Polícia Civil, Órgão de Governo ou de Estado?

Resumo: Este artigo critica a interferência indevida do Poder Executivo na atividade de investigação criminal exercida pela Polícia Civil. Debate a conveniência de transferir a subordinação da Polícia Civil, atualmente vinculada ao Poder Executivo, ao Poder Judiciário, como forma de proporcionar mais autonomia e independência de ação aos seus integrantes. Discute, ainda, a necessidade de atribuir aos delegados de polícia independência funcional, concedendo a estes profissionais as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Finalmente, demonstra a importância de a Polícia Judiciária se transformar em um órgão de Estado, deixando de ser um órgão de Governo.


Palavra chave: Órgão de Estado; órgão de Governo; independência funcional; garantias institucionais; garantias pessoais; independência funcional; prerrogativas; vitaliciedade; inamovibilidade; irredutibilidade de subsídios; Polícia Civil; Polícia Judiciária; delegados de polícia; interferência do chefe do Poder Executivo; segurança pública; e sistema de justiça criminal.


Sumário: I – Introdução; II – Significado Etimológico da Expressão Independência Funcional; III – Significado Jurídico do Termo Independência Funcional; IV – Espécies da Garantia de Independência Funcional; V – Necessidade das Garantias Institucionais e de Independência Funcional; VI – Vinculação Histórica entre a Polícia Civil e o Poder Judiciário; VII – Atividades Jurisdicionais que foram exercidas pelos delegados de polícia; VIII – Entendimento Doutrinário sobre a Autonomia da Polícia Judiciária; IX – Conclusão; e X – Bibliografia.


I – Introdução


Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, no dia 07 de março de 2010, intitulada “Delegados confirmam pressão de Arruda para fornecer informações sigilosas[1]”, revela suposta interferência do Chefe do Poder Executivo na atividade de investigação criminal, realizada pela Polícia Civil do Distrito Federal.


Para aquilatar a gravidade da ingerência do Chefe do Poder Executivo no trabalho da Polícia Civil, segundo a citada matéria, os depoimentos prestados pelos delegados de polícia foram usados pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, como forte argumento apresentado ao STF para manter o Governador afastado preso.


Inquestionavelmente, a eventual ingerência do Presidente da República, dos Governadores dos Estados e do Distrito Federal e dos Prefeitos Municipais no trabalho de elucidação de delitos, exercido pela Polícia Judiciária, é um fato extremamente grave, porque compromete o sistema de justiça criminal do país.


De fato, a espúria intromissão na área de atuação dos delegados de polícia aniquila a imparcialidade que deve revestir os atos de Polícia Judiciária.


Além disso, a intervenção na atividade de investigação criminal viola, entre outros, o princípio da impessoalidade, previsto no art. 37, da Constituição Federal.


“Artigo 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:” (grifei)


O princípio da impessoalidade estabelece que a administração não pode agir de forma a beneficiar ou prejudicar determinadas pessoas; deve atuar sempre visando ao interesse público.


Entretanto, apesar da seriedade da situação relatada, a interferência dos Chefes do Poder Executivo na atividade de investigação criminal é bastante comum.


Em outras palavras, o episódio supostamente ocorrido em Brasília não é um fato raro e isolado.


Infelizmente, a Polícia Civil, com frequência, é utilizada pelos falsos governantes, de maneira arbitrária, como instrumento de perseguição de inimigos políticos, por intermédio de indiciamentos e prisões ilegais ou de proteção aos correligionários, limitando ou impedindo a investigação dos crimes praticados pelos membros ou simpatizantes do partido detentor do poder.


A referida reportagem traz à baila antiga discussão sobre a necessidade de transferir a subordinação da Polícia Civil, atualmente vinculada ao Poder Executivo, ao Poder Judiciário, com o objetivo de proporcionar mais autonomia e independência aos seus integrantes.


De outro lado, a reportagem sobre a eventual intromissão do Governador Arruda no âmbito de atuação da Polícia Civil do Distrito Federal reacende o debate a respeito da necessidade de atribuir independência funcional aos delegados de polícia.


Para a perfeita compreensão da questão, é importante esclarecer que: a principal atribuição das Polícias Federal e Civil dos Estados e do Distrito Federal é o exercício da atividade de Polícia Judiciária, que se destina a investigar os crimes cometidos, colhendo todas as provas da materialidade (existência do fato) e autoria, para que o Ministério Público possa formalizar a acusação, desencadeando a ação penal, e o Poder Judiciário julgar o infrator.


Acontece que, atualmente, os delegados das Polícias Federal e Civil, indevidamente subordinados ao Poder Executivo, desempenham sua missão constitucional totalmente vulneráveis à ingerência política, pois não possuem a garantia de independência funcional.


Saliente-se que o deputado Alexandre Silveira, autor da proposta de emenda à Constituição nº 293/2008, que atribui tais prerrogativas às autoridades policiais, afirma que:


 “Infelizmente, as polícias e policiais não possuem nenhuma dessas garantias. Na prática, isso significa que um delegado de Polícia Federal, por exemplo, pode ser transferido a qualquer tempo, ou ser designado pela vontade dos superiores para qualquer caso, ou dele ser afastado, além de se submeter a um forte regime disciplinar que prevê a punição pelo simples fato de fazer críticas à Administração. O Chefe das Polícias Civis nos Estados, da mesma forma, é escolhido pelos respectivos governadores, evidenciando a subordinação de seus delegados ao Poder Executivo local.” (grifei)


Em síntese, diante do preocupante quadro descrito, constata-se a conveniência de transferir a subordinação da Polícia Civil ao Poder Judiciário e a necessidade de dotar os delegados de polícia de independência funcional, concedendo as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, para que não sofram pressões ou intimidações nocivas ao esclarecimento dos fatos sob apuração, em prejuízo da administração da justiça no país.


II – Significado Etimológico da Expressão Independência Funcional


Em primeiro lugar, é importante estabelecer a definição etimológica da expressão independência funcional.


De acordo com o dicionário digital Aulete, independência significa o estado ou caráter de quem goza de autonomia, de liberdade com relação a algo ou alguém.


De outro lado, a palavra funcional tem o sentido de atividade exercida por uma pessoa.


Assim, independência funcional do delegado de polícia significa a atuação desse profissional sem se deixar influenciar, com autonomia de julgamento e ação.


III – Significado Jurídico do Termo Independência Funcional


A doutrina divide as garantias em duas espécies: garantias institucionais; e garantias pessoais ou de independência funcional.


Os órgãos de Estado necessitam de algumas garantias atribuídas à entidade como um todo (garantias institucionais) e outras garantias concedidas aos seus integrantes (garantias pessoais ou de independência funcional), para que possam exercer suas atribuições constitucionais, de forma livre e independente.


As denominadas garantias institucionais são prerrogativas que visam preservar a independência do próprio órgão.


Essas prerrogativas se subdividem em duas espécies: garantia de autonomia administrativa e garantia de autonomia financeira.


A garantia de autonomia administrativa permite aos órgãos de Estado a sua auto-organização, como a possibilidade de elaborar o seu regimento interno e de eleger seus dirigentes.


A garantia de autonomia financeira possibilita aos órgãos de Estado a apresentação da sua proposta orçamentária.


De outro lado, as garantias pessoais ou de independência funcional, são prerrogativas inerentes às atividades exercidas pelo servidor, portanto, não são vantagens especiais.


IV – Espécies da Garantia de Independência Funcional


Entre as garantias pessoais ou de independência funcional se destacam:


– Vitaliciedade;


– Inamovibilidade; e


– Irredutibilidade de subsídios.


A vitaliciedade é a garantia que assegura ao servidor o direito de só ser demitido do respectivo cargo por decisão judicial transitada em julgado.


Isto significa que ele não pode ser demitido por intermédio de simples processo administrativo disciplinar.


A inamovibilidade consiste na impossibilidade de remoção do funcionário de um cargo para outro, exceto por interesse público.


A irredutibilidade de subsídio significa que o funcionário não pode ter seus vencimentos reduzidos.


Indiscutivelmente, as garantias pessoais ou de independência funcional são de suma importância, porque proporcionam liberdade e independência de atuação aos integrantes de alguns órgãos de Estado, que exercem atividades relevantes para a sociedade.


Tais prerrogativas são tão importantes que constam no texto da Magna Carta, justamente porque a liberdade de ação de determinados profissionais preserva o estado democrático de direito, entendido como o sistema institucional fundamentado no respeito às normas, separação dos poderes e aos direitos e garantias fundamentais.


A veracidade de tal assertiva pode ser observada nos incisos I, II, III, do art. 95 e nas alíneas “a”, “b” e “c”, do inciso I, do § 5º, do art. 128, da Constituição Federal, que, respectivamente, atribuem aos magistrados e integrantes do Ministério Público as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.


V – Necessidade das Garantias Institucionais de Independência Funcional


Depois definir o significado das garantias institucionais e de independência funcional e aquilatar a importância de tais prerrogativas, é necessário verificar se a Polícia Judiciária e os delegados de polícia necessitam efetivamente dessas garantias.


Em primeiro lugar, a garantia de autonomia administrativa, ou seja, a possibilidade de auto-organização da Polícia Civil, principalmente, por intermédio da eleição do Delegado Geral de Polícia (Chefes de Polícia de alguns Estados) pelos seus próprios pares, indiscutivelmente, proporcionaria maior estabilidade ao dirigente da entidade e autonomia institucional, limitando a interferência do Chefe do Poder Executivo.


A garantia de autonomia financeira, isto é, a possibilidade de a Polícia Civil apresentar a sua proposta orçamentária, significaria a conquista da liberdade econômica desse órgão de justiça criminal, restringindo a nociva ingerência política.


De outra parte, concluí-se que os delegados de polícia necessitam das garantias de independência funcional – vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, em virtude da natureza jurídica da atividade que exercem.


De fato, as Polícias Federal e Civil dos Estados e do Distrito Federal estão na sua essência vinculadas ao Poder Judiciário, na medida em que os delegados realizam atividades na área criminal semelhantes às desenvolvidas pelos magistrados, quais sejam: a materialização do evento criminoso e a busca incessante da verdade dos fatos.


Realmente, no Brasil vigora o sistema da persecução criminal acusatório.


Tal sistema se caracteriza por ter, de forma bem distinta, as figuras do profissional que investiga e formaliza o fato criminoso (delegado de polícia), defende (advogado), acusa (membro do Ministério Público) e materializa e julga (magistrado) o crime.


Ressalte-se que a Polícia Judiciária, por não ser parte, não se envolve e nem se apaixona pela causa investigada. O delegado de polícia não está vinculado à acusação ou à defesa, agindo como um verdadeiro magistrado tem apenas compromisso com a verdade dos fatos.


É evidente a semelhança das atividades realizadas por estes profissionais do direito, de um lado, o delegado de polícia formaliza os acontecimentos, durante a fase inquisitiva; de outro, o magistrado materializa o fato, no decorrer da etapa do contraditório.


Entretanto, por um equívoco institucional, a Polícia Judiciária se encontra vinculada ao Poder Executivo e por uma omissão legislativa, os delegados de polícia não possuem as mesmas garantias funcionais atribuídas aos magistrados.


VI – Vinculação Histórica entre a Polícia Civil e o Poder Judiciário


Historicamente, a Polícia Civil sempre esteve vinculada ao Poder Judiciário. Saliente-se que, muitas vezes, a atividade policial era executada pelo próprio juiz ou sob a sua supervisão.


A Polícia, como instituição, nasce como uma necessidade social e de forma paralela ao desenvolvimento da sociedade humana e, como no caso desta, não é possível designar uma data para seu surgimento.


A evolução da Polícia pode ser observada pelos testemunhos escritos deixados pelos povos antigos. Os egípcios e os hebreus foram os primeiros povos a incluírem medidas policiais em suas legislações.


O termo “polis“, de onde deriva a palavra “polícia”, surgiu na antiga Grécia, com o significado de cidade, administração, governo.


No entanto, somente em Roma, ao tempo do Imperador Augusto (63 a.C. a 14 d.C.), adquiriu organização de fato. Em Roma, havia um chefe de polícia denominado “Edil”, que usava uma indumentária de magistrado, que possuía ampla soberania para decidir seus atos.


Dessa época em diante, seguiram-se períodos de obscurantismo, até surgir o sistema anglo-saxão de organização policial, na Inglaterra.


O surgimento da Polícia Judiciária no Brasil remonta à época da chegada de D. João VI, em 1808, quando criou ele o cargo de “Intendente Geral da Polícia da Corte e Estado do Brasil”, que era desempenhado por um desembargador do Paço, com um delegado em cada Província.


A legislação vigente no Brasil era a mesma de Portugal, baseada na herança romana e nas Ordenações Afonsinas (1446 a 1521), Manuelinas (1521 a 1603) e Filipinas (1603 a 1867). O processo criminal brasileiro era, nessa época, tripartido, compreendendo a “Devassa”, a “Querela” e a “Denúncia.


No Brasil houve duas fases, a dos donatários, de 1534 a 1549, e a dos Governadores-Gerais, de 1549 a 1767, com o vice-reinado e a organização judiciária, baseado no Livro Primeiro das Ordenações, em que os serviços policiais eram exercidos por “alcaides” e “almotacés” sob a fiscalização dos “Juízes de Vara Branca”, ou “de Fora”.


Posteriormente, a legislação previu o cargo de “Quadrilheiro” que “em todas as cidades e vilas” prendiam os malfeitores. Cada “quadrilheiro” tinha vinte homens para manter a ordem.


Em 1824, com a Independência do Brasil ocorrida em 1822, foi promulgada a Constituição do Império do Brasil, que previa que a prisão só poderia ser em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente.


Às Assembléias Legislativas Provinciais era outorgada a competência para legislar sobre polícia.


Nas freguesias e capelas curadas as atribuições policiais eram conferidas aos Juízes de Paz, por lei de 15 de outubro de 1827. Em 1835, era criado, pela lei nº. 29, o Código de Processo Criminal.


Esta lei outorgava à polícia uma organização descentralizada, conferindo autoridade policial aos Juizes de Paz e atribuindo a um juiz de Direito o cargo de Chefe de Polícia.


Robustecendo a tese da vinculação da Polícia Civil ao Poder Judiciário, o estudo da história da Polícia Civil do Estado de São Paulo revela que esta instituição originariamente estava vinculada à Secretaria da Justiça.


A origem da Polícia Paulista é antiga. A Instituição nasceu junto à Secretaria dos Negócios da Justiça, e o primeiro Chefe de Polícia de São Paulo foi o Conselheiro Rodrigo Antônio Monteiro de Barros.


Em 1904 o então Secretário da Justiça propôs a criação da Polícia de Carreira, mas só em 23 de dezembro de 1905, no Governo de Jorge Tibiriça, através da Lei nº. 979, é que a medida foi efetivada, cabendo a Washington Luís Pereira de Sousa, na época Secretário da Justiça, as primeiras providências para organizá-la.


Com o advento dessa lei, a Polícia Civil passou a ser dirigida por um Chefe de Polícia, mas sob a superintendência-geral do Titular da Pasta da Justiça.


Em 1906, o cargo de Chefe de Polícia foi extinto, e a Polícia Civil ficou subordinada à Secretaria dos Negócios da Justiça e da Segurança Pública, então criada.


Em 1927, através da Lei nº. 2.226-A, foi reorganizada essa Secretaria, criando-se a Repartição Central da Polícia, à qual ficaram subordinados os diversos órgãos policiais.


Somente em 1930 foi criada a Secretaria da Segurança Pública, pelo Decreto nº. 4.789, no Governo do Interventor Federal Cel. João Alberto Lins de Barros, separando-se a Polícia da Secretaria da Justiça e ficando subordinadas ao novo órgão as corporações policiais existentes na ocasião: a Polícia Civil e a Força Pública.


Percebe-se, portanto, que a Polícia Civil deveria integrar a estrutura do Poder Judiciário, com a atribuição de conciliar pequenos conflitos decorrentes dos crimes de menor potencial ofensivo e de investigar, elucidar e materializar os elementos de convicção das demais infrações penais.


VII – Atividades Jurisdicionais que foram exercidas pelos Delegados de Polícia


Outra demonstração inequívoca da vinculação entre a Polícia Civil e o Poder Judiciário são as inúmeras atividades jurisdicionais que foram exercidas pelos delegados de polícia até a promulgação da Constituição de 1988, entre outras, destacam-se:


– Possibilidade de presidir a instrução das provas nos processos sumários, das contravenções e lesões corporais e homicídios culposos, por força do artigo 531, do Código de Processo Penal e da Lei nº. 4.611, de 2 de abril de 1965.


– Poder de concessão de mandado de busca e apreensão domiciliar, contido no artigo 241, do Código de Processo Penal.


Contudo, tais atribuições foram eliminadas pela chamada Constituição Cidadã, que resolveu limitar as atribuições dos delegados de polícia.


Efetivamente, as funções das autoridades policiais foram limitadas pela Constituição de 1988 por revanchismo político, decorrente da participação involuntária da Polícia Civil na época da repressão, durante o período da ditadura militar.


VIII – Entendimento Doutrinário sobre a Autonomia da Polícia Judiciária


Em magnífica matéria sobre a ausência de autonomia da Polícia Judiciária, Luiz Flávio Gomes e Fábio Scliar[2] lecionam:


“A preocupação com a ausência de autonomia da Polícia Judiciária é justificável em função da crescente importância que a investigação criminal vem assumindo em nossa ordem jurídica, seja por conta de uma necessária mudança de postura a seu respeito, para considerá-la como uma garantia do cidadão contra imputações levianas ou açodadas em juízo, seja pelo papel mais ativo que tem sido desempenhado nos últimos tempos pelos órgãos policiais”. (grifei)


Mais adiante, os professores acrescentam:


Esta ausência enfraquece a Polícia Judiciária e a torna mais suscetível às injunções dos detentores do poder político, e considerando a natureza e a gravidade da atribuição que exerce, bem como os bens jurídicos sobre os quais recai a sua atuação, o efeito pode ser desastroso em um Estado Democrático de Direito”. (grifei)


O mestre Fernando da Costa Tourinho Filho[3], abordando a questão da importância da atividade policial, assim se posicionou:


“Há uma séria crítica à Polícia no sentido de poder sofrer pressão do Executivo ou mesmo de seus superiores e de políticos. É comum, em cidades do interior, a Autoridade Policial ficar receosa de tomar alguma medida que possa contrariar Prefeitos e Vereadores. Nesses casos, é o Ministério Público, então, que toma a iniciativa. Mas, para que se evitem situações como essas, bastaria conferir aos Delegados de Polícia, que têm, repetimos, a mesma formação jurídica dos membros do Ministério Público e Magistratura e, ao contrário destes, diuturnamente expõem suas vidas no desempenho de suas árduas tarefas, as mesmas garantias conferidas àqueles; irredutibilidade de vencimentos, inamovibilidade (salvo o caso de interesse público devidamente apurado) e vitaliciedade”. (grifei)


Na visão de outro grande processualista penal, José Frederico Marques[4], a Polícia Judiciária necessita de uma estrutura organizacional e de garantias que possibilitem o desenvolvido de seu mister com imparcialidade e isenção.


“De tudo se conclui que a polícia judiciária precisa ser aparelhada para tão alta missão, tanto mais que o Código de Processo Penal a prevê expressamente no art. 6º, item IX. Para tanto seria necessário uma reforma de base, tal como preconizaram Sebastián Soler e Velez Mariconde na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal de Córdoba, em que se estruturasse a polícia judiciária em quadros próprios, separando-a da polícia de segurança e da polícia política. Reorganizada em bases científicas, e cercada de garantias que a afastem das influências e injunções de ordem partidária, a polícia judiciária, que é das peças mais importantes e fundamentais da justiça penal, estará apta para tão alta e difícil tarefa”.


O jurista Fábio Konder Comparato, em entrevista concedida ao site Terra Magazine, defende que as Polícias Judiciárias – Polícias Civis, dos Estados, e a Polícia Federal – sejam autônomas em relação ao Poder Executivo.


Para ele, isso evitaria abusos e possibilitaria mais transparência nas investigações realizadas por esses órgãos.


O conceituado professor entende, ainda, que:


“A polícia de segurança (Militar) tem que ficar sob comando do Executivo, porque ela tem que intervir imediatamente, tem que manter a ordem pública. Mas a polícia judiciária não pode ficar submetida ao Executivo, porque ela é um órgão essencial para o funcionamento do sistema judiciário”. (grifei)


E se ela estiver no Executivo, há dois defeitos capitais: não só ela não investiga eventuais infrações penais cometidas, e já não digo pelo chefe do Executivo, que é absolutamente responsável, como uma espécie de rei, mas ela também não investiga os amigos do chefe”. (grifei)


Finalmente, o doutrinador arremata:


Por outro lado, ela pode servir como uma arma do chefe do Executivo contra os seus inimigos. O que no Brasil está claríssimo. Essa autonomia significa que, tal como o Ministério Público, a polícia judiciária não pode se subordinar ao Executivo”. (grifei)


IX – Conclusão


Em síntese, constata-se que a Polícia Civil, pela natureza da atividade que exerce, deveria integrar a estrutura do Poder Judiciário, fato que proporcionaria aos delegados de polícia autonomia e independência para investigar, inclusive, crimes praticados pelos Chefes e demais autoridades do Poder Executivo.  


De outro lado, é necessário reconhecer a existência de uma lacuna no ordenamento jurídico vigente, na medida em que o legislador deixou de conceder a Polícia Civil as garantias institucionais de autonomia administrativa e financeira e de atribuir aos delegados de polícia, responsáveis pela persecução criminal preliminar, a garantia de independência funcional, como fez com os juizes e integrantes do Ministério Público.


É evidente que a ausência destas garantias possibilita aos detentores do poder político, principalmente às autoridades vinculadas ao Poder Executivo, a interferência indevidamente no âmbito da Polícia Judiciária, causando prejuízo à justiça criminal.


Portanto, tal omissão precisa ser sanada, possibilitando às autoridades policiais o exercício livre de suas relevantes funções, sem ingerência política, por intermédio da concessão das garantias institucionais e pessoais.


Isto significa que a Polícia Judiciária precisa se transformar em um órgão de Estado – permanente, sem qualquer vínculo político partidário, isto é, um instrumento voltado à defesa da sociedade, com compromisso apenas com a democracia, deixando, assim, de ser um órgão de governo – transitório, ou seja, subordinada aos detentores do poder.


 


Bibliografia

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Notas:

[1] Delegados confirmam pressão de Arruda para fornecer informações sigilosas

LUCAS FERRAZ

HUDSON CORRÊA

da Folha de S.Paulo, em Brasília

Dois delegados da Polícia Civil disseram em depoimento ao Ministério Público do Distrito Federal que sofreram pressão do governador afastado José Roberto Arruda (sem partido) para fornecer informações sobre investigações sigilosas.

Arruda agiu, segundo eles, em junho do ano passado para obter dados sobre operações que apuravam a suposta corrupção no governo. Na época, os delegados eram diretores da Polícia Civil, mas acabaram demitidos dos cargos.

Os depoimentos foram usados pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, como forte argumento apresentado ao STF (Supremo Tribunal Federal) para manter o governador afastado preso.

Duprat argumentou que os policiais só se encorajaram em falar após a prisão dele. Daí a necessidade, segundo ela, de Arruda continuar preso para não atrapalhar as apurações.

Os delegados Marco Aurélio Virgílio de Souza e Cícero Jairo de Vasconcelos Monteiro prestaram depoimento no dia 1º deste mês. Arruda foi preso no dia 11 de fevereiro, acusado de tentativa de suborno a uma testemunha do inquérito do mensalão do DEM –esquema de cobrança e distribuição de propina revelado pela Polícia Federal em novembro passado.

Ainda sem vislumbrar que o mensalão viria à tona, Arruda queria, em junho de 2009, detalhes sobre investigações em andamento da Polícia Civil, disseram os delegados.

O governador teria ficado aborrecido principalmente com a Operação Terabyte, deflagrada em abril de 2009, para apurar desvios de recursos na área de tecnologia, que mais tarde se revelaria uma das fontes de propina do mensalão.

Monteiro, no comando da área de inteligência, disse que foi convocado para uma reunião com Arruda e a cúpula da Polícia Civil. O governador afastado, segundo Monteiro, disse que “fora cobrado pelos empresários investigados”.

“O governador dirigiu-se ao diretor-geral da Polícia Civil, Cleber Monteiro, e disse: Cleber não estou satisfeito.”

Souza, o outro delegado, disse que foi afastado da diretoria que combate crime na gestão pública porque Arruda não foi avisado que a Terabyte ocorreria. Arruda afirmou ainda que “em 2010 haveria eleições e que a polícia deveria protegê-lo”, acrescentou Monteiro.

Outra intenção de Arruda era saber se Marcelo Toledo, ex-policial suspeito de operar o esquema, era investigado.

Procurada, a defesa de Arruda disse não saber dos novos depoimentos. A assessoria do governo informou que cabe aos advogados falar sobre o caso.

[2]  Artigo escrito com base nas idéias desenvolvidas por ocasião da palestra proferida pelo Prof. Luís Flávio Gomes no Colóquio sobre inquérito policial promovido pela CAESP/ANP/PF.

[3] Tourinho Filho, Fernando da Costa in Processo Penal. 30ª Ed. 2008, pág. 284/287.

[4] Frederico Marques, José in Elementos de Direito Processual Penal. 2ª Ed. 2000, pág. 176


Informações Sobre o Autor

Mário Leite de Barros Filho

Delegado de polícia do Estado de São Paulo, professor universitário, autor de duas obras na área do Direito Administrativo Disciplinar. Atualmente, exerce a atividade de assessor jurídico do gabinete do deputado federal Regis de Oliveira, em Brasília


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