Prescrição virtual

A prescrição antecipada, também chamada virtual, hipotética, projetada ou em perspectiva, não é prevista na lei de forma expressa, tratando-se, pois, de uma criação jurisprudencial e doutrinária.

A prescrição virtual leva em conta a pena a ser virtualmente aplicada ao réu, ou seja, a pena que seria, em tese, cabível ao réu por ocasião da futura sentença. [1]

Ou seja, a referida prescrição permite ao magistrado vislumbrar a possibilidade de, em caso de condenação, aplicar a pena mínima possibilitando ao operador do direito antever que, ao final, eventual pena imposta seria alcançada pela prescrição.

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Se o cálculo for feito com base na pena em abstrato, provavelmente a prescrição não terá ocorrido, e, portanto, o promotor deverá oferecer a denúncia, bem como o juiz deverá receber a peça acusatória.

Porém, o representante do Ministério Público, com a experiência e conhecimento que possui, saberá, desde logo, que pena a ser aplicada naquele caso concreto não poderia ser estabelecida muito acima do mínimo, levando-se em conta,u.  exemplo aso r por exemplo as circunstânnimo, levando-se em conta as circunsta do mle caso concreto no de condenaçcias pessoais do réu.

Assim, a denúncia oferecida por ele resultaria em processo que, com 99,9% de certeza, resultaria na prescrição da pena em concreto, consolidando-se, portanto, o cálculo inicial feito com base na pena “virtual”[2].

A parte da doutrina defende tal modalidade de prescrição baseia-se essencialmente na perda do direito material de punir pelo Estado, já que faltará a este uma das condições para a propositura da ação penal, qual seja, o interesse de agir, posto que não se alcançará com a propositura da ação penal o resultado que dela se espera, no caso, a punição de indivíduo que praticou ato ilícito. [3]

Passo a analisar tal posicionamento.

Para que a ação penal seja admitida, esta deve estar subordinada a determinados requisitos denominados condições da ação, quais sejam: a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse de agir.[4]

O interesse de agir desdobra-se no trinômio necessidade e utilidade do uso das vias jurisdicionais para a defesa do interesse material pretendido, e adequação à causa, do procedimento e do provimento, de forma a possibilitar a atuação da vontade concreta da lei segundo os parâmetros do devido processo legal.[5]

A necessidade é inerente ao processo penal, tendo em vista a impossibilidade de se impor pena sem o devido processo legal. Já a utilidade traduz-se na eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer o interesse do Estado. Por último, a adequação reside no processo penal condenatório e no pedido de aplicação da sanção penal.[6]

O interesse processual é uma relação de necessidade e uma relação de adequação, porque seria inútil a provocação da máquina estatal, se ela, em tese, ao término, não for apta a produzir a punição do autor do ilícito.

Deste modo, com base na prescrição em perspectiva deve-se rejeitar a denúncia ainda não recebida ou extinguir-se o processo em curso, em face da perda do direito material de punir, como resultado lógico e inexorável da desnecessidade de utilização das vias processuais. Também pela ausência de utilidade de um provimento jurisdicional materialmente eficaz, resultante de uma persecução penal inútil e onerosa. [7]

Portanto, para tal entendimento doutrinário, tendo-se como base a prescrição virtual, poderia ser feito o pedido de arquivamento do inquérito pelo representante do Ministério Público e determinado pelo juiz, por falta de interesse de agir na espécie utilidade. [8]

Por outro lado, há posição doutrinária que rejeita tal possibilidade, defendendo o oferecimento e recebimento da denúncia, bem como a regular instrução e sentença, para só então, conforme aplicada a pena em concreto, considerar-se extinta a punibilidade.

Somente assim, de acordo com este posicionamento, seria dado o fiel cumprimento à lei, não se podendo jamais supor qual seria a pena futura. Nesta posição estão inseridos também aqueles que demonstram seu inconformismo fundado no princípio constitucional da presunção de inocência. Portanto, rejeitar a denúncia com base na pena ainda não aplicada seria o mesmo que considerar o acusado precocemente culpado.[9]

A maioria da jurisprudência não aceita a prescrição virtual e, tal entendimento, segundo NUCCI, se baseia no fato do juiz estar fazendo um indevido pré-julgamento.

Traz-se dois julgados exarados pelo Superior Tribunal de Justiça para ilustrar o aludido entendimento:

HABEAS CORPUS. ABORTO. EXCESSO DE PRAZO NO JULGAMENTO DE RECURSO.CONSTRANGIMENTO SUPERADO. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA OU EM PERSPECTIVA.INAPLICABILIDADE.

1. Superado eventual constrangimento ilegal, resta prejudicado o pedido de habeas corpus nesta parte.

2. Não há falar em prescrição informada pela pena em concreto, sem o seu estabelecimento em sentença, que há de transitar em julgado, pelo menos, para a parte autora da ação penal.

3. Writ em parte prejudicado, e denegado nesta extensão.”

(HC17295/SP;HABEASCORPUS2001/0079786-1. SEXTA TURMA. Rel. HAMILTON CARVALHIDO)

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. NÃO RECONHECIMENTO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO DA PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. ALEGADO EXCESSO DE PRAZO NA CUSTÓDIA CAUTELAR NÃO EXAMINADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.

1 – Antes que advenha sentença condenatória, a prescrição somente

poderá ser reconhecida quando se operar o transcurso do respectivo

prazo baseado na sanção em abstrato, o que não ocorre na hipótese

dos autos, em que se busca extinção de pena que venha a ser imposta

no caso de condenação.

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2 – Alegação de excesso de prazo na manutenção da custódia cautelar

que não foi examinada pelo Tribunal Estadual, não podendo esta Corte

enfrentá-la, sob pena de supressão de instância.

3 – Habeas corpus conhecido parcialmente e nesta parte denegado.”

(HC 20112/SP; HABEAS CORPUS 2001/0198631-0. Sexta Turma. Rel. PAULO GALLOTT)

Mas exemplifica:

“(…) quando um juiz recebe uma denúncia por lesões corporais leves dolosas, de um réu primário, sem antecedentes, sentindo que as circunstâncias do art. 59 do Código Penal lhe são favoráveis, tem noção de que aplicará a pena inferior ao máximo; portanto, já tendo corrido um prazo superior a 2 anos entre a data do fato e a do recebimento da denúncia, é natural que saiba estar a pretensão punitiva do Estado virtualmente prescrita.“

Portanto, “por uma questão prática, não haveria razão de se esperar o final do processo, com trânsito em julgado da pena inferior a um ano, para, então, declarar extinta a punibilidade pela ocorrência de prescrição”[10].

Diante destas duas correntes, entendo por mais acertada a primeira, que defende a possibilidade da prescrição da pretensão punitiva antecipada. Isto porque se o Estado já prevê quase que com absoluta certeza a futura extinção da punibilidade pela prescrição, seria inútil e dispendioso movimentar toda a sua máquina para condenar alguém que certamente, se condenado, não será punido.

Assim, se a máquina do Estado não for capaz de, dentro do prazo que lhe é designado, dar fiel cumprimento à lei, não deverá ocupar-se inutilmente naquele caso já prescrito virtualmente, e possibilitar que com outros o mesmo ocorra.

Portanto, a prescrição virtual a meu ver representa economia de tempo e por isso deve ser aplicada sim, levando-se em conta a atual e  excessiva demora na prestação dos serviços judiciários

A fim de ilustrar o referido entendimento, apresento dois julgados os quais o adotam provenientes dos Egrégios Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul e Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

“PRESCRIÇÃO ANTECIPADA – Validade do raciocínio judicial que antecipa o cálculo prescricional para rejeitar a denúncia.

Ementa Oficial: Princípio do direito administrativo, voltado para a boa aplicação do dinheiro público, também recomenda que não seja instaurada a ação penal por falta de interesse, quando, em razão da provável pena, que é uma realidade objetivamente identificável pelo Ministério Público e pelo juiz, a partir das considerações inerentes ao artigo 59 do CP, for possível perceber que a sentença condenatória não se revestirá de força executória, em face das regras que regulam a prescrição…”

(Ap. 295.059.257 – 3º Câm. – j. 12.03.1.996 – Rel. Juiz José Antônio Paganella Boschi).

“De nenhum efeito a persecução penal com dispêndio de tempo e desgaste do prestígio da Justiça Pública, se, considerando-se a pena em perspectiva, diante das circunstâncias do caso concreto, se antevê o reconhecimento da prescrição retroativa na eventualidade de futura condenação. Falta, na hipótese, o interesse teleológico de agir, a justificar a concessão ex officio de habeas corpus para trancar a ação penal”

(TACRIM/SP – HC – Rel. Sérgio Carvalhosa – RT 669/315).

PROCESSO-CRIME – Prescrição retroativa antecipada – Reconhecimento – Alegação de prejuízo – Inocorrência – Falta de interesse de agir – Recurso não conhecido – JTJ 287/480

 

REFERÊNCIAS
Código Penal. 7 ed. São Paulo: Revista Editora dos Tribunais, 2005.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.
MARTINI, Paulo. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=967 , disponível em 14/08/2006, às 21:00.
Notas:
[1] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 536.
[2] Op. Cit.
[3] Op. Cit.
[4] http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=967 , disponível em 14/08/2006, às 21:00
[5] Op.Cit
[6] Op. Cit.
[7] Op. Cit.
[8] Op, Cit.
[9] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 537.
[10] Op. Cit.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Anna Carolina Franco Coellho

 

Estudante de Direito na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo/SP. Estagiária de Direito na França Ribeiro Advocacia Ltda. – Estagiária de Direito na área Contenciosa Tributária Federal Battaglia & Kipman Escritório de Advocacia – Estagiária nas áreas: Cível e Trabalhista. ADEPI (Associação de Defesa da Propriedade Intelectual) – Estagiária de Direito na área de Defesa da Propriedade Intelectual); Guilherme Sant’anna Advocacia

 


 

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