Perdura a ilegalidade dos transgênicos no Brasil

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Em 1999, o juiz federal Antonio Sousa Prudente, da
6ª Vara da Justiça Federal de Brasília decidiu, em ação cautelar ajuizada pelo
IDEC e pelo Greenpeace, que as empresas MONSANTO DO
BRASIL LTDA e MONSOY LTDA:

1. apresentassem Estudo Prévio de Impacto Ambiental
como condição indispensável para o plantio, em escala comercial da soja round up ready, no Brasil;

2. estavam impedidas de comercialização de sementes
da soja geneticamente modificada, já produzidas, até regulamentação das normas
de biossegurança e de rotulagem de OGMs;

3. deveriam suspender o cultivo, em escala
comercial, desse produto, sem esclarecimentos das questões técnicas relativas
às possíveis falhas apresentadas, pela CNTBio,
quanto ao exame do pedido de desregulamentação da soja round up ready;

4. restringissem o plantio da soja transgênica ao mínimo necessário à realização de testes e
do EIA/RIMA, em regime monitorado e em área de contenção, delimitada e
demarcada, sem a comercialização do produto dos testes.

O Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, aprovou, em junho de 1999, proposição reiterando a
exigência de licenciamento ambiental e de realização de EIA/RIMA para
introdução, aqui, de sementes geneticamente modificadas.

Em decorrência, lavouras clandestinas proliferaram.
O agricultor – célula principal desse processo – foi buscar semente
geneticamente modificada, através do contrabando, na Argentina – área sem
restrições aos transgênicos. A entrada dessas
sementes foi favorecida pela omissão do Poder Público fiscalizador das
fronteiras argentinas.

O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado
brasileiro a contrariar o cultivo de transgênicos.
Entidades ligadas aos produtores pediram investigação sobre o estímulo e
indução ao plantio de soja transgênica no estado. A
Polícia Federal, acompanhada por fiscais do Ministério da Agricultura e da
Secretaria da Agricultura, após pacto firmado entre o governo gaúcho e cooperativas, passou a vistoriar propriedades
suspeitas. A Federação da Agricultura – FARSUL – ao orientar os agricultores a
impedir a entrada de fiscais nas suas terras, acirrou a belicosidade no meio
rural.

José A. Lutzemberger,
engenheiro agrônomo e ecologista gaúcho, em artigo publicado na Gazeta
Mercantil, nessa época, afirmou que “A soja transgênica,
patenteada, que agora está sendo introduzida no Estado é resistente ao
herbicida da própria casa e obriga o agricultor à “compra casada”- semente mais herbicida, mesmo que não haja necessidade
para tal. Já estão disponíveis, também, cultivares com o gene “terminator”, um gene que faz com que a semente colhida
pelo agricultor se “suicide” ao ser semeada, tornando desnecessária a
patente, pior que no caso do milho híbrido que, ao ser semeado, não mantém suas
qualidades. Não é por nada que as grandes transnacionais dos agrotóxicos nos
últimos anos compraram já a quase totalidade das empresas independentes de
sementes. Com isso, preparam-se para um monopólio global”.

Em 1996, inexistiam dados sobre nossa produção de
soja transgênica. Apurou-se, informalmente, no início
de 2003, que, no Brasil, essa representava cerca de 8% da colheita de 51
milhões de toneladas. O que deveria ser feito com esta produção agrícola
ilegal, correspondente a mais de um bilhão de reais?

Favorável ao Princípio de Precaução, ferozmente
defendido pela Ministra do Meio Ambiente, o presidente Lula insistia em proibir
a produção e comercialização de OGM. Entretanto, essa decisão presidencial não
encontrou respaldo no governo. O Ministro da Agricultura e o do Desenvolvimento
preconizavam a coexistência pacífica entre a soja transgênica
e a natural.

Não obstante, o lobby favorável aos OGM mostrou a
sua força e o Brasil ganhou mais uma decisão política: a Medida Provisória 113,
atualmente Lei 10.688/2003. Sem parecer técnico da CTNBio e a devida avaliação da inocuidade que deveria,
obrigatoriamente, preceder este ato, deu-se a liberação da rentável safra de
soja de 2003.

Não foi garantida, no caso em pauta, a proteção da
sociedade quanto à biossegurança. Restou amparado,
tão somente, o interesse dos produtores de soja, ou seja, daqueles que
adquiriram, de forma ilegal, sementes transgênicas e
assumiram o risco de sanções e de perda patrimonial.

Na semana passada, a desembargadora
Selene Maria da Almeida, do Tribunal Regional Federal
da 1a. Região, liminarmente, concedeu efeito suspensivo ao supramencionado
decisório do Dr. Antonio Prudente. Com isso, espalhou-se a notícia de que se
encontra, finalmente, liberado o cultivo e comercialização de soja transgênica no Brasil. Mas isso não é verídico, o que é
ratificado pelo IDESC, em sua página na Internet (http://www.idec.org.br/paginas/emacao.asp?id=430):

“1. A Monsanto
deve providenciar o licenciamento ambiental da soja RR, nos termos da Resolução
CONAMA 305, que é posterior à sentença judicial e à apelação que determina o
licenciamento ambiental de sementes geneticamente modificadas. (…)

A Lei n. 10.688/03 (convertida da MP n. 113/03),
que liberou a safra da soja ilegal do Rio Grande do Sul de 2002/03, em seu art 5o., reforça isso, ao estabelecer que “Para o
plantio da safra 2004 e posteriores, deverão ser observados os termos da
legislação vigente, especialmente as leis no. 8974, de 5 de janeiro de 1995, e
no. 8078, de 11 de setembro de 1990 e demais instrumentos legais
pertinentes”
(grifo nosso). Por outro lado, não estão afastadas a
Legislação de Vigilância Sanitária e a Lei de Agrotóxicos.

2. O glifosato (agrotóxico a ser
aplicado na soja RR) ainda não possui registro para aplicação em soja
geneticamente modificada, qual seja, a aplicação em partes aéreas da soja, o
que torna ilegal qualquer tipo de utilização para este fim. (…)

Os agricultores que plantarem soja transgênica e utilizarem o herbicida na parte aérea, assim
como os agrônomos que prescreverem o herbicida para este uso estarão cometendo
uma infração à Lei 7802/89 (Lei dos Agrotóxicos) e poderão responder perante os
órgãos de fiscalização e a Justiça.

3. Assim, os agricultores devem ter muita cautela
antes de adotarem essa tecnologia, pois até mesmo a concessão de financiamentos
agrícolas, prevista pelo art. 6o. da Lei 10.688/03, que diz que “É
vedado às instituições financeiras oficiais de crédito aplicar recursos no
financiamento da produção, plantio, processamento e comercialização de
variedades de soja obtidas em desacordo com a legislação em vigor”
,
não podem ser afastadas pela referida decisão judicial.”

Infelizmente,
percebe-se que o Estado continua respaldando a pré-falida multinacional Monsanto. Para quê? Para salvar uma empresa recusada
internacionalmente? Afinal, a Monsanto sofreu perda
apurada em US$ 1,7 bilhão, em 2002, e não conseguiu novos mercados para seus
produtos geneticamente modificados. Portanto, sua sobrevivência depende da
abertura do mercado brasileiro de sementes de soja – um dos maiores do mundo.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Ana Candida Echevenguá

 

advogada atuante no PR, SC e RS, especializada em Direito do Consumidor e Direito Ambiental