Precatórios ideológicos


Resumo: O artigo examina a questão da liquidação dos Precatórios anotando que ainda hoje está sendo tratado com práticas ideologicamente imperiais. E sugere que as mudanças devem partir de mudanças de ideologia, da ideologia imperial para a ideologia republicana democrática.


Palavras-chave: Precatórios. Precatórios ideológicos. Execução contra a Fazenda Pública. Ideologia imperialista. Ideologia republicana democrática. Direito Processual Civil. Constituição.


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Sumário: 1 Introdução. 2 Precatórios do Império. 3 Precatórios da República. 4 Da ideologia imperialista à ideologia republicana democrática. 5 Precatórios ideológicos. 6 Conclusão e anotações finais.


Introdução


O presente trabalho pretende demonstrar que a execução contra a fazenda pública, conhecida com precatório, apesar das leis processuais civis estabelecer controles para que os credores recebam seus créditos, na prática administrativa e judiciária, os pagamentos dependem da vontade e do humor dos detentores dos cargos do Poder Executivo, detentores das chaves do Tesouro, tanto no âmbito da União como dos Estados e Municípios.


É que sempre acaba prevalecendo a vontade ou a decisão dos titulares do Poder Executivo para adiar os pagamentos dos precatórios. E o Judiciário, através de seus diversos entes jurisdicionais, preocupados com os formalismos e com os princípios protetivos do poder público acabaram criando jurisprudência favorável à vontade e/ou às decisões dos titulares do Poder Executivo, como se detentores de verdadeiros poderes de Império ou de Imperador.


E o resultado final é que os credores, especialmente os cidadãos credores acabam sempre relegados e esquecidos, envelhecendo na espera e, muitas vezes, deixando aos herdeiros seus créditos, transfigurados de “verbas alimentares” em “precatórios de heranças”!


Precatórios do Império


A liquidação dos Precatórios no Brasil sob domínio de Portugal regulava-se pelas Ordenações Manuelinas e Afonsinas e, se processava da mesma forma que a execução contra devedores particulares, cabendo penhora e alienação de bens para pagamento aos credores.


Depois da Independência, ainda, por algum tempo vigorou a legislação portuguesa, embora sob vigência da outorgada Constituição de 1824, nas lições de Valter Boaventura (Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/1012>. Acesso em: 30.03.2009).


Não encontramos registros sobre a aplicação prática e efetiva do procedimento regulado pelas mencionadas Ordenações, porém, há registros de que essa legislação foi alterada por sucessivas leis: primeiro vieram leis que excluíram a de penhora de bens e rendas dos nobres sem licença régia; posteriormente os bens da Fazenda Nacional só poderiam ser alienados e penhorados por Decreto da Assembléia Geral; e depois, adveio a impossibilidade de penhora dos bens públicos, passando a constar da Constituição do Império o princípio da impenhorabilidade dos bens públicos, nas palavras do Ministro Antonio de Pádua Ribeiro (Execução contra a Fazenda Pública. (Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/154/6/Execu%C3%A7%C3%A3o_Contra_a_Fazenda.pdf>. Acesso em: 30.03.2009).


E há registro, igualmente, de que ao tempo do Império havia o hábito de não pagar as contas, nas palavras de Nelson Lacerda. Precatórios e suas utilizações legais. (Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3649/Precatórios-e-seus-utlizações-legais>. Acesso em: 30.03.2009).   


A liquidação dos Precatórios, portanto, é um dos “ranços do Império” que nossa democracia republicana ainda não conseguiu resolver…


É o todo poderoso Executivo travestido com Poderes de Império que resiste à ideologia da democracia republicana e trata aqueles que buscam receber seus direitos contra o Poder Público, de regra o Poder Executivo, pois todos os precatórios acabam nas portas do Tesouro, como se fossem inimigos do Imperador…


E todos os governantes que passaram pelo Executivo, sejam democratas ou não, nunca conseguiram, ou não pretenderam resolver a questão de forma realmente democrática.


Talvez alguns tenham tentado resolver, porém, o assunto pende de solução até hoje, passados mais de cem (100) anos do Golpe que derrubou Dom Pedro II.


Talvez o defeito esteja exatamente na origem, pois a passagem do Império à República não pode ficar apenas como uma questão de mudança de “tabuleta”, como no caso da “Confeitaria do Império”, que simplesmente teve a tabuleta modificada para “Confeitaria da República”, lembrando Machado de Assis…


Inicialmente foi substituído o Imperador por um Presidente da República com poderes imperiais que passou a governar com a mesma estrutura imperial…


Precatórios da República


É claro que muitas coisas mudaram, não podemos negar nem esquecer, porém, muitas coisas ainda não mudaram. Continuamos com práticas imperiais em muitas questões, especialmente as ligadas aos Poderes Públicos.


A liquidação dos Precatórios no período republicano, inicialmente, teve tratamento do Decreto n. 3.084, de 05 de novembro de 1898, que consolidou as leis referentes à Justiça Federal do Brasil, cujo artigo 41 estabelece que após o trânsito em julgado da sentença, desde que citado o procurador da Fazenda e não havendo embargos, cabe ao juiz expedir precatório ao Tesouro para pagamento.


No âmbito constitucional, anota Manoel Jorge e Silva Neto, em artigo disponível em <http://www.facs.br/revistajuridica/edicao_abril2008/docente/EXECU%C3%87%C3%83O%20CONTRA%20A%20FAZENDA%20P%C3%9ABLICA_2%20art%20Docent.doc> (Acesso em: 31.03.2009), que a Constituição de 1934 cuidou do assunto no artigo 182, estabelecendo que o pagamento seria feito pela ordem cronológica de apresentação e que os créditos seriam consignados pelo Poder Executivo ao Poder Judiciário, mediante recolhimento ao cofre dos depósitos públicos, cujos pagamentos seriam efetuados através de ordens de pagamento do Presidente da Corte Suprema, dentro das forças do depósito.


A Constituição de 1937 praticamente repetiu a norma da anterior.


Enquanto que a Constituição de 1946 cuidou dos precatórios no artigo 206, estabelecendo que a partir de então os precatórios se aplicariam indistintamente à Fazenda Federal, Estadual e Municipal.  


E a Constituição de 1967 e 1969 cuidaram dos precatórios nos artigos 112 e 117 e trouxeram a novidade de estabelecer prazo para pagamento dos precatórios, estabelecendo que os apresentados até primeiro de julho de cada ano seriam incluídos no orçamento com previsão de verba para pagamento no ano seguinte.


Porém, foi a atual Constituição (1988) que trouxe o maior avanço, no sentido de valorizar o trabalho humano, no artigo 100, excluindo da ordem cronológica de apresentação os precatórios de natureza alimentar.


E avançou ainda mais com a promulgação das EC 30/2000 e 37/2002, no sentido de proteger os cidadãos e os demais credores das Fazendas Públicas; estabelecendo normas para eliminar as dúvidas sobre quais são as verbas de natureza alimentar, entre outras.


Pois bem, na legislação processual codificada, inicialmente pelo anterior Código de Processo Civil (1939), criado pelo Decreto-Lei n. 1.608, de 18 de setembro de 1939, em plena vigência da chamada Ditadura Vargas, mereceu tratamento dado pelo parágrafo único do artigo 918.


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Enquanto que o atual Código de Processo Civil (1973), criado pela Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, este criado em plena vigência da nova ditadura, fruto do Golpe Militar de 1964, sem demérito ao ilustre Prof. Alfredo Buzaid, seu autor e organizador, mereceu tratamento mais destacado, merecendo a Seção III do Capítulo IV, através dos artigos 730 e 731.


A Ordem dos Advogados do Brasil, tanto pela atuação do Conselho Federal como pela atuação de muitas das Seccionais, como são exemplos as Seccionais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, vem demarcando a necessidade de um novo tratamento para o assunto, assim como nossos Tribunais, entre os quais o TJRS que, com a criação da Central de Conciliação de Precatórios destaca-se no esforço para mudança da ideologia imperialista ainda vigorante.


Da ideologia imperialista à ideologia republicana democrática


A questão é que a liquidação dos Precatórios, ainda em muitos casos, é uma continuação das práticas imperiais que precisa ser resolvida republicanamente. E não é somente uma questão de mudança da legislação, nem se diga que só se pode mudar com mudança da legislação…


É preciso mudar nossa ideologia, especialmente a ideologia dos nossos dirigentes políticos, de imperialista para republicana democrática!


Há necessidade de mudanças legislativas é verdade, porém, muitas coisas podem ser feitas na vigência da atual legislação, desde que mude nossa ideologia e nossa jurisprudência…


É preciso que a linha jurisprudencial sobre os precatórios deixe de ser ideologicamente imperialista e passe a tratar o assunto com ideologia republicana democrática!


Talvez o que precisamos seja, na verdade, ao adotar uma ideologia processual democrática, adequada à ideologia republicana democrática e, com esta ideologia, dar uma nova interpretação aos dispositivos e às normas de direito processual civil que cuidam da execução contra a Fazenda Pública.


Precatórios ideológicos


Percebemos que o tratamento da chamada “coisa pública”, ou patrimônio público, bens públicos, administração pública, fazenda pública, obedece a ideologia dominante. E o tratamento dado, às questões relacionadas com a liquidação dos precatórios reflete sempre a ideologia dominante.


Logo, se pode dizer que existem precatórios imperiais, precatórios ditatoriais e precatórios republicanos democráticos.


Dito isso, podemos concluir que, os progressos que as instituições do Brasil estão conseguindo nessa matéria, embora, ainda, muito precisa ser feito, podem e devem ser creditados ao aperfeiçoamento de nossa República Democrática


Num esforço de síntese podemos dizer que os precatórios de cada tempo e de cada lugar, de cada País, Estado, Município, refletem a ideologia dominante de suas instituições, porém, com particularidades residuais de cada tempo e lugar, de acordo com as concepções pessoais dos respectivos dirigentes, com o componente até mesmo da “vontade política”, cuja tramitação é impulsionada ou truncada de acordo com esse caldo ideológico.


É por tudo isso que dizemos que os precatórios refletem a ideologia dominante de cada tempo e lugar, são ideológicos, daí “precatórios ideológicos”!


Conclusão e anotações finais


O trabalho faz breves anotações sobre o tratamento dado à liquidação dos precatórios imperiais, bem como um brevíssimo registro do tratamento dado desde o início do regime republicano, bem como sobre a necessidade de mudanças ideológicas, de mudarmos, todos nós, ideologicamente.


Acima de tudo, precisamos tratar os credores dos Precatórios como verdadeiros cidadãos da atual República Democrática do Brasil!


A República Democrática do Brasil, nossos dirigentes políticos e todos nós brasileiros devemos demonstrar para que e para quem viemos e, relembrando Geraldo Vandré, não esperar que as coisas aconteçam, porém, fazer a hora das mudanças!



Informações Sobre o Autor

José Pizetta

Mestre em Educ. nas Ciências, concentração em Direito, dissertação em Direito de família, UNIJUI, RS (2000); especialista em Direito Civil, Faculdade de Direito de Cruz Alta, RS (1978); bacharelado em Direito, pela Faculdade de Direito de Cruz Alta (1976); coordenador do Núcleo de Prática Jurídica, FASB, BA (2004/2, 2005/1 e 2005/2); professor orientador do Escritório Modelo de Advocacia da FASB, BA (2005/1 e 2005/2), professor de direito civil (Família, Sucessões e Coisas), FASB, BA (2004/2, 2005/1 e 2005-2); professor orientador do Escritório Modelo de Advocacia, UNIVALI, SC (2002/1, 2002/2, 2003/1, 2003/2, 2004/1); professor orientador de Prática Jurídica do Escritório de Prática Jurídica, URI, RS (1997/2 a 2001/2); professor de Direito Ambiental e Agrário, URI, RS (1997/2); professor de Direito Civil (Coisas), UNICRUZ, RS (1997/1); professor de Direito Civil (Obrigações), Dir. Processual Civil e orientador de Prática Jurídica do Escritório Modelo, UNIJUI, RS (1989-1996); advogado em Santa Catarina (2002/2004 e 2006), na Bahia (2004/2005) e no Rio Grande do Sul (1977/2001); autor de, entre outras: Direito das sucessões dito diferente. 4ª impressão. revisada e ampliada. Florianópolis: inédita, 2007. 466 p. (fl. A4, digitada); Direito processual civil dito diferente. Volume 1. Processo de conhecimento e procedimento comum: comentários pontuais de interpretação ao Código de Processo Civil (1973); questões polêmicas, crítica jurídica e política do direito. Florianópolis: inédita, 2006. 171 p. (fl. A4, digitada, em elaboração); Direito processual civil dito diferente. Volume 3. Procedimentos cautelares: comentários pontuais de interpretação ao Código de Processo Civil (1973); questões polêmicas, crítica jurídica e política do direito. Florianópolis: inédita, 2006. 120 p. (fl. A4, digitada); Direito de família dito diferente: Comentários pontuais de interpretação ao Código Civil (2002) e ao Código de Processo Civil (1973); questões polêmicas, crítica jurídica e política do direito. Barreiras: FASB, inédita, 2006. (fl. A4, digitada, em elaboração); Direito das sucessões dito diferente: Comentários pontuais de interpretação ao Código Civil (2002) e ao Código de Processo Civil (1973); questões polêmicas, crítica jurídica e política do direito. 3ª impressão. revisada e ampliada. Florianópolis: inédita, 2006. 455 p. (fl. A4, digitada); Direito das sucessões dito diferente: Comentários pontuais de interpretação ao Código Civil (2002) e ao Código de Processo Civil (1973); questões polêmicas, crítica jurídica e política do direito. 2ª impressão. revisada e ampliada. Barreiras: FASB, inédita, 2005/2. 408 p. (fl. A4, digitada); Direito das sucessões dito diferente: Comentários pontuais de interpretação ao Código Civil (2002) e ao Código de Processo Civil (1973); questões polêmicas, crítica jurídica e política do direito. 1ª impressão. Barreiras: FASB, inédita, 2005/1. 408 p. (fl. A4, digitada); O não dito no direito de família. Ijuí: Editora UNIJUÍ. 2004. 240 p. (Coleção trabalhos acadêmicos científicos. Série dissertações de mestrado, 22). É (des)necessário o exame de culpa conjugal nas ações de separação e de divórcio. [In: Revista Novos Estudos Jurídicos. n. 15, dez/2002. Itajaí: Editora UNIVALI. 2002. p. 169-180]; O Sonho vai ao Tribunal. (Peça de Teatro). Santo Ângelo: Inédito. 2000); Políticas Públicas, Direito e Exclusão Social. In: BONETI, Lindomar Wessler e FERREIRA, Liliana Soares. (org.). Educação e Cidadania. Ijuí: Editora UNIJUÍ. 1999. p. 85-104; Revisão da Constituição e Poder Constituinte. In: Revista Direito em Debate. n. 3, out/1993. Ijuí: Editora UNIJUÍ. 1993. p. 65-75.


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