeu-se que é absolutamente plausível a aplicação das regras de parcelamento previstas no art. 745-A do CPC à fase de cumprimento de sentença. Para tanto, a tese da subsidiariedade das normas referentes à execução de título executivo extrajudicial em face do cumprimento de sentença é permitida pelo art. 475-R do CPC.
Da mesma forma, configura-se direito potestativo do devedor valer-se desse estímulo ao adimplemento de sua obrigação criado pelo legislador ordinário na Lei n. 11.382/06. Preenchidos os requisitos do art. 745-A, independentemente de oitiva e concordância do credor, deve o parcelamento do débito ser concedido ao devedor.
Por derradeiro, diante do princípio da menor onerosidade ao devedor e observada a inexistência de manifesto prejuízo ao Erário, será possível a aplicação das regras de parcelamento dos créditos cobrados em execução fiscal, inclusive aos tributários, em conformidade com o art. 745-A do CPC. Assim, como esse dispositivo não condiciona tal parcelamento a prestação de garantias, deverá este ser concedido independentemente de imposição das mesmas.
É inegável que o legislador tem se esforçado para criar um processo mais célere e efetivo, sem abandonar as garantias processuais constitucionalmente dispostas. Dessa forma, caberá às partes, seus procuradores e ao Poder Judiciário agirem conjuntamente em busca dessa efetividade processual, questionando sempre quando houver irregularidades no procedimento e propondo alterações para saná-las.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo José Filiar
Advogado; Pós-graduando em Direito Processual Civil Lato Sensu pela UNIDERP/IBDP/LFG; Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; professor colaborador de Direito Processual Civil da UFMS campus de Três Lagoas