Resumo: Ao considerarmos as normas constitucionais como as regras que servem de base para todas as demais, e tendo em vista as inovações legislativas no Direito Processual Penal no que tange as reformas de 2008, consubstanciada majoritariamente pela promulgação da Lei 11.960/2008, analisa-se neste trabalho o choque com princípios constitucionais, face às modificações nos artigos 155 e 156 do Título VII, livro I, do CPP. Sobretudo no seu distanciamento ao Princípio basilar da imparcialidade do magistrado e possíveis desdobramentos negativos afetos a presunção de inocência. Adentra-se inclusive no questionamento de validade de provas produzidas por magistrados e na eficácia jurídica do inquérito policial, quando embasado nas normas atinentes.
Palavras chaves: imparcialidade. Inocência. Provas. Inquérito. Lei nº 11.960/2008
Sumário: 1- Breve digressão sobre sistema criminal probatório brasileiro 1.1- Sistema da certeza moral do juiz ou íntima convicção 1.2- Sistema da certeza moral do juiz ou íntima convicção 1.3- Sistema da certeza moral do juiz ou íntima convicção 1.4- Sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional 2- Considerações sobre o procedimento dos inquéritos no ordenamento jurídico pátrio 2.1- Princípios processuais penais aplicados ao inquérito policial 2.2-Princípio da Presunção de Inocência 2.3-Princípio da imparcialidade 2.4- Princípio da verdade real 2.5 – Dignidade da pessoa humana 2.6 – Direito a não produção de provas contra si mesmo 3- Análise da reforma legislativa implantada pela lei 11.690/2008 no Código de Processo Penal com enfoque nas discussões de afrontamento aos princípios basilares criminais 3.1- Nexo entre os princípios constitucionais e as caraterísticas probantes do inquérito policial inerentes ao artigo 155 CPP 3.2- Considerações sobre constitucionalidade inerente ao artigo 156 CPP. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO:
Trata-se de um artigo que versa considerações sobre as reformas trazidas pela lei nº 11.960/2008 no âmbito do direito processual penal, essencialmente no que toca a duvidosa constitucionalidade quanto a possibilidade do magistrado produzir provas antes mesmo de iniciada a Ação Penal. Há uma breve digressão sobre o sistema probatório adotada em nosso ordenamento jurídico, com ênfase em tecer conclusões sobre essa aparente discrepância jurídica face alguns princípios da nossa Constituição Federal de 1988.
1- Breve digressão sobre sistema criminal probatório brasileiro
Provar é construir um arcabouço jurídico por constatações de fato e direito para que se chegue à tutela jurisdicional estatal. Em âmbito penal, pode-se dizer que é a grande vertente para se condenar ou inocentar o réu.
Para Claus Roxin, “probar significa convencer al juez sobre la certeza de la existência de um hecho”.[1]
Resta claro que a prova é associada à demonstração da verdade dos fatos, consubstanciada no direito de ação e de defender-se.
Há três grandes sistemas de apreciação da prova: sistema da certeza moral do juiz ou íntima convicção, sistema da certeza moral do legislador ou prova tarifada e sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional.
1.1 Sistema da certeza moral do juiz ou íntima convicção
O magistrado é totalmente livre para decidir, sendo dispensado de motivar sua decisão. Nesse sistema não há valorização de provas e o juiz assemelhasse a um “sábio supremo”, despido de parâmetro jurídicos ou lógicos. Para alguns doutrinadores a exemplo de Nestor Tavora e Rosmar Rodrigues Alencar, é “o sistema que preside, de certa forma, os julgamentos pelo Tribunal do Júrí em sua segunda fase, na atuação dos jurados, pois estes votam os quesitos sigilosamente, sem fundamentar.”[2]
1.2 Sistema da certeza moral do legislador ou da prova tarifada
Em síntese apertada, esse sistema é baseado na tarifação legal de cada espécie probatória, ou seja, cada prova tem seu valor de forma a termos umas com apêndice de importância muito maior que outras, restando ao juiz apenas de forma vinculada aplicar a valoração presente na lei ao caso concreto.
Há no nosso ordenamento jurídico o clássico caso do artigo 158 do CP, no qual é exigida nos crimes que deixam vestígios a necessidade de exame de corpo de delito, não servindo a confissão para suprir tal omissão.
Adiante, no artigo 167 do CPP abre-se uma solução para aqueles delitos que já não mais existe a possibilidade de realização do exame técnico, qual seja, a utilização dos relatos das testemunhas como forma de suprir a premente impossibilidade do exame.
Assim, demostra-se de forma clara uma tarifação probatória enraizada no sistema em comento.
1.3 Sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional
É o sistema basilar presente no ordenamento jurídico nacional. Nele, o juiz encontra-se livre para decidir e apreciar provas apresentadas ao processo, desde que faça de forma fundamentada. Não é outro o regramento presente na Constituição Federal residente no artigo 93, IX:
“IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.”
Pode-se citar também como prova da adoção do presente sistema pelo campo probatório nacional, o artigo 155 do CPP, verbis:
“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.”
O juiz é livre para avaliar o conjunto probatório em sua totalidade, não tendo hierarquia de provas ou tarifações legais, o que em suma, revela uma superação da liberdade contida no sistema da tarifação legal. Vale ressaltar que apesar da liberdade ofertada ao magistrado, deve o juiz se pautar pela cautela da fundamentação, o que afastaria discrepâncias liberatórias atinentes ao sistema da certeza moral.
Assim, pode-se afirmar que o sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional é um misto do que se tem de interessante nos demais estudados, pautados pela segurança de uma decisão fundamentada, sob pena inclusive de nulidade.
2- Considerações sobre o procedimento dos inquéritos no ordenamento jurídico pátrio
Ainda dentro dos institutos intimamente ligados a prova deve-se lembrar de que a atividade probatória criminal é nada mais que a forma de demonstração da verdade ou inverdade de algo penalmente relevante.
Ao recordarmos as características de um Inquérito Policial, veremos que via de regra é inquisitivo, vez que por não ser processo, não existe o amparo de defesa ou contraditório; é sempre oficial, pois é presidido por uma autoridade oficial pública nos termos do artigo 144, § 4, da CF; é sigiloso, já que a ampla divulgação das investigações pode frustrar a busca da verdade ou maquiá-la; é escrito, possuindo todos seus atos reduzidos a termo, consoante artigo 9 do CPP; é dispensável, tendo em mente que sua instauração não é obrigatória, já que a ação penal pode ser proposta pelo seu titular se dispuser de outros elementos que lhe confiram justa causa.
Ademais e em título enaltecimento do estudo, podem-se citar algumas exceções à regra da falta de ampla defesa e contraditório desse procedimento, como no inquérito para decretação da expulsão de estrangeiros e aquele instaurado para apurar falta administrativa, ou seja, neles há a presença da defesa ampla e do contraditório, excepcionado a regra inquisitorial.
Outra qualidade que inevitavelmente é de coerente tom tecer um comentário é a referente à dispensabilidade do procedimento. De fato, a ação penal pode ser instaurada por seu titular quando já embasados de justa causa, porém o desprezo do procedimento investigativo parece utópico quando se pensa na realidade enfrentada por nosso estado de direito, onde o primeiro braço público para se procurar tutela jurisdicional é irrefutavelmente à polícia.
Assim, tornar-se resistente acreditar que por mais dispensável que seja na teoria, na prática assim o seja. Portanto, é um instituto que merece maior atenção do legislador quanto aos seus regramentos, sobretudo probatórios.
2.1- Princípios processuais penais aplicados ao inquérito policial
Pelo fato de ser procedimento administrativo não significa que sua sucessão de atos não deva respeito a princípios basilares do direito processual criminal, sobretudo os que guardam residência na Carta Política de 1988.
2.2- Princípio da Presunção de Inocência
Para que se prove que alguém é culpado é necessária uma sentença condenatória transitada em julgado em desfavor do réu. (art.5º LVIII, CF/88)
Assim, em inquéritos policiais nunca existiram culpados, ainda que o contexto fático probatório pese demasiadamente contra a inocência do indiciado, o relatório da autoridade policial deve se limitar a aduzir o ocorrido e somar a colheita de provas para a formação da opinião delitiva do titular da ação.
Sendo assim, delegados de carreira essencialmente por não possuir opinião delitiva não podem se distanciar da presunção de inocência dos investigados.
2.3- Princípio da imparcialidade
De inicio poder-se-ia causar certa estranheza a aplicação de tal Princípioao inquérito policial, até pela falta de magistrado e processo, contudo, sem se distanciar do fato que o juiz pode por vezes intervir na fase da persecução inicial, seja na decretação de medidas cautelares ou até mesmo na produção de provas como nesse estudo se debruça, tornando-se crucial sua aplicação.
Ainda assim não pode o Estado se afastar do zelo pela imparcialidade e o grande embate que se ventila nesse estudo é justamente a prerrogativa por assim dizer que um magistrado, abarcado pelo regramento dos artigos 155 e 156 do CPP pode quando desfreado ocupar a posição de acusador, atacando tal princípio, pois difícil é a conotação de imparcialidade quando se manda produzir as provas pelo mesmo órgão jurisdicional que as julgará.
Em suma, há uma grande possibilidade de afastamento da isenção processual na condução da persecução criminal que pode desastrosamente culminar em julgamentos recheados de subjetivismo injustos.
2.4- Princípio da verdade real
A busca pela verdade real é almejar o que realmente ocorrera para assim aplicar o direito. Deve-se afastar qualquer desídia investigativa na colheita de provas e superar as falhas com a busca pelo que transcende o papel, indo ao encontro da verdade ocorrida no momento do suposto fato típico.
Importante notar que a verdade real é a intenção, mas não deve ser conseguida a qualquer custo. Há limites para seu encontro. Para provar isso, temos o artigo 5º, LVII, da CF/88 e o artigo 157 do CPP prescrevem que são inadmissíveis as provas colhidas com afronta a legalidade ou por meio ilícitos.
Ferrajoli argumenta que a “a impossibilidade de formular um critério seguro de verdade das teses judiciais depende do fato de que a verdade certa, objetiva ou absoluta representa sempre expressão de um ideal inalcançável”[3]
Assim, partindo do pressuposto que o conceito de verdade não é unívoco, o seu alcance e seus limites passam pelos atores dos sujeitos probatórios da investigação criminal. Tudo pode ser relativo quanto as verdades buscadas.
E nesse diapasão, a reforma trazida pela lei que acoberta este estudo, no que toca essencialmente a modificação do artigo 156 do CPP permite ao magistrado ainda no curso do inquérito policial a famigerada determinação de produção de provas que em um singelo toque de afastamento da proporcionalidade e razoabilidade por acarretar severas injustiças.
Nas lições de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues “Não pode o juiz, advirta-se, substituir-se à atuação das partes na produção probatória. O papel do magistrado é complementar, objetivando esclarecer a dúvidas sobre ponto essencial à demonstração da verdade. A proatividade do julgador em determinar a produção de provas encontra limites na imparcialidade exigida para o julgamento do feito.”[4]
2.5 – Dignidade da pessoa humana
Presente na Constituição Federal de 1988, no artigo 1º, III, como um fundamento nada mais é do que a busca pela defesa dos direitos basilares do individuo e da coletividade.
Nele há impregnação de garantias essências a condição mínima de sobrevivência em meio social. Trata-se de verdadeiro garantidor, salvaguarda contra qualquer mazela que coloque em perigo a degradação das garantias dos indivíduos.
Em âmbito de investigação inquisitorial, o princípio se consubstancia na limitação que o Estado tem de adentrar na vida do acusado, de forma a impor acusações sem a devida fundamentação ou motivar ações investigativas que abalem a condição do individuo como interrogatórios a base de agressões, oitivas forçadas, torturas, etc.
2.6 – Direito a não produção de provas contra si mesmo
O constituinte de 1988, quando regrou sobre os direitos e deveres individuais, trouxe à tela dentro outros, a garantia fundamental de todo cidadão quando preso permanecer calado sem que isso pese negativamente em seu desfavor, respectivamente, no artigo 5º, LXIII, da carta política.
O nemo tenetur se detegere foi claramente expirado no artigo 8º, §2º, alínea g, do Pacto de San José da Costa Rica e resguarda ao cidadão a possibilidade de se quedar inerte quanto a produção de provas em seu desfavor. No procedimento investigativo inquisitivo é princípio que deve ser observado com grande aplicabilidade, pois não pode o Estado forçar o acusado a agir contra seu interesse.
O Estado, contudo, deve utilizar todas as possibilidades legais para que se apure a culpabilidade de determinado infrator, permitindo sua punibilidade. Há, todavia, limites para essa intenção e o princípio em tela é um deles.
3- Análise da reforma legislativa implantada pela lei 11.690/2008 no Código de Processo Penal com enfoque nas discussões de afrontamento aos princípios basilares criminais
A análise da Lei 11.690, de 9 de junho de 2008, com vigência iniciada em 11 de agosto de 2008 alterou dispositivos do CPP brasileiro, constantes do Título VII do Livro I e tornou-se matéria de relevante importância para aqueles que estudam o assunto.
A lei modificou basicamente a parte do CPP que trata das provas no direito processo penal. Uma análise crítica detalhada parece cada vez mais necessária, com o objetivo de abordar as alterações do CPP promovidas por aquela legislação.
Antes, é necessário trazer à tela que são muitas as modificações advindas da citada lei, contudo, todas se fazem presente dentro da parte probatória da persecução. Nessa vertente, analisaremos de forma mais minuciosa as conseqüências consubstanciadas nos artigos 155 e 156 do Código de Processo Penal, que são artigos que tecem conexões com as provas produzidas por iniciativa do magistrado.
Há algum tempo, já existe entendimento em grande parte da doutrina e jurisprudência na esteira do magistrado não poder fundamentar sua decisão única e exclusivamente pela produção de provas colhidas somente na fase do inquérito policial, salvo as cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Em síntese, a prova é denominada cautelar quando é movida pela necessidade e urgência (ex. interceptação telefônica), já as irrepetíveis são as de fácil perecimento (ex.embriaguez) e as de produção antecipada são as instauradas perante o juiz, mesmo durante o trâmite do inquérito, já fixando a prevenção, devendo o magistrado convocar as futuras partes do processo e promover ao contraditório e ampla defesa (ex. oitiva de testemunha em leito de morte).
3.1– Nexo entre os princípios constitucionais e as caraterísticas probantes do inquérito policial inerentes ao artigo 155 CPP
Importante ressaltar que pelo princípio do livre convencimento conforme já exposto, o magistrado é livre para apreciar as provas, todavia, ao decidir e homenagem a persuasão racional, deve necessariamente fundamentar seu ato de império com provas produzidas essencialmente nos autos do processo.
Ao observarmos o parágrafo único do artigo 155 do CPP é determinado que o magistrado não pode condenar um acusado tão somente pela produção probatória do Inquérito. Ora, ao ratificar esse entendimento, faz-se questionável, talvez até cogitável a necessidade de sua existência. Pelo entendimento contemporâneo, pós CF/88, tudo no campo probatório sempre deve passar, irrefutavelmente, pelo crivo do contraditório, não podendo jamais o magistrado apenar alguém por via basilar exclusivamente do que se tem no Inquérito.
Assim, não é radical afirmar que o Inquérito Policial às vezes não passa de um “nada condenatório”, no sentido de que não pode haver condenação penal fundada exclusivamente nele, visto que é desenvolvido despido da ampla defesa e do contraditório, o que muitas vezes acaba por ilustrar possíveis futuras nulidades procedimentais e consequentes absolvições sombrias de delinquentes natos.
Aqui, entretanto e como foco principal, não se questiona a validade do inquérito policial, apenas interrogam-se os ajustes que o legislador vem fazendo e dos consequentes detrimentos desse instituto investigativo por excelência. Quanto a sua necessidade, parece irrefutável a sua necessidade para a formação da segurança quanto à justa causa para uma futura ação penal. Prova disso, é a dificuldade existente, hoje em dia, da propositura de uma ação penal sem um inquérito policial bem feito preliminar, com todos os seus requisitos legais observados.
Suplica-se, então, a necessária intenção de maior constitucionalizar o inquérito, face às implantadas mudanças trazida pela Lei 11.690/2008, debruçar-se fundamentalmente sobre as lacunas trazidas pelo artigo 155, alvo da reforma. Ao analisar a literalidade do dispositivo, vemos:
“Art155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. (grifo nosso)
Assim, ao notar-se o advérbio “exclusivamente” constante no texto legal, fica evidente que o inquérito policial não pode servir sozinho para a sentença condenatória, podendo ser utilizado somente como argumento de reforço de prova colhida que passe futuramente pelo contraditório.
Proclama-se como uma medida solucionadora desse vício formal existente, uma possibilidade legislativa de se observar no Inquérito Policial a necessidade iminente de manifestação de defesa, naturalmente naquelas investigações mais complexas, pois nestas o tempo real do procedimento investigatório tornar-se um adversário da produção real de provas e por consequente da justiça.
Não se reclama por um contraditório semelhante ao que existirá em ação futura, com defesa extremamente ampla e irrestrita, mas uma espécie dele, que ao menos delimite simultaneamente, a segurança do sigilo procedimental e, sobretudo não frustre totalmente a possibilidade de utilização de provas produzidas nele para uma condenação futura, tão somente pela argumentação defensiva de falta de defesa ou desprezo ao artigo 5, LV, da CF/88.
Nessa esteira, poderia se pensar em um leque maior de abertura para as provas produzidas no procedimento serem banhadas pela constitucionalização contraditória e essencialmente não importarem nas exceções legais já tipificadas, que em realidade podem jogar ao chão investigações trabalhosas por falhas face princípios constitucionais. Trazendo à tela, brechas para nulidades que podem ser supridas por uma melhor regulação legislativa na produção probatória embasada nos preceitos da CF/88.
Ao delimitar a possibilidade validação condenatória apenas em provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, o universo probatório que necessariamente oferece corpo condenatório a partir do procedimento preliminar é muito diminuto e quase sempre fadado à falha, sobretudo pela demora do próprio judiciário brasileiro.
Esse artigo inevitavelmente oferece ensejo aos criminosos dados às práticas de delitos rebuscados e de necessária investigação complexa, pois na medida em que restringe as possibilidades do primeiro procedimento investigatório do Estado de direito, reflete em consequências trágicas como a absolvição de culpados, pela ineficácia da máquina estatal probante ou até mesmo pela demora de se constitucionalizar uma prova residente no inquérito que não seja cautelar, não repetível ou de produção antecipada.
3.2- Considerações sobre constitucionalidade inerente ao artigo 156 CPP
Quanto ao artigo 156, à inovação trazida pela reforma, vem justamente trazer à baila uma duvidosa constitucionalidade sobre a produção de provas no inquérito policial.
Preliminarmente, faz necessária a análise do artigo em comento:
“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Acrescentado pela L-011.690-2008)
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
No inciso I reside uma das maiores inconstitucionalidades provenientes de interpretação gramatical expressa dentro do direito processual penal brasileiro.
Dos doutrinadores clássicos aos mais contemporâneos, há uma unanimidade sobre a permanência estática do magistrado face aos fatos que devem lhe ser inicialmente apresentados. A iniciativa do magistrado ex officio até encontra respaldo no direito criminal brasileiro, mas tão somente após sua provocação preliminar. Bom exemplo para ilustrar tal argumento é a possibilidade de decretação da prisão preventiva por iniciativa do juiz, mas somente após o conhecer da ação penal pelo membro da magistratura.
O legislador ao impregnar no inciso I do artigo 156 do CPP a possibilidade de ordenação, mesmo antes de iniciada a ação penal a produção de provas deixa certo ônus de prova ao juiz, todavia, de infeliz parâmetro quando analisado à luz do sistema reitor acusatório brasileiro. Leva ao órgão julgador uma atividade proativa probatória, ainda dentro do inquérito policial demasiadamente incompatível com a imparcialidade que se espera do togado.
Nunca é demais lembrar que o magistrado não é parte. E a possibilidade conferida pelo legislador em tal inciso embala a imparcialidade do magistrado em parcialidade, pois quando se pede a determinação de certa prova, se aduz em linhas gerais a possibilidade de incriminar ou absolver alguém face esta e no diapasão de tal inciativa partir de quem futuramente irá valorá-la, indiscutivelmente será de grande tida como de grande relevância, ainda que não o seja.
Em consonância ao artigo 156, I, do CPP, o magistrado pode antes de inaugurada a ação penal, realizar diligências de ofício, ordenando a produção de provas antecipadas, inevitavelmente, é ferido o princípio da imparcialidade do Estado-Juiz. O juiz produzir uma prova antes de quebrada sua inércia é atentar contrariamente contra a presunção de inocência do possível réu. Deixa-se, então de ser imparcial, e no auge da sua parcialidade, togado por essa lacuna legal, pode transferir-se temerariamente para o lado acusador, abraçado com a acusação, pleiteia meios de condenar determinado acusado.
Afora esse aspecto, não podemos nos furtar ao esquecimento que o magistrado ao ordenar a produção de determinada prova vicia o seu futuro julgamento sobre ela. É humanamente impossível buscar-se algo embasado em justificativas pessoais, e refutá-lo mais tarde como inconveniente para a instrução probatória processual. Assim, parece óbvio que com tamanha prerrogativa gerada pela reforma estudada, a decisão do juiz pode ser eivada de vícios extremamente perigosos para o andamento justo da busca pela verdade real.
Para Eugênio Pacelli de Oliveira, “… nenhuma providência deve ser tomada de ofício pelo magistrado, para fins de preservação de material a ser colhido em fase de investigação criminal. Nem prisão de ofício e nem qualquer outra medida acautelatória, até porque deve ser acautelado, em tais situações, é a investigação e dela não há de cuidar e nem por ela responder o órgão da jurisdição. Bastar lembrar, ainda, que o juiz sequer levará em consideração, por ocasião da sentença, as provas ou elementos indiciários colhidos na fase de investigação, consoante se vê, agora, por força da lei nº 11.690/2008…”[5]
Adiante, o respeitado doutrinador é enfático ao afirmar “O juiz não poderá desigualar as forças produtoras da prova no processo, sob pena de violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ambos reunidos na exigência de igualdade e isonomia de oportunidades e faculdades processuais.”[6]
Noberto Avena, em seu curso Curso de Processo Penal Esquematizado ventila uma possibilidade interessante de comunhão entre a produção de provas de iniciativa do juiz e a sua famigerada constitucionalização. Para o doutrinador, o juiz não pode se quedar estático em face da letra fria da lei, devendo assumir postura dinâmica para se coadunar com a atual estrutura constitucional que o processo criminal reclama.
Apesar de demonstrar certa inovação de entendimento, é tradicional ao se aliar a doutrina já exposta quando argumenta que “há que se ter em mente que a ordem judicial ex officio de produção antecipada de provas deverá ocorrer apenas em caráter excepcional, justificando-se muito na necedade de elucidação de crimes graves, como tais considerados aqueles cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, os delitos capazes de gerar mal coletivo (v.g., tráfico de drogas que causa prejuízo a número indeterminado de pessoas) e os causadores de elevada perturbação no meio social.”[7]
Na tentativa de transcender o regramento duvidoso, entende-se como crucial nessa produção requisitada pelo magistrado e em homenagem a verdade real dos fatos a comunhão de três requisitos salvadores constitucionais quais sejam, necessidade, adequação e proporcionalidade. Onde a necessidade é a demonstração estrita da necessidade de produção de tal prova para que se evite sacrifício de outros bens; adequação, como sendo a pertinência da prova com intuito de elucidação futura do fato; e proporcionalidade, traduzindo-se no balanceamento dos princípios igualmente importantes tanto da atividade judicante quanto do regular processo constitucional.
É temerário, entretanto, a legislação não regulamentar perfeitamente a eficácia e aplicação de tais institutos, deixando margem a entendimentos diversos e principalmente a alguns que se afastem das garantias constitucionais. Não se requer diminuir o poder dos membros da magistratura, o que se reclama, portanto, são institutos claros, com pouca margem de dúvidas ou integrações, pois indubitavelmente onde há questionamentos na lei existirá campo fértil para injustiça.
CONCLUSÃO
Parece não restar dúvida da necessidade do Estado-juiz num processo penal buscar a verdade real dos fatos, até porque o objeto sancionador quase sempre é a prisão, o que quando presente de forma indevida afronta o princípio da inocência constitucional, jogando ao chão também o princípio da dignidade da pessoa humana.
Não pode, todavia, antes de ser acionado, o magistrado ainda na fase de persecução instrutora, agir como acusador, e buscar desenfreadamente provas de ofício que possam agravar a situação do possível delinquente. Essa produção de prova ex officio desmedida e determinada por quem futuramente a julgará, pode inevitavelmente banhar de um temoroso senso acusatório o juiz da causa, fadando sua imparcialidade de morte, implicando em um julgamento obscuro, rechaçado pelo direito.
Atualmente parece difícil uma persecução criminal distinta da atuação da policia, pois é na imensa maioria das vezes, o primeiro viés encontrado pelos que buscam a tutela jurisdicional. O que reputa como extremamente excepcional o caminho para o encontro da justa causa dissociada do inquérito de policial. É bem verdade que para alguns crimes menos complexos, tal procedimento se faz dispensado, porque nestes, as provas não são de difícil constatação, todavia, para quase totalidade esmagadora de fatos penais relevantes é de crucial importância a boa colheita das provas a cargo do instituto investigatório.
E nessa linha de raciocino, não podemos desprivilegiar o inquérito policial de mecanismos de defesas quanto à projeção de nulidades nas ações penais futuras que se utilizarão da colheita de elementos probatórios dele, sobretudo por falhas no próprio sistema investigatório jurídico vigente. Fato que pode refletir na irresponsabilização do acusado, não por sua completa excludente de culpabilidade, mas pela ineficiência do poder instrutório criminal, que por vezes já se traduz em grandes teses de defesas procedimentais, deixando de lado o crime em si e ajudando a proliferar a sensação de impunibilidade no meio social.
Informações Sobre o Autor
Caio Lucas Brito Silva Magalhães
Bacharel em direito pela Universidade Católica de Salvador. Advogado coordenador do departamento jurídico da Associação de Militares de Salvador Bahia