Reflexos da Assistência Judiciária Gratuita no Orçamento Público

The Consequences of the Free Legal Aid in Public Bugdet

Fábio de Sousa Camargo – Advogado, professor universitário, especialista em Direito Tributário pela PUC/SP e mestrando pelo IDP. ([email protected])

Resumo: O direito de petição junto ao Poder Judiciário é uma garantia constitucional, sendo dever do Estado viabilizá-lo em sua integralidade. Nesse contexto, a Assistência Judiciária Gratuita assume importante papel, eis que franqueia acesso aos cidadãos destituídos de condição econômica, isentando-os das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios devidos ao advogado da parte adversa. Valendo-se desse importantíssimo instituto, parte dos jurisdicionados brasileiros tem requerido indistintamente a concessão desse benefício, efetuando uma interpretação extensiva da legislação, e, com isso, desvirtuando a sua natureza. Isso porque, nesses casos, os custos com a movimentação do Poder Judiciário são arcados com recursos públicos administrados pelos Entes Estatais.  Nesse particular, a proposta do presente artigo é a de analisar o impacto financeiro destes requerimentos no orçamento público, assim como os malefícios indiretos da concessão indistinta aos jurisdicionados que não se inserem na condição de hipossuficientes. Ao fim, sugerem-se propostas para a diminuição de requerimentos infundados, baseados em comportamentos oportunistas.

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Palavras-chave: Judiciário. Gratuidade. Impacto. Orçamento. Malefícios.

 

Abstract: The right of petition at the Judiciary Role is a constitutional guarantee, being the duty of the State to make it feasible in its entirety. In this context, the Free Legal Aid takes an important role, it gives access to needy citizens without financial conditions, exempting them from the procedural costs and expenses, as well as fees owed to the opposing lawyer. Taking advantage of this important institute, part of the brazilian jurisdictions require indistinctly the grant of this profit, making an extensive interpretation of legislation and, thereby, misinterpreting its nature. That happens in these cases, because the costs with the Judiciary Role are paid with public resources managed by the State. In this particular, the purpose of this paper is to analize the financial impact of these requirements in the public budget, as well as the indirect harms of the grant of this profit due to jurisdictions that are not included in the hyposufficient conditions. To the end, proposals are offered to decrease the unjustified requests, based upon opportunistic behavior.

Keywords: Judiciary, Free, Impact, Budget, Harms

 

Sumário: Introdução; 1 – Conceito e noções sobre a Assistência Judiciária Gratuita; 2 – Fontes de financiamento e impacto financeiro; 3 – Malefícios indiretos da concessão indiscriminada;  4 – Propostas para fixação de critérios objetivos; Conclusão; Referências bibliográficas.

 

Introdução

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Poder Judiciário assumiu papel de destaque na defesa da democracia e das liberdades individuais, afigurando-se como verdadeiro “porto seguro” de cidadãos lesados em seus direitos civis.

Toda essa evolução, contudo, seria inócua se o acesso a ele fosse limitado ou restrito a somente uma parcela da sociedade. Em outras palavras, de nada adiantaria a existência do Poder Judiciário se o arcabouço legislativo não criasse mecanismos para permitir integração dele com a coletividade, minimizando os obstáculos processuais, culturais e especialmente financeiros.

Isso porque o acesso à jurisdição é um direito fundamental assegurado aos cidadãos, com previsão expressa no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, bem como no artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Trata-se, com efeito, de uma valiosa garantia assegurada aos cidadãos de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Neste cenário é que se destaca a Assistência Judiciária Gratuita, disposta no inciso LXXIV do já mencionado artigo 5º da Constituição Federal, a qual deve ser prestada pelo Estado em benefícios dos jurisdicionados com insuficiência de recursos e comprovadamente desprovidos economicamente.

Não obstante a importância social do instituto, que dá executividade ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, muitos jurisdicionados têm pleiteado a concessão deste benefício mesmo detendo condições financeiras de recolher as taxas e despesas judiciárias, onerando o Ente Público e impedindo que outro indivíduo mais necessitado faça uso dessa benesse legislativa. Isso porque os custos com a movimentação da máquina pública são arcados com recursos administrados pelo próprio Estado, incluindo postagens de notificações, publicações, diligências de Oficiais de Justiça, perícias, traslados de peças físicas, etc.

Como é cediço, o deferimento indistinto da Assistência Judiciária Gratuita sem a observância de parâmetros objetivos tem evidenciado nítida hipertrofia na concessão do benefício, abrangendo jurisdicionados hipersuficientes em termos financeiros, movimentando a máquina judiciária sem a devida contraprestação.

Abrangendo esse aspecto sob o viés econômico do direito, serão propostas reflexões para minimizar os malefícios indiretos da concessão indiscriminada da Assistência Judiciária, sugerindo alternativas à luz da cultura brasileira para frear essa prática lamentável, que não só desvirtua a verdadeira essência do benefício, como também onera sobremaneira os cofres públicos.

 

1 – Conceito e noções sobre a Assistência Judiciária Gratuita

Como mencionado anteriormente, a Assistência Judiciária Gratuita é uma benesse legislativa personalíssima (disciplinada especialmente pela Lei n. 1.060/60 e pelo Código de Processo Civil) outorgada aos jurisdicionados financeiramente desprovidos.

Nesses casos, “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, ou seja, toda e qualquer entidade político-administrativa, têm o dever de assistir o hipossuficiente”[1], contemplando os brasileiros e os estrangeiros residentes do Brasil.

No entendimento de Humberto Theodoro Júnior, o hipossuficiente financeiro “não é apenas o miserável, mas, assim, aquele com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios” [2].

Mesmo raciocínio é compartilhado por Daniel Assumpção Amorim, o qual entende que insuficiência de recursos “se associa ao sacrifício para manutenção da própria parte ou de sua família na hipótese de serem exigidos tais adiantamentos” [3].

Na doutrina há quem defenda também que “uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício e, igualmente, aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez” [4].

Seguindo essa linha de raciocínio, não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito deva comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer do seu patrimônio, liquidando-o para angariar recursos destinados ao custeio da demanda judicial.

A despeito da distinção conceitual acerca da hipossuficiência econômica, é certo que, de acordo com a legislação, a declaração pessoal firmada pelo jurisdicionado detém presunção relativa de veracidade, não elidindo-a o fato dele estar representado por advogado particular.

A isenção abarcada pelo benefício se estende não só às taxas judiciárias, como também aos emolumentos, selos postais, despesas com publicações, intimações de partes e testemunhas, custos para a realização de exame de código genético, remuneração de intérpretes e tradutores, bem como honorários advocatícios e periciais.

Importante destacar, outrossim, que, nos termos dos §§ 2º e 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil, a parte beneficiária da Assistência Judiciária Gratuita que for sucumbente em demanda judicial gozará de isenção sob condição suspensiva pelo prazo de cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado. Logo, havendo alteração superveniente na condição financeira do assistido, tanto o Fisco como a parte adversa ou qualquer outro interessado poderá cobrar dele os gastos e as despesas processuais correlatas devidamente corrigidas.

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2 – Fontes de financiamento e impacto financeiro

Dada a amplitude, extensão e relevância do benefício, desde a sua instituição grande parte dos litigantes em processos judiciais ingressaram em juízo protestando pela concessão da Assistência Judiciária Gratuita, mesmo detendo condições financeiras saudáveis.

Para coibir esse tipo de abuso processual, os Tribunais foram (e ainda têm sido) submetidos à árdua tarefa de analisarem individualmente os pleitos de hipossuficiência, deferindo aqueles cuja situação se concilia com a ideologia do instituto e, ao mesmo tempo, repelindo os pedidos insubsistentes.

Nesse contexto, faz-se relevante destacar as palavras do saudoso Barbosa Moreira sobre o tema, salientando que a maioria desses pedidos são formulados por advogados que, mesmo sabendo da fragilidade do requerimento, insistem na tese tão somente para deixarem de recolherem as custas processuais e minimizarem os riscos de sucumbência:

 

“Eventuais abusos de litigantes ou advogados inescrupulosos hão de encontrar o corretivo adequado a cada hipóteses. Felizmente os tribunais têm sabido repelir, na grande maioria dos casos, as investidas da tese – verdadeiramente absurda – da incompatibilidade entre o benefício da justiça gratuita e a escolha pessoal do advogado pelo beneficiário”[5].

 

Trata-se de um problema cultural, existente principalmente na sociedade brasileira, segundo o qual o cidadão amolda a sua opinião/interesse de acordo com o contexto vivenciado. Roberto DaMatta exemplifica essa tese afirmando que o brasileiro, na média, possui um comportamento em “casa” é outro na “rua”. Em outras palavras, dependendo da situação em que o indivíduo se encontre, ele pode adotar uma postura mais prudente, arrojada, conservadora, etc.[6]

Vale dizer: se ele estiver demandando sob os auspícios da assistência judiciária gratuita – portanto, financiado com o dinheiro público – há grande probabilidade de formular pretensões mais ousadas; se, por outro lado, não for beneficiário da benesse legislativa – arcando com os custos e ônus processuais – normalmente os pedidos são mais moderados.

Atenta a essa questão, a Lei n. 13.105/15 (mais conhecida como Código de Processo Civil), criou mecanismos para frear essa prática, impondo penalidades legislativas para o litigante que pleiteia o benefício de maneira leviana e descomprometida, fixando multa de até o décuplo do valor das despesas processuais devidas, que será revertida em benefício da Fazenda Pública Estadual ou Federal, gozando de todos os privilégios legais, notadamente a inscrição em Dívida Ativa.

Não obstante, ainda hoje existem litigantes mal-intencionados que, se valendo da Assistência Judiciária Gratuita, socorrem-se ao Poder Judiciário promovendo lides aventureiras e pedidos desarrazoados na certeza de que, em caso de insucesso, não terão que reembolsar a parte adversa em relação às despesas incorridas, pagar os honorários advocatícios sucumbenciais e principalmente as taxas judiciárias aos cofres públicos, onerando ainda mais a máquina estatal.

Muito além de simples “isenção” das custas e despesas processuais, a obrigação de prestar a assistência judiciária – que, como dito, recai à entidade político-administrativa – abrange a disponibilização de toda a estrutura Judiciária, incluindo as despesas postais, provas periciais, exames técnicos e a remuneração de profissionais de outras áreas que se fizerem necessários para o deslinde do caso.

Tão relevante quanto essas questões operacionais é o financiamento da defesa técnica do jurisdicionado hipossuficiente, posto ser o advogado indispensável à administração da justiça e da defesa de toda a sociedade (artigo 133 da Constituição Federal).

Nas comarcas em que há Procuradoria do Estado ou Defensoria Pública instalada, a assessoria jurídica é patrocinada por um procurador/defensor de carreira; nas outras localidades, tal mister é assumido pela Ordem dos Advogados do Brasil, representado por advogados particulares remunerados pelo Ente Público.

Segundo levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2017 a cada grupo de 100.000 habitantes, 12.519 ingressaram com uma ação judicial[7].

Nestas demandas, os gastos com Assistência Judiciária Gratuita (incluindo a remuneração de tradutor/intérprete, peritos e de advogado dativo, além do pagamento de outros custos pela realização de atos gratuitos) equivaleram a 0,62% do total das despesas do Poder Judiciário e ao custo de R$ 2,73 por habitante.

Os Tribunais Regionais Federais possuem os maiores gastos com a benesse legislativa, proporcionalmente às suas despesas. Apenas à título exemplificativo, o Tribunal da 5ª Região foi o mais onerado, tendo dispendido 2,51% da sua despesa total com a Assistência Judiciária Gratuita; já o Tribunal da 2ª Região foi o menor requisitado, gastando 0,76%.

Por outro lado, os Tribunais de Justiça detêm os maiores gastos por habitante. O Judiciário de Goiás, por exemplo, dedicou 1,83% da despesa total, seguido do Estado do Rio de Janeiro, o qual gastou 1,77%; em São Paulo e no Ceará o Tribunal de Justiça dispendeu 0,01%, ao passo que no Paraná o custo foi de 0,02%.

Desde 2015 os requerimentos concedidos de Assistência Judiciária Gratuita aumentaram gradativamente. Naquele ano, o número de casos envolvendo jurisdicionados assistidos foi de 27%, passando para 32% em 2016 e chegando a 33% em 2017, conforme ilustração gráfica preparada pelo próprio Conselho Nacional de Justiça:

Captura de Tela 225

Embora os custos com a Assistência Judiciária Gratuita elucidados pelo referido estudo transpareçam (a falsa) sensação de serem irrisórios em relação às despesas totais disponíveis aos Tribunais – notadamente se comparados aos custos com pessoal –, não há como se olvidar que a concessão indistinta do benefício aos jurisdicionados onera injustificadamente os cofres públicos, causando malefícios indiretos ao sistema judiciário brasileiro.

 

3 – Malefícios indiretos da concessão indiscriminada

Conforme esclarecido anteriormente, a Assistência Judiciária Gratuita existe para dar executividade ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, aproximando o Poder Judiciário dos cidadãos financeiramente desprovidos e, com isso, viabilizando a apresentação de requerimentos judiciais e a propositura de demandas.

No entanto, nem todo processo é fruto de uma situação de injustiça. Logo, eles podem ser evitados sem que isso implique em supressão ou cerceamento à inafastabilidade da jurisdição.

Nesse contexto, ressoa o entendimento manifestado por Mauro Cappelletti e Bryan Garth:

 

“[…] a assistência judiciária não pode, mesmo quando perfeita, solucionar o problema das pequenas causas individuais. Isso não é de se surpreender, pois mesmo aqueles que estão habilitados a pagar pelos serviços de um advogado, muitas vezes não podem, economicamente, propor (e arriscar perder) uma pequena causa. Logo, os advogados pagos pelo governo também não se dão ao luxo de levar adiante esses casos”[8].

 

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Dentre outras questões que fomentam a litigiosidade exacerbada, a concessão da Assistência Judiciária Gratuita está entre elas. Isso porque a possibilidade de ingressar com demanda judicial à custo/risco zero, com a possibilidade de receber quantia da parte adversa seduz o jurisdicionado, incentivando-o a litigar.

Consoante levantamento feito pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul para o Conselho Nacional de Justiça em 2011, 44% dos advogados entrevistados confirmaram a tese de que “o acesso a Juizados Especiais, à Assistência Judiciária Gratuita e à possibilidade de contratar advogados sem custos iniciais contribuem como incentivo à busca do Judiciário”[9].

Muito além dos malefícios diretos causados pela concessão indistinta da Assistência Judiciária Gratuita, tal prática, como foi apurado na aludida pesquisa, fomenta a interposição de recurso procrastinatórios e lides aventureiras.

Especificamente em relação a elas (lides temerárias), salta aos olhos outro grande problema, relacionado à dificuldade de composição amigável entre as partes.

Normalmente o litigante beneficiado pela Assistência Judiciária Gratuita possui maior resistência às tratativas conciliatórias, na medida em que o seu risco é extremamente baixo no tocante aos ônus financeiros de eventual derrota processual, optando por prosseguir no litígio ao invés de solucionar consensualmente a questão e, consequentemente, evitar os riscos da sucumbência.

De mais a mais, o abarrotamento de processos e recursos gera não só a morosidade do Poder Judiciário como também a desconfiança na instituição.

Isso porque, no entendimento de Douglas North, as lides apresentadas ao Poder Judiciário se inserem num dado ambiente institucional. Eles, por sua vez, são estruturados a partir de elementos formais e informais[10].

As instituições formais são estatuídas pela força de uma autoridade e adquirem o status de oficiais. Já as instituições informais nascem do perfil histórico, moral e social de uma dada organização. São mais fluídos e dispares do que as instituições formais.

Portanto, se as instituições formais (leis e precedentes) facilitam o acesso ao benefício da assistência judiciária e as instituições informais (consciência moral e social) não reforçam comportamentos ponderados nesse quesito, a eficiência do instituto cai em descrédito, podendo ser contestada sob vários aspectos, muitos já tratados anteriormente.

Apenas a título exemplificativo, rememora-se: (i) excesso de demandas que corroboram para o estrangulamento do Poder Judiciário com a perspectiva de retardamento geral dos julgamentos; (ii) transferência dos custos para a parte adversa, não beneficiária da assistência; (iii) impossibilidade de recomposição ao “status quo ante” para o demandado mesmo quando vitorioso na ação; (iv) a baixa qualidade das demandas propostas quando a parte é assistida pelo benefício e; (v) o incentivo a pleitos desqualificados respaldados na ausência de qualquer consequência no caso de improcedência.

Como é intuitivo, todas essas hipóteses acabam gerando, indiretamente, custos adicionais a serem suportados ora pela parte adversa, ora pelos entes estatais, excedendo invariavelmente às provisões financeiras mencionadas no tópico anterior.

 

4 – Propostas para fixação de critérios objetivos

Conforme estudado anteriormente, o artigo 98 do Código de Processo Civil não fornece subsídios objetivos para se apurar a hipossuficiência financeira necessária para se fazer jus ao benefício da Assistência Judiciária Gratuita, limitando-se a afirmar que “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei”.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, também não concede parâmetros concretos, fomentando ainda mais a subjetividade da análise ao assegurar que a “declaração de hipossuficiência” subscrita pelo litigante judicial detém presunção relativa de veracidade, só podendo ser infirmada diante de outros signos presuntivos de riqueza[11].

Diante deste cenário de incertezas, muitos estudiosos defendem que a legislação deveria conceituar a situação de “pobreza jurídica” em dados estatísticos, não deixando essa análise ao alvedrio de cada magistrado.

Nesse contexto, várias são as propostas de parametrização. Há quem defenda, por exemplo, que somente o indivíduo que receba 40% do teto da previdência social poderia ser considerado hipossuficiente; outros entendem que o critério deve ser o limite de isenção do Imposto de Renda; alguns sustentam também que a análise deve ser feita com base na quantidade de salários mínimos, etc.

Como visto, trata-se de questão delicada e deveras espinhosa, pois a maioria das propostas são válidas e possuem potencial para ao menos reduzir o número de requerimentos oportunistas e desarrazoados.

Contudo, sem embargo de outras propostas, a melhor forma de se apurar a situação financeira de um cidadão litigante em um processo judicial é a análise feita perante o seu ambiente familiar. Isso porque não poderemos considerar como hipossuficiente um indivíduo que recebe, por exemplo, dois salários mínimos e não possui dependentes; entretanto, a situação se modifica quando pensamos em um cidadão que também recebe os mesmos dois salários mínimos, mas detém três dependentes.

Portanto, a fixação de critérios objetivos baseados em estatística de acordo com o salário mínimo vs. renda per capita da unidade familiar deve nortear os pedidos de Assistência Judiciária Gratuita, notadamente para se evitar a concessão indistinta, beneficiando aquela pessoa abastada, mas que possui verdadeiro descontrole financeiro.

Tal mudança poderá ser feita por alteração legislativa ou por meio de uma padronização definida pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com os demais tribunais.

Por fim, impende registrar que a mera declaração de insuficiência de recurso não pode dispensar a sua demonstração pelos meios de prova lícitos (ainda que precária), cabendo aos operadores do direito especial atenção em relação a essa comprovação.

 

Conclusão

Não há como negar a importância da Assistência Judiciária Gratuita nos países democráticos e especialmente no Brasil em que, até 2016, 25,4% da população vivia em situação de extrema pobreza (renda mensal domiciliar per capta de R$ 387,00, segundo o Banco Mundial)[12].

Isso porque ela representa diretamente o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário, franqueando acesso aos cidadãos destituídos de condição econômica, isentando-os das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios devidos ao advogado da parte adversa.

 

Contudo, valendo-se desse importantíssimo instituto, ano após ano, parte dos jurisdicionados tem requerido indistintamente a concessão desse benefício, efetuando uma interpretação extensiva da legislação.

Somente entre 2015 e 2017 o número de cidadãos beneficiados pela Assistência Judiciária Gratuita aumentou cerca de 6%. No ano passado o custo para a manutenção dessa benesse foi de R$ 2,73 por habitante. O Tribunal Regional Federal do Estado de São Paulo, por exemplo, dispendeu cerca de 0,76% do seu orçamento anual para esse custeio.

Além dessas despesas, o benefício fomenta também outros malefícios indiretos tanto para o orçamento público como para a própria instituição e os jurisdicionados.

A distribuição de lides temerárias, a interposição de recursos procrastinatórios, a morosidade dos serviços de cartório e os pleitos desqualificados respaldados na ausência de risco de sucumbência são exemplos claros dessa prática infortuna.

Diante deste cenário é que muitos estudiosos têm defendido a alteração da legislação no sentido de restringir o conceito de “pobreza jurídica” com base em dados objetivos e estatísticos, sopesando, por exemplo, a situação da unidade familiar.

Em outras palavras, a fixação dos critérios deve se basear em estatística de acordo com o salário mínimo vs. renda per capa do núcleo familiar. Isso se faz necessário para impedir que cidadãos com renda mensal abastada, mas com descontrole financeiro possam usufruir da Assistência Judiciária em detrimento de outros indivíduos menos afortunados.

Somente endurecendo os critérios com base estatística e exigindo a comprovação razoável da situação de hipossuficiência financeira é que a verdadeira essência da Assistência Judiciária Gratuita será preservada.

 

Referências Bibliográficas

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[1] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015. Pág. 395.

[2] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 57ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016. V. I. Pág. 321.

[3] NEVES, Daniel Amorim Assimpção. Manual de Direito Processual Civil. 9ª edição. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. V. Único. Pág. 298.

[4] OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Benefício da Justiça Gratuita In Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coordenadores). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. Pág. 359.

[5] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo. In As Garantias do cidadão na Justiça.  TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coordenador). São Paulo: Saraiva, 1993. Pág. 213.

[6] DAMATTA, Roberto. A Casa & a Rua: Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5ª edição. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. Págs. 42 e 44.

[7] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2018: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018.

[8] GARTH, Bryant; CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Jurisdição. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. Pág. 48.

[9] PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL. Relatório Final Ajustado: Demandas Judiciais e Morosidade da Justiça Cível. Porto Alegre, março/2011. Pág. 54.

[10] NORTH, Douglas. Custos de transação, instituições e desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 2004.

[11] BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial (AgRg  no  AREsp) n.  820.085/PE, da Quarta Turma. Brasília/DF. Min. Rel. Maria Isabel Gallotti. Julgado em 16 de fevereiro de 2016.

[12] SAMPAIO, Kleber. IBGE: 50 milhões de brasileiros vivem na linha da pobreza. Disponível em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-12/ibge-brasil-tem-14-de-sua-populacao-vivendo-na-linha-de-pobreza> Acessado em nov. 2018.

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