Introdução.
A mim foi dirigida a gentil consulta do Dr. Jurandir Freire, Presidente da 7ª Subseção – Mirassol D’Oeste da OAB de Mato Grosso.
Desenvolvimento.
Em resumo, a sua cliente foi vítima de um estupro nas dependências do hospital em que se encontrava internada por um de seus enfermeiros, em 24 de fevereiro de 2000.
Realizado o inquérito policial, o autor do crime negou sua autoria. Tal fato, entretanto, foi desmentido pelo exame de DNA que foi concluído em 04 de abril de 2005.
Proposta a ação de dano moral pelo colega, obteve este a resposta do Hospital referido no sentido de que qualquer pretensão de recebimento de indenização por danos morais já estaria prescrita em razão de dispositivos do Código de Proteção ao Consumidor e Código Civil.
Note-se que as alegações do Hospital não merecem serem acolhidas por razões muito simples: a indenização por dano moral não é nem advinda da relação de consumo, nem de uma relação em que há danos ao patrimônio individual da vítima, ou seja, não é uma reparação guarida por este dispositivo do Código Civil.
A reparação civil, como dito acima, busca a recomposição do patrimônio individual daquele que sofreu um dano. Já a reparação advinda do dano moral é de natureza distinta, haja vista que o dano moral atinge a alma, o espírito ou o sentimento da pessoa que a sofreu.
O Código Civil brasileiro prevê o prazo prescricional de 10 anos nos seguintes casos:
“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.
O dano moral não teve o seu prazo de prescrição previsto no Código Civil. Em razão disto, é de bom direito se concluir, o seu prazo de prescrição, segundo o art. 205 do Código Civil brasileiro, é de dez anos.
É bom se lembrar que o estupro é considerado um crime hediondo, segundo o que determina a Lei nº 8072, de 1990:
“Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994)
V – estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994)”
Seguindo o próprio dispositivo do Código Penal, o estupro é um crime contra os costumes, mais especificamente contra a liberdade sexual e é tipificado no art. 213 do mesmo Código, consistindo no constrangimento da mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.
A Lei dos Crimes Hediondos, com bastante razão, assim os considera os crimes de estupro e estupro qualificado.
O art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos estabelece que os mesmos são insuscetíveis de anistia, graça e indulto ou fiança e liberdade provisória. Isto tudo de acordo com o art. 5º, inciso XLIII da Constituição Federal que trata dos direitos fundamentais do indivíduo:
“XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
A pena é de reclusão, de seis a dez anos.
Dadas as dificuldades para os elementos de provas, a vítima assegurou-se de guardar a sua “calcinha” com restos do sêmem do acusado para um futuro provável exame laboratorial.
Feito o exame do DNA do sêmem presente em tal peça de roupa, constatou-se tratar do esperma do acusado no inquérito policial. Este acabou confessando o crime no interrogatório em juízo.
O que se discute aqui é a seguinte situação: o autor do crime, réu confesso do crime de estupro, cujo sêmem foi identificado pelo recente exame de DNA na peça da roupa da vítima, só admitiu o próprio crime em juízo, não tendo feito o mesmo no interrogatório policial.
Conclusão.
A título de conclusão, é bom lembrar, as alegações do Hospital não devem ser aceitas em razão do prazo de prescrição da reparação do dano moral não se encontrar previsto expressamente no Código Civil e, em razão do texto do seu art. 205, é de 10 (dez) anos.
A reparação civil, como dito acima, busca a recomposição do patrimônio individual daquele que sofreu um dano. Já a reparação advinda do dano moral é de natureza distinta, haja vista que o dano moral atinge a alma, o espírito ou o sentimento da pessoa que a sofreu e não o seu patrimônio.
O fato de se constituir a reparação do dano moral em um valor monetário acontece por uma simples razão: o dano já foi feito e não há nada mais que possa retirá-lo da consciência da vítima. O máximo que se pode fazer é conceder valores para que a vítima recorra a profissionais que possam ajudá-la na convivência com as dores da lembrança de um crime hediondo sofrido no leito de um hospital por um de seus empregados.
Este é o meu parecer, s. m. j.
Cuiabá, 05 de setembro de 2005.
Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Informações Sobre o Autor
Francisco Mafra.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.