Prática do aborto na sociedade contemporânea: perspectivas jurídicas, morais, econômicas e religiosas

Resumo: O presente artigo visa abordar a discussão da prática do aborto na sociedade, principalmente em nosso país. Atualmente, a mídia tem veiculado diversas discussões acerca deste tema tão polêmico face à proposição de projetos de lei visando à descriminalização desta prática. Segundo o Código Penal Brasileiro (1940) o aborto é proibido, e somente não se aplica a pena para os casos de risco concreto para a gestante e gravidez resultante de estupro. O aborto é objeto de estudo cujos argumentos não se auto-sustentam na perspectiva de uma análise técnica, mas também moral e religiosa.


Palavras-Chave: Aborto; Abortamento; Direito; Vida.


Introdução


O seguinte artigo visa analisar as principais questões relacionadas ao tema abortamento. É analisada, primeiramente, a questão de quando começa a concepção de vida. Ainda, analisa-se as causas que podem levar ao aborto, a questão jurídica do tema e a incidência desse em nosso país e no mundo. Também constam no seguinte artigo, os tipos de conseqüências que podem surgir devido ao ato de abortar. A intenção é mostrar o quão perigoso pode ser, mas também o lado da necessidade de abortar que possuem algumas mulheres em casos específicos.


São focadas as conseqüências legais para quem sofre e para quem comete o aborto, além das conseqüências psicológicas e físicas com as quais a mãe terá que conviver. O artigo visa passar informação sobre o tema para todos os tipos de leitores de forma clara e consistente.


Definição de Aborto


O termo “aborto” que – cientificamente – indica o produto do abortamento foi popularmente usado como sinônimo deste, confundindo-se, assim, a ação com o resultado dela. Apesar da ressalva, usar-se-á indistintamente neste trabalho, dado a consagração do termo.


O aborto – ou abortamento – seria a expulsão do concepto antes da sua viabilidade, seja ele representado pelo ovo, pelo embrião ou pelo feto. Então, é a interrupção da gravidez antes da prematuriedade – abortamento; durante – parto prematuro; completada – parto a termo e ultrapassada – parto serotino.


O abortamento pode ser espontâneo ou provocado. Espontâneo é quando por fatores físicos ou psicológicos o concepto não se desenvolve e é expulso do corpo da mãe naturalmente. Enquanto o provocado, é quando a gestante utiliza métodos para induzir ou retirar o feto. Este trabalho limitar-se-á a desenvolver o estudo do aborto provocado.


Conceito de Vida


O primeiro dos direitos naturais do homem segundo Allan Kardec (apud MOREIRA, 2001) é o direito de viver. O primeiro dever é defender e proteger o seu direito: a vida. O mais elementar direito humano é o de nascer os subseqüentes de liberdade, igualdade, educação, saúde, justiça, só possuem sentido se existir o próprio ser humano para desfrutá-los. Portanto, cercear o direito à vida é negar todos os demais possíveis de ser executados.


Hoje em dia há uma grande discussão sobre a partir de quando começa a vida – principalmente devido à prática do abortamento – estas giram em torno de diversas posições psicológicas, médicas, religiosas, antropomórficas. Estes pontos de vista são os mais variados principalmente o religioso – um dos mais influentes – afirma que a vida humana nasce desde a concepção, outros acreditam que esta só existe depois que o feto tem seu cérebro desenvolvido, ainda existem grupos adeptos da idéia de que a vida só passa a existir a partir do nascimento da criança.


Aspecto Jurídico


“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, […].” (1988, Constituição Federal, artigo 5).


A Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Consequentemente, a vida é o bem supremo em nossa sociedade. Assim, o caráter absoluto do direito à vida só poderia ser afastado quando seu sacrifício visasse proteger um bem de equivalência idêntica, qual seja uma outra vida, nos casos especiais em que tal medida se justificasse, por exemplo, não se aplica a pena nos casos de legítima defesa (artigo 25, Código Penal), no caso de aborto para resguardar a vida da gestante em perigo – aborto necessário – (artigo 128, I, Código Penal), ou ainda no caso de gravidez resultante de estupro – aborto humanitário – (artigo 128, II, Código Penal).


Atualmente, está em discussão no país, o caso de não se aplicar a pena para o aborto eugênico, este acontece quando o feto não tem condições de sobreviver após o nascimento. O caso mais conhecido neste tipo de abortamento é o do aborto por anencefalia, que é quando a criança não possui cérebro, ou este está mal formado, portanto não terá condições de sobreviver.


Interessante neste caso da anencefalia é analisar a legislação brasileira, que, senão redundante, muitas vezes torna-se “curiosa”. Nota-se na Lei 9.434 de 04 de fevereiro de 1997, que é a lei de Transplante de Órgãos, em seu artigo 3, que prevê a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinadas a transplante, somente se e quando for diagnosticada a morte encefálica do paciente, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção de transplantes. Ora, neste caso a lei é bem clara, que quando constatada a morte encefálica é permitido a remoção de órgãos, e conseqüentemente, devido a isto, se obteria a morte biológica do paciente.


Consequentemente, conclui-se que provavelmente a legislação atual deverá ser mudada em breve. As pessoas que sustentam o respeito à vida do feto devem atentar para o seguinte: em jogo está a vida ou a qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas com o feto mal formado. Se até em caso de estupro – em que o feto está bem formado – nosso Direito autoriza o aborto, nada justifica que idêntica regra não seja estendida para o aborto anencefálico.


Observa-se ainda que a anencefalia não é uma situação excepcional em nosso país. De cada 10.000 nascimentos, 8,6 % apresentam tal anomalia. Isso vem causando muita aflição para as pessoas envolvidas e também para os médicos, que muitas vezes ficam indecisos e perdidos, sem saber o que fazer. As leis não devem ser subordinadas aos dogmas religiosos ou à fé de quem quer que seja, portanto deve caber ao legislador deixar em aberto para quem quiser seguir suas crenças ou não.


Aspecto Econômico


O aspecto econômico do abortamento é bastante avaliado hoje em dia. A maioria das mulheres que engravidam, são jovens que não tem condições financeiras de criar seus filhos. A prática do aborto seria uma solução – mesmo que desumana – para esse problema, já que assim, aconteceria um efetivo controle de natalidade, diminuindo a pobreza e consequentemente a marginalidade no país.


Ainda há outro lado nesta questão financeira. Hoje em dia, é da ciência de todos que existem inúmeras clínicas que fazem abortamentos clandestinos, e cabe salientar, que estas clínicas cobram preços altíssimos, assim, somente uma pequena parte da população faz esse tipo de prática, de maneira higiênica, sem correr riscos de vida. Quem não tem condições de pagar um abortamento em uma dessas clínicas, termina por usar outros métodos como o uso do medicamento Citotec – que vai eliminando o feto aos poucos, como um sangramento – o uso de objetos como facas, tesouras, que introduzidos na vagina, podem até perfurar o útero, e ainda abortos feitos até mesmo dando socos na própria barriga.


Ainda existe o argumento de que continuarão a ser realizados abortos, quer o aborto seja descriminalizado ou não, e deste modo, deve-se fornecer melhores condições às mulheres que desejem abortar. A resposta óbvia ao argumento é: roubar é crime, mas há roubos na mesma. Por isso, o melhor é descriminalizar o roubo e, deste modo, fornecer melhores condições aos pobres ladrões, para que não rasguem as calças no arame farpado nem incorram no risco de tropeçar e partir uma perna quando fogem da polícia. A resposta será obviamente: “você está a ser tremendamente injusto — o aborto e o roubo são coisas completamente diferentes”. Mas é claro que são; ninguém está a dizer o contrário. O ponto é simplesmente o de que, se acharmos que o argumento de que “as pessoas fá-lo-iam na mesma” não é por si só, justificação suficiente para descriminalizar o roubo, então também não poderá ser, por si só, justificação suficiente para descriminalizar o que quer que seja, aborto.


É extremamente necessário salientar também, que seria um absurdo tentar diminuir a marginalidade, a violência e o crescimento populacional desta maneira. É plausível que haja uma conscientização da população sobre o sexo seguro e prevenção da gravidez. Existem inúmeros métodos contraceptivos, para todas as faixas de renda, inclusive doados pelo governo para as pessoas que não tem condições de comprarem preservativos ou pílulas anticoncepcionais. O que deve haver é um programa forte, com profissionais qualificados para educar a população sobre um controle efetivo de natalidade.


Aspecto Moral


O aspecto moral do aborto é o principal fato da popularidade do assunto. A sociedade se divide em duas vertentes. De um lado, as pessoas a favor da prática do abortamento, alegam que é pior para a sociedade ter que conviver com indivíduos marginalizados e desamparados pela família, e de outro, a parte que é contra afirma que o aborto fere o direito a vida que todos possuem, mesmo dentro do ventre de outro. A moral, neste caso, é bem afirmada, principalmente quando se reflete que com a prática do aborto legalizada, o mundo se tornará ainda mais promíscuo.


Outro aspecto moral ligado ao aborto extremamente polêmico, é o argumento utilizado – na maioria das vezes por movimentos feministas – que o corpo pertence à gestante, então esta tem o direito de fazer o que bem entende com ele. Este argumento limita-se a fugir à questão porque as feministas nunca chegam a dizer nada acerca do estatuto moral do feto, pois nunca dizem se o feto tem, ou não, o direito à vida. Esta é uma falha grave pela seguinte razão: Se o argumento das feministas fosse, simplesmente, o de que “o corpo é da mulher, a mulher é que sabe o que há de fazer com ele”, então isso implicaria que seria moralmente permissível abortar até no nono mês. Afinal, no nono mês a criança ainda está no ventre da mãe. As feministas podem agora aceitar esta conclusão, ou rejeitá-la. Imaginemos que a aceitam. Nesse caso, ficam com a dificuldade de explicar porque é que não se pode matar uma criança recém-nascida. Afinal, era possível matá-la dois minutos antes, mas agora já não? Isso parece extremamente arbitrário. Imaginemos agora que as feministas rejeitam a conclusão de que é moralmente permissível abortar no nono mês. Nesse caso, terão de nos dizer a partir de que altura é que o feto, ainda na barriga da mãe, começa a ter o direito à vida. Aí, cabe outra discussão: Quando começa a vida? Uma pergunta difícil ou até impossível de se responder. Se partíssemos da premissa de que a vida começa desde quando há metabolismo no corpo, a vida começa desde a concepção do feto, portanto, seria impossível abortá-lo.


Aspecto Religioso


O aborto, visto pelo aspecto moral, muitas vezes se confunde com o religioso, o que é erroneamente falado. O aspecto religioso do aborto é bem diferente do moral. Enquanto o moral se refere a que tal prática fere a conduta da sociedade, o religioso consiste em afirmar que a vida é suprema em todos os casos. Eles afirmam que se Deus deu vida a este feto, foi porque ele quis que este existisse, e consequentemente, se este foi mal formado ou fruto de estupro, também aconteceu desta maneira porque foi da vontade de Deus.


A posição oficial da Igreja Católica classifica o aborto como um dos pecados sujeitos à excomunhão: “A gravidade do aborto provocado aparece em toda a sua verdade, quando se reconhece que se trata de um homicídio […]” (João Paulo II, Encíclica Evangelium Vitae, 25/03/1995, nº. 58).


Conseqüências Físicas


O aborto causa sérios danos à mulher que o pratica. Quando feito o abortamento ela tem que estar ciente de todas as conseqüências que irão acompanhá-la após a “operação”. As conseqüências físicas, dependendo do método usado, podem ser muito sérias para a mulher, inclusive por ela correr risco de morte. Assim, o aborto, quando não determina a morte, pode imprimir marcas indeléveis no corpo físico. (MOREIRA, 2001).


A mulher corre o risco de ter sérias hemorragias, infecções, lesões intestinais, complicações renais e hepáticas pelo uso de produtos tóxicos. Dependendo do método utilizado, podem ocorrer perfurações do útero, esterilidade e abortos espontâneos em próximas tentativas de ter outro filho. Porém, quando o aborto é feito em condições boas e decentes, alguns desses riscos podem diminuir.


Conseqüências Psicológicas


Segundo Juliane e Maria Júlia Pietro Peres, o aborto além de prejudicar fisicamente a mãe também deixa danos psicológicos graves nesta. Sabe-se que muitas das mães que praticaram o aborto, acabaram depois ficando com sentimento de culpa, remorso e arrependimento. Ainda, muitas acabam ficando com a auto-estima baixa, perdem o desejo sexual, passam a ter comportamentos auto-destrutivos e entram em uma profunda depressão. Além disso, ainda existe bastante preconceito para com a mulher que pratica o aborto, causando assim sérios danos aos relacionamentos sociais desta mulher.


Conseqüências Legais


Quando se trata de conseqüências legais para quem pratica o aborto, nota-se de acordo com o que já dissemos, que o Código Penal em casos de aborto para resguardar a vida da gestante em perigo (artigo 128,I) e em casos de gravidez resultante de estupro (artigo 128,II) é considerado legal, não tendo assim pena para quem o cometer. Então, em todos os outros casos de abortamento, a pena pode variar em: para a gestante, de 1 a 3 anos de detenção, para o aborteiro, de 1 a 4 anos se houve o consentimento da mãe, e de 3 a 10 anos se não houve o consentimento desta. As penas são agravadas se houve lesão corporal da “vítima” elevando a pena para de 2 a 8 anos.


Incidência


É surpreendente o alto número de mulheres que praticam o aborto. Segundo pesquisa divulgada no ano passado pela Organização Mundial de Saúde, seis milhões de mulheres praticam aborto induzido na América Latina todos os anos. Destas, 1,4 milhões são brasileiras, e uma em cada 1.000 morre em decorrência do aborto, já que as condições em que são feitos esses abortamentos são precárias e muito perigosas em função de serem métodos ilegais, feitos assim na clandestinidade. Dentro dessas estatísticas, a América do Sul fica em primeiro lugar no número de abortos clandestinos por ano, vindo em segundo a América Central e em terceiro a África.


Os abortos são feitos em 48% por meninas de até 19 anos. E, ainda, no Brasil, a cada mil adolescentes grávidas, trinta e duas recorrem ao aborto.


De acordo com Moreira (2001), existem Dados do Fundo das Nações Unidas para a População (FUNUAP) que mostram que em conseqüência de abortamentos, morrem por ano nos países da América Latina (inclusive no Brasil) seis mil mulheres, consistindo na terceira causa de morte materna, depois das hemorragias e da hipertensão.


Morrem ainda, cerca de setenta mil mulheres por ano em todo o mundo em conseqüência de abortos praticados em condições de risco, clandestinamente. E ainda um número desconhecido, porém muito elevado de mulheres que sofrem de lesões pós-aborto. Mesmo em países que o aborto já é legalizado, ainda existem mulheres que morrem por causa de más condições operatórias. Existem poucos lugares em que as condições são favoráveis e não apresentam risco à mulher, além disso, o custo é altíssimo, fazendo com que muitas procurem métodos mais baratos, porém mais perigosos. Por exemplo, dos estimados 5,3 milhões de abortos induzidos na Índia (onde o aborto é legal), em 1989, 4,7 milhões ocorreram fora de estabelecimentos de saúde aprovados, consequentemente, em condições potencialmente inadequadas.


Conclusão


A partir do estudo realizado para a realização deste artigo, compreende-se que o aborto não deve ser completamente legalizado em nosso país. Concorda-se com os casos – já supracitados – legalizados vigentes no Código Penal e afirma-se também que seria de extrema importância a legalização do aborto eugênico. Acredita-se que o feto – ou melhor, dizendo, o bebê – possui vida desde a sua concepção, consequentemente ele já é um ser humano, e assim, indiscutivelmente ele possui o direito de viver, independentemente das condições econômicas, morais ou religiosas da sociedade.


“Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 3, 1948).


“Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 7, 1948).


Em suma, um “feto” não deve ser discriminado por não ter nascido ainda, deve ser considerado um cidadão, que tem os seus direitos iguais tanto quanto os já nascidos.


 


Referências

Código Penal Brasileiro, 1940. Disponível em: <http://www.amperj.org.br/store/legislacao/codigos/cp_DL2848.pdf> Acesso em: 10/05/2007.

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Acesso em: 10/05/2007.

FAZOLLI, Fabrício. Anencefalia e aborto. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5444> Acesso em 03/05/2007.

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MOREIRA, Fernando A. Aborto – crime e conseqüência. Disponível em: <http://www.guia.heu.nom.br> Acesso em 14/04/2007.

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PERES, Juliane Prieto e PERES, Maria Julia Prieto. Regressão à vida intra-uterina. Disponível em: <http://www.ippb.org.br/modules.php?op=modload&name=News&file=article&sid=3671> Acesso em 05/05/2007.

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Acesso em 04/05/2007.


Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo Silveira


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