Em nossas próximas colunas, realizaremos um esforço de análise e compreensão do instituto da “proteção de vítimas e testemunhas”, buscando, sem pretender esgotar o assunto, trazer novas idéias ao debate na comunidade jurídica.
A importância da prova testemunhal
Mais provas técnicas e menos provas testemunhais. Assim está desenhado o futuro do processo penal. As ciências auxiliares da justiça se aprimoram a cada dia de forma a proporcionar aos operadores do direito maior certeza a respeito da existência de fatos criminosos. Exames de DNA, grafotécnicos, de comparação de materiais, de reconhecimento de vozes, documentoscópicos e outros são cada vez mais utilizados para a comprovação de fatos. Micro-câmeras e interceptadores de conversas atestam a existência de diálogos e encontros de pessoas. A cada passo da evolução a prova testemunhal torna-se mais complementária e menos incisiva para a formação do contexto probatório do processo criminal. A prova testemunhal torna-se, por assim dizer, prova coadjuvante do processo. Essa é a tendência probatória do processo penal moderno.
Mas nem por isso pode ser dispensada. Há situações que exigem certificação por intermédio de depoimentos. Situações que máquinas não conseguem captar e que são perceptíveis somente através dos sentidos humanos na plenitude de detalhes que se exige para a comprovação do fato.
A prova testemunhal é no fundo o processamento dos dados elaborados pela mente humana a partir da captação de determinados fatos através dos sentidos. O retrato de um fato (pela visão), em conjunto com o eventual ruído produzido (audição) e processados pela compreensão da situação formam em geral as circunstâncias relatadas pelas testemunhas aos Juizes, embora raras vezes, tato, odor e paladar também possam refletir dados auxiliares importantes.
Há que se considerar contudo que a testemunha geralmente esteja envolvida pelo meio da situação que presencia e que pode ocorrer em questão de segundos. Outros fatores como o cansaço, a falta de visão perfeita, a distância do pensamento e o estado de nervosismo também podem alterar a verdade da transmissão dos dados ao cérebro humano. Isso poderá acarretar interpretação equivocada da cena ocorrida. Não nos referimos aqui a interpretação subjetiva da situação, aquela que exige a formação de juízo de valor do que foi presenciado, mas sim da interpretação objetiva, que significa um retrato equivocado a partir de transmissão distorcida da imagem recebida pela mente. Isso evidentemente pode levar a testemunha a uma conclusão errônea a respeito daquilo que foi a realidade dos fatos – ou seja, daquilo que efetivamente aconteceu. Um árbitro de futebol por exemplo muitas vezes “pensa” ter visto uma falta (um pênalti) e a interpretação exige-lhe uma resposta quase simultânea de conclusividade – e o vídeo-tape comprova que a falta na verdade não existiu. Essas assertivas são mais válidas evidentemente para aqueles fatos que acontecem em instantes.
Há outros, entretanto, que integram toda uma conjuntura ou uma seqüência de fatos que são presenciados em situações mais favoráveis, ou no dia-a-dia, os quais são evidentemente mais firmemente atestados. Suponha-se o caso em que uma testemunha que trabalha na mesma repartição da pessoa suspeita, que percebe que esta manteve comportamento estranho, diferenciado, nervoso, na manhã do dia em que ocorreu o crime que se investiga, sendo ele o suspeito principal. Trata-se evidentemente tão somente de indício que, somado a outros pode configurar a demonstração da autoria.
Conclui-se portanto que a prova testemunhal tem valor relativo e diretamente proporcional à própria situação relatada. Por estas razões deve incumbir ao Juiz de Direito a interpretação dos testemunhos, considerando-os mais ou menos valiosos à comprovação de fatos e situações, conforme esteja convencido serem mais ou menos convincentes em relação às situações que destinam retratar.
A prova testemunhal entretanto torna-se clara adversária da busca da verdade real na medida em que a testemunha sinta-se intimidada e temerosa de depor, com medo de retaliação por parte dos acusados. Já não se trata de colher testemunho com eventual distorção de compreensão, mas imbuído de temerosidade seguida de alteração proposital para distorcer os fatos de forma favorável ao acusado e assim, via indireta, proteger-se ou ao menos sentir-se mais protegido de eventual vingança.
Há que se considerar ainda que a prova testemunhal, chamada por alguns de “prostituta das provas”, pode consistir em versão mentirosa dos fatos. Existem, é certo, mecanismos legais para que a testemunha mentirosa seja processada (art. 342 do Código Penal). Mas também é verdade que enquanto se verifica se a afirmação foi mentirosa, aquela prova processual fica sem solução, e portanto sem consideração. Quanto mais importante for a prova testemunhal, tanto mais difícil fazer contraprova da sua mentira, já que considerada essa situação, que ela revela-se de fato importante na causa, tanto quanto mais raras sejam outras provas dentro do mesmo processo. Em outras palavras, se a prova testemunhal é muito importante para a causa, isto pode significar também que há poucas outras a serem trazidas; outras que estariam direcionadas no mesmo sentido de forma a corroborá-la, e então, sem outros elementos de convicção torna-se mais difícil contestá-la. Então ficamos diante do seguinte dilema: Se a prova testemunhal é importante, por ser exclusiva ou quase exclusiva em relação a determinado fato, não se pode dela prescindir, e assim, se for falsa, dificilmente se poderá contestá-la; mas por outro lado, se ela não for importante, pode-se dela prescindir, justamente porque há outras no mesmo sentido tornando-a desnecessária. Este raciocínio fortalece ainda mais o entendimento de que o processo anseia por provas técnicas, ou melhor, por provas variadas, de forma que umas complementem o teor das outras, formando-se um contexto probatório variado e assim se possa, com mais firmeza, alcançar o convencimento a respeito da demonstração da verdade real.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Batlouni Mendroni
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia