Resumo: Este trabalho tem como objetivo inferir propostas que ajudem a minimizar o problema do tráfico de entorpecentes que vem se tornando insustentável no Brasil. A idéia central é a tentativa de punição alternativa para os consumidores de drogas que mesmo estando teoricamente amparados pelo princípio da insignificncia os usuários se tornam uma das principais causas dessa situação criminosa. Pensa-se que reduzindo o consumo o excesso de oferta e lucratividade do tráfico seriam reduzidos contribuindo para a minimização da situação.
Sumário: 1. Introdução. 2. Considerações Iniciais. 3. Tráfico de Drogas e Aumento da Violência. 4. Consumidores como propulsores: uma visão macroeconômica. 5. Principais Tipos de Drogas e Danos Causados ao Organismo. 6. A conveniente importância dada aos crimes. 7. Funcionalismo Teleológico Racional e Princípio da Insignificância. 8. Abolicionismo Penal Mediato ou Minimalismo Penal. 9. As penas alternativas como política de reparação de danos. 10. A Imputabilidade como Requisito Essencial. 11. Legislação de Tóxicos no Brasil e Jurisprudência correlata. 12. Conclusões. 13. Bibliografia.
1. Introdução
Este trabalho tem como objetivo inferir propostas que ajudem a minimizar o problema do tráfico de entorpecentes, que vem se tornando insustentável no Brasil. A idéia central é a tentativa de punição alternativa para os consumidores de drogas, que mesmo estando teoricamente amparados pelo princípio da insignificância, os usuários se tornam uma das principais causas dessa situação criminosa. Pensa-se que, reduzindo o consumo, o excesso de oferta e lucratividade do tráfico seriam reduzidos, contribuindo para a minimização da situação.
Como referências, foram utilizados os estudos de César Bittencourt, Claus Roxin, Güther Jakobs, Paulo Queiróz, Selma Santana, além de outros nomes do Direito Penal, da Economia, da Sociologia, e, principalmente, em idéias próprias, que buscam adaptar os preceitos propostos por tais autores ao tema proposto.
O presente artigo está organizado em três partes. Na primeira parte, busca-se dar uma visão sobre o tráfico de drogas e seu tratamento legislativo no País. Em seguida, serão explicitadas as razões pelas quais se defende a punição alternativa para os usuários de drogas. Por fim, Em seguida, trará as idéias penais referentes ao tema, além das principais leis e a posição jurisprudencial sobre o assunto em questão.
2. Considerações iniciais
O tráfico de entorpecentes vem se tornando, cada vez mais, a maior preocupação da sociedade atual. A grande massa de renda, gerada por tal comércio ilícito, sustenta organizações criminosas que aterrorizam a população dos grandes centros urbanos, imputando medo e terror a cidades como o Rio de Janeiro. O Estado está sendo deixado à margem e vem perdendo força para o dito “Estado Paralelo”, formado pelos criminosos que reinam impunes em suas áreas de controle, ditando as leis e regulando a convivência social.
Diante desse quadro, os viciados em drogas têm participação fundamental, no momento em que se tornam a mola propulsora dessa máquina ilegal. Enquanto existirem consumidores em potencial, subsistirá a oferta, o tráfico e todo o aparato montado para sustentá-lo, o qual é responsável pela superveniência do crime com relação ao controle estatal. Porém, a questão não pode ser tratada apenas do ponto de vista econômico, tendo em vista que é, precipuamente, uma questão de saúde pública.
A legislação antidrogas brasileira traz a lesão e a ofensividade como pressupostos para a punição dos partícipes do tráfico ilícito. Destarte, permite uma interpretação que leve a descriminalizar os consumidores que compram pequenas quantidades de tóxico para uso próprio. Tal situação, porém garante a sobrevivência de um sistema que ameaça a segurança das pessoas, lesa economicamente o Estado e cresce em progressão geométrica.
Dessa maneira, o que se propõe é que haja aplicação de medidas também para os consumidores de drogas, já que também são causadores de tal problema social. Por outro lado, a referida punição deve levar em conta critérios racionais e proporcionais, já que a natureza do ilícito é manifestamente de menor potencial ofensivo.
Além disso, deve sempre levar em consideração a questão de saúde pública que envolve a questão, pois, na grande maioria das vezes, os viciados são doentes e precisam de cuidados. É sugerida então, a utilização de medidas alternativas de caráter ressocializador acompanhadas de medidas terapêuticas, visando à reintegração do viciado à sociedade e a si mesmo, o que acabou sendo adotado pela nova lei de drogas (Lei 11343/2006).
3. Tráfico de drogas e aumento da violência
A presença do tráfico de tóxicos na realidade brasileira é impressionante; resultados obtidos com o levantamento revelam a realidade do Brasil em relação às drogas. Com relação às drogas ilícitas, apontam que 6,9% da população pesquisada já fez uso na vida de maconha, e 5,8% de solventes. O uso de heroína foi de 0,1%, cerca de dez vezes menor que nos Estados Unidos (1,2%).
O aumento da violência e da criminalidade, especialmente nos centros urbanos, está diretamente vinculado a fatores como desemprego e distribuição desigual de riqueza, numa relação evidente com o tráfico de substâncias ilícitas. Investigações do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (DENARC) de São Paulo, em pesquisa com 981 traficantes, usuários e dependentes de drogas, constatou que, de cada 100 traficantes, 75 estão desempregados e que, de cada 100 usuários e dependentes, 76 estão sem emprego. Entre os usuários dependentes detidos, a maioria está na faixa etária entre 15 e 30 anos e possui o 1º grau incompleto (87,4%). Essa população encontra-se impossibilitada para a competição e inserção no mercado de trabalho, ficando cada vez mais marginalizadas pela sociedade.
Com relação aos gastos econômicos, tem-se dados do Ministério da Saúde, que afirmam que cerca de 7,9% do PIB (US$ 28 bilhões ao ano) são gastos em função da perda de produtividade e de mortes prematuras em decorrência do uso de drogas nocivas à saúde. De 2001 a 2007, o número de internações na rede pública de saúde (SUS) em decorrência da dependência de aumentou 196%, com gasto anual de 10,32 milhões de reais com os custos dos tratamentos.
Além de todos os danos econômicos, os problemas sociais decorrentes da indústria das drogas são inimagináveis. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o narcotráfico foi o responsável pela condenação de 11% da população carcerária local.
Se, além disso, forem consideradas as cifras referentes a roubos, homicídios e outras ações criminosas relacionadas ao tráfico, em todo o Brasil, a situação torna-se catastrófica.
Para ilustrar a situação caótica que se apresenta, 75% dos menores infratores no Brasil são usuários de drogas, apontam dados do Conselho Nacional de Justiça. Ou seja, a associação à criminalidade é evidente e a questão precisa ser urgentemente tratada, de forma preventiva e também repressiva, com todas as peculiaridades que a questão envolve.
4. Consumidores como propulsores: uma visão macroeconômica.
O mercado, qualquer que seja a sua natureza, é sempre regido pelas leis da oferta e da procura. Por mais arrojado que seja um empresário, para que este lance um produto no mercado, é necessário que haja um respaldo de consumo, um mínimo de interesse por parte dos consumidores potenciais sobre aquele determinado produto.
Quando a procura por um produto se torna demasiada, os preços sobem e principalmente, os fornecedores buscam aumentar a disponibilidade do bem, melhorar a qualidade do serviço, aumentando conseqüentemente as relações comerciais em torno daquele bem. Explica Samuelson[1]:
“Todos recebem dinheiro pelo que vendem e usam esse dinheiro para adquirirem o que desejam. Se todos desejam maior quantidade de uma determinada mercadoria, uma torrente de encomendas será feita no mercado. Isso fará com que o preço suba, e, portanto, que mais bens daquela mercadoria sejam produzidos” (P: 50).
Em suma, em um País onde a maioria da população vive em condições miseráveis, o tráfico de drogas se torna um atrativo incomum para obtenção de riqueza. O bem é escasso já que é ilícito, ao passo que a procura cresce a cada dia, aumentando a oferta e as transações em torno de tal bem.
Demonstra-se, portanto, que a questão deve ser tratada com bastante cuidado, na medida em que a procura pelo bem ilícito contribui para a propagação do tráfico. Para tanto, deve-se identificar e tratar, de forma preventiva, os fatores sociais e clínicos que levam os jovens a procurar por substâncias entorpecentes.
Porém, posto em prática o problema, cabe ao Estado intervir para, sempre tratando a questão sob o ponto de vista da saúde pública, tratar e ressocializar o dependente, de forma a que o mesmo possa ter uma vida digna e livre das drogas.
5. PRINCIPAIS TIPOS DE DROGAS E DANOS CAUSADOS AO ORGANISMO.
Além de todos os problemas anteriormente explicitados, as drogas por si só já causam diversos males aos próprios usuários, como danos ao organismo humano, que por vezes são irreversíveis e podem, em certos casos, levar até a morte. Os usuários, levados pelo vício, acabam trazendo conseqüências extremamente prejudiciais para os seus próprios corpos. Adiante, serão feitas algumas explicitações sobre os principais tipos de narcóticos existentes e comercializados no Brasil.
A maconha, a droga mais vendida no País, é produzida a partir de folhas e flores secas de cânhamo indiano, além de apresentar cerca de 60 (sessenta) substâncias psicotrópicas, das quais se destaca o tetraidrocanabitol (THC). Após aproximadamente 25 dias, o THC é eliminado do organismo e começam a aparecer os sintomas provocados pela droga. Eis alguns: tremor corporal, vertigem, náuseas, vômitos, taquicardia, excitação psíquica, diarréia, alterações sensoriais, lentidão do raciocínio, oscilação involuntária dos olhos, zumbidos, desorientação, medo de morrer, depressão, alucinações, amnésia temporária, pânico, idéias paranóides. A maconha ainda traz dificuldades reprodutoras e reduz o mecanismo de defesa do corpo humano.
Outra droga poderosa e substancialmente destruidora é a cocaína. Considerada uma das substâncias entorpecentes mais perigosas, o narcótico é extraído da folha de coca, da qual é produzido um pó branco – o cloridrato de cocaína, cuja fórmula química é 2-beta-carbometoxi, 3betabenzoxitropano. A substância age no sistema nervoso central, acelerando sua atividade e excitando excessivamente o usuário.
Como na maioria das vezes é vendida adulterada (medida utilizada pelos traficantes para aumentar a pesagem), aumentam ainda mais os risco de sua utilização. Dentre os efeitos psicológicos pode-se citar: tendência à desconfiança de tudo e todos, ansiedade, irritabilidade, estereotipias (comportamento repetitivo de forma não justificável).
Com relação aos males biológicos causados, diz o texto retirado da “Home Page” Psicosite[2], dedicada basicamente ao tratamento de questões referentes às drogas; traz informações sobre os seus tipos, males provocados e efeitos relacionados à dependência. Preceitua o texto selecionado na página:
“Os riscos mais comuns são a aceleração do ritmo cardíaco ou menos freqüentemente diminuição. Dilatação pupilar tornando mais difícil estar em ambientes claros. Elevação da pressão sanguínea ou menos freqüentemente diminuição da pressão. Calafrios, náuseas e vômitos. Perda de peso conseqüente à perda de apetite. Agitação psicomotora ou menos freqüentemente retardo psicomotor. Dores musculares, diminuição da capacidade respiratória e arritmias cardíacas. Recentemente, a relação entre o consumo de cocaína e infarto do miocárdio vem sendo estudada. Os estudos estão confirmando a predisposição ao infarto provocado pela cocaína. A cocaína provoca por um lado aumento do consumo de oxigênio e por outro lado diminuição da capacidade de captação de oxigênio. Caso uma pessoa esteja, sem saber, no limite da capacidade de oxigenação no coração, estará correndo risco de precipitar um infarto.”
Existe também, derivado da cocaína, o “crack”, que é uma mistura com pouca quantidade de cocaína, mas que por ser fumado, atinge diretamente os pulmões provocando efeitos devastadores. Essa droga normalmente é consumida pelas classes mais inferiores, por ser mais barata.
Por fim, é importante que se faça menção ao “Excatsy”; droga consumida pelas altas camadas sociais, normalmente em boates, é um alucinógeno fortemente psicoativo. A utilização é feita oralmente e a droga causa problemas como hipertermia, neurotoxicidade, cardiotoxicidade e hepatotoxicidade, além de psicoses, depressões e lesões celulares irreversíveis.
6. A conveniente importância dada aos crimes
Na legislação anterior, dificilmente algum usuário de drogas oriundo de classes mais abastadas, com todo o acesso a melhor assistência judiciária possível, seria enquadrado dentro do art. 16 da Lei 6368/76. Certamente, tal pena será convertida em simples multa, o que não representava nenhum tipo de aprendizado, principalmente para pessoas possuidoras de situação financeira privilegiada.
Por outro lado, é importante se notar que a insignificância penal antes conferida ao consumo de drogas tinha também ligação com o fato de muitos consumidores fazerem parte do meio social mais abastado. Nesse sentido se posiciona Paulo Queiroz[3]:
“O sistema penal é arbitrariamente seletivo; recruta sua clientela entre os mais miseráveis. É um sistema injusto, produtor e reprodutor das desigualdades sociais.” (P: 95)
Diz Adorno[4]:
“O funcionamento normativo do aparelho penal tem, por efeito, a objetivação das diferenças e desigualdades, a manutenção das assimetrias, a preservação das distâncias e das hierarquias”. (P: 332)
Por conseguinte, a partir de todas as injustiças cometidas surgem as doutrinas funcionalistas e minimalistas, para conferir ao Direito Penal efetividade e justiça, para que realmente cumpra a sua função de manutenção da ordem e da paz na sociedade atual.
7. Funcionalismo Teleológico-Racional e Princípio da Insignificância.
O funcionalismo teleológico-racional, doutrina proposta por Claus Roxin, devido ao seu caráter moderno e inovador, vem obtendo prestígio no cenário internacional. Roxin tenta vincular o Direito Penal a uma política criminal, conferindo-lhe métodos adequados à solução dos delitos a fim de que o Direito Penal possa, como um sistema único, cumprir a sua função social. Nesse sentido versa Selma Pereira de Santana[5]:
“As doutrinas funcionalistas vêm angariando crescente atenção e relevo no atual cenário jurídico-penal, em razão de duas vias distintas: uma delas, representada na pessoa de Claus Roxin, que busca orientar o Direito Penal à política criminal, pois, segundo pensa, um sistema de Direito Penal orientado axiologicamente, por princípios de política criminal, tende a converter-se em uma construção dogmática próxima à realidade, caracterizada pela ordem conceitual e pela claridade”. (P: 42)
O funcionalismo traz para a Teoria do Delito elementos dantes tratados na Teoria da Pena. Destarte, é crime para os funcionalistas toda ação típica, antijurídica e culpável, entendida a culpabilidade como o potencial conhecimento da ilicitude, punibilidade e exigibilidade de conduta diversa.
Assim, pode-se inferir que o funcionalismo busca aumentar os critérios para a definição do fato delituoso, numa tentativa de diminuir a necessidade da sempre desagradável atuação do Direito Penal na sociedade.
Ainda dentro da mesma lógica, Roxin propôs, em 1964, o princípio da insignificância, partindo da idéia de um direito penal mínimo que visasse à proteção apenas das ofensas mais graves impostas aos bens jurídicos mais relevantes. Tal princípio, segundo Franciso Toledo, seria um verdadeiro princípio de hermenêutica que incidiria sobre o tipo penal, para “excluir do Direito Penal lesões insignificantes” (Mirabete). Destarte, diminuir-se-ia a necessidade de intervenção estatal contribuindo para a formação de um sistema penal mais justo e eficaz. Afirma Zaffaroni[6]:
“A insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à ordem normativa e, conseqüentemente, à norma em particular, e que nos indica que esses pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível de se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada” (P: 475).
Com relação aos usuários de drogas, a argumentação para aplicação da insignificância leva em conta apenas o ato de consumo, versando sobre a não ofensividade nem lesividade de tal conduta. Porém, deve-se considerar todo o contexto geral e, neste quadro, o Superior Tribunal de Justiça passou a considerar o crime como de perigo presumido abstrato, afastando a aplicação do princípio, como será explicitado a seguir.
8. Abolicionismo penal mediato ou minimalismo penal.
O minimalismo penal segue a mesma linha de política criminal proposta pelo funcionalismo, na medida em que propugna a adoção de um sistema penal mínimo. O minimalismo leva em consideração a dura intervenção que o Direito Penal realiza sobre os criminosos, que na maioria das vezes provém de classes menos abastadas, mostrando a conveniência de tal punição para a manutenção das desigualdades sociais.
A principal proposta minimalista é de criar outras formas de contração do sistema menos violentas do que o Direito Penal como despenalização, adoção do princípio da oportunidade além da adoção de penas alternativas à prisão. Diz Baratta[7] sobre a proposta minimalista:
“… não se trata de uma política de ‘substitutivos penais’, vagamente reformista e humanitária, mas, sim, de uma política muito mais ambiciosa, de levar a cabo profundas reformas sociais e institucionais para o desenvolvimento da igualdade, da democracia, de formas de vida comunitária e civil alternativas e mais humanas” (P: 214).
Em tese, o minimalismo propõe que seja obtida a operatividade do Direito Penal, mais efetiva e menos violenta e que contribua de maneira fundamental, para a redução da criminalidade e reintegração social dos que foram deixados à margem pelo sistema penal. Surgiria então, na expressão de Silva Sanchez, “um direito penal de duas velocidades”, onde um continuaria punindo os crimes mais graves enquanto o outro aplicaria medidas alternativas para a solução de situações menos ofensivas. Nesta segunda velocidade, ao nosso sentir, se enquadraria a aplicação de medidas aos usuários de drogas.
9. As penas alternativas como política de reparação de danos.
Assim, preceituar a aplicação de medidas alternativas aos consumidores requer demasiados cuidados já que são pessoas que normalmente se encontram em situações lastimáveis.
A adoção de penas alternativas deve vir acompanhada de acompanhamento em clínicas especializadas, visando à reintegração de tais pessoas na sociedade, afim de que elas possam inclusive colaborar com as medidas preventivas ao uso de drogas no Brasil. Em nossa sociedade, qualquer evento danoso teoricamente deve ser reparado. Nesse sentido posiciona-se de maneira elucidativa Jakobs[8]:
“Quem não alcança o padrão do currículo jurídico, no qual se movimenta de maneira imputável, deve reparar o dano.” (P: 65)
As penas alternativas são uma inovação do Direito Penal moderno. Têm-se exemplos no diploma penal russo (1960) que criou a pena de trabalhos correcionais.
Em 1963, a Bélgica adotou o arresto de fim de semana, para penas inferiores a um mês. O trabalho comunitário também foi previsto na Inglaterra, em 1972, com o “Communitiy Service Order”, previsto no “Criminal Justice Act”.
No Brasil, desde a Reforma de 1984, o trabalho comunitário pode ser utilizado de forma autônoma. O Código Penal brasileiro, no seu art. 59, IV, traz a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade, no momento da determinação da pena. Versa Cezar Bittencourt[9]:
“… na dosagem da pena o juiz deve escolher a sanção mais adequada, levando em consideração a personalidade do agente e demais elementos do artigo citado (art. 59, IV) e, particularmente, a finalidade preventiva” (P: 447).
Dentre os requisitos para aplicação das sanções alternativas, tem-se a necessidade de a pena (reclusão ou detenção) não ultrapassar quatro anos, o que é aplicável ao caso, e que não haja violência ou grave ameaça à pessoa, o que inexiste diretamente no consumo de drogas, considerado isoladamente.
Já demonstrada a possibilidade de aplicação de penas alternativas no caso de consumo de drogas, é necessário que se façam considerações em torno da prestação de serviços comunitários, a pena mais adequada ao caso, associada ao tratamento médico.
A prestação de serviços comunitários é importantíssima, pois além de permitir que o delinqüente repare o seu dano perante a sociedade, faz com que esse desenvolva alguma atividade produtiva o que contribui de forma significativa para a sua ressocialização. É útil para o criminoso e para a sociedade. Diz Jescheck[10]:
“A prestação de serviços à comunidade é o dever de prestar determinada quantidade de horas de trabalho não remunerado e útil para a comunidade durante o tempo livre, em benefício de pessoas necessitadas ou para fins comunitários.” (P: 473)
No Brasil, a execução de tais serviços seria nos horários não coincidentes com a jornada de trabalho normal dos condenados. No caso específico dos usuários de drogas, a proposta é que o horário da jornada normal de trabalho seja substituído pela permanência em clínicas de recuperação, pois a dependência com relação ao tóxico também deve ser extinta. Dessa forma, o problema do usuário estará sendo solucionado de forma concomitante.
Enfim, a prestação de serviços é elemento essencial para a reintegração do usuário na sociedade, para a efetividade do sistema penal e para uma política criminal adequada, melhorando cada vez mais a situação das pessoas, destinatárias da proteção conferida pelo Direito Penal. Assim, pensa-se que é a solução mais adequada ao caso dos usuários de substâncias entorpecentes.
Deve-se associar a isto, se necessário, a submissão do paciente a tratamento médico para a dependência química, como medida de ressocialização e prevenção especial.
10. A IMPUTABILIDADE COMO REQUISITO NECESSÁRIO.
É importante ressaltar que a pena alternativa, por óbvio, não deve ser aplicada aos inimputáveis. Tem-se, dentre as excludentes da culpabilidade a inimputabilidade. Desse modo, a imputabilidade é requisito fundamental para aplicação da pena e, por conseguinte, da medida alternativa sugerida.
Por exemplo, menores requerem atenção especial, e devem ser tratados em instituições próprias, como clínicas especializadas para que possam ser reintegrados.
Com relação aos doentes mentais, aos que não possuem desenvolvimento mental completo e aos retardados, devem continuar sendo alvo das medidas de segurança e serem internados em estabelecimentos específicos.
11. Legislação de Tóxicos no Brasil E JURISPRUDÊNCIA CORRELATA
Após um estudo detalhado sobre as substâncias entorpecentes e sobre os problemas sociais, econômicos e orgânicos decorrentes dessa pesada instituição que é o tráfico de drogas, o presente trabalho irá trazer a partir de então a legislação existente no Brasil, jurisprudência sobre o assunto, idéias dos principais penalistas para que se possa construir o embasamento teórico necessário para a fundamentação da idéia apresentada.
O tráfico de entorpecentes esteve regulado no Brasil pela Lei 6368/76 e alterações posteriores. A Constituição Federal também deu a relativa importância ao tema, ao tratar do tráfico de entorpecentes como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Atualmente, a matéria está regulada pela Lei 11343/2006.
Toda essa previsão legal serve para demonstrar a importância conferida ao tema e a preocupação em adotar medidas rígidas para solucioná-lo, já que vem se tornando insustentável nos moldes que adquiriu dentro da sociedade atual.
A Lei 6368/76 dispunha no seu artigo 12: “importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 a 15 anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa”. Tal disposição, apesar de genérica, mensura a gravidade do problema, percebida na rigorosa pena atribuída as práticas citadas no dispositivo.
Ainda na referida Lei, mais especificadamente o artigo 16[11], “in verbis”:
“Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.”
No que concerne à materialização do delito se comprove, e isto se mantém na legislação atual, é necessário provar que o elemento envolvido no fato se trata de uma substância elencada dentre as previstas como ilícitas. Tais procedimentos são necessários para que se justifique a instauração do processo criminal, criando os elementos de convicção exigidos pelo Código de Processo Penal.
Com relação ao tema, ainda com base na antiga lei alguns autores já defendiam a punição em caso de pequeno porte por pequenos traficantes e distribuidores. Dessa maneira, posicionava-se Jarlan Barroso[12]:
“O tráfico de drogas é delito por demais pernicioso, o qual põe em risco uma grande parcela da sociedade, vez que atinge principalmente os jovens, os quais são atraídos ao nefasto e sombrio mundo das drogas pelo ´canto da sereia` dos traficantes. As conseqüências de tal delito são catastróficas, não só para o jovem, mas também e principalmente para a família deste. É sem dúvida um delito de extrema vileza, de enorme repugnância, desmerecedor de qualquer regalia. Importa lembrar que, mesmo o pequeno traficante deve ser rigorosamente punido, vez que este é a ponta de lança do grande traficante, já que é encarregado da distribuição da mercadoria daninha e responsável pelo aliciamento dos jovens desavisados.”
Porém, frente aos consumidores, em alguns casos, aplicava-se o princípio da insignificância, ou substituía-se a pena por multa, a qual, apesar de ser uma punição alternativa, não é adequada para a solução efetiva do problema, que é de ressocialização associada à reparação de danos causados, através de uma pena alternativa de serviços à comunidade e tratamento médico, manifestamente mais benéfica do que a conversão da prisão em multa.
Ainda no Superior Tribunal de Justiça[13], encontrava-se o seguinte Acórdão, referente ao deferimento do Habeas Corpus – (HC 17956/SP) cujo Relator foi o Ministro Hamilton Carvalhido, julgado pela Sexta Turma, com a seguinte ementa:
“Sendo ínfima a pequena quantidade de droga encontrada em poder do réu, o fato não tem repercussão na seara penal, à míngua de efetiva lesão do bem jurídico tutelado, enquadrando-se a hipótese no princípio da insignificância”.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, corte suprema da justiça nacional, negou Habeas Corpus (HC 82324), ajuizado por indivíduo identificado com as iniciais R.M., para anular condenação da justiça paulista por porte de substâncias entorpecentes, especificamente 60 (sessenta) miligramas de ”crack”.
A decisão foi unânime e acompanhou o relator Moreira Alves. Foram rejeitadas em questão, com base em precedentes existentes no próprio Supremo Tribunal, a aplicação do princípio da insignificância e a possível atipicidade da conduta, requeridos em função da pouca quantidade de entorpecentes encontrada. O réu fora condenado a 6 (seis) meses de prisão em regime semi-aberto.
Ainda com relação a julgamento do Supremo Tribunal[14], referente ao Hábeas Corpus (HC 81735/PR), a Corte Suprema também optou pelo indeferimento deste com a seguinte ementa:
“Posse de substância entorpecente em local sob a Administração Militar. Artigo 290, do CPM. 2. Invocação dos princípios da insignificância e da proporcionalidade. A pequena quantidade de entorpecente apreendida não descaracteriza o crime de posse de substância entorpecente. 3. Não há como trancar a ação penal por falta de justa causa.”
Destarte, é importante perceber, que na situação do militar consumidor de maconha, este foi punido aplicando-se o Código Penal Militar, lei específica, e que faz parte de uma Organização rígida e manifestamente formal, possuidora de leis e punições mais severas do que as destinadas aos cidadãos comuns.
Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça se alinhou ao Supremo Tribunal Federal, refutando a aplicação do princípio da insignificância ao caso, especialmente diante da nova previsão legal (art. 28 da Lei 11.343/2006):
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL (ART. 28 DA LEI 11.343/06). PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que o crime de posse de drogas para consumo pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/06) é de perigo presumido ou abstrato e a pequena quantidade de droga faz parte da própria essência do delito em questão, não lhe sendo aplicável o princípio da insignificância. DJE DATA:27/05/2013”.
A lei 11.343/2006 tratou especificamente do tema, afastando a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao caso, pois faz parte da própria natureza do crime de posse a pequena quantidade de droga:
“Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.”
Assim, o legislador fez questão de distinguir do traficante a pessoa que porta drogas para consumo pessoal e, além da advertência e prestação de serviços à comunidade, deu ao magistrado a oportunidade de aplicar medica educativa de comparecimento a programa ou curso sobre o tema, como forma de conscientização do usuário dos efeitos nocivos causados pela droga.
Com relação à prestação de serviços à comunidade, trouxe disposição interessante, que é o preferencial cumprimento da medida em locais que se ocupem preferencialmente da prevenção do consumo ou recuperação de usuários:
“§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.”
Finalmente, trouxe ainda medida essencial, já que a questão envolve basicamente um problema de saúde, que é a disponibilização gratuita de tratamento especializado para a dependência química:
“§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.”
O sistema legal permite ao operador que trate a questão de todas as formas, com um caráter de repreensão, na forma de prestação de serviços, com caráter educativo, com o oferecimento de cursos e sem nunca descuidar da questão de saúde pública, podendo ser determinado ao poder público o oferecimento de tratamento especializado gratuito.
12. Conclusões.
Em suma, o presente trabalho procurou colocar sugestões e apresentar as alternativas legais para o enfrentamento do problema das drogas no Brasil.
Procurou-se demonstrar que as medidas a serem aplicadas devem estar de acordo com as idéias de efetividade que tomam o Direito Penal atual. Assim, entendeu-se que a pena alternativa de trabalhos à comunidade, associada ao tratamento médico especializado, é medida que pode se tornar eficaz na prevenção, tratamento e ressocialização do usuário.
Quando se unir trabalho com acompanhamento especializado, far-se-á com que o indivíduo perceba o modo equivocado de viver que possuía. Dessa maneira, em pouco tempo existirão novos combatentes, extremamente experientes, buscando auxiliar no combate ao tráfico de drogas.
É importante ressaltar que tal medida deve ser acompanhada também de medidas preventivas, como informação da população, repressão aos traficantes e aumento e qualificação do aparato policial para que se possa, enfim, dizimar o problema do tráfico de entorpecentes da realidade brasileira.
Vale ressaltar que o Direito Penal vive uma fase de evolução. É preciso realmente que coexistam dois sistemas de punição; que o primeiro seja justo e reintegrador ao punir os delitos mais graves e o segundo seja eficiente ao tomar medidas adequadas para evitar a proliferação dos delitos de menor potencial ofensivo. Dessa maneira, estar-se-ia cumprindo a função primordial de todo o direito: fazer justiça e garantir a boa convivência e a paz social.
Informações Sobre o Autor
Ricardo Caldas
Procurador Federal, Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília/DF