Princípio da presunção de inocência e o Supremo Tribunal Federal

Resumo: A Constituição Federal prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. As consequências se ser considerado culpado e a aplicação do conceito de trânsito em julgado têm sido interpretados de formas diferentes pela doutrina e pela jurisprudência. O presente artigo retrata uma análise do princípio da presunção de inocência conforme aplicação pelo Supremo Tribunal Federal, principalmente considerando as fortes modificações ocorridas em seu entendimento nos anos de 2009 e 2016, assim como a aplicação atual do tema.

Palavras-chave: presunção; inocência; culpabilidade; trânsito em julgado.

Sumário: Introdução. 1. Princípio da presunção de inocência e seus elementos. 1.1. Culpado X inocente. 1.2. Conceito de trânsito em julgado. 2. Presunção de inocência e o Supremo Tribunal Federal. 2.1. Do entendimento prevalente até o início de 2016. 2.2. Da recente mudança de posicionamento do STF. Considerações finais. Referências bibliográficas.

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INTRODUÇÃO

É objeto do presente artigo a análise do posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de execução antecipada da sentença penal condenatória confirmada por tribunal de segundo grau, pendente o julgamento de recurso especial ou recurso extraordinário, à luz do princípio da presunção de inocência insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição Federal.

O preceito constitucional em análise é composto pelo conceito de sentença penal condenatória transitada em julgado, que deve ser devidamente traçado e delimitado para que se compreenda suas implicações sobre o tema proposto.

Ressalte-se, desde logo, que é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a possibilidade de manutenção da prisão preventiva, tanto durante o julgamento em primeira instância, quanto na pendência de recursos em geral, prolongando-se enquanto perdurarem os requisitos próprios da prisão preventiva, e que tal medida cautelar não constitui objeto do presente estudo.

A questão que ora se insurge, tomada de grande apelo e relevo, diz respeito à condução à prisão de acusado que vinha sendo processado em liberdade, após a confirmação da sentença penal condenatória por tribunal de segunda instância, mesmo pendente julgamento de recurso especial ou recurso extraordinário.

O STF vinha se posicionando, desde 2009, no sentido de ser vedada a execução antecipada da pena, mas, em decisão recente, no julgamento do Habeas Corpus 126292/SP, fixou o entendimento de que a execução da sentença penal condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende a presunção de inocência, mesmo pendente o julgamento de recursos constitucionais.

É objeto do presente estudo a compreensão dos fundamentos da decisão, assim como de sua interferência no princípio da presunção de inocência.

1. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E SEUS ELEMENTOS

Entre nós, está previsto o princípio da presunção de inocência no art. 5º, LVII, da Constituição Federal (2016), segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, assim como no artigo 8, item 2, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, promulgada no Brasil pelo Decreto 678/92 (2016), onde se lê que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência”.

Sem adentrar-se à discussão terminológica sobre tratar-se de presunção de inocência ou presunção de não culpabilidade, distinção de menor relevância para fins do presente trabalho, importante se faz que tracemos brevemente o conceito de presunção de inocência, sobre o qual Uadi Lammêgo Bulos ensina que:

“Somente quando a situação originária do processo for, definitivamente, resolvida é que se poderá inscrever, ou não, o indivíduo no rol dos culpados, porque existe a presunção relativa, ou iuris tantum, da não culpabilidade daqueles que figuram como réus nos processos penais condenatórios”. (BULOS, 2015, p. 714).

É comum na doutrina o ensinamento de que o princípio da presunção de inocência é traduzido em deveres ou regras.

Assim, inicialmente institui uma regra probatória, ou regra de juízo, segundo a qual ao acusado não incumbe o ônus de provar sua inocência, sendo exclusivo dever do acusador a comprovação das alegações.

A seu lado, institui a regra de tratamento, impeditiva de que, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o indivíduo seja tratado como se culpado fosse. Enquanto regra de tratamento, ensina-nos o Professor Nestor Távora (2015, p. 51) que “a regra é a liberdade e o encarceramento antes de transitar em julgado a sentença condenatória, deve figurar como medida de estrita exceção”.

Para fins de estudo da possibilidade de cumprimento da pena antes do trânsito em julgado, importa-nos o princípio enquanto regra de tratamento: a partir de dado momento, torna-se possível tratar um indivíduo como se culpado fosse.

A partir das informações até aqui reunidas, verifica-se que o princípio da presunção de inocência pressupõe a identificação de elementos essenciais para que se possa aplica-lo de modo pleno.

O primeiro elemento trata-se da distinção entre inocente e culpado. Mais do que compreender os conceitos de inocência e culpa, é preciso conhecer as consequências de ser inocente ou culpado, posto que presumir inocência, conforme determina a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, importa ser tratado como inocente, fazendo-se necessário conhecer as consequências da inocência.

O segundo elemento nos apresenta um marco temporal: o momento a partir do qual seria possível a mudança no tratamento do indivíduo, permitindo-se que sofra as consequências de passar a ser considerado culpado, ou de deixar de ser reputado inocente: o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

1.1 – CULPADO X INOCENTE

Parece simples a constatação de que inocente é aquele sobre o qual não paira responsabilidade pela prática de um ato que lhe seja imputado, enquanto culpado será justamente aquele cuja responsabilidade pela prática do fato imputado tenha sido apurada.

De Plácido (2014, p. 751) ensina que inocente, juridicamente, “é quem está isento de culpa, por não ter praticado o ato ou por não ser autor da imputação que lhe era feita”.

Mais relevante do que os conceitos em si, para o presente estudo, revela-se a distinção entre as consequências de ser considerado inocente ou culpado e, notadamente, ser considerado culpado, para fins de direito penal e processual penal, implica que o indivíduo poderá, e deverá, passar a sofrer as sanções previstas na lei penal para a prática de crimes.

Assim, constatada a consequência da perda da presunção de inocência, a partir do reconhecimento da culpa, necessária se faz a verificação do momento a partir do qual é possível instaurar o tratamento diferenciado: o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

1.2 – CONCEITO DE TRÂNSITO EM JULGADO

Conforme se verifica, mesmo antes de entrar em vigor a Constituição Federal de 1988, que inaugurou a expressa previsão do princípio da presunção de inocência, já era comum o entendimento acerca da inafastável necessidade de sua aplicação no âmbito penal e processual penal.

Certo é, ainda, que a menção ao princípio na Constituição Federal coloca como termo final da presunção iuris tantum em exame o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

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É momento, então, de verificar no que exatamente consiste o trânsito em julgado, conceito elementar para a aplicação do princípio da presunção de inocência.

E para tanto, é mister, inicialmente, a constatação de que a Constituição Federal, assim como nosso sistema normativo, processual penal e processual civil, embora tenham como um de seus pilares o instituto do trânsito em julgado, são omissos quanto à apresentação de um conceito preciso.

Por outro lado, a doutrina não parece titubear quanto à sua conceituação. Nesse sentido, José Cretella Júnior ensina:

“Somente a sentença penal condenatória, ou seja, a decisão de que não mais cabe recurso, é a razão jurídica suficiente para que alguém seja considerado culpado. (…) Não mais sujeita a recurso, a sentença penal condenatória tem força de lei e, assim, o acusado passa ao status de culpado, até que cumpra a pena, a não ser que revisão criminal nulifique o processo, fundamento da condenação”. (CRETELLA JÚNIOR, 1990, p. 537).

Essa é a noção absolutamente preponderante, no sentido de que trânsito em julgado seria o fato que impede que a decisão seja objeto de recurso, ou por já terem sido esgotados todos os tipos recursais disponíveis, ou por ter se extinto o prazo para recorrer.

Desse entendimento não destoa o ensinamento de Barbosa Moreira, segundo o qual:

“Por ‘trânsito em julgado’ entende-se a passagem da sentença da condição de mutável à de imutável. (…) O trânsito em julgado é, pois, fato que marca o início de uma situação jurídica nova, caracterizada pela existência da coisa julgada – formal ou material, conforme o caso”. (MOREIRA, 1971, p. 145).

A matéria, encarada dessa forma, pode-se afirmar, revela-se simples. É direito do acusado, ao menos até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, beneficiar-se do tratamento destinado ao inocente. Ou seja, direito de não lhe serem aplicadas sanções legalmente previstas para aqueles cuja culpa tenha sido reconhecida. Certamente, a possibilidade de prisão é um efeito decorrente do reconhecimento da culpa lato sensu. Reconhecido o trânsito em julgado como o fato que impede que uma decisão seja objeto de recurso, pode-se concluir que, nos termos de uma interpretação literal da Constituição Federal e da construção doutrinária a respeito do conceito de trânsito em julgado, enquanto pendente recurso, não será possível dar cumprimento à sentença penal condenatória.

Todavia, a despeito da clareza que se apresenta de plano, o Supremo Tribunal Federal, que vinha adotando exatamente esse entendimento nos últimos anos, resolveu permitir a condução à prisão de condenado, por sentença penal condenatória confirmada por tribunal de segunda instância, mesmo na pendência de recurso especial ou recurso extraordinário.

Cabe-nos, portanto, investigar os termos da decisão, que significa um novo marco na interpretação do princípio da presunção de inocência.

2. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Diante da variação da densidade normativa de direitos fundamentais, é comum que a interpretação de tais normas seja realizada pelo Supremo Tribunal Federal, a quem compete, nos termos do art. 102, caput, da Constituição Federal, precipuamente, a guarda da própria Carta Constitucional, de modo mais contundente e definitivo. É comum que as conclusões do STF acerca de preceitos constitucionais sejam seguidas, mesmo em decisões não dotadas de caráter vinculante ou eficácia erga omnes.

Daí a grande relevância de se compreender as mudanças de entendimento provenientes da Corte Constitucional brasileira, razão pela qual passa-se à análise da construção desse novo entendimento.

2.1 – DO ENTENDIMENTO PREVALENTE ATÉ O INÍCIO DE 2016

Ao que nos consta, a primeira manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o princípio da presunção de inocência não dizia respeito especificamente aos efeitos penais da não presunção, mas de efeitos extrapenais decorrentes de um indivíduo responder a processo criminal.

O Ministro Gilmar Mendes (2015) estabelece em sua obra um interessante histórico do posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a execução provisória da sentença penal condenatória e o princípio da presunção de inocência.

Conta o Ministro que, em 1976, havia norma que tornava inelegível o cidadão denunciado pela prática de crime. Teria, então, o Tribunal Superior Eleitoral declarado a inconstitucionalidade da norma, por força de interpretação da Constituição cujo texto não previa expressamente o princípio da presunção de inocência. Na ocasião, o STF, embora não tenha afastado a existência do princípio da presunção de inocência, modificou o entendimento, declarando constitucional a norma impugnada.

Esse entendimento, especificamente acerca da inelegibilidade, seria modificado pelo próprio Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 144/DF, em 2008.

Especificamente sobre a possibilidade de execução provisória da pena, ensina Gilmar Mendes que o STF, em 2002, no julgamento de habeas corpus de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, decidiu que:

“a presunção constitucional de não culpabilidade – que o leva a vedar o lançamento do réu no rol dos culpados – não inibe, porém, a execução penal provisória da sentença condenatória sujeita a recursos despidos de efeito suspensivo, quais o especial e o extraordinário”. (MENDES, 2015, p. 539).

Verifica-se que, nesse momento, o STF entendia que o único efeito que diferenciaria efetivamente o inocente do culpado, para fins de presunção de inocência, seria o lançamento do réu no rol dos culpados.

Mais ainda, o que se verifica é que o Supremo Tribunal, em 2005, julgou constitucional, por unanimidade, o art. 594 do Código de Processo Penal, quando sua redação exigia o recolhimento à prisão para autorizar a interposição de recurso de apelação (HC 85098).

Entendimentos conflitantes, entretanto, sempre existiram. Nesse sentido, ensina ainda Gilmar Mendes que era recorrente o seguinte entendimento manifesto pelo STF:

“Se o inciso LVII do mesmo artigo 5º consigna que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória, impossível é ter como harmônica com a Constituição Federal a regra do art. 594 do Código de Processo Penal. Trata-se de extravagante pressuposto de recorribilidade que conflita até mesmo com o objetivo do recurso.” (MENDES, 2015, p. 540)

Ainda ensina Gilmar Mendes (2015) que o entendimento foi totalmente modificado quando, em 2009, ao julgar os HC 84.078 e 83.868, de relatoria do Ministro Eros Grau, o Supremo Tribunal Federal concluiu que, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a execução da pena seria atentatória ao princípio da presunção de inocência.

A ementa do acórdão é bastante extensa, razão pela qual serão recortados apenas trechos essenciais para a compreensão ora pretendida. Nesse sentido, o núcleo da decisão está na afirmação de que a “prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar” (BRASIL, 2016), evidenciando que o trânsito em julgado seria um conceito essencial para a compreensão da presunção de inocência.

Mais ainda, verifica-se que o STF avançou com relação à consequência da culpabilidade intrincada no princípio em exame, que não se restringiria apenas à inscrição do réu no rol de culpados, mas, exatamente, na privação da liberdade decorrente da pena.

O posicionamento foi adotado em julgamento ocorrido em 5 de fevereiro de 2009. Desde então, deixaram a composição da casa os então ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Menezes Direito, ingressando na casa 6 novos ministros, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin.

A substituição dos ministros da corte, associada certamente a fatores jurídicos e sociais, trouxe-nos até o cenário de modificação do entendimento.

2.2 – DA RECENTE MUDANÇA DE POSICIONAMENTO DO STF  

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Em maio do corrente ano de 2016, foi publicado acórdão do plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 126292 modificando substancialmente o entendimento anterior, sendo assim ementado:

“CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.” (BRASIL, 2016)

O julgamento não foi unânime, sendo vencidos 4 ministros, e os ministros que votaram pela modificação do entendimento manifestaram-se conforme fundamentos diversos, para permitir a execução provisória da pena. Nesse sentido, é de suma importância conhecer os principais fundamentos apresentados no julgamento.

O relator do julgamento, Ministro Teori Zavascki, proferiu o voto no sentido da modificação do entendimento anterior.

Manifestou-se no sentido de que o princípio da presunção de inocência tem natureza preponderante de norma de tratamento, principalmente no que diz respeito ao aspecto processual. Nesse sentido, institui o ônus da prova da acusação. A vedação decorrente do princípio seria a de impor ao acusado a prova de sua inocência. Por essa razão, concluído o julgamento em segundo grau, quando então se encerra a discussão acerca de fatos e provas, não haveria justificativa para manutenção, enquanto pendente o julgamento de recursos perante o STJ e STF, das limitações impostas pelo princípio da presunção de inocência.

Em seu voto, fez menção a entendimento da Ministra Ellen Gracie:

“O domínio mais expressivo de incidência do princípio da não culpabilidade é o da disciplina jurídica da prova. O acusado deve, necessariamente, ser considerado inocente durante a instrução criminal – mesmo que seja réu confesso de delito praticado perante as câmeras de TV e presenciado por todo o país”. (BRASIL, 2016)

O Ministro ainda destacou que em nenhum outro país do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema, e reproduziu interessante estudo de Luiza Cristina Fonseca Frisceisen, Mônica Nicida Garcia e Fábio Gusman sobre a aplicação ao redor do globo.

Informou que na Inglaterra seria regra geral que, até o julgamento dos recursos, o réu aguardasse preso, ressalvados os casos de liberdade por fiança;

Nos Estados Unidos, a Constituição não conteria, segundo relata, previsão expressa do princípio da presunção de inocência na Constituição. Mas há lei determinando que se presume inocente o acusado, até que o oposto seja estabelecido em um veredicto efetivo, o qual se obteria com o equivalente a julgamento em primeiro grau.

No Canadá, após a sentença condenatória de primeiro grau, logo se passaria à execução da pena, salvo nos casos em que cabível fiança.

No Direito Alemão, apenas alguns recursos teriam efeito suspensivo, mas não nos casos de recursos a tribunais superiores. Eficácia seria característica da sentença que não permite mais controle judicial, salvo por recursos especiais.

Em Portugal, embora seja previsto constitucionalmente o princípio da presunção de inocência, com expressa menção ao trânsito em julgado, este não seria interpretado e aplicado de forma absoluta.

Por fim, ensina que na Espanha, o princípio da efetividade das decisões judiciais prevalece sobre a presunção de inocência.

O Ministro relator critica o sistema normativo atual, afirmando que desprestigia a decisão judicial. Diante desse cenário, caberia ao Poder Judiciário e, sobretudo ao STF, resgatar sua função institucional.

Analisando as colocações do ministro, diante do comando constitucional, o que se verifica é que não há uma preocupação em identificar as consequências específicas do reconhecimento da culpa e do conceito de trânsito em julgado. A ideia se aproxima mais da criação de um novo conceito de presunção de inocência, dissociado de seus parâmetros constitucionais.

O Ministro Edson Fachin, aquiescendo ao voto do relator, afirma que ocorre atualmente um agigantamento dos afazeres do STF e defende, expressamente, a interpretação do art. 5º, LVII, sem apego à literalidade, sem que lhe atribua caráter absoluto.

Propõe a interpretação em conjunto com outros princípios e normas: razoável duração do processo, soberania dos veredictos do tribunal do júri e, principalmente, ao arcabouço recursal constitucional que deve ser tomado como excepcional, e não ao lado do sistema recursal ordinário.

Segundo afirma, a Constituição repeliria “o acesso às Cortes Superiores com o singular propósito de resolver uma alegada injustiça individual” (BRASIL, 2016) e a opção legislativa de dar eficácia à sentença confirmada pelo tribunal confirmaria isso.

Portando, se o Ministro Teori Zavascki passou ao longe das consequências de considerar alguém culpado e do conceito de trânsito em julgado, o Ministro Edson Fachin propõe expressamente o abandono do teor literal do princípio em exame.

O Ministro Luís Roberto Barroso, também seguindo o voto do relator, apresenta fundamentação consistente para fundamentar a necessidade de implementar, nesse caso, o fenômeno da mutação constitucional. Nesse sentido, afirma existirem 3 fundamentos para a execução da pena após a decisão condenatória em segundo grau, sendo enriquecedora a leitura:

“I. A CF não condiciona a prisão – mas sim a culpabilidade, ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O pressuposto para a privação de liberdade é a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, e não sua irrecorribilidade. Leitura Sistemática dos incisos LVII e LXI do art. 5º da Carta de 1988.

II. A presunção de inocência é princípio (e não regra) e, como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes. No caso específico (…) com o interesse constitucional na efetividade da lei penal (CF/1988, arts. 5º, caput e LXXVIII e 144);

III. Com o acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação esgotam-se as instâncias ordinárias e a execução da pena passa a constituir, em regra, exigência de ordem pública, necessária para assegurar a credibilidade do Poder Judiciário”. (BRASIL, 2016)

Segundo Barroso, a mudança de entendimento, ainda, coibiria a infindável interposição de recursos protelatórios; valoriza a jurisdição criminal ordinária; torna mais igualitário o sistema punitivo e quebra o paradigma da impunidade.

À luz da análise inicial do presente trabalho sobre o conceito de presunção de inocência e seus elementos, verifica-se que o Ministro mantém a ideia de trânsito em julgado, mas insiste, conforme entendimentos outrora já manifestados, que ele não impede a prisão, mas sim efeitos outros de se considerar alguém culpado, muito embora não demonstre quais seriam tais efeitos.

O Ministro Luiz Fux, também aderindo ao voto do relator, por sua vez, é expresso em seu voto: “não há necessidade do trânsito em julgado”. Defende a singularidade da coisa julgada no processo penal porque a decisão seria imutável em segundo grau. Apenas excepcionalmente os tribunais superiores poderiam apreciar.

Defende que quando uma interpretação constitucional não encontra mais ressonância no meio social, ela fica disfuncional, o que viria ocorrendo com a interpretação da presunção de inocência.

A Ministra Cármen Lúcia afirma que condenação leva ao cumprimento da pena. Assim como o Ministro Barroso, não nega que o trânsito em julgado faz surtir efeitos específicos sobre a pessoa do condenado e, por sua vez, faz um esforço para definir quais seriam esses efeitos. Assim, afirma que o trânsito em julgado permitirá que o acusado seja considerado culpado. Ou seja, o carimbo da culpa, a esfera da culpa é que dependem do trânsito em julgado, e não o cumprimento da pena.

Dentre os ministros que votaram pela modificação do posicionamento do STF, o último a votar foi o Ministro Gilmar Mendes, que inclusive modificou o próprio entendimento manifestado em 2009.

Inicialmente, exemplifica que, no direito alemão, um recurso constitucional já se lançaria contra uma decisão transitada em julgado. Assim como o Ministro Teori Zavascki, entende que o núcleo essencial do direito fundamental à presunção de inocência consiste em impor o ônus da prova do crime à acusação.

Demonstra compreensão de que haja uma omissão constitucional quanto à conceituação da expressão culpado, afirmando que “a norma afirma que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da condenação, mas está longe de precisar o que vem a ser considerar alguém culpado” (BRASIL, 2016).

Conclui que seria natural a evolução da presunção de inocência de acordo com o estágio do procedimento, razão pela qual o tratamento progressivamente mais gravoso seria aceitável.

Conforme se verifica, são diversos os entendimentos e fundamentos para a modificação do posicionamento do STF. Entre os ministros, não se verifica qualquer dúvida sobre o conceito de trânsito em julgado, muito embora alguns, conforme afirmado, proponham simplesmente que a expressão seja ignorada na interpretação do princípio em comento.

Por outro lado, o Ministro Luís Roberto Barroso e a Ministra Cármen Lúcia buscam identificar as consequências de ser considerado culpado, nos termos da Constituição, muito embora, aparentemente, segundo o conceito proposto, o indivíduo, quando chegar a ser considerado culpado, poderá já não ter mais nenhuma consequência a sofrer, além de ter sobre si o peso da expressão, posto que todas as demais restrições de direitos já lhe poderão ter sido aplicadas.

É interessante também verificar os pontos fundamentais trazidos pelos Ministros que votaram contra a modificação do entendimento do STF.

Nesse sentido, a Ministra Rosa Weber reconhece como pertinentes as ponderações dos Ministros em posição oposta, relativos a questões pragmáticas da aplicação absoluta da presunção de inocência, mas vota vislumbrando um aspecto não suscitado pelos votos anteriormente narrados: opta por prestigiar o princípio da segurança jurídica, mantendo a jurisprudência da Casa. A Ministra critica a revisão da jurisprudência pela só alteração dos integrantes da Corte.

Mesmo havendo questões pragmáticas envolvidas, e por mais importantes que se revelem, entende que a solução não passa pela alteração da compreensão do STF sobre o tema.

O Ministro Marco Aurélio mantém o entendimento manifestado em 2009, reconhece também o problema da delinquência, da morosidade da Justiça, bem como a vivência atual de tempos de crise.

Enfatiza, entretanto, que a norma constitucional que prevê o direito fundamental à presunção de inocência não carece de interpretação, ante a clareza e precisão do texto.

O Ministro Celso de Mello inicia seu voto relembrando que a presunção de inocência seria uma notável conquista histórica do povo na luta contra a opressão do Estado, sendo importante destacar trecho de seu voto:

“A consagração da presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa – independente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja sido imputado – há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos e quaisquer efeitos, deve prevalecer até o superveniente trânsito em julgado da condenação criminal, como uma cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica das pessoas em geral”. (BRASIL, 2016)

Avançando, o Ministro enfatiza que a expressão “até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” foi inserida pelo constituinte conscientemente, e não em decorrência do acaso, razão pela qual seria inadequado invocar a prática constitucional de outros países sobre o tema. A menção ao trânsito em julgado impediria, ainda, o esvaziamento progressivo do conteúdo do princípio, ao decorrer das etapas do processo.

Por fim, o então presidente do STF, Ministro Ricardo Lewandowski, também repetindo entendimento manifestado em 2009, avalia que o comando constitucional possui taxatividade que não se pode ultrapassar.

Destaca que o entendimento da maioria no presente julgamento é contraditório, se comparado a recentes outros julgados da Corte, em que se reconheceu, exemplificativamente, a existência de um estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro.

Ainda, evidencia a existência de contradição, posto que as condenações ao pagamento de quantias pecuniárias, advindas da novel regulação pelo Novo Código de Processo Civil, tratam com mais cuidado o réu do que o processo penal, muito embora aqui o direito seja meramente patrimonial.

Verifica-se, portanto, por parte dos ministros que se manifestaram no sentido de que o princípio da presunção de inocência veda a execução antecipada da sentença condenatória, a possibilidade de aplicação literal do art. 5º, LVII da Constituição, conforme delineamentos iniciais do presente artigo.

Todavia, o atual entendimento é no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, podendo-se determinar o recolhimento à prisão do acusado que vinha recorrendo em liberdade, pelos inúmeros motivos apresentados, ao menos até que uma nova formação do Supremo Tribunal Federal estabeleça uma nova mutação constitucional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O julgado, conforme se depreende de todos os argumentos favoráveis e contrários ao novo entendimento, transmite uma sensação dúbia. Os votos dos ministros que acompanharam o sentido majoritário partem de premissas irretocáveis. Os aspectos pragmáticos referidos, a ausência de efetividade das decisões judiciais, por conta dos incontáveis recursos, o inchaço das atribuições do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a necessidade de fazer valer as decisões proferidas pelas instâncias ordinárias, tudo isso parece nos conduzir à necessidade de uma modificação do sistema e aponta para a possibilidade de cumprimento da pena imposta por tribunal de segunda instância como uma solução possível.

Todavia, as consequências das premissas estabelecidas nos levam a um meio duvidoso para o alcance do resultado proposto. É necessário que indaguemos se compete mesmo ao Supremo Tribunal Federal assumir esse papel, ultrapassando a taxatividade de norma constitucional, visando alcançar o progresso de que a sociedade necessita.

Nesse sentido, vale ressaltar que, no julgado recente, o Ministro Gilmar Mendes conta que, quando do julgamento do referido HC 84.078, o Ministro Peluso sugeriu a propositura, por emenda constitucional, da alteração do texto constitucional, de modo a fixar um termo relativo ao trânsito em julgado, de modo a determinar que os recursos especial e extraordinário fossem interpostos após o trânsito em julgado, que ocorreria uma vez julgado o feito em segundo grau.

A diversidade de entendimentos manifestados aponta para uma ausência de conceitos uníssonos aptos a sustentar qualquer entendimento por tempo suficiente para que se possa falar em segurança jurídica.

Aparentemente, o Supremo age mais uma vez na inércia do Poder Legislativo, que deveria estabelecer mecanismos de controle do sistema recursal atual, de modo fazer valer os demais princípios constitucionais, como a efetividade e a razoável duração do processo, de modo a instituir um sistema sólido e duradouro, em que o jurisdicionado não ficasse à mercê da próxima composição do STF.

Sem a pretensão de julgar o conteúdo final da decisão como bom ou ruim, devemos analisar também a atuação do STF, ao abandonar, expressamente, a literalidade da norma constitucional, para, em sede de mutação constitucional, restringir direitos e garantias fundamentais, em suposto benefício da coletividade. Afinal, como bem afirmou o Ministro Marco Aurélio, “há de vingar o princípio da autocontenção. Já disse, nesta bancada, que, quando avançamos, extravasamos os limites que são próprios ao Judiciário, como que se lança um bumerangue e este pode retornar e vir à nossa testa”.

 

Referências
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 8 jun. 2016.
BRASIL. Decreto 678 de 6 de novembro de 1992. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em 8 jun.2016.
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Informações Sobre o Autor

Flávio Reis Duarte

Bacharel em Direito pela PUC-Minas. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-Minas. Pós-graduando em Direito Processual Penal pela Universidade Anhanguera/LFG


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