Resumo: Nesta reflexão, buscamos identificar e tecer considerações sobre as várias formas de atuação das Fazendas Públicas diante da recuperação de créditos nos espólios falimentares, assim como enfrentamos alguns temas de relevante debate na atualidade sobre o tema falimentar.
Palavras chave: Falências fazenda pública ações fiscais inovações execução fiscal habilitação de créditos cautelar fiscal.
ESPÉCIES DE CRÉDITOS PÚBLICOS COMUNS EM FALÊNCIAS
Várias são as espécies de créditos públicos apuráveis no espólio falimentar. Os mais comumente encontrados são os de natureza fiscal (impostos, taxas, multas penais tributárias, contribuições sociais gerais e de melhoria, das esferas municipal, estadual e federal, conforme a atividade da falida), os de natureza previdenciária, como contribuições patronais ao regime geral de previdência social, e também multas e créditos apuráveis no Juízo Trabalhista, contribuições a Fundos como FNDE e FGTS, restituição de verbas oriundas de incentivos fiscais cuja contrapartida empresarial foi descumprida, restituições de retenções de imposto de renda na fonte de empresas, profissionais liberais e empregados, assim como contribuições previdenciárias retidas e não repassadas aos cofres públicos, dentre outras possibilidades.
A maior parte destas espécies de créditos constará do quadro de credores em posição privilegiada, em regra após somente dos créditos trabalhistas, de acidentes do trabalho e de direitos reais no limite da garantia real. A forma de composição do quadro de credores, com sua ordem, está prevista no artigo 83 da Lei 11.101/2005.
As restituições tem regência diferenciada, na medida em que se entende que os valores e bens restituíveis não pertencem ao espólio falimentar, de maneira que não farão parte dos ativos da massa e serão restituídos tão logo essa sua natureza reste pacificada, pelo consenso ou por decisão judicial. Inclusive, é de se restituir valores e bens a quem de direito antes mesmo de se liquidarem os créditos trabalhistas, pois vale o raciocínio acima explanado.
FORMAS MAIS COMUNS DE ATUAÇÃO EM FALÊNCIAS
EXECUÇÃO FISCAL
A ação judicial de execução fiscal da Lei federal 6.830/80 é de longe o instrumento mais comum de interação das Fazendas Públicas com o espólio falimentar, uma vez que é a regra geral, o meio natural dos entes públicos buscarem seus créditos perante os devedores de qualquer espécie, inclusive diante da massa falida.
Exceção à regra da universalidade do juízo da falência, mas não a única exceção, o processo de execução fiscal que tramitava contra a empresa antes de sua falência permanece transcorrendo perante o mesmo juízo inicial e natural, mesmo com a decretação da quebra. As ações de execução fiscal que vierem a ser distribuídas após a quebra, obedecem a mesma regra de competência de sempre, como se falida não fosse a empresa executada, ou seja, não são atraídas pelo juízo falimentar.
O fundamento de tal condição é o disposto pelo caput e §7º do artigo 6º da Lei Federal 11.101/2005 e artigo 76, do mesmo diploma legal.
É de se considerar que, casualmente, pode acontecer dos juízos da execução e falimentar serem idênticos, especialmente em comarcas e circunscrições ondem inexistem varas judiciais especializadas numa ou noutra matéria, o que pode fazer com que uma vara não especializada, generalista, ou uma das varas cíveis por distribuição, acabem tramitando, ao mesmo tempo, a falência e os executivos fiscais.
AÇÃO DE RESTITUIÇÃO
Ação de conhecimento com rito especial descrito no artigo 85 da Lei de Recuperação Judicial e Falências, é o meio hábil para que a Fazenda Pública obtenha a entrega de bens ou valores que, embora na posse do espólio falimentar, pertencem ao acervo público, por exemplo (podem pertencer ao particular).
Exemplos comuns são as contribuições previdenciárias ao regime geral de previdência social de empregados e de terceiros prestadores de serviços que devem ser retidas pela empresa e repassadas ao Tesouro. Essas contribuições não são ônus da empresa, mas de terceiros (empregados ou prestadores). A empresa atua apenas como auxiliar no recolhimento, retendo dinheiro diretamente dos pagamentos que efetuar a terceiros obrigados, e repassando os respectivos valores ao Caixa Público.
Quando a empresa vem a quebrar e não realiza o repasse destes valores efetivamente retidos dos terceiros, deve a massa falida entregar tais valores ao Tesouro, prioritariamente e de forma dissociada do encontro de ativos e passivos do espólio.
Outros exemplares clássicos de verbas restituíveis são o Imposto de Renda Retido na Fonte e o PIS.
HABILITAÇÃO DE CRÉDITOS
A Fazenda Pública pode buscar algumas espécies de créditos diretamente no processo falimentar através de habilitação dos haveres nos autos. Por exemplo, verbas obtidas em sentenças judiciais transitadas em julgado que não necessitam de inscrição em dívida ativa para serem exigíveis, como honorários sucumbenciais e despesas processuais adiantadas, bem como contribuições e impostos objeto da condenação judicial imposta nos autos trabalhistas.
Entendemos ainda que, a depender do caso concreto, pode ser interessante ao Fisco a “habilitação” ou comunicação inicial ao Administrador Judicial dos créditos públicos devidos pela falida, a fim de que o síndico os inscreva na relação preliminar de credores apurada com base no art. 7º da Lei Falimentar. Tal alternativa, que adiante aprofundaremos, é opção admitida pelo Superior Tribunal de Justiça que tem o potencial de dar mais agilidade e efetividade à atuação da Fazenda Pública em juízo.
O procedimento para a HABILITAÇÃO propriamente dita dos créditos nos autos falimentares, incidente que se dá em autos apensos aos falimentares, está previsto pelo art. 9º da Lei 11.101/2005.
Há profundo debate sobre o cabimento de habilitação, penhora no rosto dos autos ou execução fiscal autônoma em razão de verbas obtidas pela União em processos trabalhistas, aí incluídas as contribuições previdenciárias e IRPF devidos em razão das verbas trabalhistas resultantes de condenações impostas à massa ou à empresa ou composições assumidas por esta anteriormente à quebra.
Tal assunto é, inclusive, objeto de Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, PGFN/CRJ 482/2010. A discussão, todavia, se mostra mais acadêmica do que efetivamente útil, na medida em que todas as configurações que se queiram fazer prevalecer, na realidade, dependem do efetivo pagamento dos créditos trabalhistas e da sobra de ativos para os créditos públicos, e em qual medida.
Partimos da premissa de que o fato gerador destes tributos, retidos pela empregadora dos direitos econômicos do trabalhador são, na regra geral, a disponibilidade econômica antecedente. Logo, sem o efetivo pagamento ao trabalhador, não se pode falar em fato gerador de imposto de renda ou de contribuição previdenciária do empregado.
Desta forma, somente se terá o respectivo recolhimento do tributo retiro, quando este for retido, e nunca antes. Logo, somente no efetivo pagamento das verbas trabalhistas se poderá recolher os correspondentes IRRF e contribuição previdenciária do empregado. Esta retenção e repasse, entendemos, deve ser procedida pelo Administrador Judicial da massa falida.
Já no que toca à parcela devida pelo empregador, agora massa falida, tem-se regime diverso, vez que se consolidou o entendimento (Resp 419667) de que o fato gerador da contribuição do empregador (patronal) se dá em momento distinto e independente do pagamento efetivo das obrigações trabalhistas, incidindo sobre a folha de salários.
Assim, não importa ao fato gerador se o salário do empregado foi pago ou não, devendo o empregador o tributo com base na folha de pagamento do mês da incidência da contribuição.
Desta forma, se há lançamento através de declaração ou autuação fiscal, deverá haver a inscrição em dívida ativa e execução correspondente, penhorando-se o crédito no rosto dos autos da falência, ou habilitando-o, conforme a opção procedimental do ente, uma vez que ambas as iniciativas são válidas (REsp 967626), lícitas e reconhecidas, com eficácia assemelhada.
Por outro lado, inexistindo lançamento por declaração ou autuação fiscal (de ofício), mas mera apuração da contribuição patronal nos autos do processo trabalhista, há a dívida exigível desde o trânsito em julgado da sentença trabalhista, devendo o crédito ser habilitado na rubrica do inciso III do artigo 83 da lei 11.101/2005, por se tratar da medida menos burocrática, portanto, mais rápida e eficaz. Sim, pois não se justificaria inscrever em dívida ativa um crédito reconhecido em sentença definitiva, transformando um título judicial em extrajudicial (CDA) para iniciar com ele uma nova ação e conceder possibilidade de impugnação a um crédito já transitado em julgado.
Na mesma linha de raciocínio da situação antecedente, é possível a habilitação no processo concursal do crédito oriundo da Justiça do Trabalho ou sua penhora no rosto dos autos falimentares para que fosse pago em direção aos autos trabalhistas. No confronto das possibilidades, a habilitação é evidentemente mais apropriada ao objetivo de obter em concreto a receita.
Neste sentido proveu inclusive o art. 99 da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, orientando os Juízes Trabalhistas a expedir certidões do crédito público para habilitação junto aos falimentares.
AÇÕES CAUTELARES
Outro instrumento comum de atuação da Fazenda Pública quando trata de ações fiscais em geral é a ação cautelar, seja a ação cautelar geral (inominada), seja a especialíssima ação cautelar fiscal.
A ação cautelar, como regra geral, tem por objetivo a preservação de determinada situação de fato ou de direito para assegurar a efetividade de uma futura ação material (assegurar a efetividade do provimento judicial futuro).
Quando se trata de buscar créditos públicos contidos no espólio falimentar, especialmente quando a massa não comportar a liquidação integral dos créditos fazendários, a ação cautelar fiscal instituída pela Lei Federal 8.397/92 se mostra uma ferramente útil, quando não determinante para o sucesso da iniciativa excussiva.
Ela normalmente encontra escopo na dilapidação patrimonial da massa por qualquer agente, ou pela dilapidação ou ocultação de bens pessoais pelos falidos com responsabilidade solidária, já reconhecida ou que o possa ser.
Paralelamente a esta espécie processual, a Fazenda tem a opção de utilizar-se da ação de responsabilização pessoal de que trata o art. 82 da Lei 11.101/2005, que possui previsão de tutela cautelar com efeitos assemelhados, porém com resultados finais distintos. Tal dilema será objeto de análise mais adiante.
Há também, em tese ao menos, a possibilidade das cautelares de arresto, arrolamento e atentado.
INTERVENÇÕES DIRETAMENTE NO PROCESSO FALIMENTAR
Não é defeso à Fazenda Pública, também, quando do seu interesse justificado, peticionar e requerer nos próprios autos da falência. Embora seus interesses econômicos independam diretamente do processo de apuração de ativos e passivos da falida, indiretamente a influência é drástica. Por tal razão, conforme se mostre interessante ou útil, poderá atravessar petições nos autos requerendo providências que julgar devidas.
Casos evidentes em que há motivação razoável para a Fazenda intervir no falimentar são a impugnação de créditos arrolados pelo síndico ou algum pretenso credor (art. 8º, caput), ou também quando o Juízo anuncie a preterição das restituições ao Tesouro, ao pretender pagar antes os créditos trabalhistas ou acidentários.
Nestes casos a Fazenda poderá, inclusive, manejar os recursos respectivos ao tribunal competente para a matéria falimentar (estadual).
AÇÃO REVOCATÓRIA
Prevista especificamente nos artigos 130 a 138 da Lei de Recuperação Judicial e Falências, a iniciativa de revogar atos da falida e dos falidos que tenham por objetivo prejudicar os credores mediante fraudes ou simulações. Pode ser iniciada por qualquer credor (art. 131), o que inclui a Fazenda Pública caso tenha provas de razões para tanto.
O procedimento prevê a possibilidade de sequestro cautelar (art. 137) dos bens eventualmente almejados para o espólio, que se encontrem na posse de terceiros, réus ou não da ação revocatória. A provocação deve partir do autor da ação.
Informações Sobre o Autor
Flavio Machado Vitoria
Procurador da Fazenda Nacional na 4ª Região, Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção do DF, Acadêmico do curso de MBA em Gestão Empresarial da Escola da Administração da UFRGS e Pós-graduado em Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro