Resumo: O Habeas Corpus n. 126.292/SP além de motivar debates acalorados, seja para enaltecer ou para criticar, pode vir a ocasionar uma séria insegurança jurídica em vista da reinterpretação de uma garantia constitucional, qual seja: presunção de inocência. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LVII, consagra um princípio de natureza processual, sendo este a presunção de inocência e outro de natureza penal, qual seja, o princípio da culpabilidade, com o objetivo de salvaguardar a liberdade do acusado, porquanto, após a vida, o bem jurídico maior que se tem é a liberdade de ir e vir. Ao antecipar a execução da pena o indivíduo seria tratado como culpado, afrontando expressamente o texto constitucional, bem como o exercício pleno das prerrogativas protetivas instituídas no texto constitucional. Deste modo, objetivo geral deste estudo é trazer reflexões sobre a presunção de inocência e o cumprimento de sentença após condenação em 2º grau, e para tanto, propõe-se a refletir acerca do princípio da presunção de inocência, posteriormente fá-lo-á um breve estudo sobre os tipos de prisões, a fim de partir para uma análise acerca do instituto da execução antecipada e da execução provisória da pena à luz do Habeas Corpus n. 126.292/SP.
Palavras-chave: Constituição Federal de 1988; Habeas Corpus; Presunção de Inocência.
Abstract: The Habeas Corpus n. 126.292/SP besides motivating heated debates, either to praise or criticize could cause serious legal uncertainty view of the reinterpretation of a constitutional guarantee, namely: presumption innocence. The Federal Constitution of 1988 in its art. 5° item LVII, devotes a principle of procedural nature, which is the presumption of innocence and other criminal nature, that is, the principle of fault, in order to safeguard the freedom of the defendant because, after life, the greatest legal right you have is to freedom to come and go. By anticipating the sentence the defendant would be treated as guilty, expressly affronting the constitutional text and exercise full of protective powers established in the Constitution. In this way, the mainly objective of this study is to bring reflections on the presumption of innocence and the fulfilment of the sentence after condemnation in 2nd degree, and for both, proposes a reflection about the principle of presumption of innocence, subsequently does so will be a brief study about the types of prisons, to from for an analysis about the institute The early execution and execution of the death penalty in the light of Habeas Corpus N. 126.292/SP.
Keywords: Federal Constituion of 1988; Habeas Corpus; Presumption of Innocence
Sumário: Introdução. 1. Presunção de inocência e seu estudo normativo. 1.1. Histórico. 1.1.1. Presunção de inocência nos textos internacionais de direitos humanos. 1.2 Significado. 1.3. Conteúdo. 1.4. Presunção de inocência na legislação processual penal brasileira. 2. Prisão e suas espécies no ordenamento jurídico brasileiro. 2.1. Prisão em flagrante. 2.2. Prisões cautelares. 2.2.1. Prisão preventiva. 2.2.2. Prisão temporária. 2.3 Prisão pena. 2.4. Prisão preventiva para fins de extradição. 2.5. Prisão civil do não pagador de pensão alimentícia. 2.6. Prisão disciplinar. 3 Execução antecipada da pena. 3.1. Execução antecipada e a execução provisória da pena. 3.2. Execução provisória pendente de recurso especial e recurso extraordinário. 3.3 Cumprimento de sentença após prolação de acórdão condenatório em 2º grau: Habeas Corpus n. 126.292/SP. Considerações finais. Referências.
Introdução:
Em 17 de fevereiro de 2016, por maioria dos votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu pelo cumprimento de sentença condenatória após a prolação de acórdão condenatório de 2º grau, por meio do Habeas Corpus n. 126.292/SP, indo de encontro a entendimentos jurisprudenciais e doutrinários.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LVII, impõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Logo, antecipando a execução da pena, o indivíduo estaria sendo tratado como culpado, afrontando expressamente o texto constitucional, bem como o exercício pleno das prerrogativas protetivas instituídas no texto constitucional, mais precisamente ao princípio da presunção da inocência.
Na visão de alguns, a antecipação da execução da pena contribui para o aumento da população carcerária, considerada, inclusive, pelos próprios ministros do Supremo Tribunal Federal “verdadeiros infernos dantescos”.
Conforme ADPF n. 347/DF, as condições degradantes do sistema carcerário brasileiro configuram um cenário incompatível com a Constituição Federal de 1988, porquanto, as condições de vida são inadequadas e intoleráveis. Tal entendimento se coaduna com o voto proferido pelo Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento do RE n. 580.252/MS admitindo que encarcerar um indivíduo é submetê-lo a uma pena maior do que a que lhe foi conferida, em face da violência física, sexual e do alto grau de insalubridade das carceragens, notadamente devido ao grave problema da superlotação.
Dada a tessitura entre respeito aos direitos fundamentais e o estrito cumprimento da Constituição Federal de 1988, em face de qualquer indivíduo, impostos pelo Estado Democrático de Direito, torna-se de difícil compreensão os motivos pelos quais os Ministros decidiram mudar a jurisprudência, permitindo a antecipação da execução da pena, tratando um indivíduo como se culpado fosse, antes do trânsito em julgado do processo, jogando-o em verdadeiras “masmorras medievais”, porquanto, na ADPF n. 347/DF o pleno assentiu que o sistema carcerário brasileiro é incompatível com a Constituição Federal, visto a presente ofensa de diversos preceitos fundamentais, quais sejam: dignidade da pessoa humana, a vedação de tortura e de tratamento desumano, o direito de acesso à Justiça e os direitos sociais à saúde, educação, trabalho e segurança dos presos.
Em face do exposto, defende-se que o presente trabalho é carecedor de peculiar atenção, porquanto, o cerne do mesmo (Habeas Corpus n. 126.292/SP) além de motivar debates acalorados, seja para enaltecer ou para criticar, pode vir a ocasionar uma séria insegurança jurídica em vista da reinterpretação de uma garantia constitucional, qual seja presunção de inocência.
Desta forma, seria o Habeas Corpus n. 126.292/SP uma afronta ao exercício pleno das prerrogativas protetivas instituídas no texto constitucional, mais precisamente ao princípio da presunção da inocência, ou seria um avanço notável no "combate à impunidade"?
Portanto, o objetivo geral deste estudo é trazer reflexões sobre a presunção de inocência e o cumprimento de sentença após condenação em 2º grau, e para tanto, propõe-se a refletir acerca do princípio da presunção de inocência, posteriormente fá-lo-á um breve estudo sobre as espécies de prisão previstas no ordenamento jurídico brasileiro, a fim de partir para uma análise acerca do instituto da execução antecipada e da execução provisória da pena à luz do Habeas Corpus n. 126.292/SP.
1 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E SEU ESTUDO NORMATIVO
1.1 HISTÓRICO
O princípio da presunção da inocência remonta-se ao direito romano, por influência do cristianismo, conforme se percebe claramente nas lições de Cisneros (2008, p. 231): “El jurista romano Ulpiano (casi unos doscientos años antes de Cristo) dijo en una de sus tantas recopilaciones: “Es preferible dejar impune el delito de un culpable que condenar un inocente”. De alguna manera esa idea persistió no solo entre los romanos sino en las naciones tocadas por la influencia de ese imperio; con el agregado de bondad y compresión incorporado por el cristianismo”.[i]
No entanto, a máxima incorporada pelo cristianismo que conferia a preferência de absolver um culpado a condenar um inocente, qual seja: nocemtem absolvere satius est quam innocentem damnari[1], na Baixa Idade Média, foi ofuscada, se não completamente invertida, pelas práticas inquisitoriais (Ferrajoli 2006, p. 506).
Acerca do período inquisitorial Cisneros (2008, p. 232): “Durante la Edad Media, el sistema de “justicia” se sustentaba en una represión solo explicada por las ansias de poder absoluto de unos cuantos; eran normas precarias en cuanto a garantías del acusado; la clase gobernante no tenía prejuicio alguno en admitir pruebas ilegales y en recurrir al uso indiscriminado de la tortura como un medio válido para obtener la confesión. El acusado no era considerado un simple sospechoso; antes bien, se le estimaba y se le trataba como culpable; por tanto, a él le correspondía el deber de destruir las pruebas o las simples conjeturas de culpabilidad, para demostrar su inocencia.” [ii]
Ante o exposto, verifica-se que na Idade Média o ‘poder judiciário’ é explicado pelo desejo do poder absoluto, onde provas ilícitas eram admitidas, a tortura utilizada como meio para obter confissão, não havia paridade de armas entre acusação e defesa, não havia resguardo da dignidade ou integridade física do réu, sequer havia o devido processo legal, porquanto investigação, acusação e julgamento eram realizados por uma única pessoa.
Após o período inquisitorial, ocorrido no século XVII, na França, foi trazido à baila o seguinte pensamento “todos se presumem bons enquanto não se prove que são maus”, o qual, na segunda metade do século XVIII foi duramente criticado por Voltaire, filósofo e defensor das liberdades civis, religiosa e de comércio, o qual postulou em favor do acusado, a extinção da tortura, julgamento pelos pares, sendo este oral e público, assistência de um defensor, íntima convicção na valoração da prova, dentre outros, presidindo de certa forma, a reforma do sistema repressivo iniciado com a Revolução Francesa do século XVIII.
Os pensamentos provenientes de Montesquieu, Voltaire e Rousseau, serviram de sustento ideológico à Revolução Francesa e foram sintetizados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, surgindo como a primeira positivação da presunção de inocência.
O artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, in verbis, trouxe de forma expressa o princípio da presunção de inocência, bem como, “a excepcionalidade das prisões provisórias, reconhecendo os rigores caracterizados pelo abuso de poder, que deveriam ser severamente punidos de acordo com a lei” (Bento, 2007, p. 39). “Art. 9º – Todo o homem é considerado inocente, até ao momento em que, reconhecido como culpado, se julgar indispensável a sua prisão: todo o rigor desnecessário, empregado para a efetuar, deve ser severamente reprimido pela lei”.
Nos ensinamentos de Cisneros (2008, p. 232): “En la época de la Revolución francesa, los pensamientos que sirvieron de sustento ideológico al movimiento armado provienen principalmente de las mentes de Montesquieu, Voltaire y Rousseau, y se sintetizaron en la Declaración de los Derechos del Hombre y del Ciudadano de 1789. En ese texto no podía dejar de referirse a la presunción de inocencia, como una fórmula para reivindicar la dignidad de la persona del gobernado frente al Estado. En su artículo 9 se establece: “Tout homme étant présumé innocent jusqu â ce qu’il ait été déclaré cupable” (todo hombre se presume inocente hasta que haya sido declarado culpable). “[iii]
Com a citada positivação, verifica-se uma inversão de presunção, porquanto, dominava no processo penal a presunção da culpa, passando a ser priorizada a presunção de inocência com o objetivo de evitar abusos e violações contra a liberdade do acusado.
Ainda sobre o século XVIII, Cesare Bonesanna, o Marquês de Beccaria, pai do humanismo iluminista vociferou que “não se deve atormentar um inocente, pois é inocente, segundo as leis, um homem cujo delito não está provado”, considerando a inocência como princípio processual penal básico, bem como defendeu a separação entre acusados e culpados, conforme se visualiza nos ensinamentos de Cisneros (2008, p. 233): “Mientras que en el mismo siglo de la Revolución francesa, en Italia Beccaria también consideró de un rango predominante al mismo principio en su Tratado de los delitos y de las penas (1764), en una parte de su capítulo XVI, dice: “…no se debe atormentar a un inocente, porque tal es, según las leyes, un hombre cuyos delitos no están probados”. Incluso este humanista italiano fue más allá en el tema de considerar la inocencia como un principio básico del proceso penal, pues se opuso abiertamente al encarcelamiento preventivo, al cual consideraba una pena anticipada, y que por tanto sólo podía aplicarse cuando se actualizaran suficientes requisitos legales. En la misma tónica se pronunció por la conveniencia de separar los recintos carcelarios entre acusados y convictos, razonando que “un hombre no puede ser llamado reo antes de la sentencia del juez, ni la sociedad puede quitarle la pública protección sino cuando esté decidido que ha violado los pactos bajo los que le fue concedida”. [iv]
Ante o exposto, verifica-se que o princípio da presunção da inocência é uma derivação direta da dignidade humana, porquanto, o ser humano enquanto ser social, dotado de razão e consciência, merece e deve ser tratado como ser humano e não como simples objeto, sendo exercido através do devido processo legal, visto que o indivíduo não deve ser considerado culpado antes de ser possibilitado o amplo exercício da defesa técnica, com contraditório e ampla defesa, paridade de armas, proibição de provas ilícitas, dentre outros.
1.1.1Presunção de inocência nos textos internacionais de Direitos Humanos
Além da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, verifica-se a positivação da presunção da inocência em outros diplomas internacionais: Declaração Universal dos Direitos do Homem, Convenção Europeia para Proteção dos Direitos do Homem, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Convenção Americana sobre direitos humanos, Convenção Europeia de Direitos Humanos, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
De proêmio, destaca-se que na primeira Declaração de Direitos Fundamentais, qual seja, a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virginia, datada de 1776, apesar de não se verificar expressamente a presunção de inocência, observa-se certa priorização para que não se partisse de presunção absoluta de culpabilidade, ou seja, havia uma suavização da norma.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela Resolução n. 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, reconheceu o princípio da presunção de inocência em seu artigo 11, in verbis, como exigência básica, necessária e inerente ao exercício pleno de defesa. “§1.Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. §2.Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.”
Destaca-se que Declaração Universal dos Direitos do Homem surgiu após a Segunda Guerra Mundial, momento no qual, conforme Bento (2008, p. 40) a comunidade mundial “identificou a necessidade de positivar as normas disciplinadoras e observadoras, principalmente da dignidade da pessoa humana”.
Em 1950, tem-se a Convenção Europeia para Proteção dos Direitos dos Homens, a qual positivou o princípio da presunção da inocência em seu artigo 6-2, determinando que “qualquer pessoa acusada de uma infração penal deverá ser presumida inocente até provada a sua culpabilidade de acordo com a lei”.
Posterior à Convenção Europeia para Proteção dos Direitos dos Homens aconteceu o Pacto internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966, onde, o princípio da presunção de inocência foi abordado a partir da observância da celeridade dos procedimentos criminais, para que o réu não seja tardiamente julgado. Desta forma, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos estipulou em seu artigo 14.2 que “toda pessoa acusada de um delito terá o direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.
Ainda neste período, aconteceu a Convenção Americana sobre os Direitos Políticos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. A citada convenção teve seu texto aprovado em 1966, entrando em vigor internacionalmente em 1978 e foi ratificada pelo Brasil em 1992, tendo determinado de forma expressa em seu artigo 8º, incisos I e II, in verbis, o princípio da presunção de inocência. “Artigo 8. Garantias judiciais. 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.”
Destaca-se que o supracitado artigo possui valor de norma constitucional, porquanto conforme determina o artigo 5º, parágrafo 2º da Carta Maior brasileira, os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.
Em 1990 aconteceu a Convenção Europeia de Direitos Humanos que tem por objeto a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e prevê no artigo 6º, item 2, “que qualquer pessoa acusada de uma infração é presumidamente inocente, enquanto sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada”.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, datada de 2000, conforme muito bem colocado por Bento (2007, p. 51) “privilegiou a observância do devido processo legal, contribuindo para a preservação e o desenvolvimento dos valores comuns, da democracia e da cidadania das nações na Comunidade Europeia”, trazendo em seu artigo 48 a presunção de inocência e direitos de defesa, onde “todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa”.
1.2SIGNIFICADO
Previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, bem como, nos principais diplomas internacionais, o princípio da presunção de inocência é corolário do princípio da dignidade da pessoa humana e desenvolvido a partir do devido processo legal.
De proêmio, faz-se mister ressaltar que concernente ao enunciado do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, a doutrina diverge, porquanto, há quem diga que o legislador não abrigou a presunção de inocência, mas sim a presunção de não culpabilidade, ou seja, não expressa claramente o princípio em apreço e nem determina as condições para que este seja manifestado, entretanto, declara quando o indivíduo passa a ser considerado culpado.
Sobre isto, Bento (2007, p. 22) preconiza: “Na Constituição Federal brasileira não se ‘presume’ a inocência, mas declara-se que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (artigo 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado”.
Seguindo a mesma linha de pensamento, Barbagalo (2015, p.55) aduz: “Nitidamente, a fórmula adotada pelo constituinte brasileiro para presunção de inocência seguiu as linhas do art. 27.2, da Constituição italiana: “O imputado não é considerado culpado senão até a condenação definitiva”. No Brasil, a Constituição estabeleceu que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Observa-se que não foi utilizada a expressão “inocência” para designar a garantia processual, sendo que não foram poucos os autores que afirmaram (e afirmam) que a Constituição não reconheceu expressamente uma presunção de inocência, mas sim uma presunção de não culpabilidade”.
Corroborando esse entendimento, Mirabete (2003, p.42) preleciona: “[…] a nossa constituição não "presume" a inocência, mas declara que ‘ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (art. 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado. Pode-se até dizer, como o faz Carlos J. Rubianes, que existe até uma presunção de culpabilidade ou de responsabilidade quando se instaura a ação penal, que é um ataque à inocência do acusado e, se não a destrói, a põe em incerteza até a prolação da sentença definitiva”.
A expressão “Culpado” vem do latim culpatus e significa aquele que é culpado; o criminoso[2]. Da análise do determinado no artigo 5º, inciso LVIII da nossa Carta Maior, e tendo em vista o significado da palavra culpado, entende-se que: se ninguém será considerado culpado (criminoso) antes do trânsito em julgado da sentença condenatória até que sejam esgotados todos os meios penais, em respeito ao princípio da ampla defesa, também garantido na Carta Maior de nosso país, o indivíduo será presumido inocente.
Neste trabalho se adotará o entendimento de Estefam e Gonçalves (2013, p.117), os quais ensinam que o enunciado do artigo 5º, inciso LVII da CF/88 consagra dois princípios, sendo um de natureza processual e outro de natureza penal, respectivamente, a presunção de inocência e o princípio da culpabilidade, tendo por finalidade “tutelar a liberdade do indivíduo, que é presumido inocente, cabendo o Estado comprovar a sua culpabilidade”, traduzindo-se numa garantia de um devido processo legal a todos os indivíduos, sendo a presunção da inocência um direito fundamental de todos, conforme se visualiza nos ensinamentos de Armas (2004, p. 38): “La presunción de inocencia, que efectivamente es um derecho fundamental y no mero principio teórico, comporta una doble exigencia: a) de uma parte, que nadie puede ser considerado culpable haste que así se declare por sentencia condenatória, y b) de La otra, que las consecuencias de la incertidumbre sobre La existencia de lós hechos y su atribución culpable al acusado beneficien a éste imponiendo uma carga material de la prueba a las partes acusadoras”; [v]
Deste modo, verifica-se que o referido princípio impede a prisão do acusado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ressalvando-se a decretação da prisão a título cautelar, desde que presentes algum dos pressupostos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, impedindo, portanto, o lançamento do nome do réu no rol de culpados, assim como, que as provas dos fatos caibam a quem alegá-los, porquanto “quem é acusado, nada tem de provar. A quem é acusado cabe apenas se defender, se quiser” (Karam, 2009, p. 13).
Destaca-se que o entendimento adotado neste trabalho encontra amparo nos ensinamentos de Tucci (2009, p. 313), o qual defende que o princípio estudado assegura ao acusado o “direito de ser considerado inocente até que sentença penal condenatória venha a transitar formalmente em julgado”. Neste diapasão, Pardo (1999 apud Cisneros 2008, p. 264) define “a la presunción de inocencia como un concepto fundamental en torno al cual se construye modelo de proceso penal de corte liberal, esto es, en el que se establecen garantías para el imputado”.
O princípio da presunção de inocência, consagrado pela Constituição Federal de 1988, “seja por incorporação constitucional de diplomas internacionais dos quais o Brasil é signatário (artigo 5º, parágrafo 2º, da CF), seja por equiparação dos institutos” Barbagalo (2015, p. 50), não possui limites claros, não sendo, portanto, possível determinar seu conteúdo, cabendo este papel à doutrina e jurisprudência. Tal situação é motivo de preocupação de diversos doutrinadores, dentre os quais, encontram-se Canotilho e Moreira (2005 apud Barbagalo 2015, p. 60): “Não é fácil determinar o sentido do princípio da presunção de inocência do arguido. Considerado em todo o seu rigor verbal, o princípio poderia levar à própria proibição de antecipação de medidas de investigação e cautelares (inconstitucionalizando a instrução criminal em si mesma) e à proibição de suspeitas sobre a culpabilidade (o que equivaleria à impossibilidade de valorização das provas e aplicação e interpretação das normas criminais pelo juiz)”.
Apesar da supracitada preocupação dos doutrinadores, ao que parece, é pacifico entre os mesmos que “o processo penal não pode ser entendido apenas como instrumento de persecução do réu, mas também é caracterizado pela garantia do acusado” (Grinover 1976 apud Bento 2007, p. 16).
Destaca-se que a constitucionalização da presunção de inocência no Brasil foi influenciada pelas Escolas Penais Italianas, cujo ponto de partida se deu pela Escola Clássica. Sobre isto, Gomes Filho (1991 apud Barbagalo 2015, p.56) explica: “[…] a presunção de inocência do acusado mereceu especial atenção dos clássicos, sendo que, para Carrarra seria “pressuposto da ciência penal, na parte em que contempla o procedimento”, enquanto Carmignani ressaltava o seu valor, estabelecendo que “como mais frequente acontece que os homens se abstenham de delinquir, a lei consagra a todos os cidadãos a presunção de inocência”. Porém, para a Escola Positiva, “a presunção de inocência não passava da porta da denúncia”, não aceitando a sua influência na dinâmica processual penal”.
Dito isto e de acordo com o pacificado na doutrina, tem-se o direito penal e o processual penal como ciência normativa, cultural, valorativa, finalista e constitutiva, porquanto, tem por objeto de estudo a norma jurídica em observância com as normas comportamentais da sociedade, protegendo seus interesses e valores mais elevados.
O Ius Puniendi do Estado é regulado pelo princípio da Intervenção Mínima, ou seja, o direito penal e por consequência o processual penal, não intervirá em qualquer situação, mas somente quando nenhum outro ramo do direito resolver o conflito.
Sobre o direito de Liberdade, Paulo Rangel (2014, p. 772) acentua que: “A regra é a liberdade, a prisão é a exceção. Assim, esta somente se justifica com o objetivo de se restabelecer a ordem jurídica que foi violada com o comportamento nocivo do autor do fato. Trata-se de um mal necessário, que tem como escopo atender ao interesse público de manutenção da paz e da ordem. Sacrifica-se um bem menor (a liberdade de locomoção) em detrimento de um bem maior (a paz social)”.
Ainda sobre a liberdade, Vélez Mariconde (1969 apud Bento 2007, p. 29) defende que da presunção da inocência derivam-se: “[…] o fundamento, finalidade e a natureza da coerção pessoal do imputado: se este é inocente até que a sentença firme o declare culpado, claro está que sua liberdade somente pode ser restringida a título de cautelar, e não de pena antecipada a dita decisão jurisdicional, sempre e quando se suspeite ou presuma que é culpado e ele seja indispensável para assegurar a efetiva atuação da lei penal e processual”.
Com isso, nota-se, por ser o direito penal a ultima ratio, a regra é a liberdade e a prisão deve ser considerada um ato de extrema violência, sendo, portanto, a presunção da inocência um “reconhecimento da vulnerabilidade do cidadão em face do dever estatal de exercício da pretensão punitiva” (Bento, 2007, p. 18), desta forma, no exercício do dever de punir, deve-se, sempre, observar critérios constitucionais – dentre os quais está inserido o princípio em análise – para que não ocorram violações de direitos fundamentais, bem como dos princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito Brasileiro. Logo, as medidas de coerção utilizadas contra o autor do ilícito penal devem ser excepcionais e de caráter provisório e cautelar.
1.3 CONTEÚDO
O princípio da presunção de inocência discutido tanto no âmbito nacional quanto internacional é objeto de várias interpretações doutrinárias. Na visão de Pereira Neto (2011, p.102), chegou a tomar sentido próprio e por ser avaliado e estudado “por muitos processualistas penais, ganhou de cada um uma interpretação própria e características diferentes”.
Neste sentido, Pereira Neto (2011, p. 102-103) cita alguns autores, dentre os quais se encontram: Amilton Bueno de Carvalho, o qual assinala que “o princípio da presunção de inocência não precisa estar positivado em lugar nenhum, pois é pressuposto”; Aury Lopes Júnior, o qual ensina que o aludido princípio é um dever de tratamento, logo, é imposto que o réu seja tratado como se inocente fosse; Eugênio Pacelli de Oliveira, o qual defende a situação jurídica do inocente ou estado de inocência, devendo o Estado, ater-se a duas regras: uma de tratamento e outra de fundo probatório, visto que: “Na prática cria-se uma presunção de culpa contrária ao acusado, que terá desde o início da persecução criminal uma carga de contraprovar sua inocência, alterando-se os primados mais subliminares do processo penal constitucionalizado, que por sua vez deve ser o norte do Estado Democrático de Direito. (Pereira Neto 2011, p. 103)”.
Há quem defenda, também, que a presunção de inocência é um estado de inocência e este só muda quando o réu for declarado culpado por sentença penal transitada em julgado.
Seguindo esta linha de entendimento, temos Renata Silva e Souza (2011), a qual defende que: “A presunção de inocência é na verdade um estado de inocência, no qual o acusado permanece até que seja declarado culpado por sentença transitada em julgado. Logo, o acusado é inocente durante o processo e seu estado só se modificará com a declaração de culpado por sentença. A aplicação desse princípio ocorre tanto no campo probatório, quanto no tratamento de um acusado em estado de inocência. No primeiro caso, o acusado deve ser presumido inocente, cabendo a parte que acusa provar a veracidade do fato, e a culpabilidade do acusado. E só depois de sentença condenatória transitada em julgado, decorrente de processo judicial, é que ele pode ser considerado culpado”.
Eugenio Pacelli de Oliveira (2014 apud Santos 2016) entende o aludido princípio como: “[…] posição do sujeito diante das normas da ordenação, resultando também direitos subjetivos públicos a serem exercidos em face do Estado, que haverá de justificar sempre ou em lei ou/e motivadamente – quando judicial a decisão – quaisquer restrições àqueles direitos”.
Para o supracitado autor, o mencionado princípio, juridicamente, nos remete a concretização do estado de inocência.
Arantes Filho vai ainda mais longe. O autor preconiza que da doutrina e da jurisprudência, pode-se extrair três enfoques do citado princípio: “a presunção de inocência como garantia política; a presunção de inocência como norma de tratamento; e a presunção de inocência como norma de julgamento” (Arantes Filho, 2011, p. 25).
A presunção de inocência como garantia política diz respeito ao devido processo legal, assegurando o cumprimento dos valores constitucionais, indissolúvel dos princípios que tutelam a liberdade do cidadão: favor rei e favor libertatis, devendo ser cumprido por todos.
Enquanto norma de tratamento, o mencionado princípio, orienta o tratamento dispensado aos investigados e acusados, porquanto, estes não devem ser equiparados aos culpados, “sob a perspectiva deste corolário, a presunção de inocência se traduz em norma de tratamento que disciplina a persecução penal, tanto na fase investigativa, quanto na fase processual” (Arantes Filho, 2011, p. 27).
Gomes Filho (apud Arantes Filho, 2011, p. 28) enfatiza que a presunção de inocência "impede a adoção de medidas restritivas da liberdade pessoal antes do reconhecimento da culpabilidade, salvo os casos de absoluta necessidade”.
Ainda sobre este enfoque, o princípio da presunção de inocência atrela-se intimamente às garantias do devido processo legal, quais sejam: legalidade, inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos, a imparcialidade do órgão jurisdicional, a publicidade imediata dos atos processuais e o contraditório.
Por fim, a presunção de inocência enquanto norma de julgamento se expressa no in dúbio pro réu, porquanto, não aduz somente acerca da observância da lei para a decretação da culpabilidade – sentença transitada em julgado -, mas também da livre convicção, devendo “ser reconhecido, entre os fundamentos legais da absolvição, o mais favorável ao acusado: o julgador deve examiná-los de forma motivada e gradativa, do mais para o menos favorável, de modo que este só possa ser sucessivamente invocado se esgotada a possibilidade de aplicação daquele” (CHIAVARIO apud Arantes Filho, 2011, p. 31).
1.4 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA
No diploma processual penal brasileiro talvez pela época em que entrou em vigência: ano de 1941, período pós-Guerra Mundial, momento no qual, imperava-se a presunção de culpabilidade, conforme muito bem explanado por Bento (2007, p. 120), não há registro da preservação do princípio da presunção de inocência, o que inviabiliza a paridade de armas no âmbito processual penal.
Apenas no artigo 615, parágrafo 1º, in verbis, do Código de Processo Penal brasileiro é que podemos visualizar o reconhecimento da presunção de inocência. “Art. 615. O tribunal decidirá por maioria de votos. § 1o Havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu”.
Reconhecer a presunção de inocência em apenas um artigo dentre os oitocentos e onze previstos no Código de Processo Penal brasileiro é perigoso e chega a ser incompatível com o princípio da dignidade humana.
Neste trabalho, adota-se a presunção da inocência não apenas sob um enfoque, mas sim como uma junção dos três – garantia política, de tratamento e julgadora -, em vista dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, enquanto, Estado Democrático de Direito.
Não respeitar, não abarcar o princípio da presunção de inocência, significa não observar o princípio da dignidade humana, o devido processo legal, a paridade das armas, o contraditório e a ampla defesa, bem como os direitos fundamentais do ser humano. É caminhar para longe de uma sociedade livre, justa e solidária.
A Presunção de inocência é mais que um direito, é um valor humano, um bem universal, visto se tratar de um direito básico do indivíduo, sendo de observância obrigatória por todos.
Conforme exposto acima, não há registros de preservação da presunção de inocência na legislação processual penal, no entanto, importa destacar que houve grande avanço no que diz respeito às garantias do indivíduo investigado, visto que com o advento da Lei n. 12.830, de 20 de junho de 2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, regulamentou-se a exigência de ato fundamentado para o indiciamento, isto é, a indicação dos elementos de convicção quanto a autoria, materialidade ou outras circunstâncias que justifiquem a necessidade do indiciamento, conforme o disposto no artigo 2º, parágrafo 6º da citada lei, in verbis. “Art. 2o. § 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.
Sobre isto, Marcondes de Moraes (2014), ressalta: “Da mesma maneira que o Delegado de Polícia deve determinar que se proceda ao formal indiciamento quando entender que o sujeito investigado é o provável autor do fato delituoso perscrutado, deixará de deliberar pelo indiciamento quando vislumbrar circunstâncias que possam afastar a responsabilidade penal do suspeito, como a presença e o reconhecimento provisório de causas excludentes de ilicitude ou mesmo de culpabilidade, consignando tais situações por meio de manifestação fundamentada em histórico de boletim de ocorrência circunstanciado (sobretudo em se tratando de possível estado flagrancial), no curso do inquérito policial via despacho, ou ainda no corpo do relatório final do procedimento investigatório criminal, sempre adotando as demais providências legais que o caso prático reclamar”.
Guimarães (2011) defende que o indiciamento é uma afronta aos princípios constitucionais, porquanto: “[…] a Constituição Federal não admite qualquer ação do Estado que traga prejuízo ao indivíduo sem o devido processo legal, e é inflexível ao nomear como inviolável a honra e imagem das pessoas, além de repelir qualquer ataque sobre o princípio da presunção de inocência”.
Sem adentrar na discussão acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do instituto do indiciamento, importa frisar que neste não há carga acusatória uma vez que esta somente se materializa com o recebimento da denúncia, o que pode vir a não ocorrer, isto é, o indiciamento nada mais é que a manifestação da convicção quanto as suspeitas acerca da autoria delitiva, ou seja, opinio delicti (formação de convicção) da autoridade policial responsável pelas investigações.
2 PRISÃO E SUAS ESPÉCIES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Inicialmente o encarceramento desempenhava papel custodial em vista de sua natureza meramente processual, isto é, o acusado aguardava a aplicação de sua pena corpórea, não havendo uma retribuição ao mal praticado. Logo, o cárcere era um meio e não fim para punição (Carvalho Filho, 2002 apud ENGBRUCH,W.; DI SANTIS,B.M., 2012).
Sobre isto, Bitencourt (2011, p. 26) nos ensina: “Há, nesse período, um claro predomínio do direito germânico. A privação da liberdade continua a ter uma finalidade custodial, aplicável aqueles que “seriam submetidos aos mais terríveis tormentos exigidos por um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas." A amputação de braços, pernas, olhos, língua, mutilações diversas, queima de carne a fogo, e a morte, em suas mais variadas formas, constituem o espetáculo favorito das multidões desse período histórico”.
O entendimento de que a prisão desempenhava tão somente a custódia de natureza cautelar perdurou até a Idade Média, período onde a sociedade acompanhava de perto os espetáculos mais hediondos no que diz respeito à aplicação da pena. Nesta época, não havia qualquer preocupação quanto à liberdade cautelar do réu, tampouco quanto ao local onde estava preso.
Na Idade Moderna (século XVI), mesmo com o impulsionamento da privação de liberdade, aplicou-se àquela que figura dentre as mais desumanas e cruéis penas já aplicadas: pena de galera, a qual consistia no envio de condenados já sentenciados à morte às galerias dos navios militares para trabalharem incessantemente, sendo a todo tempo agredidos e ameaçados.
Por influência do iluminismo, no século XVIII, buscou-se evitar castigos desnecessários (a exemplo da tortura), preservar a dignidade da pessoa humana, bem como, desenvolver novos sistemas prisionais. No entanto, a ideia de ressocialização do apenado surgiu no século XIX, porquanto, em vista da valorização da pessoa humana a aplicação da pena não poderia ser realizada como uma vingança Estatal, mas tão somente como instrumento de combate à criminalidade.
Estefam (2012, p. 332) relata que no Brasil, “[…] o primeiro texto a manifestar preocupação com a situação do cárcere foi a Constituição do Império “As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas de separação dos réus, conforme suas circunstâncias e a natureza de seus crimes” (art. 179, XXI). É bem verdade, contudo, que o dispositivo não passou, ao longo do século XIX, de simples enunciação de um sonho”.
Repare na parte final da citação: “simples enunciação de um sonho”. Não haveria frase melhor para descrever o enunciado no artigo 179, XXI da Constituição Imperial, porquanto, é sabido, que o sistema carcerário brasileiro, nos dias atuais, em sua estrutura física lembra em alguns aspectos o sistema carcerário na Idade Média: as penitenciárias são fétidas, não possuem o mínimo de higiene, as celas são superlotadas e infelizmente a finalidade de cumprimento de pena dos indivíduos cuja lei infringiram não é atingida, sendo os apenados violados em sua integridade física, moral, psicológica, sexual, dentre outros.
Em 1830 não se adotou tipo de sistema penal, havendo “esparsas tentativas, ao longo do Império de se adotar um regime adequado” (Estefam, 2012, p. 332).
Em 1882, adotou-se o sistema auburniano cujo objetivo não era recuperar os apenados, mas sim sua obediência, bem como, a manutenção da segurança na casa penal por meio da exploração da mão de obra carcerária, sob silêncio absoluto e confinamento solitário.
Acerca do sistema auburniano, Moraes (2013) esclarece que: “[…] embora mantivesse a preocupação com a emenda dos condenados e procurasse evitar a contaminação moral através da imposição da disciplina do silêncio, aparentemente colocava em primeiro lugar a necessidade de auferir ganhos com o trabalho dos presos. De fato, pode-se afirmar que a preocupação em fazer a prisão fornecer recursos para a sua própria manutenção parece ter sido o principal objetivo das penitenciárias que seguiram o modelo de Auburn”.
Acerca do fracasso do sistema auburniano, Bitencourt (2000 apud Morais 2013) ensina que se deu por conta de pressões sindicais, porquanto, as associações foram contrárias ao trabalho penitenciário sob a alegação de que a produção ou representaria custos menores ou competição ao trabalho livre.
Em 1890 foi incorporado ao Código Penal o sistema progressivo, cuja preocupação consiste em: “[…] propiciar uma gradual adaptação do recluso à vida livre, a educação para o trabalho como uma tentativa de induzir hábitos que permitissem aos condenados levar no futuro uma vida honesta e o incentivo, através de mecanismos institucionais, ao senso de responsabilidade social dos condenados, significavam agregar à ideia de emenda uma série de componentes novos. (Moraes 2013)”.
Destaca-se que o Código Penal vigente tem influências do regime progressista. Sobre isto, Estefam (2012, p. 332) ensina que: “O ápice da progressividade do cumprimento da pena privativa de liberdade reflete-se hoje em nosso Código Penal e, sobretudo, na Lei de Execução Penal. Sua ideia básica é que, com o passar do tempo, se o preso cumprir parte da pena e demonstrar-se digno de confiança, será premiado com a passagem para um sistema de cumprimento menos rigoroso, de modo a ser paulatinamente reinserido na sociedade”
Após breve evolução histórica acerca da prisão, pode-se conceituá-la como “privação de liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere” (Nucci, 2014, p. 519), que tem por objetivos básicos, conforme ressaltado por Gomes Neto (2000, p. 43-44): “[…] manter o indivíduo cerceado de sua liberdade até que sua situação se resolva por autoridades competentes, ou seja, libertado por força de relaxamento de prisão em flagrante, revogação de prisão preventiva ou cumprimento da pena; manter o infrator acessível à disposição da justiça, ou se o indivíduo é perigoso, garantir a sociedade contra ao prosseguimento da atividade delituosa do agente; evitar manobras de que possa lançar mão o agente para estorvar a produção regular da prova e possibilitar a reabilitação social do agente transgressor da norma”.
Gomes Neto (2000, p. 44) ainda enfatiza que a prisão é um sacrifício da liberdade individual reclamado pelo interesse social.
Importa destacar que o Código Penal brasileiro regula a prisão proveniente de condenação, ao passo que o Código de Processo Penal regulamenta a prisão cautelar.
A prisão encontra-se fundamentada no artigo 5º, inciso LXI da Constituição Federal de 1988 e o modo pelo qual deve ser formalizada nos incisos LXII, LXIII, LXIV e LXV do mesmo diploma legal, in verbis. “LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”;
Sobre isto, Nucci (2014, p. 519) preleciona: “[…] a regra, pois, é que a prisão, no Brasil, deve basear-se em decisão de magistrado competente, devidamente motivada e reduzida a escrito, ou necessita decorrer de flagrante delito, neste caso cabendo a qualquer do povo a sua concretização […]”.
Deste modo, passa-se à breve explanação acerca das espécies de prisão, quais sejam: prisão em flagrante, prisões cautelares (prisão preventiva, prisão temporária), prisão para execução de pena, prisão preventiva para fins de extradição, prisão civil do não pagador de pensão alimentícia e prisão disciplinar.
2.1 PRISÃO EM FLAGRANTE
A prisão em flagrante tem suas raízes na Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso LXI, que determina: “Artigo 5º LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”;
A legitimidade da prisão está prevista no artigo 5º, incisos LXII, LXIII, LXIV da CF/88, assegurando: a comunicação da prisão e o local onde se encontre a pessoa, ao juiz competente, bem como a família do preso; a autoridade ou o agente que efetivou a prisão deve informar ao preso os seus direitos, dentre os quais está o de permanecer calado, assistência familiar e de advogado; e acesso à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial.
Com exceção do Presidente da República, diplomatas estrangeiros e menores de dezoito anos, qualquer pessoa pode ser autuada com flagrante delito. No que tange aos membros do Congresso Nacional, magistrados, membros do Congresso Nacional e membros do Ministério Público, estes só poderão ser presos em flagrante delito quando autuados em crimes inafiançáveis, quais sejam, crimes hediondos, tráfico de drogas, terrorismo, tortura, racismo, ação de grupos armados contra a ordem jurídica e o Estado.
Acerca da conceituação da Prisão em Flagrante, preceitua Paulo Rangel (2014, p.772): “[…] evitar a fuga do autor do fato; resguardar a sociedade, dando-lhe confiança na lei; servir de exemplo para aqueles que desafiam a ordem jurídica e acautelar as provas, que eventualmente, serão colhidas no curso do inquérito policial ou na instrução criminal, quer quanto à materialidade, quer quanto à autoria”.
Importa destacar que alguns doutrinadores entendem esta modalidade de prisão como uma medida pré-cautelar, porquanto, conforme ensinamentos de Lopes Jr (2008 apud Sannini Neto 2011) “[…] não se dirige a garantir o resultado final do processo, mas apenas destina-se a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar”. Tal entendimento já foi adotado por nossa jurisprudência, senão, veja-se: “HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. MEDIDA PRÉ-CAUTELAR. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NA MANUTENÇÃO DA PRISÃO, NOS TERMOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO PRÓPRIO CPP. 1. O paciente foi preso em flagrante por tráfico de drogas. O auto de prisão em flagrante foi homologado, sem que tenha sido fundamentada a necessidade da manutenção da prisão pré-cautelar. 2. O flagrante justifica-se para impedir a continuidade da prática criminosa. Trata-se de uma medida pré-cautelar, devido a sua precariedade (único caso previsto constitucionalmente em que a prisão pode ser realizada por particular… (TJ-RS – HC: 70040681959 RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Data de Julgamento: 24/02/2011, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 10/03/2011) (grifo nosso).
HABEAS CORPUS – ARTIGO 121 C.C. ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL (HOMICÍDIO TENTADO) – CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR EXCESSO DE PRAZO – ATRASO NA INSTRUÇÃO DO FEITO JUSTIFICADO – EMISSÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS – PRISÃO EM FLAGRANTE – MEDIDA PRÉ-CAUTELAR – AUSÊNCIA DE DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE – INVIABILIDADE DE MANUTENÇAO DURANTE O TRÂMITE DO PROCESSO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO – ORDEM CONCEDIDA. (TJ-MS – HC: 15446 MS 2012.015446-5, Relator: Des. Claudionor Miguel Abss Duarte, Data de Julgamento: 04/06/2012, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 15/06/2012). (grifo nosso)”.
Destarte, adota-se neste trabalho que a prisão em flagrante é uma medida de restrição de liberdade pré-cautelar a fim de evitar a continuidade da prática delituosa por meio de uma possível fuga do autor do fato, resguardando a sociedade do comportamento nocivo deste, assim sendo, observa-se duas justificativas para a existência da prisão em flagrante, quais sejam, “a reação social imediata à prática da infração e a captação, também imediata, da prova.” (Greco Filho 2012, p. 412).
2.2 PRISÕES CAUTELARES
Entende-se por prisão cautelar “toda e qualquer prisão que anteceda o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (Mendonça e Moraes 2015, p. 11), desde que presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis.
Tucci (2009, p. 315) leciona que as prisões cautelares têm por finalidade: “[…] asseguração de resultado profícuo do processo penal de conhecimento de caráter condenatório, sempre que o exijam a garantia da ordem pública, ou da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal, ou a preservação da aplicação da lei penal”.
São espécies de prisões cautelares no processo penal brasileiro: Prisão Preventiva e Prisão Temporária.
2.2.1 Prisão Preventiva
Prisão Preventiva é a prisão proferida antes do trânsito em julgado da sentença condenatória e somente “será imposta se não houver nenhuma outra alternativa menos drástica capaz de tutelar a eficácia da persecução penal” (Capez 2012, p. 298), podendo ser conceituada como: “[…] medida cautelar, restritiva de liberdade, determinada pelo Juiz em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal com diversos intuitos: para garantir eventual execução da pena: para preservar a ordem pública ou econômica; por conveniência da instrução criminal”. (Tourinho Filho 2008, p. 627)
Desta forma, tem-se que a prisão preventiva é espécie do gênero prisão cautelar de natureza processual, sendo uma restrição ou limitação que se impõe à liberdade do autor do fato punível objetivando assegurar os fins do processo. (Mossin, 2005, p. 618).
Frise-se, que antes do trânsito em julgado da ação condenatória, o indivíduo tão somente poderá ser preso quando se tratar de: prisão preventiva, prisão temporária e flagrante delito, devendo ser mantido nesta condição apenas quando se tratar de: prisão preventiva, prisão temporária, porquanto conforme muito bem preconizado por Capez (2012, p. 2009): “A prisão em flagrante perdeu seu caráter de prisão provisória. Ninguém mais responde a um processo criminal por estar preso em flagrante. Em outras palavras, o sujeito é preso em razão do estado de flagrância, mas não permanece nessa condição por mais muito tempo. Lavrado o auto, a autoridade policial deverá remetê-lo ao juiz competente no prazo máximo de vinte e quatro horas a partir da prisão. O juiz, então, não se limitará mais a analisar a regularidade formal do flagrante, devendo justificar se é caso de convertê-lo em preventiva. Não havendo fundamento para a prisão preventiva, o agente deverá ser solto e responder ao processo em liberdade”.
Positivada nos artigos 311 e seguintes do Código de Processo Penal brasileiro, a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, de ofício pelo magistrado, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
Acerca da prisão preventiva, Capez (2012, p. 331) ensina que o magistrado somente poderá decretar a prisão preventiva demonstrada a probabilidade de que o réu tenha sido o autor de um fato típico e ilícito, desde que seja para garantir a ordem pública, a ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei, quando houver justa causa, ou seja, indício suficiente de autoria e materialidade do ilícito penal, contanto que não seja possível a sua substituição por outra medida cautelar, conforme o exposto no artigo 282, parágrafo 6º do Código de Processo Penal.
Trata-se do fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Sendo o primeiro uma comprovação da existência do delito e indícios suficientes de autoria. Concernente ao periculum libertatis, em miúdos, trata-se da necessidade da decretação da prisão, são os fundamentos da prisão preventiva, preenchidos os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal brasileiro, quais sejam: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Note-se que não há prisão preventiva obrigatória, porquanto, está só é admitida em casos de extrema necessidade, ou seja, desde que preenchidos os requisitos supracitados, bem como, não seja possível sua substituição por outra medida cautelar.
Ao teor do artigo 313 do Código de Processo Penal brasileiro, a prisão preventiva poderá ser decretada: a) nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; b) se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do artigo 64 do Código Penal brasileiro[1]; c) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; d) quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
Concernente a uma possível reparação a posteriori da preventiva, vejamos entendimento jurisprudencial:"APELAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DANOS MORAIS Prisão preventiva com posterior absolvição por falta de provas Art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal que somente prevê a indenização por erro judiciário ou excesso de prisão, decorrentes de condenação Ilegalidade do ato não configurada Decisão fundamentada, preenchidos os requisitos legais, não consistente em ato doloso, fraudulento, praticado com abuso de poder, arbitrariedade ou com erro grosseiro Inexistência do dever de indenizar Sentença mantida Recurso desprovido." (TJ-SP – APL: 00347653520118260576 SP 0034765-35.2011.8.26.0576, Relator: Moreira de Carvalho, Data de Julgamento: 20/03/2013, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 21/03/2013)”.
Portanto, a prisão preventiva devidamente fundamentada e dentro dos limites legais, ainda que sobrevenha absolvição posterior, não gera, por si só, direito a indenização.
2.2.2 Prisão Temporária
No que se refere a prisão temporária, conforme ensinamentos de Capez (2015, p. 341), trata-se de prisão cautelar de natureza processual com prazo certo, cuja decretação só pode ser realizada pelo magistrado mediante representação da autoridade policial ou à requerimento do Ministério Público, com objetivo de possibilitar as investigações a respeito de crimes graves durante o inquérito policial, sendo cabível nas hipóteses determinadas no artigo 1º da Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, quais sejam: “Art. 1° Caberá prisão temporária: I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II – quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°); b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°); c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°); e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único); i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°); j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285); l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal; m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976); o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986). p) crimes previstos na Lei de Terrorismo (Incluído pela Lei nº 13.260, de 2016)”.
Concernente ao prazo máximo de prisão, ressalta-se que será de cinco dias podendo ser prorrogado por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
Importa frisar que em casos de crimes hediondos, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, drogas afins e terrorismo, a Lei n. 8.072 de 25 de julho de 1990, artigo 2º, parágrafo 3º, ampliou para trinta dias prorrogáveis por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade o prazo máximo para prisão temporária.
Observa-se que da leitura do diploma legal, bem como, da própria doutrina, a prisão temporária apesar de instituída “dentro de um contexto de maior repressão a determinados crimes, ligados à criminalidade organizada e violenta, evidente exigência da sociedade brasileira atual” (Greco Filho, 2012, p. 418) não se desvincula da necessidade da restrição de liberdade, ou seja, não é presunção absoluta, devendo ser decretada, repise-se, em caso de extrema e comprovada necessidade.
2.3 PRISÃO PENA
A execução penal é a efetivação da sentença condenatória, isto é, a materialização da mesma em sanções sejam elas: privativa de liberdade, restritiva de direitos ou pena pecuniária. Parafraseando Mirabete (2002, p. 273), trata-se de consubstanciamento de atos administrativos ou judiciais, os quais consumam a sentença.
Deste modo, vencidas as fases de instrução e de conhecimento, julgando-se procedente (seja total ou parcial) a ação penal, faz-se imprescindível a execução penal. Sobre isto, Nucci (2014, p. 939) enfatiza: “Trata-se de fase do processo penal, em que se faz valer o comando contido na sentença condenatória penal, impondo-se, efetivamente, a pena privativa de liberdade, a pena restritiva de direitos ou a pecuniária. […]. Com o trânsito em julgado da decisão, que lhe impôs a pena, seja porque recurso não houve, seja porque foi negado provimento ao apelo, a sentença torna-se título executivo judicial, passando-se do processo de conhecimento ao processo de execução”.
Desta forma, tem-se que o trânsito em julgado da ação penal é o ponto de partida para a execução da pena. Sem adentrar na discussão acerca da execução da pena de multa, no que diz respeito à citação, visto que, na execução de pena privativa de liberdade e na pena restritiva de direito, dispensa-se a mesma, visto que o réu possui conhecimento da ação penal interposta contra ele, importa frisar, conforme muito bem exposto por Mirabete (2002, p. 273), que as sentenças executadas podem vir a ser: “[…] condenatória (em que há imposição de pena), absolutória, que pode ser própria (nas hipóteses do art. 386, incisos I a VI do CPP, exceto na referência de absolvição por inimputabilidade) ou imprópria (no caso do art. 386, V e parágrafo único, inciso II, do CPP, quando se impõe medida de segurança ao inimputável) ou terminativa de mérito (que encerra a relação processual julgando o mérito, mas sem ser condenatória ou absolutória)”.
Ainda sobre o assunto, Grinover (1987, apud Nucci 2014, p. 940) corrobora: “[…] a execução penal é atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estatais: o judiciário e o Executivo, por intermédio, respectivamente dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos penais”.
O encontro entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo, reside no fato de que ao primeiro incumbe-se a prolação “dos comandos pertinentes a execução da pena” (Nucci 2014, p. 941), enquanto que ao segundo, compete o efetivo cumprimento da sentença.
Dito isto, faz-se necessário expor que conforme o disposto no artigo 1º da Lei n. 7.210 de 11 de julho de 1984 são objetivos da execução penal “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (grifo nosso), ou seja, punir e ressocializar, porquanto, a teoria mista, eclética ou unificadora adotada pela Lei de Execução Penal defende a tríplice finalidade da pena: retribuição, prevenção e ressocialização.
Acerca do disposto no supracitado artigo, Mirabete (2002, p. 26) discorre que “[…] além de tentar proporcionar condições para a harmônica integração social do preso ou do internado, procura-se no diploma legal não só cuidar do sujeito passivo da execução, como também da defesa social” […].
Ainda sobre os objetivos da execução penal, Marcão (2010, p. 31-32) ensina que: “A execução penal deve objetivar a integração social do condenado ou do internado, já que adotada a teoria mista ou eclética, segundo a qual a natureza retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Objetiva-se, por meio da execução, punir e humanizar”.
Repare que o doutrinador acima citado ao trazer à baila a teoria mista ou eclética, utiliza a nomenclatura: humanizar, sugerindo não apenas a humanização acerca das execuções da pena, mas também, humanizar o sistema carcerário, criando condições melhores e humanas aos detentos, sem deixar de lado a finalidade da pena, isto é, proporcionar condições para que o indivíduo se "recupere" e consiga sua reintegração social, trocando em miúdos, seria como “matar o criminoso e salvar o homem”, a partir de uma disciplina rígida, caracterizada por respeito, ordem, trabalho e o envolvimento da família do sentenciado”[1].
Acentua-se que para o cumprimento de sentença criminal transitada em julgado, é imprescindível a observância dos princípios impostos na Constituição, porquanto, os limites e normas a serem seguidos por todos os ramos do direito estão impostas na mesma. Sobre isto, Nogueira (1996, apud Marcão 2010, p. 34) ensina: “[…] é indispensável a existência de um processo, como instrumento viabilizador da própria execução, onde devem ser observados os princípios e garantias constitucionais a saber: legalidade, jurisdicionalidade, devido processo legal, verdade real, imparcialidade do juiz, igualdade das partes, persuasão racional ou livre convencimento, contraditório e ampla defesa, iniciativa das partes, publicidade, oficialidade e duplo grau de jurisdição, entre outros”. […]
Corroborando tal entendimento, Nucci (2014, p. 943) enfatiza: “[…] para realizar o direito punitivo do Estado, justifica-se, no Estado Democrático de Direito, um forte amparo dos direitos e garantias individuais. Não é viável a execução da pena dissociada da individualização, da humanidade, da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade da lei prejudicial ao réu (princípios penais) e do devido processo legal, como todos os seus corolários (ampla defesa, contraditório, oficialidade, publicidade, dentre outros)”.
Tal entendimento está positivado no artigo 2º da Lei de Execução Penal, o qual estabelece que o processo de execução seja exercido em conformidade com a referida lei, bem como, pelo Código de Processo Penal.
Desta forma, verifica-se que a execução da pena deve observância aos princípios, dentre os quais encontram-se: a) princípio da jurisdicionalidade: previsto no artigo 194 da Lei de Execução Penal, o qual prevê que o procedimento correspondente as situações previstas no citado diploma legal será judicial, desenvolvendo-se perante o Juízo da execução; b) princípio reeducativo, onde busca-se a ressocialização do apenado; c) princípio da humanidade, o qual veda a imposição de penas cruéis, desumanas e degradantes; d) princípio do devido legal, o qual conforme artigo 5º, inciso LV, assegura o contraditório e a ampla defesa, com os meios de recurso a ela inerentes; e) presunção de inocência, a qual se desenvolve por meio do devido processo legal.
Observa-se que a presunção de inocência e a execução da pena jamais se desvencilham, motivo pelo qual, não se pode impor ao réu uma execução de pena antes do trânsito em julgado de ação penal condenatória, sem que esta seja a título cautelar. Sobre isto, vejamos fragmento de voto do Ministro Eros Grau, relator do HC. n. 84.078/MG: “O modelo de execução penal consagrado na reforma penal de 1.984 confere a concreção ao chamado princípio da presunção de inocência, admitindo o cumprimento da pena após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A Constituição de 1.988 dispõe regra expressa sobre esta matéria”.
Desta forma, somente pode sofrer execução definitiva aquele que após o devido processo legal, respeitando todos os princípios corolários a este, sobrevenha imposição ou confirmação de sentença condenatória transitada em julgado.
Regulamentada pela Lei de Execução Penal, a analisada modalidade de prisão tinha aplicação condicionada ao esgotamento de recursos a serem interpostos, inclusive aos encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial) e Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário).
No entanto, em 17 de fevereiro de 2016, por sete votos a quatro, o pleno do Superior Tribunal Federal admitiu a prisão logo após a condenação em 2ª instância, bastando acórdão condenatório, seja de um Tribunal de Justiça Estadual ou Tribunal Regional Federal para dar prosseguimento à execução da pena.
Tal decisão recebeu duras críticas por parte de advogados criminalistas, conforme se visualiza na matéria do jornalista Renan Ramalho (2016) ao portal de notícias da Globo: “Criminalista atuante no STF há 37 anos, o advogado Nélio Machado criticou a decisão. Para ele, ela permite que uma pessoa comece a cumprir pena mesmo se depois um tribunal superior entender que houve erro nas decisões anteriores. "Quase um terço das decisões são modificadas aqui. Logo, se você executa a pena antes do trânsito em julgado, você tem o risco de perpetrar um enorme erro judiciário irreparável. E o Estado brasileiro não está vocacionado a reparar erros do Judiciário. Não é da nossa praxe, não é da nossa tradição, nunca foi e nunca será", afirmou ao G1. Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se manifestou contra a decisão, chamando a atenção para o "alto índice de reforma de decisões de segundo grau pelo STJ e pelo próprio STF". "A entidade respeita a decisão do STF, mas entende que a execução provisória da pena é preocupante em razão do postulado constitucional e da natureza da decisão executada, uma vez que eventualmente reformada, produzirá danos irreparáveis na vida das pessoas que forem encarceradas injustamente", diz a nota. "O controle jurisdicional das cortes superiores mostra-se absolutamente necessário à garantia da liberdade, da igualdade da persecução criminal e do equilíbrio do sistema punitivo, ao que a Ordem permanecerá atenta e atuante", conclui o texto.
Mas há quem tenha aplaudido o posicionamento da mais alta Corte do país, porquanto, na visão destes, a decisão tomada por meio do HC n. 126.292/SP – que será analisado mais adiante – permitirá a redução do número de recursos interpostos nos tribunais superiores, possibilitando que estes se dediquem à “causas mais importantes", sendo, portanto, um instrumento de combate à impunidade, visto que os réus não mais seriam estimulados a procrastinar o processo visando à prescrição da pretensão punitiva, e por consequência, a extinção da punibilidade.
2.4 PRISÃO PREVENTIVA PARA FINS DE EXTRADIÇÃO
A prisão preventiva para fins de extradição prevista na Lei n. 6.815 de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro) visa assegurar a efetivação do processo de extradição, porquanto, é condição para que este se inicie, uma vez que esta só é requerida após a Prisão Preventiva para fins de Extradição.
A referida prisão deve ser respaldada na necessidade e razoabilidade do aprisionamento, conforme entendimento jurisprudencial: “Ementa: QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. EXTRADIÇÃO EXECUTÓRIA. EMISSÃO DE CHEQUES SEM FUNDOS. TÍTULOS PRÉ-DATADOS. PRISÃO PARA FINS DE EXTRADIÇÃO. EXAME DA NECESSIDADE E DA PROPORCIONALIDADE DO APRISIONAMENTO. ESTRANGEIRO REQUESTADO QUE RESIDE NO BRASIL HÁ MAIS DE SETE ANOS. COMPROVAÇÃO DE QUE EXERCE ATIVIDADE LABORAL LÍCITA. ESPECIALÍSSIMA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À FAMÍLIA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PARA FINS EXTRADICIONAIS, MEDIANTE O CUMPRIMENTO DE CONDIÇÕES. 1. Prevalece na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a prisão preventiva para fins de extradição constitui requisito de procedibilidade da ação extradicional, não se confundindo com a segregação preventiva de que trata o Código de Processo Penal. 2. Esse entendimento jurisprudencial já foi, por vezes, mitigado, diante de uma tão vistosa quanto injustificada demora na segregação do extraditando e em situações de evidente desnecessidade do aprisionamento cautelar do estrangeiro requestado. 3. O processo de extradição se estabelece num contexto de controle internacional da criminalidade e do combate à proliferação de “paraísos” ou valhacoutos para trânsfugas penais. O que não autoriza fazer da prisão preventiva para extradição uma dura e fria negativa de acesso aos direitos e garantias processuais de base constitucional, além de enfaticamente proclamados em Tratados Internacionais de que o Brasil faz parte; sobretudo em face da especialíssima proteção à família, pois o certo é que se deve assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar (arts. 226 e 227), já acentuadamente prejudicada com a prisão em si do extraditando. 4. Sendo o indivíduo uma realidade única ou insimilar, irrepetível mesmo na sua condição de microcosmo ou de um universo à parte, todo instituto de direito penal que se lhe aplique há de exibir o timbre da personalização. Em matéria penal é a própria Constituição que se deseja assim personalizada ou orteguianamente aplicada (na linha do “Eu sou eu e minhas circunstâncias”, como enunciou Ortega Y Gasset), a partir dos graves institutos da prisão e da pena, que têm seu regime jurídico central no lastro formal dela própria, Constituição Federal. 5. A prisão preventiva para fins extradicionais é de ser balizada pela necessidade e pela razoabilidade do aprisionamento. Precedentes do Plenário do Supremo Tribunal Federal. 6. No caso, os fatos protagonizados pelo extraditando (emissão de cheques sem fundos) se acham naquela tênue linha que separa os chamados ilícitos penais dos ilícitos civis. A evidenciar a ausência de periculosidade social na liberdade do agente. Aliando-se a isso a falta de elementos concretos que permitam a elaboração de um juízo minimamente seguro quanto a risco de fuga do extraditando ou de qualquer outra forma de retardamento processual. 7. Se a história de vida do extraditando no Brasil não impede o deferimento do pedido de entrega, obriga o julgador a um mais refletido exercício mental quanto às sequelas familiarmente graves da prisão cautelar. Prisão que, na concreta situação deste processo, implicaria a total desassistência material do filho menor do estrangeiro requestado e de sua esposa doméstica. 8. Questão de ordem resolvida para revogar a prisão preventiva do extraditando, mediante o cumprimento de explicitadas condições. (STF – Ext: 1254, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 06/09/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-180 DIVULG 19-09-2011 PUBLIC 20-09-2011 EMENT VOL-02590-01PP-00076. (grifo nosso).
Sendo, portanto, a mencionada prisão, repise-se, um meio de assegurar a aplicação da lei, sendo requerida por via diplomática ou de governo a governo na falta de agente diplomático do Estado que a solicitar.
2.5 PRISÃO CIVIL DO NÃO PAGADOR DE PENSÃO ALIMENTÍCIA
Após o reconhecimento da ilegalidade da prisão do depositário infiel, a prisão civil do não pagador de pensão alimentícia prevista na Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968, a qual dispõe sobre ação de alimentos e dá outras providências, bem como, no artigo 528 do Código de Processo Civil de 2015, passou a ser a única modalidade de prisão civil admitida no ordenamento jurídico brasileiro.
Importa frisar que esta modalidade prisional não possui natureza punitiva, conforme enfatiza Ferlin (2014): “A prisão civil por dívida alimentar não tem natureza punitiva, trata-se, pois, de mecanismo de coerção destinado a forçar o devedor a cumpri-lo. Sua decretação deve ser fundamentada, devendo-se analisar a possibilidade de sua eficácia, sendo assim justificada haja vista a natureza da obrigação alimentar e o propósito de assegurar a subsistência e consequentemente, a própria dignidade e integridade do alimentando”.
Destaca-se que conforme Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça, “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”. Para melhor compreensão, vejamos jurisprudência: “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ALIMENTOS. LEGALIDADE DA ORDEM DE PRISÃO. ADEQUAÇÃO À LINHA DE ENTENDIMENTO TRAÇADA NO ENUNCIADO SUMULAR N. 309/STJ. PRETENSÃO DE TRANSFERÊNCIA PARA SALA DE ESTADO MAIOR OU CASA DO ALBERGADO OU DE CONVERSÃO EM PRISÃO DOMICILIAR. INADMISSIBILIDADE. 1. Admissibilidade da prisão civil do alimentante por dívida atual, correspondente às três últimas prestações anteriores ao ajuizamento da execução, acrescidas das que se vencerem no curso do processo. 2. Aplicação do enunciado sumular n. 309/STJ. 3. O pedido de prisão especial não merece deferimento, tendo em vista que a prisão civil por dívida alimentícia já constitui espécie de prisão especial. Precedente específico. 4. Precedentes específicos da Corte. 5. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIMENTO. (STJ – RHC: 41472 SP 2013/0336634-4, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 12/11/2013, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/11/2013)”.
2.6 PRISÃO DISCIPLINAR
A prisão disciplinar consiste em prisão realizada em casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, ao teor do artigo 5º, inciso LXI da Constituição Federal de 1988.
Importa destacar que em 01 de outubro de 2015, o Projeto de Lei n. 7645/14, de autoria dos deputados Subtenente Gonzaga (PDT-MG) e Jorginho Mello (PR-SC), o qual prevê a extinção da pena de prisão disciplinar para as polícias militares e os corpos de bombeiros militares, dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, e dá outras providências, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e atualmente aguarda apreciação do Senado Federal.
3 EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA
De proêmio, torna-se relevante trazer à baila alguns dispositivos legais, quais sejam, artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, artigo 283 do Código de Processo Penal brasileiro e artigo 105 da Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal): “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (grifo nosso).
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (grifo nosso). Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução. (grifo nosso)”.
Da leitura dos dispositivos acima transcritos, verifica-se um condicionamento para aplicação da pena privativa de liberdade, qual seja, trânsito em julgado de sentença criminal condenatória.
Observa-se, portanto, harmonia entre a Constituição Federal e a lei não apenas sob o enfoque literal ou gramatical, mas também histórica e sistêmica, porquanto a Lei de Execução Penal, data de 1984; a Constituição Federal data de 1988 e a redação dada pelo artigo 283 do Código de Processo Penal foi instituída por meio da Lei n. 12.403, de 03 de maio de 2011, bem como, uma se ajusta a outra.
Concernente ao artigo 283 do CPP, a justificativa dada ao projeto de Lei n. 4.208, de 2011 que propôs a sua aplicação foi a de que: “[…] a revogação, estabelecida no projeto, dos arts. 393, 594, 595 e dos parágrafos do artigo 408, todos do Código de Processo Penal, tem como propósito definir que toda prisão, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, terá sempre caráter cautelar. A denominada execução antecipada não se concilia com os princípios do Estado constitucional e democrático de direito”.
O Deputado e Relator do citado projeto de Lei, Ibrahim Abi-Ackel, ainda discorreu que: “[…] seu mérito principal, além de eliminar distorções decorrentes da legislação extravagante, desfiguradoras do sistema original do Código de Processo Penal, está no ajuste das normas referentes à prisão às exigências constitucionais e na adoção da fiança como instrumento de contenção do crime […]”.
Portanto, repise-se, observa-se harmonia literal, histórica e sistêmica entre os dispositivos acima citados.
Da análise dos mesmos, entende-se que o indivíduo apenas será tratado como se culpado fosse, com o fim do processo, isto é, após julgamento de todos os recursos. Logo, toda e qualquer decretação antes do trânsito em julgado da ação penal, deve ser devidamente fundamentada nos requisitos insculpidos no artigo 312 do Código de Processo Penal brasileiro, in verbis, porquanto, trata-se de natureza cautelar, ficando caracterizado a antecipação da pena, a decretação de pena antes do trânsito em julgado, o que é ilegal.
Neste sentido, vejamos trecho do voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze (apud Ministro Rogerio Schietti Cruz, 2013, julgamento do HC N. 279.063 – SP 2013/0338354-6): “[…]Esta Corte Superior pacificou o entendimento no sentido de que "a regra em nosso ordenamento jurídico é a liberdade, de forma que toda prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória reveste-se de excepcionalidade, assumindo natureza exclusivamente cautelar. Assim, a segregação preventiva só pode ser decretada e mantida em razão de decisão escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, quando preenchidos os pressupostos necessários insculpidos no art. 312 do Código de Processo Penal e demonstrada concretamente e objetivamente sua real necessidade " (STJ – HC: 274203 RS 2013/0237575-3, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 10/09/2013, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/09/2013)”.
Portanto, a prisão anterior ao trânsito em julgado de sentença criminal condenatória, só pode ser decretada provisoriamente à título cautelar, desde que presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Ainda sobre o assunto, no julgamento do HC n. 84.078/MG, o eminente Ministro e Relator, Excelentíssimo Senhor Eros Grau (p. 1061-1062) discorreu: “A execução da sentença antes de transitada em julgado é incompatível com o texto do art. 5º, inciso LVII da Constituição do Brasil. Colho, em voto de S. Excia. No julgamento do HC 69.964, a seguinte assertiva do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE “… quando se trata da prisão que tenha por título sentença condenatória recorrível, de duas uma: ou se trata de prisão cautelar ou de antecipação do cumprimento da pena. E a antecipação de execução de pena, de um lado, com a regra constitucional de que ninguém será considerado culpado antes que transite em julgado a condenação, são coisas, data vênia, que se Ꞌhurlent de se trouver ensembleꞌ [1] […]”.
Desta forma, ao antecipar a execução da pena o indivíduo seria tratado como culpado, afrontando expressamente o texto constitucional, bem como, o exercício pleno das prerrogativas protetivas instituídas no texto constitucional, mais precisamente ao princípio da presunção da inocência.
Na visão de alguns, a antecipação da execução da pena contribui para o aumento da população carcerária, considerada, inclusive, pelos próprios ministros do Supremo Tribunal do Federal como “verdadeiros infernos dantescos”.
Na ADPF 347/DF, o Ministro Marco Aurélio, evocando o Recurso Extraordinário nº 580.252/MS para embasar seu voto trouxe à baila fragmentos de votos do Ministro Teori Zavascki, o qual declarou que “em nossas prisões as condições de vida são intoleráveis e, na prática, os presos não têm direitos” e do Ministro Luís Roberto Barroso, o qual assentou que: “[…]mandar uma pessoa para o sistema é submetê-la a uma pena mais grave do que a que lhe foi efetivamente imposta, em razão da violência física, sexual e do alto grau de insalubridade das carceragens, notadamente devido ao grave problema da superlotação”.
Logo, a antecipação da pena não afronta tão somente um dispositivo constitucional, mas também direitos e garantias inerentes aos seres humanos, tais como: dignidade da pessoa humana, liberdade sexual, integridade física, psicológica e moral, dentre outros.
Conforme se observa da leitura do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio na ADPF 347/DF, in verbis, verifica-se que a superlotação do sistema carcerário se deve a “cultura do encarceramento” instituída pelas prisões provisórias. “Destaca que outro fato a contribuir para a superlotação é o uso abusivo da prisão provisória. Segundo relatórios do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, 41% dos presos brasileiros estão nessa condição. Alega a banalização da adoção da medida constritiva antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, evidenciando-se uma “cultura do encarceramento”.
Da análise do exposto, depreende-se também, que a medida restritiva de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória ganha contornos de execução provisória da pena, o que gera a seguinte indagação: se não é permitida a execução antecipada da pena seria a execução provisória uma medida legal?
3.1 EXECUÇÃO ANTECIPADA E A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
Conforme outrora exposto, a execução antecipada da pena é incompatível com o disposto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, porquanto, trataria o indivíduo como culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, afrontando não só o princípio da presunção de inocência, mas também o do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, dentre outros.
No entanto, reitera-se: ao encarcerar o indivíduo antes do trânsito em julgado da ação penal, pode-se vir a verificar uma execução provisória da pena, o que nos leva a questionar: seria a execução provisória da pena uma medida legal? Qual a diferença entre a execução antecipada da pena e a execução provisória da pena?
A execução provisória da pena é o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado da ação penal, prevista em nosso ordenamento jurídico, ao teor do artigo 2º da Lei n. 7.2010 (Lei de Execução Penal), bem como da Súmula 716 do Supremo Tribunal Federal e do artigo 1º da Resolução 57 do Conselho Nacional de Justiça, in verbis, que possuem força normativa. “Art. 2º A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal. Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária. (grifo nosso). Súmula 716: Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. (grifo nosso). Resolução 57 – CNJ: Art. 1º – O caput do artigo 1º da Resolução nº 19, de 29 de agosto de 2006, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 1º – A guia de recolhimento provisório será expedida quando da prolação da sentença ou acórdão condenatório, ressalvada a hipótese de possibilidade de interposição de recurso com efeito suspensivo por parte do Ministério Público, devendo ser prontamente remetida ao Juízo da Execução Criminal. (grifo nosso)”.
Desta forma, verifica-se a possibilidade do encarceramento provisório, sendo, por consequência, permitida a execução provisória da pena desde que o indivíduo esteja preso cautelarmente, bem como, transitada a condenação para o Ministério Público, conforme ensinamentos de Nucci (2014, p. 973): “Atualmente, permite-se a denominada execução provisória da pena. Pode o condenado à pena privativa de liberdade, desde que esteja preso cautelarmente, executá-la provisoriamente, em especial quando pretende a progressão de regime, pleiteando a passagem do fechado para o semiaberto. A viabilidade, segundo entendemos, somente está presente, quando a decisão, no tocante à pena, transitou em julgado para o Ministério Público, pois, dessa forma, há um teto máximo para a sanção penal.
Corroborando com esse entendimento, temos os ensinamentos de Marcão (2010, p. 38): “A execução provisória reclama, sempre, a existência de sentença penal condenatória ou de absolvição imprópria, sem trânsito em julgado definitivo. Assim, não havendo recurso do Ministério Público ou do querelante, restando somente o da defesa, a execução pode ser realizada em caráter provisório”.
Importa destacar que não cabe execução provisória da pena quando o réu se encontra solto, porquanto, configuraria execução antecipada da pena. Desta forma, observa-se a principal diferença entre a execução antecipada da pena e a execução provisória, qual seja, réu se encontra solto ou preso.
Tal diferenciação reside no fato de que a execução penal somente será legitimada quando do trânsito em julgado da sentença condenatória, sob pena de afronta ao princípio da presunção de inocência, sendo, portanto, a execução provisória, tão somente admitida quando o réu se encontra preso preventivamente, desde que haja o trânsito em julgado para o Ministério Público, pendendo julgamento de recurso da defesa.
Na observância do acusado se livrar solto, a prisão provisória é inconstitucional, porquanto, ofende o princípio da presunção de inocência determinado ao teor do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988. Tal entendimento, encontra abrigo na decisão monocrática do Habeas Corpus n. 311.556 – SP (2014/0328873-4) de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, conforme trechos transcritos abaixo: “Tenho que a chamada execução provisória da pena privativa de liberdade, em princípio, é vedada, sob pena de se pôr em xeque a presunção de inocência. Somente se lhe admite a fim de garantir mais direitos ao cidadão submetido aos rigores da coerção estatal, efetivando-se o princípio da humanidade da pena, na sua vertente do nihil nocere. Para confirmar a vedação, basta a leitura do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. […] E lembre-se que o paciente permaneceu solto até a prolação da sentença (fl. 28), bem como aguardou, em liberdade, o julgamento da apelação interposta, circunstância a ser mantida até o trânsito em julgado, a menos que haja fato novo a justificar a segregação cautelar, conforme já ressaltado pela Suprema Corte”.
3.2 EXECUÇÃO PROVISÓRIA PENDENTE DE RECURSO ESPECIAL E RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Uma das maiores celeumas jurídicas incide justamente no tocante à execução provisória pendente de recurso especial e recurso extraordinário. De proêmio, torna-se relevante caracterizar o que vem a ser o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário. Sobre estes, Barbagalo (2015, p. 101) ensina: “O Recurso Especial e o Extraordinário são chamados de recurso de fundamentação vinculada, eis que suas hipóteses legais se restringem àquelas expostas no art. 102, III, alíneas “a” (“contrariar dispositivo” da Constituição), “b” (“declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”), “c” (“julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição”) e “d” (“julgar válida lei local contestada em face de lei federal”) para o extraordinário e art. 105, II, “a” (“contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”; “b” (“julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal”, “c” (“der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”) para o especial”.
Desta forma, conclui-se que Recurso Extraordinário é o meio processual interposto perante o Supremo Tribunal Federal, o qual, requer a incidência em alguma das hipóteses de cabimento determinadas no artigo 102, inciso III da Constituição Federal de 1988, sendo estas: a) contrariar dispositivo da Constituição do Brasil; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c)julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Destaca-se que além de incidir em alguma das hipóteses do dispositivo acima mencionado, tem-se como outro requisito do Recurso Extraordinário, a repercussão geral, nos termos do artigo 102, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988.
Ao passo, que, conforme lecionado por Capez (2012, p. 870-871) o Recurso Especial é o meio processual: “[…] destinado a devolver ao Superior Tribunal de Justiça a competência para conhecer e julgar questão federal de natureza infraconstitucional, suscitada e decidida perante os Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal”.
Conforme artigo 105, inciso III, da Constituição Federal de 1988, será interposto Recurso Especial quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
No que tange a execução provisória da pena pendentes Recurso Especial e Recurso Extraordinário, pode-se dizer que há duas correntes. A primeira, fundamentada no artigo 637 do Código Penal brasileiro, in verbis, defende a possibilidade de execução provisória, ainda que o réu tenha se livrado solto durante o período recursal, em vista de que: os recursos especiais e extraordinários não são dotados de efeitos suspensivos, foi assegurado ao réu o direito ao duplo grau de jurisdição. “Art. 637. O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”.
A segunda corrente, defende a impossibilidade da execução provisória da pena, porquanto o dispositivo acima transcrito, fora implicitamente revogado pela Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), bem como pela Constituição Federal de 1988, quando da imposição do artigo 5º, inciso LVII que trata da presunção de inocência.
A segunda corrente foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus n. 84.078/MG, no qual ficou decidido que o encarceramento antes do trânsito em julgado da sentença condenatória somente pode ser decretado a título de cautelar, e qualquer desalinho a isto, caracterizaria a execução antecipada da pena.
Tal posicionamento perdurou até 17 de fevereiro de 2016, quando por sete votos a quatro, a Suprema Corte brasileira mudou sua jurisprudência e passou a permitir a execução da pena após prolação de acordão condenatório de segundo grau.
33 CUMPRIMENTO DE SENTENÇA APÓS PROLAÇÃO DE ACÓRDÃO CONDENATÓRIO EM 2º GRAU: HABEAS CORPUS N.126.292/SP
O Habeas Corpus é de origem inglesa, notadamente da Magna Carta de 1215, muito embora, haja registros de algo similar no direito romano por meio do interdictum de libero homine exhibendo, ou seja, interdito para exibir homem livre, sendo sua expressão proveniente de dois vocábulos do latim: habeas + corpus que tem por significado “tome o corpo”. Sobre isto, Câmara (1986) nos ensina: “A expressão habeas corpus procede do latim e, em sentido literal, significa “tome o corpo” (habeas, cunjuntivo de habeo, es, habui, habitum, habere, – possuir, tomar posse + corpos, corporis = corpo). Menos literalmente, significa que se tome a pessoa e se apresente ao juiz, que a julgará. O HC está na máxima contida na vetusta Magna Charta em que nullus liber homo capiatur”.
O Habeas Corpus passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro quando da promulgação do Código de Processo Criminal do Império em 1832, sendo até então, um remédio constitucional exclusivo de cidadãos brasileiros. No entanto, em 1871, por meio da Lei n. 2.033/71, estendeu-se aos estrangeiros e em 1891 elevou-se à regra constitucional.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, o Habeas Corpus passou a ser previsto no artigo 5º, incisos LXVIII, LXIX, LXXVII, in verbis.
“LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; LXXVII – são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania”.
Acerca do aspecto constitucional da citada ação autônoma de impugnação, (Zacarias 2004, p. 12) preconiza: “O habeas corpus, previsto no art. 5º¸LXVIII, da Constituição Federal/88, é cabível sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Sua impetração dispensa recurso a procurador judicial para tanto constituído e prescinde de qualquer formalidade, inclusive preparo”.
Ainda sobre o assunto, faz-se necessário citar os ensinamentos de Mendonça e Moraes (2015, p.274): “[…] o habeas corpus pode ser conceituado como uma ação autônoma de impugnação que tem a finalidade de restabelecer a liberdade de ir e vir, sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar, nos termos do artigo 647 do CPP”.
Desta forma, depreende-se que o Habeas Corpus é uma ação autônoma de impugnação, cuja finalidade, em suma, é desconstituir uma decisão, restabelecendo a liberdade de ir e vir do indivíduo, tendo por características: desencadeamento de novo processo; pode ser impetrado contra decisões de autoridade policial e até mesmo de particulares; não possui prazo para ser impetrado, pode ser impetrado por qualquer pessoa e não há necessidade de outorga de procuração para tal.
Em 17 de fevereiro de 2016, o pleno do Supremo Tribunal Federal julgou Habeas Corpus n. 126.292/SP impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu o pedido de liminar no Habeas Corpus 313.021/SP[1], que se discutiu a legitimidade da manutenção de sentença condenatória pelo Tribunal de Justiça, o qual decretou prisão para execução provisória da pena.
O Ministro e relator do processo Teori Zavascki votou denegando a ordem de habeas corpus, porquanto, concluiu que a execução provisória de sentença condenatória proferida em segundo grau não viola o princípio da presunção de inocência, em resumo, visto que: “A eventual condenação representa, por certo, um juízo de culpabilidade, que deve decorrer da logicidade extraída dos elementos de prova produzidos em regime de contraditório no curso da ação penal. Para o sentenciante de primeiro grau, fica superada a presunção de inocência por um juízo de culpa – pressuposto inafastável para condenação –, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso, à revisão por Tribunal de hierarquia imediatamente superior. É nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha ela sido apreciada ou não pelo juízo a quo. Ao réu fica assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas. (grifo nosso).
O eminente Ministro, ainda se posiciona no sentido de que: “[…] os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fática probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso especial e extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. (grifo nosso). […]a execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual […]”.
O Ministro ainda sustentou que: “[…] não se pode desconhecer que a jurisprudência que assegura, em grau absoluto, o princípio da presunção da inocência […] tem permitido e incentivado, em boa medida, a indevida e sucessiva interposição de recursos da mais variada espécie, com indisfarçados propósitos protelatórios visando, não raro, à configuração da prescrição da pretensão punitiva ou executória. […] os apelos extremos, além de não serem vocacionados à resolução de questões relacionada a fatos e provas, não acarretam a interrupção da contagem do prazo prescricional. Assim, ao invés de constituir um instrumento de garantia da presunção de não culpabilidade do apenado, acabam representando um mecanismo inibidor da efetividade da jurisdição penal. (grifo nosso)”.
Da leitura dos fragmentos do voto do Relator do Habeas Corpus n. 126.292/SP, bem como, do inteiro teor do mesmo, sucintamente, observa-se: que a) com a concretização do duplo grau de jurisdição em vista de reexame da matéria fática probatória supera-se a presunção de inocência por um juízo de culpa; b) os recursos de natureza extraordinária se prestam ao exame de normas constitucionais e federais, motivo pelo qual são estritos a matéria de direito, logo, julgada a matéria pelo Tribunal de apelação, ocorre preclusão da mesma envolvendo os fatos da causa; c) a execução provisória da pena pendente de recurso extraordinário não compromete o núcleo essencial da não culpabilidade, porquanto durante o processo criminal, o acusado foi tratado como inocente, bem como seus direitos e garantias foram observadas; d) o princípio da presunção de inocência em sua interpretação absoluta permite e incentiva a interposição sucessiva de recursos visando a prescrição da pretensão punitiva ou executório, logo, acaba por comprometer a efetividade da jurisdição penal.
Sustentando o exposto pelo Relator, o Ministro Edson Fachin também votou denegando a ordem. Segundo o Ministro, precipuamente, a melhor alternativa hermenêutica face o abarrotamento dos afazeres do Supremo Tribunal Federal, seria reservá-lo, primordialmente, a proteção da ordem jurídica constitucional.
Edson Fachin destacou não fazer apologia a jurisprudência defensiva, no entanto, ressaltou que considera que nenhuma norma constitucional deve ser descontextualizada das demais, motivo pelo qual, não se deve dar ao princípio de presunção de inocência caráter absoluto, desconsiderando sua conexão a outros princípios e regras constitucionais.
O Ministro Luís Roberto Barroso, destacando que a finalidade do ali proposto “é a de tornar o sistema minimamente eficiente e diminuir o grau de impunidade” e acompanhando o voto do Relator, entendeu que: “[…] a condenação de primeiro grau, mantida em recurso de apelação, inverte a presunção de inocência. Qualquer acusado em processo criminal tem direito a dois graus de jurisdição. Esse é o seu devido processo legal. A partir daí a presunção de não culpabilidade estará desfeita.[…] o recurso extraordinário como nós bem sabemos, não se destina a investigar o acerto ou desacerto da decisão, nem a reestudar os fatos, nem a reapreciar a prova. Ele se destina a discutir tão somente alguma questão de direito, de direito constitucional quando seja perante o Supremo, e de direito infraconstitucional quando seja perante o Superior Tribunal de Justiça. Mas a materialidade e a autoria já foram demonstradas no primeiro e no segundo grau.[…]a impossibilidade de execução imediata de uma decisão condenatória de segundo grau, como já destacado no voto do Ministro Fachin, fomenta a interposição sucessiva de recursos protelatórios. E isso, evidentemente, não é alguma coisa que se queira estimular”.
Por tanto, da leitura dos trechos acima transcritos, conclui-se que para o Ministro Barroso, a condenação em segundo grau rompe a presunção de inocência, motivo pelo qual há a possibilidade de cumprimento da decisão condenatória.
Posteriormente, tomou-se o voto da Ministra Rosa Weber, a qual alegou não se sentir à vontade para referendar a proposta de revisão de jurisprudência. A Ministra demonstrou preocupação ao citar o princípio da segurança jurídica, sob alegação de que quando o Supremo Tribunal Federal enfrenta questões constitucionais, ela possui um forte valor a ser preservado, deixando claro, que nada impede que a jurisprudência possa ser revista.
Rosa Weber ainda evocou o Habeas Corpus n. 84.078/MG e concluiu que o pleno, àquela época, afirmou a presunção de inocência “com todas as letras expressas no texto Constitucional”.
Em seguida, o Ministro Luiz Fux votou fazendo um paralelismo entre a regra mater da presunção de inocência, a realidade prática e a jurisdição como função popular, oportunidade em que manifestou que ninguém consegue entender a seguinte equação: “[…] o cidadão tem a denúncia recebida, ele é condenado em primeiro grau, é condenado no juízo da apelação, condenado no STJ e ingressa presumidamente inocente no Supremo Tribunal Federal. Isso efetivamente não corresponde à expectativa da sociedade em relação ao que seja uma presunção de inocência. E presunção de inocência é o que está escrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada." Não há necessidade do trânsito em julgado. (STF – HC: 126292 SP, Transcrição de trecho do voto oral do Ministro Luiz Fux)”.
O Ministro ainda declarou que se o indivíduo perpassou por todas esferas do judiciário é impossível que ele chegue na qualidade de presumido inocente no Supremo. A exemplo dos Ministros Teori Zavascki, Edson Fachin e Luis Roberto Barroso, Fux destacou que houve coisa julgada singular da matéria fático probatória, não sendo esta, passível de análise pelo Tribunal Superior, porquanto este, analisa questões constitucionais e questões federais.
O Ministro Dias Toffoli acompanhou o voto do Relator, bem como, dos que o acompanharam.
A Ministra Carmem Lucia denegou a ordem acompanhando o Ministro Relator, porquanto, segundo ela, a Constituição Federal determina a não culpa antes do trânsito, e se o réu, já foi assim considerado em duas instâncias, tem-se que a presunção foi rompida, inclusive nos termos das normas internacionais de direitos humanos.
A Ministra destacou que não há ruptura ou afronta a não-culpabilidade se já está exaurida a fase de provas, sendo esta extinta após o duplo grau de jurisdição, não sendo possível o reexame das mesmas.
O Ministro Gilmar Mendes começou seu pronunciamento assinalando que integrou a maioria dos votos no julgamento do Habeas Corpus n. 84.078/MG, o qual estabeleceu a orientação vigente até aquele momento, qual seja, a necessidade do trânsito em julgado para execução da sentença.
O Ministro evocou o voto do ex-ministro Cesar Peluso, o qual, no julgamento do Habeas Corpus n. 84.078/MG destacou a importância da possibilidade da prisão provisória a partir de decisão condenatória de 1º ou 2º grau, quando presentes os requisitos da prisão preventiva, fundamentado na ordem pública e destacou a singularidade do sistema processual penal brasileiro, porquanto, ao contrário do modelo alemão, somente ocorre o trânsito em julgado da sentença quando ultimadas as providências verificadas no processo.
No direito alemão, segundo o ministro, não se considera o trânsito em julgado como marco ao princípio da presunção de inocência. Já no Brasil, ainda na jurisdição ordinária, tem-se os recursos extraordinário e especial, bem como sucessivos recursos, a exemplo dos embargos de declaração com o objetivo de alcançar o trânsito em julgado e bloquear a efetividade das decisões.
Gilmar Mendes ressaltou que: “[…] é preciso que vejamos a presunção de inocência como um princípio relevantíssimo para a ordem constitucional, mas suscetível de ser conformado, tendo em vista inclusive as circunstâncias de aplicação no caso do Direito Penal e Processual Penal […]. Por isso entendo que, nesse contexto, não se há de considerar que a prisão após a decisão do tribunal de apelação seja considerada violadora desse princípio”.
O Ministro Marco Aurélio em seu voto, além de reconhecer a morosidade da justiça, bem como a preciosidade do tempo, tanto para o Estado-acusador quanto para o próprio acusado, reconheceu que: “[…]a época é de crise. Crise maior. Mas justamente, em quadra de crise maior, é que devem ser guardados parâmetros, princípios e valores, não se gerando instabilidade, porque a sociedade não pode viver aos sobressaltos, sendo surpreendida. Ontem, o Supremo disse que não poderia haver a execução provisória, quando em jogo a liberdade de ir e vir. Considerado o mesmo texto constitucional, hoje, conclui de forma diametralmente oposta, por uma maioria que, presumo, virá a ser de sete votos a quatro”.
O Ministro ainda defendeu que o preceito contido no texto constitucional acerca da presunção de inocência não é passível de interpretações, porquanto, “há uma máxima, em termos de noção de interpretação, de hermenêutica, segundo a qual, onde o texto é claro e preciso cessa a interpretação sob pena de se reescrever a norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional”.
O Ministro Celso de Mello acompanhou a divergência revelada pela ministra Rosa Weber, votando pela manutenção do precedente firmado no julgamento do Habeas Corpus n. 84.078/MG, reafirmando a tese segundo a qual se revela frontalmente incompatível com o direito fundamental de ser presumido inocente a execução definitiva ou antecipada da sentença antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, sucintamente, sob alegações de que:
“A necessária observância da cláusula constitucional consagradora da presunção de inocência (que só deixa de prevalecer após o trânsito em julgado da condenação criminal) representa, de um lado, como já assinalado, fator de proteção aos direitos de quem sofre a persecução penal e traduz, de outro, requisito de legitimação da própria execução de sanções privativas de liberdade ou de penas restritivas de direitos. […]nossa Constituição estabelece, de maneira muito nítida, limites que não podem ser transpostos pelo Estado (e por seus agentes) no desempenho da atividade de persecução penal. Na realidade, é a própria Lei Fundamental que impõe, para efeito de descaracterização da presunção de inocência, o trânsito em julgado da condenação criminal […]. É por isso que se mostra inadequado invocar-se a prática e a experiência registradas nos Estados Unidos da América e na França, entre outros Estados democráticos, cujas Constituições, ao contrário da nossa, não impõem a necessária observância do trânsito em julgado da condenação criminal. (grifos no original)”.
Por fim, votou o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Ricardo Lewandowski, o qual afirmou que a presunção de inocência é absolutamente taxativa e categórica no texto constitucional, e se mantém até o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Abaixo, alguns fragmentos do voto proferido por ele. “Para o processo penal, pode-se afirmar que a interposição, pela defesa, do recurso extraordinário ou especial, e mesmo do agravo da decisão denegatória, obsta a eficácia imediata do título condenatório penal, ainda militando em favor do réu a presunção de não culpabilidade, incompatível com a execução provisória da pena (ressalvados os casos de prisão cautelar).O efeito suspensivo – diziam aqueles professores e dizem ainda, porque o texto doutrinário deles ainda sobrevive – dos recursos extraordinários com relação à aplicação da pena deriva da própria Constituição, devendo as regras da lei ordinária, o artigo 637 do CPP, ser revistas à luz da Lei Maior”.
O Ministro ainda demonstrou perplexidade com o entendimento adotado pelo Pleno, porquanto, na ADPF 347 e no RE 592.581 foi assentado a falência do sistema penitenciário brasileiro, bem como, que este “se encontra num estado de coisas inconstitucional”, e prosseguiu indagando: “Então, agora, nós vamos facilitar a entrada de pessoas neste verdadeiro inferno de Dante, que é o nosso sistema prisional? Ou seja, abrandando esse princípio maior da nossa Carta Magna, uma verdadeira cláusula pétrea. Então isto, com todo o respeito, data venia, me causa a maior estranheza”.
Ricardo Lewandowsk ainda trouxe à baila, a “disparidade de tratamento que o nosso sistema jurídico dá no que diz respeito a execução provisória, a propriedade e a liberdade”. Segundo o Ministro, o artigo 520 do Código de Processo Civil de 2015, que à data do julgamento do Habeas Corpus em questão, ainda não vigorava: “[…]em se tratando de dinheiro de propriedade, o legislador pátrio se cercou de todos os cuidados para evitar qualquer prejuízo, a restituição integral do bem, no caso de reversão de uma sentença posterior, por parte do Tribunais Superiores. […]. Quer dizer, em se tratando da liberdade, nós estamos decidindo que a pessoa tem que ser provisoriamente presa, passa presa durante anos, e anos, e anos a fio e, eventualmente, depois, mantidas essas estatísticas, com a possibilidade que se aproxima de 1/4 de absolvição, não terá nenhuma possibilidade de ver restituído esse tempo em que se encontrou sob a custódia do Estado em condições absolutamente miseráveis, se me permite o termo”.
O Ministro ainda apresentou alguns números relativos ao sistema penitenciário brasileiro, revelando que 40% (quarenta por cento) da população carcerária brasileira são de presos provisórios e que agora com a mudança da jurisprudência, estariam permitindo que “depois de uma decisão de segundo grau, que as pessoas sejam presas, certamente, a esses duzentos e quarenta mil presos provisórios, nós vamos acrescer dezenas ou centenas de milhares de novos presos”.
Neste momento, o Ministro fora interpelado pelo Ministro Fux, o qual ponderou que a porcentagem trazida diz respeito a encarcerados em razão de prisão provisória ou preventiva, o qual foi prontamente concordado por Lewandowsk.
Fux prosseguiu dizendo que: “[…] o que vai ocorrer, diante dessa modificação da jurisprudência do Supremo, vai ser a liberação de quem está injustamente preso, provisoriamente ou preventivamente, e o recolhimento daqueles que foram condenados em segundo grau; sai um, entra outro, eu acho que vai ser mais ou menos isso”.
Antes de acompanhar os votos da Ministra Rosa Weber, dos Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, concedendo a ordem, Ricardo Lewandowsk explanou que com aquela decisão estariam trocando “duzentos e quarenta mil presos provisórios por duzentos e quarenta mil presos condenados em segundo grau”.
Assim, por 7 (sete) votos a quatro (quatro), sendo vencidos os votos da Ministra Rosa Weber e dos Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, foi decidido que o cumprimento da pena pode ser deflagrado após prolação de confirmação de sentença condenatória em 2º grau, não havendo ofensa ao princípio da presunção de inocência, mesmo cabendo recurso.
Destaca-se que devido ao elevado número de interposição de recursos com o objetivo indisfarçável de se atingir prescrição da pretensão punitiva e consequentemente a extinção da punibilidade, por alguns, o Habeas Corpus n. 126.292/SP foi visto como instrumento de combate à impunidade, porquanto os réus não mais seriam estimulados a interpor uma série de recursos aos tribunais superiores.
No entanto, em que pese os argumentos favoráveis a mudança de entendimento serem extremamente pertinentes, eles deveriam prosperar contra um preceito constitucional, relativizando o princípio da presunção de inocência?
Da análise do exposto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, entende-se que ninguém poderá ser tratado como se culpado fosse, sem que se sobrevenha sentença penal condenatória transitada em julgado. Sobre isto, Maria Lucia Karam (2009, p. 02) nos ensina que: “Ninguém pode sofrer os efeitos de uma condenação, sem que está lhe tenha sido imposta, em processo regularmente desenvolvido, por sentença que não mais se sujeite a qualquer recurso. O estado de inocência perdura durante todo o processo. Eventual condenação em um primeiro julgamento em nada afeta a presunção da inocência. Enquanto couber interposição de recurso contra a sentença condenatória, isso significa que o processo ainda não terminou. E, portanto, seu resultado pode mudar”.
Corroborando com este entendimento, José Francisco Cunha Ferraz Filho (2002, p. 39) assinala que: “A condenação de alguém acarretará para esse alguém a privação de algum direito, liberdade ou propriedade material. Pois bem. Não pode ninguém ser privado de algum desses direitos só pelo fato de ser indiciado ou de estar sendo processado, sem que a sentença proferida nesse processo tenha transitada em julgado. Isto é, sem que tenha sido esgotado todos os recursos disponíveis à parte processada”.
Ainda sobre o assunto, torna-se relevante observar fragmento do voto proferido pelo eminente ministro Celso de Mello no HC n. 126.292/SP: “[…] a consagração constitucional da presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa – independente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja sido imputado – há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos e quaisquer efeitos, deve prevalecer, até o superveniente trânsito em julgado da condenação criminal, como cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica das pessoas em geral”.
Deste modo, entende-se que somente após condenação criminal transitada em julgado, isto é, após o esgotamento de todas as possibilidades de interposição de recursos é que será desfeito o princípio da presunção da inocência, sob pena de violação dos direitos e garantias fundamentais instituídos em nossa Carta Maior, o sistema de proteção institucionalizado por nosso ordenamento jurídico, visto que a presunção de inocência é uma proteção aos direitos de quem está ou venha a enfrentar persecução penal, uma vez que ninguém está imune de responder processo criminal, bem como, é uma afronta a legitimação a própria execução penal, porquanto, a Lei de Execução Penal nos artigos 105 e 106, inciso III, in verbis, condiciona a prisão ao trânsito em julgado da sentença condenatória. “Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução. Art. 106. A guia de recolhimento, extraída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a assinará com o Juiz, será remetida à autoridade administrativa incumbida da execução e conterá: III – o inteiro teor da denúncia e da sentença condenatória, bem como certidão do trânsito em julgado”;
Ainda sobre a descaracterização da Presunção de Inocência, mister se faz destacar, mais um fragmento do voto proferido pelo ministro Celso de Mello no HC n. 126.292/SP: “[…] A nossa Constituição estabelece, de maneira muito nítida, limites que não podem ser transpostos pelo Estado (e por seus agentes), no desempenho da atividade de persecução penal. Na realidade, é a própria Lei Fundamental que impõe, para efeito de descaracterização da presunção de inocência, trânsito em julgado da condenação criminal”.
Desta forma, repise-se, somente será desfeito a presunção de inocência quando houver pronunciamento criminal definitivo, isto é, após o esgotamento de possibilidades recursais, momento no qual se terá a imposição ou confirmação de uma condenação, oportunidade em que o Estado fará uso de seu Ius Puniendi.
Pari pasu ao Estado que acusa, deve-se assegurar a defesa do indivíduo, garantindo acesso à justiça, não se podendo negar a quem quer seja, independente do ilícito penal cometido, o exercício pleno das prerrogativas protetivas instituídas no texto constitucional, dentre as quais, encontra-se a presunção de inocência.
Não obstante, verificou-se uma tentativa de desvinculação acerca do ser considerado culpado (carga declaratória) e ser preso (execução de sentença) sob argumentos de que a Constituição Federal determina a não culpa antes do trânsito em julgado da sentença, porquanto, se o acusado já foi condenado em duas instâncias não há o que se falar de presunção de inocência e que este entendimento encontra abrigo nas normas internacionais de direito humano.
No julgamento do Habeas Corpus em análise, se trouxe, inclusive, à colação uma afirmação feita pela Ministra Ellen Gracie no Habeas Corpus n. 85.866/SP, bem como um estudo comparado, o qual, ressalta-se, que com exceção de Portugal, nenhum dos outros países vinculou a presunção de inocência à coisa julgada, e sobre isto, Meyer (2016) destaca: “E mesmo no caso português, o trecho colacionado no voto do ministro Zavascki apenas cuida das restrições toleráveis pelo Tribunal Constitucional Português quanto às prisões cautelares, prisões essas que nunca foram um problema para a consolidação de nossa previsão constitucional”.
A Constituição Federal de 1988 é taxativa ao condicionar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado. Conforme já explanado neste trabalho, atribuir culpa alguém é considerá-lo ꞌcriminosoꞌ, é atribuir a ele uma sanção em vista de um mal praticado. Portanto, para ser levado ao cárcere, deve o indivíduo ser considerado culpado, e repise-se, o texto constitucional é categórico ao impedir a prisão do acusado antes do trânsito em julgado, ressalvado as hipóteses de cabimento de prisão cautelar, e conforme muito bem colocado pelo Ministro Marco Aurélio, o preceito não permite interpretações, porquanto: “Há uma máxima, em termos de noção de interpretação, de hermenêutica, segundo a qual onde o texto é claro e preciso, cessa a interpretação, sob pena de se reescrever a norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional. Há de vingar o princípio da autocontenção”.
Para o supracitado Ministro, no que diz respeito ao alcance da Constituição Federal de 1988, o princípio da presunção de inocência tem por significado: “[…] evitar que se execute, invertendo-se a ordem natural das coisas – que direciona a apurar para, selada a culpa, prender –, uma pena, a qual não é, ainda, definitiva. E, mais, não se articule com a via afunilada, para ter-se a reversão, levando em conta a recorribilidade extraordinária, porque é possível caminhar-se, como se caminha no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, para o provimento do recurso especial ou do recurso extraordinário”.
Registre-se, ainda que não previsto expressamente que ꞌninguém poderá ser preso até o trânsito em julgado de sentença penal condenatóriaꞌ, outro dispositivo constitucional, qual seja, o artigo 5º, inciso LXI, bem como, o Código de Processo Penal brasileiro em seu artigo 283, assim o prevê, senão vejamos: “Art. 5º. LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. (grifo nosso). Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (grifo nosso)”.
A exigência é clara: ninguém poderá ser preso senão decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, ressalvada as hipóteses de flagrante delito, prisão temporária ou prisão preventiva, e o trânsito em julgado só ocorre quando esgotadas as possibilidades de recursos. Concernente a possibilidade da divisão da sentença em capítulos, Meyer (2016) pontua: “[…] cuidar-se-ia de “excesso interpretativo”, uma ginástica para que se pudesse alcançar um Estado ainda mais punitivo. Fazer aplicar o art. 637 do Código de Processo Penal resultaria em uma clara violação do disposto na Constituição; foi por essa razão que o próprio STF, em 2009, no julgamento do precedente que se busca agora superar, HC 84.078, visou dar primazia ao disposto nos arts. 105 e 106 da Lei de Execução Penal, Lei 7.210/1995”.
Acerca do efeito suspensivo nos Recursos Extraordinários, o Ministro Ricardo Levandowski no julgamento do Habeas Corpus n.126.292/SP evocou lições de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Filho Antônio Scarance Fernandes, conforme fragmento do voto transcrito abaixo: “Para o processo penal, pode-se afirmar que a interposição, pela defesa, do recurso extraordinário ou especial, e mesmo do agravo da decisão denegatória, obsta a eficácia imediata do título condenatório penal, ainda militando em favor do réu a presunção de não culpabilidade, incompatível com a execução provisória da pena (ressalvados os casos de prisão cautelar). O efeito suspensivo – diziam aqueles professores e dizem ainda, porque o texto doutrinário deles ainda sobrevive – dos recursos extraordinários com relação à aplicação da pena deriva da própria Constituição, devendo as regras da lei ordinária, o artigo 637 do CPP, ser revistas à luz da Lei Maior”.
Destaca-se que não há margem interpretativa que nos faça concluir que o recurso extraordinário não adentre na interpretação do trânsito em julgado.
Ainda o alcance dos recursos em questão, El Hireche e Freitas dos Santos (2016) advertem que: “[…] o recurso especial se destina à discussão da lei federal (infraconstitucional). Ou seja, embora não caiba discutir conteúdo fático, resta ainda todo o arcabouço jurídico para ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça.No caso do recurso extraordinário, é possível, malgrado não cabível discussão fática, atacar todos os aspectos constitucionais do processo criminal. Assim, pode-se arguir a inconstitucionalidade de determinada lei ou determinado ato adotado durante a marcha processual.
Neste trabalho, acompanha-se o entendimento do eminente Ministro, qual seja, de que a lei ordinária deve ser revista à luz da Constituição Federal de 1988, até mesmo pelo fato de iminente violação de direitos fundamentais quando da ocasião do encarceramento em vista das condições insalubres do sistema penitenciário brasileiro.
Ressalta-se que na ADPF n. 347/DF o pleno admitiu as condições degradantes do Sistema Carcerário Brasileiro configuram um cenário incompatível com a Constituição, porquanto as condições de vida são inadequadas e intoleráveis, onde estão presentes ofensa a diversos preceitos fundamentais.
Da ocasião do julgamento, observou-se também, argumentos no sentido de que a matéria fática e probatória não mais poderia ser reexaminada, em vista do trânsito em julgado da situação fática. O referido argumento nos remete a ideia de haver dois trânsitos em julgado: trânsito em julgado da situação jurídica e trânsito em julgado da situação fática.
Tal diferenciação não encontra amparo jurídico ou normativo, porquanto, para o sistema jurídico brasileiro, transitar em julgado é não mais se sujeitar a recurso, bem como, torna-se irrelevante, em vista da possibilidade de reversão de uma decisão condenatória.
Sobre isto, Hachem (2016) enfatiza: “Não há no ordenamento brasileiro uma previsão normativa sequer que autorize uma diferenciação como essa. Todos os dispositivos legais que se referem a decisão “transitada em julgado” ou “passada em julgado” fazem alusão à sua irrecorribilidade. […] se for possível relativizar o conceito de “trânsito em julgado”, o Poder Judiciário teria de fazê-lo não só para restringir direitos fundamentais do cidadão, mas também para protegê-los. Hoje, se um jurisdicionado interpõe um recurso com 1 segundo de atraso (à meia-noite e um segundo do dia subsequente ao último dia do prazo), o seu direito de recorrer é prontamente negado porque após o decurso do prazo a decisão transitou em julgado”.
Seguindo esta mesma linha de entendimento, tem-se Meyer (2016): “A distinção entre matéria fática e matéria de direito não se mantém de pé ante uma perspectiva hermenêutica e interpretativa da Constituição. Cuida-se de um dualismo, uma oposição tão artificial quanto a classificação entre as formas abstrata e concreta de controle de constitucionalidade, questionável até da perspectiva do debate entre Carl Schmitt e Hans Kelsen sobre a guarda da Constituição”.
Muito se falou também, que concretização do duplo grau de jurisdição em vista de reexame da matéria fática probatória supera-se a presunção de inocência por um juízo de culpa e que este é um entendimento adotado por muitos países.
O direito comparado, conforme muito bem prelecionado por Ovídio (1984, p. 161), “contribui de forma marcante para a evolução e o alargamento das fronteiras do conhecimento jurídico”, no entanto, faz-se mister ressaltar que a relevância da pesquisa jurídica cessa quando o cerne da questão for a interpretação do próprio sistema constitucional. De forma muito oportuna, traz-se o questionamento de Hachem (2016) “como interpretar a Constituição da República Federativa do Brasil com base na ordem constitucional dos Estados Unidos da América do Norte? ”.
A pesquisa jurídica comparativa é de extrema relevância quando da criação de soluções jurídicas, debates sobre política criminal, dentre outros.
Se a Constituição Federal de 1988 disciplina a presunção de inocência de modo diverso do disposto na Constituição alemã, portuguesa, espanhola etc., a norma aplicada será a brasileira, porquanto, vive-se num contexto histórico, político, econômico e social diferente do existente em outros países, bem como é constrangedor comparar medida processual adotada por dado país, onde a justiça é mais célere e eficiente que a nossa.
Tal entendimento, encontra abrigo na linha de pensamento de Adel El Tasse (2016), vejamos, pois: “Em verdade, a análise comparada é dotada de importância por permitir ao intérprete refletir sobre diferentes perspectivas da matéria, comparando métodos avançados a fim de extrair seus aspectos mais positivos, mas é igualmente correto ser absolutamente temerária, quando se trata de analisar pontualmente aspectos do sistema de Justiça”.
A presunção de inocência é um direito e garantia individual, repise-se, determinada no artigo 5º, inciso LVII, portanto, ao teor do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, in verbis, ambos da Constituição Federal, trata-se de uma cláusula pétrea. “Art. 60. § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais”.
Destaca-se também, que ao relativizar a presunção de inocência, permitindo que os comandos normativos sentenciais passem a produzir efeitos logo após o julgamento de 2ª instância, estaria o Supremo Tribunal Federal fazendo uso de mutação constitucional, porquanto realizou-se uma alteração no sentido do texto constitucional. Ocorre que a presunção de inocência, conforme acima citado, é um direito e garantia individual, logo, sequer é objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional.
Se sequer é objeto de deliberação de emenda, ou seja, passível de mudança, não pode o Supremo Tribunal Federal tomar para si um poder que não lhe diz respeito, qual seja, poder constituinte derivado reformador, e modificar, ainda que não literalmente, mas sim no sentido, uma cláusula pétrea.
Ao se admitir a execução antecipada da pena após prolação de acordão condenatório em 2º grau se atinge o núcleo do direito fundamental no que diz respeito a presunção de inocência, afronta-se os princípios de que este é corolário, bem como, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, qual seja, a dignidade humana, podendo vir a violar o bem jurídico maior do indivíduo que é a vida, porquanto, é sabido que o sistema penitenciário brasileiro se encontra um verdadeiro caos constitucional, onde o encarcerado é inserido em insalubres condições de existência, sendo violado fisicamente, sexualmente, moralmente e psicologicamente.
A Ministra Rosa Weber foi muito sábia ao evocar o princípio da segurança jurídica, parafraseando-a, sobretudo quando o Supremo Tribunal Federal enfrenta questões constitucionais, porquanto esta é muita cara a sociedade.
A grande maioria da clientela penal é reconhecidamente formada por negros, indivíduos de baixa escolaridade e de baixa renda[1]. Cenário este, onde podemos observar que não se atingiu os objetivos preconizados no texto constitucional.
Em 2014, a população carcerária brasileira contava com 607.731 (seiscentos e sete mil, setecentos e trinta e um) detentos. Cerca de 300 (trezentos) encarcerados para cada 100.000 (cem mil) habitantes[1]. Frise-se, seiscentos e sete mil, setecentos e trinta e um indivíduos, amontoados num sistema carcerário falido, precário, superlotado, o qual em vez de reintegrar o agente delituoso ao convívio social, o alfabetiza para o crime.
O ajuste social derivado do caos instaurado no sistema penitenciário nacional traz à baila reflexos controversos no judiciário. Se explicar a um culpado acerca das constantes violações que lhe ocorrem dentro do sistema carcerário já é uma tarefa árdua, que dirá para um inocente, porquanto a decisão pode vir a ser reformada e o indivíduo ser absolvido.
Considerações Finais
Com a devida vênia aos Ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Carmem Lúcia e Gilmar Mendes, mas a mudança de entendimento jurisprudencial abre precedente preocupante numa República fundada no Estado Democrático de Direito.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LVII, impõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, consagrando assim, um princípio de natureza processual, sendo este a presunção de inocência e outro de natureza penal, qual seja, o princípio da culpabilidade, com o objetivo de salvaguardar a liberdade do acusado, porquanto, após a vida, o bem jurídico maior que se tem é a liberdade de ir e vir.
Culpa e encarceramento enquanto carga declaratória e execução de pena não se desvinculam, porquanto, trata-se de uma questão lógica: um indivíduo pode ser culpado e se livrar solto, porém não pode ser preso sem ser culpado.
A Constituição Federal é categórica ao condicionar a culpa ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, assim como ao determinar em seu artigo 5º, inciso LXI, que ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem devidamente escrita e fundamentada pela autoridade competente, bem como, conforme o disposto no artigo 283 do Código de Processo Penal, sem sentença condenatória transitada em julgado ou em casos de prisão preventiva e temporária.
Desta forma, tem-se que ao antecipar a execução da pena o indivíduo seria tratado como culpado, afrontando expressamente o texto constitucional, bem como o exercício pleno das prerrogativas protetivas instituídas no texto constitucional.
Em que pese os argumentos favoráveis à execução antecipada da sentença, dentre os quais se encontram: inúmeros recursos disponíveis ao réu, demora na prestação judicial, concretização do duplo grau de jurisdição não sendo possível o reexame da matéria fática, estes não devem se contrapor ao preceito constitucional disposto no artigo 5º, inciso LVII, porquanto a presunção da inocência é princípio basilar do processo penal, sendo este, corolário ao princípio da dignidade da pessoa humana, e desenvolvido através do princípio do devido processo legal.
Mudar o precedente jurisprudencial, bem como, relativizar a presunção de inocência é ferir de morte aquele que talvez seja o maior fundamento de nossa República: a dignidade humana.
É louvável a preocupação que se tem em face do agigantamento dos afazeres do Supremo Tribunal Federal em vista dos sucessivos recursos interpostos os quais indisfarçadamente visam a prescrição da pretensão punitiva, porquanto, é sabido que julgar um ilícito penal que foi cometido há, por exemplo, dez anos atrás, não se alcança justiça ao caso concreto, tal como é sabido que a sociedade está inquieta com o cenário que se formou em torno dos procedimentos recursais.
No entanto, repise-se, antecipar a execução antes do trânsito em julgado não é a solução, porquanto, não vai fazer que recursos parem de ser interpostos, uma vez que mesmo encarcerado o indivíduo poderá interpô-los.
Se a decisão tomada pelos magistrados de primeira e segunda instância adquirem caráter transitório, bem como é permitido ao réu a interposição de recursos sucessivos visando a prescrição da pretensão punitiva na modalidade executória, resta evidente o que deve ser reformulado: sistema recursal e o sistema de prescrição penal, inclusive, com relação a esta última, defende-se a) majoração do prazo da prescrição em todas as suas modalidade: pretensão punitiva, intercorrente, superveniente e executória; b)mudanças em seu marco interruptivo, porquanto a última contagem do prazo é feita a partir da publicação da sentença condenatória, sendo necessário, que este marco também incida sobre recursos interpostos pela parte.
Independente do ilícito cometido, todos são sujeitos de direitos e devem ter todas as singularidades do delito apreciadas e isto só ocorre com o trânsito em julgado da sentença condenatória e este se dá quando esgotados todas as possibilidades de recursos.
Mitigar a presunção de inocência é abrir precedentes para que mais injustiças aconteçam, à exemplo de presos inocentes ou até mesmo daquele que furta 1 (kg) de carne e após o cumprimento provisória da pena, verifica-se que não houve tipicidade penal, significando que o processo sequer deveria ter iniciado. Repise-se, o texto constitucional é categórico ao não permitir a prisão antes do trânsito em julgado, a citada decisão, pode acarretar prejuízos irreparáveis a vida do indivíduo.
Assim sendo, não se vislumbra o Habeas Corpus n. 126.292/SP como um instrumento de combate à impunidade, mas sim como uma medida que transformou sujeitos direitos em meio processuais, a fim de que se garanta não só uma suposta obtenção de justiça ao caso concreto, mas também, uma ilusória celeridade processual em vista da suposta diminuição na interposição de recursos.
Informações Sobre o Autor
Anna Carollyna Barbosa Gomes
Advogada