A legislação previdenciária, por motivos que não cabem aqui, tem baixo grau de definitividade no atacado. A jurisprudência previdenciária, idem no varejo. Tudo somado, a atividade do intérprete pode ser, e muita vez é, um “pás de deux”. Outrossim, com a recente decisão da Terceira Seção do STJ, no ERESP 273.866, relatado por HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, em 23.2.05, temos terreno firme na pensão por morte do regime geral – RGPS verde-e-amarelo, por onde ora nos embrenhamos. E com a jurisprudência que prevalece à montante. Não que a jurisprudência seja mensageira da verdade, absolutamente, mas antes porque é a única capaz de tornar-se definitiva e obrigatória no caso concreto, sem esquecer sua (possível) falibilidade, eternizada por CARLOS DRUMOND DE ANDRADE, quando disse que a justiça é tão falível que ela própria se encarrega de reformar suas decisões, e pelo monumental RUI BARBOSA que, em tom de mote, registrou ser o Supremo Tribunal Federal tão importante que se dá ao luxo de poder errar por último (o que foi repetido, mais tarde, por ALIOMAR BALEEIRO).
Sem mais delongas, atravessemos o Rubicão.
A pensão por morte está encartada na algibeira normativa dos benefícios de prestação continuada concedidos exclusivamente aos dependentes do segurado da Previdência Social (assim como o auxílio-reclusão – art. 18, II, Lei 8.213/91), com a nota distintiva de assegurar o risco social “morte” (previsto no art. 201, I, CF, art. 3º, Lei 8.212/91 e art. 1º, Lei 8.213/91).
Este benefício prescinde de carência (tempo mínimo de contribuição), nos termos do art. 26, I, Lei 8.213/91, mas não dispensa a qualidade de segurado na data do óbito. Deveras, a perda da qualidade de segurado inviabiliza a concessão de benefício previdenciário, uma vez extinta a relação jurídico-previdenciária na qual o INSS ocupa o pólo passivo para benefícios e serviços (art. 102, caput, Lei 8.213/91)[1]. Essa regra encontra exceção apenas no caso de direito adquirido à aposentadoria (art. 102, § 1º, Lei 8.213/91) e, em se tratando de aposentadoria por idade, na dispensa do preenchimento concomitante dos requisitos, por força do art. 3º, § 1º, Lei 10.666/03. Essas exceções repercutem tautologicamente na pensão: “Não será concedida pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior” (art. 102, § 2º, Lei 8.213/91)[2].
Com a redação dada pela Lei 9.528/97 ao art. 74, Lei 8.213/91, a data inicial do benefício – DIB passou a ser a data do óbito – DO, quando requerido até 30 dias depois deste (inc. I); a data do requerimento – DER, quando solicitado após 30 dias (inc. II); ou a data da decisão judicial de ausência, em procedimento ordinário se houver contestação do INSS (art. 1.169, p.u., CPC), na hipótese de morte presumida (inc. III). Em caso de desaparecimento do segurado por motivo de catástrofe, acidente ou desastre (que dá ensejo à pensão provisória do art. 78, §1o, Lei 8.213/91), o termo inicial é a data da ocorrência, mediante prova hábil (art. 112, II, Decreto 3.048/99 – RPS). Outrossim, em se tratando de benefício de pensão por morte a legislação aplicável é desenganadamente aquela em vigor na data do óbito – DO do segurado[3]. Nessa toada, as pensões cujos fatos jurígenos são óbitos anteriores à MP 1.596-14 convertida na Lei 9.528/97, têm DIB na data do óbito – DO, nos termos da redação original do art. 74, Lei 8.213/91, mesmo se requeridas no direito superveniente e depois de 30 dias do óbito: aplicação do princípio “tempus regit actum”.
Na perspectiva da DIB, o dependente incapaz não pode ser prejudicado se não foi aceita a solicitação pessoal, em sede administrativa, em face de sua incapacidade mesma decorrente de menoridade ou de necessidades especiais, ou por meio de representante enquanto este não providenciasse o termo de tutela/curatela, hipótese em que a data inicial – DIB da pensão deverá ser fixada sempre na data do óbito – DO, ainda que requerida depois de 30 dias[4].
A concessão do benefício não será adiada pela ausência de habilitação de outro provável dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que implique exclusão ou inclusão de dependente do segurado instituidor só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação, isto é, possui efeito “ex nunc”, a teor do art. 76, caput, Lei 8.213/91. Assim e figuradamente, (i) o cônjuge ausente não exclui do direito à pensão por morte a companheira ou os filhos e (ii) os valores recebidos pelo pensionista não podem ser deduzidos retroativamente com a habilitação posterior de outro beneficiário. A exceção fica por conta de dependente incapaz, menor ou ausente, por força do art. 79, Lei 8.213/91, mas tão-só em relação às cotas impagas a outros beneficiários, nos termos do art. 105, § 2º, Decreto 3.048/99. Exemplo 1: a esposa requereu pensão 3 anos após o óbito, e a partir daí ela recebeu o benefício integralmente; se o filho incapaz requerer pensão 1 ano depois (4 anos após o óbito), ele somente terá direito às cotas integrais do benefício da DO até a DIB da pensão da esposa, e à metade do benefício a partir da DER (DO + 4 anos). Exemplo 2: a esposa requereu pensão 20 dias após o óbito, e recebeu o benefício desde a DO; se o filho incapaz requerer pensão 1 anos depois (1 ano após o óbito), ele não terá direito algum às parcelas atrasadas, mas terá direito à metade do benefício a partir da DER (DO + 1 ano).
Na ação em que a companheira requer pensão por morte em decorrência do óbito do companheiro, é prescindível a convocação da esposa que ainda não recebe pensão, a qual poderá solicitar, a qualquer tempo, a sua habilitação, com o rateio do benefício. Diferente seria se a esposa ou outro dependente já estivesse recebendo o benefício, pois o rateio implicaria redução de sua cota da pensão, hipótese em que a sua presença como litisconsorte passivo necessário seria manifestamente imprescindível, pena de nulidade absoluta: o dependente em gozo de benefício deverá, inclusive, participar do procedimento administrativo de inclusão de outros dependentes, em simetria com o processo judicial, sob pena de vulnerados os princípios do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LX, CF)[5].
A inscrição do segurado obrigatório pode ser efetuada pelos dependentes mesmo após o seu óbito, uma vez demonstrado o exercício de atividade remunerada que determine a filiação automática (não há confundir filiação com inscrição: esta opera no plano fático, aquela no plano jurídico), de modo a viabilizar a concessão da pensão, porquanto não há vedação de inscrição post mortem do segurado[6]. Já em relação à inscrição post mortem dos dependentes, era exceção na redação original do art. 17, § 1º, Lei 8.213/91, quando incumbia ao segurado a inscrição deles, mas com a redação da Lei 10.403/02, passou a ser regra.
A existência de dependente numa classe exclui do direito às prestações os dependentes da classe seguinte (art. 16, §1º, Lei 8.213/91). Assim, v.g., a companheira ou a esposa, que são dependentes de classe preferencial para fins previdenciários, excluem a mãe do segurado falecido, na obtenção de pensão[7]. Havendo mais de um pensionista por classe, a pensão será rateada ou desdobrada entre todos em partes iguais (art. 77, caput, Lei 8.213/91). Nesta hipótese, é possível que cada cota parte seja inferior ao salário-mínimo, sem, contudo, transgredir preceito constitucional que veda a concessão de benefício previdenciário com valor inferior mínimo, pois o que se visa proteger com o disposto no art. 201, § 2º, CF/88, é o próprio benefício[8]. Também nesta hipótese de desdobramento, se um co-pensionista ajuizar ação revisional previdenciária, os efeitos da coisa julgada, assim favorável como desfavorável, não se estendem aos demais co-pensionistas que não participaram do processo.
Anteriormente à CF/88, apenas a mulher tinha direito à pensão por morte previdenciária do homem, sendo que o homem só fazia jus à pensão por morte da mulher se inválido fosse. O art. 201, V, CF/88, ao igualar homem e mulher para efeito de pensão previdenciária, veiculou norma de eficácia limitada, não prescindindo da interpositio legislatoris, que somente ocorreu com a edição da Lei 8.213/91. Desse modo, o óbito da esposa filiada à Previdência Social, ocorrido antes do advento da Lei 8.213/91 e após a CF/88, não gera o direito à pensão por morte ao seu cônjuge[9].
Admite-se a concessão de pensão à companheira ou companheiro homossexual ou homoafetivo, isto é, aquele que vive em sociedade de fato com pessoa do mesmo sexo está amparado pelo art. 16, I, Lei 8.213/91[10], nos termos da IN 50/01.
A dependência econômica enquanto requisito à pensão por morte é presumida em relação ao cônjuge, companheiro e filho (art. 16, §4o, Lei 8.213/91), devendo os demais dependentes comprovar a efetiva dependência econômica em relação ao segurado instituidor (falecido) mediante início de prova material e prova testemunhal, sendo inadmissível para esse fim a prova exclusivamente testemunhal, nos termos do art. 143, Decreto 3.048/99 – RPS e da jurisprudência dominante[11]. A dependência econômica, se por um lado não se confunde com simples auxílio financeiro, i.e., com aquele dinheiro eventual que não é destinado às despesas ordinárias da casa[12], por outro, não precisa ser exclusiva, cf. interpretação analógica da Súmula 229/ex-TFR: “A mãe do segurado tem direito à pensão previdenciária, em caso de morte do filho, se provada a dependência econômica, mesmo não exclusiva”.
Assim, por exemplo, a mãe de ex-segurado é considerada beneficiária, na condição de dependente de seu filho, desde que devidamente comprovada a sua dependência econômica em relação a ele[13], valendo atinar para o que normalmente acontece na realidade: nas famílias mais humildes, os filhos continuam ajudando os pais mesmo após ingressarem no mercado de trabalho, enquanto nas famílias com razoável poder aquisitivo isso não ocorre (em verdade, ocorre justamente o contrário). O companheiro deve comprovar não a dependência econômica, que é presumida, mas a condição mesma de companheiro, mediante início de prova material e prova testemunhal. Também deverá comprovar a dependência econômica o cônjuge separado de fato, por isso que quando o consorte se afasta do convívio conjugal por longo período, sem nenhum vínculo e sem receber pensão alimentícia, tem-se uma exceção à regra da presunção de dependência econômica[14].
Importante destacar que o cônjuge separado judicialmente, ainda que tenha dispensado a pensão alimentícia, no processo de separação, tem direito à percepção de pensão previdenciária em decorrência do óbito do ex-marido, desde que comprovada a ulterior necessidade econômica, pois o direito a alimentos é irrenunciável[15]. Andante, a viúva que contrai novo casamento ou vive em concubinato não perde o direito à pensão que recebe pelo falecimento de seu ex-marido, exceto se da nova união derivar alteração econômica para melhor e a tornar desnecessário o pensionamento[16]. Nesta última hipótese, deve ser oportunizado à beneficiária prévio contraditório a permitir-lhe comprovar que do casamento não resultou melhoria na situação econômico-financeira.
É admissível a concorrência à pensão por morte entre esposa e companheira, bem como o rateio/desdobramento do benefício entre ambas: “É legítima a divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira, atendidos os requisitos exigidos” (Súmula 159/ex-TFR). Comprovado por início de prova material e testemunhal que o falecido mantinha dupla união estável em vida, a pensão será rateada entre as companheiras concorrentes[17]. A ausência de separação de direito não influencia no direito à pensão pela companheira que, separada de fato de seu ex-marido, passa a conviver maritalmente com o de cujus[18]: aplicação do princípio da primazia da realidade.
O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica por início de prova material corroborada por prova testemunhal (art. 16, § 2º, Lei 8.213/91). O menor sob guarda judicial deixou de ser equiparado ao filho, para efeitos previdenciários, desde o advento da Lei 9.528/97, de modo que tendo o guardião falecido após essa modificação, descabe falar em direito à pensão ao menor sob guarda, vez que não havia direito adquirido ao benefício, mas apenas expectativa de direito, que se frustrou com a exclusão da qualidade de dependente do referido menor antes do falecimento[19].
Para que o filho ou irmão maior inválido faça jus ao recebimento do benefício, deverá ficar comprovado que a invalidez é anterior à data do óbito do segurado, e que o filho ou irmão não tenha se emancipado até a data da invalidez, por isso que os quesitos à pensão devem estar todos presentes concomitantemente à data do óbito[20]. Nessa compreensão, se o óbito ocorreu em 12.02.03 e o filho do “de cujus”, maior de 21 anos, tornou-se incapaz em 25.06.03, não há falar em direito ã pensão.
O pensionista inválido deve submeter-se a exame médico a cargo da previdência social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, bem como tratamento gratuito, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos, sob pena de suspensão do benefício (art. 101, Lei 8.213/91).
O artigo 16, IV, Lei 8.213/91, revogado pela Lei 9.032/95, reconhecia como beneficiário do RGPS, na condição de dependente, a pessoa designada, menor de 21 anos ou maior de 60 anos ou inválida. Em caso de óbito do segurado sob a vigência da Lei 9.032/95, o STJ firmou entendimento no sentido de que não há falar em direito adquirido de pessoa designada antes da referida lei à concessão do benefício, por isso que o fato jurígeno da pensão por morte é o óbito do segurado instituidor do benefício, de modo que deve se observar a legislação vigente à época da ocorrência desse fato (“tempus regit actum”, à semelhança do que ocorre no direito sucessório, nos termos do art. 1.787, nCC), quando a pessoa designada já não era mais dependente[21].
Para efeito de pensão por morte, é absolutamente irrelevante que o segurado instituidor do benefício esteja em débito para com a Previdência Social: isso não impede a concessão da pensão, preenchidos os demais requisitos (art. 274, IN 95/03). Neste caso, pode acontecer que não haja salários-de-contribuição no período-básico-de-cálculo – PBC, quando o benefício será concedido no valor mínimo, devendo sua renda ser recalculada quando da apresentação da prova do recolhimento das contribuições, é dizer, a DIP da revisão será na DRD, não retroagindo à DIB, nos termos do art. 35, Lei 8.213/91. Andante, os valores devidos, se não pagos voluntariamente pelos pensionistas, não podem ser descontados da pensão, por isso que não se aplica o art. 115, Lei 8.213/91 na espécie[22].
No Decreto 83.080/79 e CLPS/84, a renda mensal inicial – RMI da pensão era de 50% do salário-de-benefício, mais 10% para cada dependente, observado o limite de cinco dependentes. A partir da Lei 8.213/91, a renda mensal inicial – RMI da pensão por morte passou a ser constituído de uma parcela, relativa à família, de 80% do valor que o segurado recebia ou a que teria direito, se estivesse aposentado na data do óbito, mais tantas parcelas de 10% do valor da mesma aposentadoria quantos fossem os seus dependentes, até o máximo de dois. Em caso de falecimento por acidente de trabalho, o valor era de 100% do salário-de-benefício ou do salário-de-contribuição vigente no dia do acidente, ou o que fosse mais vantajoso. Posteriormente, a Lei 9.032/95 deu nova redação ao artigo 75, Lei 8.213/91 – LBPS: “O valor mensal da pensão por morte, inclusive a decorrente de acidente de trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% do salário-de-benefício”. E com a MP 1.523-9, convertida na Lei 9.528/97, o valor mensal da pensão por morte será de 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento.
Os dependentes dos trabalhadores rurais têm direito à pensão por morte no valor de um salário mínimo (art. 39, I, Lei 8.213/91), salvo se houver contribuições facultativas (art. 25, § 1º, Lei 8.212/91), quando se aplica a regra geral (art. 39, II, Lei 8.213/91)[23]. O valor da pensão aos dependentes do segurado recluso que, nesta qualidade, vier a falecer, é calculado com base no salário-de-benefício do auxílio-reclusão, salvante se o recluso tiver contribuído como contribuinte individual ou facultativo, quando poderá haver opção dos dependentes por novo cálculo de salário-de-benefício, consideradas essas contribuições (art. 2º, § 2º, Lei 10.666/03).
Vale registrar que quando a pensão decorre de conversão de aposentadoria por invalidez, seu valor bruto não se altera, mas o valor líquido pode diminuir se a aposentadoria por invalidez era isenta de Imposto de Renda (nas hipóteses previstas no art. 2º, OI 31/01, a exemplo de tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase etc), porque esta isenção não se transfere à pensão em hipótese alguma.
As alterações susomencionadas na RMI da pensão fazem surgir uma específica questão de direito intertemporal sobre a aplicação da lei mais benéfica, majorando-se o percentual das pensões concedidas anteriormente (revisional previdenciária que pulula nos foros atualmente). O STJ e os TRFs vêm se curvando ao entendimento de incidência imediata da lei nova (Lei 8.213/91 e 9.032/95), independentemente da data do falecimento do segurado instituidor do benefício, sem evidenciar aí ofensa ao art. 5o, XXXVI, CF, que não pode ser alegado em favor do Estado[24]. A questão ainda não foi analisada no STF, valendo frisar: (i) vetusto entendimento do STF que nega a retroatividade (mínima) na espécie, sem expressa disposição legal nesse sentido: “Aplicar benefício da lei nova aos que se inativaram antes de sua vigência, sem disposição legal expressa sobre efeito retroativo, importa em contrariar a garantia do ato jurídico perfeito (art. 153, §3o, da CF) e substituir-se ao legislador, a pretexto de isonomia (Súmula 339)”[25]; e (ii) tudo indica, considerada a atual composição do STF, que haverá mudança neste entendimento, por aplicação do bom senso ou princípio da razoabilidade.
A pensão por morte previdenciária não é nem pode ser concedida de oficio pelo INSS, por isso que exige prévio requerimento administrativo. Nesse panorama, se o instituidor da pensão vinha recebendo aposentadoria, o saque pelos familiares de valores referentes à aposentadoria após o óbito do beneficiário (o que, diga-se en passant, é bastante comum), sem que haja requerimento de pensão, caracteriza crime de estelionato[26]. A exceção ao princípio da inércia na concessão de benefícios previdenciários fica por conta da pensão por morte de segurado recluso, cujos dependentes já vinham recebendo auxílio-reclusão, hipótese em que este benefício será automaticamente convertido em pensão por morte, com DIB na DO e mesma AP/BASE, salvante a hipótese de recálculo prevista no art. 2º, § 2º, Lei 10.666/03. Há mais uma exceção, que não pode passar em brancas nuvens: a conversão automática do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez ou auxílio-acidente.
O art. 78, Lei 8.213/91 autoriza a concessão do benefício de pensão por morte presumida em duas hipóteses. A primeira, prevista no caput, refere-se à ausência, cujo conceito pode ser extraído do art. 22, nCC, ocorrendo quando uma pessoa desaparece do seu domicílio sem dela haver notícia e não deixa representante ou procurador, mas, diferentemente da lei civil e processual civil, para efeito de pensão provisória, a morte presumida do segurado ausente pode ser declarada em esfera judicial após seis meses[27]. A segunda hipótese, elencada no §1º, alude aos casos de desaparecimento do segurado em virtude de acidente, catástrofe ou desastre, hipótese em que os seus dependentes farão jus à pensão provisória independentemente de declaração judicial e do prazo estipulado no caput. A pensão por morte presumida tem natureza provisória, de modo que, reaparecendo o segurado, o pagamento da pensão cessará imediatamente, desobrigados os dependentes da devolução dos valores recebidos de boa-fé (art. 78, § 2º, Lei 8.213/91); verificada a má-fé, aplicável o art. 115, p.u., Lei 8.213/91, devendo o pensionista restituir os valores recebidos indevidamente, à vista[28].
A parte individual da pensão extingue-se, nos termos do art. 77, § 2º, Lei 8.213/91, pela morte do pensionista (pensão não gera pensão – inc. I), pela sua emancipação ou ao completar 21 anos, salvo se inválido (inc. II), ou pela cessação da invalidez (inc. III). Se o dependente pensionista se tornar inválido antes de completar 21 anos, também deverá ser submetido a exame médico-pericial e, confirmada a invalidez, não cessa a sua cota da pensão ao completar 21 anos de idade. Quanto à continuidade da pensão recebida pelo dependente universitário até os 24 anos de idade, está assente na jurisprudência que é incabível, porquanto existe expressa determinação legal quanto à cessação do benefício aos 21 anos (inc. II)[29], com força normativa para o bem (de modo que o limite etário não foi reduzido para 18 anos por força do nCC) e para o mal (impedindo o aumento do limite etário).
A lei que rege o repasse/reversão de cotas da pensão rateada/desdobrada é como deve ser a vigente à época do repasse/reversão mesmo, e não a vigente na data do óbito do instituidor da pensão. Desse modo, ainda que se trate de pensão concedida antes da Lei 8.213/91, quando a cota do co-pensionista que perdesse a qualidade de dependente se extinguia, a extinção de uma cota na vigência da Lei 8.213/91 será revertida aos demais co-pensionistas, nos termos do seu art. 77, § 1º. Andante, o repasse/reversão da cota parte recebida pelo co-pensionista que perdeu o direito à pensão, sobrevindo alguma das hipóteses legais susomencionadas, só é permitido se o dependente remanescente mantiver a condição de co-pensionista na data do repasse e nos termos da legislação então vigente[30].
A acumulação de pensões somente podia ocorrer legitimamente até a Lei 9.032/95, que acresceu o inc. VI ao art. 124, da Lei 8.213/91, vedando a percepção de mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa. Outrossim, não há óbice algum na acumulação de pensão com outro benefício previdenciário do RGPS, ou na acumulação de uma pensão do RGPS com outra pensão de regime próprio de previdência, por isso que a norma restritiva e excepcional do art. 124, Lei 8.213/91 merece interpretação literal, considerada a regra da acumulação de benefícios previdenciários. Há, enfim, óbice na acumulação de pensão com benefício assistencial de prestação continuada, por força do art. 20, § 4º, Lei 8742/93.
Em relação à competência para processos visando a obtenção ou revisão de pensão, na compreensão de que o INSS é uma autarquia federal, incide a regra mater do art. 109, I, CF, estabelecendo a competência da Justiça Federal. Ademais, “compete à Justiça Federal processar justificações judiciais destinadas a instruir pedidos perante entidades que nela têm exclusividade de foro, ressalvada a aplicação do art. 15, II, da Lei 5.010/66” (Súmula 32/STJ). A ressalva na Súmula diz com a jurisdição federal delegada à Justiça Estadual, prevista no art. 109, § 3º, CF. Nessa compreensão e figuradamente, cabe à Justiça Federal o reconhecimento: de ausência por morte presumida para fins de concessão de benefício previdenciário[31]; de união estável para fins de concessão de pensão por morte previdenciária[32]; de adoção para viabilizar o restabelecimento de pensão por morte previdenciária, em decorrência da relação de filiação[33]. Em todos esses casos, não há invasão da competência do Juízo da Infância e da Juventude ou do Juízo de Família, já porque essas matérias são apenas o fundamento da lide e não o pedido desta, este de natureza e fim previdenciário.
E para encerrar, como as águas de março que encerram o verão (já não mais com o charme de outrora e cantado em verso, máxime em tempos de aquecimento global), sem encerrar o ano (leia-se: não se pretende esgotar o assunto, por isso que seria rematada loucura em se tratando de legislação de consumo direto, qual o direito previdenciário), aluda-se que o processo visando a obtenção ou revisão de pensão por morte decorrente de acidente de trabalho é da competência da Justiça Estadual, em virtude da ressalva expressa ao final do art. 109, I, CF[34].
Informações Sobre os Autores
Roberto Luis Luchi Demo
Juiz Federal Substituto. Ex-Procurador Federal. Autor do livro “Jurisprudência Previdenciária”, Editora Ltr: São Paulo
Maria Salute Somariva
Acadêmica do 5º ano de Direito da UNIVEL, em Cascavel/PR