Reanálise do tema “Despesas educacionais e Imposto de Renda” em razão da impossibilidade de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo

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Resumo: Neste artigo pretende-se reanalisar tese defendida em artigo anterior sobre a questão de o Poder Judiciário poder, ou não, reconhecer o direito à dedução integral das despesas educacionais na base de cálculo do Imposto de Renda, com o afastamento do limite anual individual, do contribuinte e de seus dependentes, previsto na alínea “b” do inciso II do art. 8º da Lei 9.250/95. Aborda-se o problema pelo viés da constitucionalidade do ato normativo em face do conceito de renda, do princípio da capacidade contributiva, do princípio da isonomia e do direito fundamental à educação. Em face do princípio da separação de poderes e do princípio da legalidade, constata-se que a intervenção do Poder Judiciário usurparia função do Legislativo, sendo necessária uma alteração da legislação. 

Palavras-chave: Imposto de Renda. Despesas educacionais. Limites de dedução. Separação de poderes. Princípio da legalidade.

Abstract: In this article we intend to re-examine the argument put forward in a previous article on the issue of the judiciary power, or not, recognize the right to full deduction of educational expenses in the calculation basis of income tax, with the removal of the individual annual limit, the contributors and their dependents, provided in paragraph "b" of item II of art. 8 of Law 9,250 / 95. Addresses the issue of the constitutionality of the legislative act in the face of the income concept, the principle of ability to pay, the principle of equality and the fundamental right to education bias. In light of the principle of separation of powers and the principle of legality, it has been noted that the intervention of the judiciary would usurp the legislative function, a change in legislation is needed.

Keywords: Income Tax. Educational expenses. Deduction limits. Separation of powers. Principle of legality.

Sumário: 1. Introdução. 2. Do conceito constitucional de renda. 3. Dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia. 4. Do direito social fundamental à educação. 5. Do princípio da separação dos poderes. 6. Conclusão. Referências.

1. Introdução

A questão que se pretende analisar neste artigo cinge-se à possibilidade de reconhecimento judicial do direito à dedução integral das despesas com instrução da base de cálculo do Imposto de Renda, mediante o afastamento do limite anual individual, do contribuinte e de seus dependentes, previsto na alínea “b” do inciso II do art. 8º da Lei 9.250/95, in verbis:

“Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas: (…)

II – das deduções relativas: (…)

b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de:  (…)” (grifo nosso)

Primeiramente, analisa-se a constitucionalidade da norma em face do critério material da regra matriz de incidência do Imposto de Renda, delimitando-se o conceito de renda, previsto no art. 153, III, da CF, esmiuçado nos arts. 43 a 45 do CTN. Busca-se delinear a natureza jurídica das despesas com instrução, verificando-se se ao legislador ordinário era permitido limitar a dedução de tais despesas, em razão do conceito constitucional de renda.

Em um segundo momento, considerando que as deduções são técnicas de aferição da possibilidade econômica de pagar tributos sob o aspecto subjetivo, investiga-se se o ato normativo que limita quantitativamente a dedução de despesas educacionais ofende o princípio da capacidade contributiva, bem como o princípio da princípio da isonomia.

Passa-se, então, ao exame da questão em face do dever imposto ao Poder Público de promover e incentivar a educação, já que a Constituição assegura a todos o direito à educação, direito social fundamental que tem por objetivo o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Averigua-se, por fim, diante da inconstitucionalidade aventada, se a intervenção do Poder Judiciário no mérito da questão ofende o princípio da separação dos poderes.

2. Do conceito constitucional de renda

A competência tributária impositiva da União para criar o Imposto de Renda é traçada pela Constituição Federal em seu art. 153, III, que dispõe competir à União “instituir impostos sobre: (…) III – renda e proventos de qualquer natureza”.

Por sua vez, o Código Tributário Nacional no art. 43, I e II, esmiuça o critério material da regra matriz de incidência, como a aquisição da disponibilidade de acréscimo patrimonial produto do capital, do trabalho, da combinação de ambos (renda) ou de qualquer outra causa (proventos).

A base de cálculo do Imposto de Renda, elemento quantitativo da regra matriz de incidência, é o “montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis” (CTN, art. 44), resultado da diferença entre os rendimentos recebidos e as deduções previstas no inc. II do art. 8º da lei 9.250/95.

A alínea “b” do inciso II do art. 8º da lei 9.250/95 fixa o limite pecuniário, individual e anual, do contribuinte e de seus dependentes, para a dedução dos pagamentos de despesas com instrução.

Pergunta-se: a imposição de limites à dedução de despesas com instrução da base de cálculo do Imposto de Renda pelo legislador ordinário conflita com o conceito de renda constitucionalmente previsto?

O conceito de renda não está à disposição do legislador infraconstitucional, que não pode extrapolar a amplitude dos conceitos de “renda” e “proventos de qualquer natureza”, sob pena de inconstitucionalidade (PAULSEN, 2010, p. 275).

O texto constitucional referiu-se ao critério material da regra matriz de incidência tributária para o fim de proceder à repartição da competência tributária impositiva, de forma que é impossível conferir ao legislador infraconstitucional competência para bulir com o âmbito das próprias competências tributárias impositivas constitucionalmente estabelecidas. Verifica-se existir, portanto, um conceito constitucional de renda conforme esclarece Lima Gonçalves (1997, p. 171): “A própria Constituição fornecerá, portanto, ainda que de forma implícita, haurível de sua compreensão sistemática, o conteúdo do conceito por ela – Constituição – pressuposto”.

Insta citar, no mesmo norte, a lição de Brito Machado (2009) no sentido de que o direito à dedução dos gastos com educação na base de cálculo do Imposto de Renda não se trata de um incentivo fiscal, mas de limitação constitucional da competência tributária, fazendo-se que o imposto incida sobre a renda e não sobre despesas. A exclusão ou limitação do abatimento dos gastos com educação implica em admitir um imposto sobre os gastos com educação, o que evidencia o absurdo da limitação questionada.

Gomes de Sousa (1960) apud Navarro Coelho (2006, p. 415) afirmava que o conceito tributário de renda está baseado na distinção entre renda e patrimônio, sendo o patrimônio “o montante da riqueza possuída por um indivíduo em um determinado momento” e a renda “o aumento ou acréscimo do patrimônio, verificado entre dois momentos quaisquer de tempo (na prática, esses dois momentos são o início e o fim do exercício financeiro)”.

Cumpre salientar que tanto a renda, produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, como os demais proventos não compreendidos na definição, devem traduzir um aumento patrimonial entre dois momentos de tempo. O acréscimo patrimonial, em seu dinamismo acrescentador de mais patrimônio, é que constitui a substância tributável pelo imposto (COELHO, 2000, p.279).

Diante da associação necessária do conceito de renda, pressuposto na Constituição, à idéia de acréscimo patrimonial, o legislador infraconstitucional somente pode fazer incidir a exação sobre os acréscimos patrimoniais experimentados pelo contribuinte, assim considerados os valores remanescentes após as deduções do valor integral das despesas com instrução, no exercício do direito fundamental à educação (CF, art. 6º e 205).

Considerando que as despesas relacionadas à educação constituem decréscimos patrimoniais, desembolsos, consistentes em perda da disponibilidade econômica e jurídica, o legislador ordinário que vedou ao contribuinte a dedução de qualquer importância que exceda o limite legal autorizado subverteu o conceito constitucional de renda.

A diferença entre o valor efetivamente despendido pelo contribuinte e o limite legal autorizado não pode ser considerada acréscimo patrimonial para compor a base de cálculo do imposto de renda.

Em conclusão, a alínea “b” do inciso II do art. 8º da Lei 9250/90, no ponto em que traz limitação quantitativa à dedução com despesas com instrução contraria o conceito constitucional de renda.

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3. Dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia

O princípio da capacidade contributiva, princípio de sobredireito para a maior parte da doutrina (PAULSEN, 2010, p.48), positiva-se pela previsão de graduação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte no art. 145, §1º, da CF.

O Estado deve exigir que as pessoas contribuam para as despesas públicas na medida da sua capacidade para contribuir, ou seja, conforme a aptidão concreta de cada indivíduo suportar a tributação, segundo os signos presuntivos de riqueza, sem implicar em confisco para ninguém e preservando-se o mínimo vital.

A capacidade contributiva é bem definida por Navarro Coelho (2006, p.51) como a “possibilidade econômica de pagar tributos (ability to pay)”, sendo subjetiva – e nesse sentido eleita pelo constituinte – quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real) e objetiva quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa, como ter casa ou carro, signos presuntivos de capacidade contributiva.

A vedação à dedução do valor integral das despesas com educação ofende o princípio da capacidade contributiva, porque as deduções são técnicas de aferição da possibilidade econômica de pagar tributos sob o aspecto subjetivo, levando-se em conta não só os rendimentos brutos, mas também os gastos necessários para a sua educação e a de seus dependentes (capacidade econômica real).

A aptidão de suportar a carga tributária do contribuinte que teve despesas com educação acima do teto restará diminuída em relação a outro que tenha aferido a mesma renda, com tais despesas dentro do teto, violando-se o princípio da isonomia. A fixação de determinado teto viola a capacidade contributiva relativa ou subjetiva, pois cria um “plus” de aptidão para contribuir totalmente fictício (COSTA, 2003).

Por consistir o dogma da capacidade contributiva desdobramento do princípio da isonomia (BALEEIRO, 1999, p.200), insta tecer algumas considerações acerca do conteúdo jurídico deste.

O princípio da igualdade exige que a lei, tanto ao ser editada, como ao ser aplicada, não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação equivalente e discrimine, na medida de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontrem em situação equivalente.

De plano, verifica-se que houve discriminação de contribuintes em situação equivalente, ou seja, que efetuaram despesas com instrução, concretizando o direito fundamental à educação.

Imergindo no conteúdo jurídico do princípio da igualdade, pode-se dizer que o fator de discriminação (valor acima do limite quantitativo imposto) não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de tratamento jurídico dispensado (quem gasta abaixo do teto tem direito a deduzir a totalidade das despesas educacionais e quem gasta acima do teto não tem o direito de deduzir os gastos educacionais que o ultrapassem). Com efeito, impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de sucedâneo (MELLO, 1995, p.39).

Insta salientar que o vínculo da correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles deve ter pertinência em função dos interesses constitucionalmente protegidos, no caso, o direito fundamental à educação.

Com efeito, por esse viés, a norma que permite a dedução das despesas com educação tem como fundamento para a desequiparação a necessária concretização do direito fundamental à educação. Já a norma que impõe como fator de discrímen determinado valor como teto para o abatimento, desigualando aqueles contribuintes que tem despesas com educação até o teto daqueles que tem despesas em valor superior ao teto, diferencia situações que não são efetivamente distintas entre si.

Vale dizer, trata-se, em ambos os casos, de contribuintes que gastam com educação e pelo mesmo fundamento constitucional merecem deduzir o valor integral gasto com referidas despesas, conforme a capacidade contributiva subjetiva.

Destarte, as despesas educacionais não deveriam ter teto que as limite, sob pena de afrontar o princípio da capacidade contributiva sob o aspecto subjetivo (CF, 145, §1º), bem como o princípio da isonomia (CF, arts. 5º, caput, e 150, II), na medida em que não há efetiva distinção entre o contribuinte que efetua despesas educacionais até o teto e aquele que realiza despesas acima do teto, considerando que o tratamento jurídico diferenciado consubstanciado na possibilidade de dedução de despesas educacionais decorre do direito fundamental à educação, interesse constitucionalmente protegido. 

4. Do direito social fundamental à educação

A Constituição Federal declara que a educação, por meio da qual o cidadão adquire a capacidade de interferir na comunidade em que vive, é um direito social de todos e um dever do Estado e da família e será promovida com vistas “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e  sua qualificação para o trabalho” (CF, art. 6º e 205).

Pondere-se que não obstante se tratar de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à educação (CF, art. 23, V), que deverão organizar em regime de colaboração os sistemas de ensino (CF, art. 211), diante da impossibilidade de o Estado garantir a todos a efetiva prestação de ensino público em estabelecimentos oficiais, permitiu-se a exploração pela iniciativa privada (CF, art. 209).

Assim, ao lado da prestação do ensino gratuito – direito fundamental do homem nos termos do art. 26 da Declaração Universal dos Direito Humanos, subscrita pelo Brasil – preferencialmente pelo Estado (CF, art. 208), que recebe os recursos públicos (CF, art. 213), consentiu a Carta Magna com a exploração do ensino, em todos os níveis e modalidades, pela iniciativa privada, com as limitações de cumprir as normas gerais da educação nacional e de sujeição à autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (CF, art. 209), de forma que a educação, neste caso, será prestada mediante o pagamento de mensalidades e demais despesas legítimas.

Com o escopo de promover e efetivar o direito à educação, a lei 9.250/95 previu em seu art. 8º, II, “b”, norma que permite a dedução das despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física. Por meio da técnica de abatimento, compensa-se aqueles que se utilizam da rede de ensino privado e, conseqüentemente, deixam de sobrecarregar o ensino público, desonerando-o e propiciando à Administração melhor alocação de recursos.

Entretanto, a estipulação arbitrária de limite anual individual, impedindo a dedução do valor real, efetivamente empregado na educação, paradoxalmente, contraria tal finalidade e atribui efeitos jurídicos distintos à mesma despesa realizada pelo contribuinte.

Consoante o escólio de Canotilho (1998, p.436-440), as normas consagradoras de direitos sociais implicam em interpretação das normas legais conforme a “constituição social econômica e social”, devendo servir de parâmetro de controle judicial quando esteja em causa a apreciação da constitucionalidade de medidas legais restritivas destes direitos.

Insta ponderar que o direito social à educação, elemento imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo, guarda estreita relação com os primados basilares da República Federativa e do Estado Democrático de Direito, especialmente como o princípio da dignidade humana, funcionando com verdadeiro pressuposto para a concreção dos demais direito fundamentais.

O art. 208, §1º, da Constituição consagra o direito fundamental à educação com o status jurídico de “direito público subjetivo”, conferindo eficácia plena e imediata à norma, nos termos do art. 5º, §1º, da CF, afigurando-se prescindível a integração posterior normativa para a concretização desse direito.

Insere-se o direito à educação na categoria dos direitos de segunda geração, cuja concretização, exige, via de regra, uma atuação positiva do Estado. Entretanto, se o Estado não cumpre com seu mister de disponibilizar ensino gratuito a toda a população mediante prestações positivas, tem o dever, ao menos, de fomentar e facilitar o acesso à educação, deixando de atingir, via tributação, a esfera patrimonial dos cidadãos empenhada para efetivar e concretizar esse direito. 

Com efeito, a proteção e a concretização do direito social à educação pode-se dar por meio de um não fazer estatal, especialmente pela não vedação à dedução integral de despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda, conferindo maior efetividade ao direito à educação, em contexto de extrafiscalidade.

Afigura-se, também por este viés, inconstitucional a imposição de teto para as despesas com instrução efetivamente realizadas, por obstaculizar o exercício do direito fundamental à educação, em violação aos arts. 6º, 23, V, e 205 da CF.

5. Do princípio da separação dos poderes

A Constituição Federal, com vistas a evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais: legislação, administração e jurisdição (CF, art. 2º).

O poder estatal, uno, indivisível e indelegável, compõe-se de várias funções, cujo exercício é incumbido a diferentes órgãos do Estado. O princípio da separação dos poderes (de órgãos e de funções), princípio estrutural da organização do poder político, no sentido horizontal, refere-se à diferenciação funcional (legislação, execução, jurisdição), à delimitação institucional de competências e às relações de controle e interdependência recíproca entre os vários órgãos de soberania.

A divisão de tarefas estatais entre distintos órgãos autônomos, com previsão de garantias e imunidades a cada Poder, bem como mecanismos de controles recíprocos de “freios e contrapesos”, configura-se um princípio estrutural conformador do domínio político (CANOTILHO, 1998, p.449) e garante o Estado Constitucional Democrático de Direito.

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Impõe-se questionar se as decisões do Judiciário que suprimem do ordenamento, por reconhecer a sua inconstitucionalidade, a norma que limita o valor das despesas educacionais a ser deduzido da base de cálculo do Imposto de Renda configuram ofensa ao princípio da separação dos poderes, por atuar o julgador como legislador positivo, estabelecendo a redução ou a isenção de tributos.

A resposta que se impõe é positiva.

A questão encerra uma situação de colisão entre normas constitucionais, quais sejam, a norma que exige lei para a concessão de benefício fiscal (CF, art. 150, §6º), sendo a função legislativa atribuída exclusivamente ao Poder Legislativo conforme o princípio da separação de poderes (CF, art. 2º e 48, I) e a norma que prevê o direito social fundamental à educação (CF, art. 6º, 23, V e 205).

Pode-se dizer que a educação inclui-se no rol dos direitos sociais, de segunda geração, que sob uma dimensão subjetiva, são autênticos direitos subjetivos inerentes ao espaço existencial do cidadão. Por outro lado, sob uma dimensão objetiva, as normas constitucionais que os consagram impõem a obrigatoriedade de o legislador atuar positivamente, criando as condições materiais e institucionais para o exercício desses direitos, bem como exige o fornecimento pelo Estado de prestações aos cidadãos, densificadoras da dimensão subjetiva essencial destes direitos e executoras do cumprimento das imposições institucionais, como bem salienta Canotilho (1998, p.434).

De fato, existe o problema da efetivação do direito originário à educação, sendo certo que há uma verdadeira imposição constitucional, legitimadora de transformações econômicas e sociais na medida em que estas forem necessárias para a perfectibilização desse direito. Assim, a interpretação da norma legal, diante da norma constitucional consagradora do direito social à educação, deve ser conforme a efetiva realização deste direito.

Inegável que a possibilidade de dedução das despesas educacionais conferida pela lei, mesmo que limitada, já se trata de um instrumento de política educacional.  Mas, ainda que aquém dos anseios sociais, tal fato, por si só, não enseja a intervenção do Poder Judiciário, pois não se pode perder de vista a impossibilidade de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo para estabelecer isenções, reduções de tributos e deduções de despesas da base de cálculo do Imposto de Renda, uma vez que tais hipóteses são matéria privativa do Poder Legislativo[1].  

Em atenção ao princípio da legalidade tributária, não é viável a criação, o aumento, a diminuição ou a extinção de tributo sem que exista lei para tanto. Destarte, é vedado ao Poder Judiciário substituir-se ao Poder Legislativo, a fim de deferir pleitos dessa espécie, sob pena de ferir não somente o princípio da legalidade tributária, mas também o princípio da separação de poderes e as regras constitucionais de competência tributária.

Eventual decisão judicial que suprima o limite de dedução de despesas educacionais incorre em ativismo judicial, no sentido aventado por Elival Ramos (2010, p.308) como o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento ao Poder Judiciário, ultrapassando os limites de sua atribuição em detrimento da função legislativa, “com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes”.

6. Conclusão

A questão do reconhecimento pelo Poder Judiciário, em ações movidas pelos contribuintes, do direito de deduzir a totalidade das despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda, enseja um questionamento acerca da constitucionalidade da norma limitadora e outro questionamento acerca da possibilidade de o Poder Judiciário reconhecê-lo sem ofensa ao princípio constitucional da separação das funções.

Sob o prisma da análise da constitucionalidade da norma que impõe limite quantitativo à dedução das despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda (art. 8, II, “b”, da lei 9250/90), por três vertentes chegou-se à inconstitucionalidade da norma.  

A primeira consiste na ofensa ao conceito constitucional de renda (CF, 153, II), na medida em que as despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes configura perda de disponibilidade econômica e jurídica, de forma que a norma limitativa subverteu o conceito de renda.

A segunda determina o afastamento da norma diante da ofensa ao princípio da capacidade contributiva (CF, art. 145, §1º) e ao princípio da isonomia (CF, arts. 5º, caput, e 150, II). A técnica da dedução das despesas para a aferição da base de cálculo do Imposto de Renda consiste em fórmula que respeita a possibilidade econômica de pagar tributos sob o aspecto subjetivo. Os contribuintes que gastam com educação, aquém e além do teto, pelo mesmo fundamento constitucional – concretização do direito à educação – merecem deduzir o valor integral gasto com referidas despesas, não havendo situação que justifique a diferenciação de tratamento jurídico.

A terceira resulta da análise do direito social fundamental à educação (CF, art. 6º e 205), configurando a dedução integral de despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda efetiva medida concretizadora do objetivo primordial da educação.

Entretanto, há que se ter em vista o princípio da separação dos poderes (de órgãos e de funções), princípio estrutural da organização do poder político, no sentido horizontal, referindo-se à diferenciação funcional (legislação, execução, jurisdição), à delimitação institucional de competências e às relações de controle e interdependência recíproca entre os vários órgãos de soberania.

Eventual decisão do Poder Judiciário que afaste a norma em comento ofende o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º), por se tratar de ilegítima intervenção judicial, na medida em que o Poder Judiciário não possui função legislativa para editar lei que estabeleça isenções, reduções de tributos e deduções da base de cálculo do Imposto de Renda.

Destarte, conclui-se não cabe ao Poder Judiciário em “ativismo judicial” reconhecer o direito à dedução integral das despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, sob pena de atuação como legislador positivo, em ofensa ao princípio da separação de poderes.

 

Referências
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TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

Nota
[1] v. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 724817, j. 07/02/2012, publ. DJ-e-050 em 09/03/2012; Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 603060, j. 08/02/2011, publ. DJ-e -042 em 03/03/2011; Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 452930, j. 17/06/2008, publ. DJe-142 em 01/08/2008.


Informações Sobre o Autor

Maria Lúcia Inouye Shintate

Procuradora da Fazenda Nacional. Ex-Procuradora Federal. Bacharel em Direito pela USP. Pós Graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera Uniderp


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