Resumo: A discussão acerca da Hermenêutica Constitucional é tema de grande importância para o Direito Contemporâneo, muito pelo fato de que é através dela que se delimitam o conceito, a extensão e a aplicabilidade dos reconhecidos Direitos Fundamentais positivados pela norma jurídica suprema. Não é somente isto, a nova dogmática jurídica reconhece um método contemporâneo de explicação do direito positivo, consagrando a construção da norma em regras e princípios. Dessa forma, flexibilizando o conteúdo normativo pela axiologia principiológica. Neste sentido, a pergunta que norteia a presente pesquisa é: Como o Supremo Tribunal Federal realiza o controle dos valores da Constituição brasileira?
Palavras-chave: Hermenêutica Filosófica; Axiologia; Constituição; Valores Constitucionais.
Abstract: The discussion about the Constitutional Hermeneutics is the subject of great importance for the Contemporary Law, the very fact that it is through it that delimit the concept, scope and applicability of Fundamental Rights positivized recognized by the supreme rule of law. Not only that, the new legal dogmatic method recognizes a contemporary explanation of the positive law, requiring the construction of the standard rules and principles. Thus, by relaxing the normative content axiology principled. In this sense, the question that guides this research is: How the Supreme Court held to control the values of the Brazilian Constitution?
Keywords: Philosophic Hermeneutics; Axiology; Constitution; Constitutional Values.
Sumário: 1. Introdução. 2. Os Valores da Constituição Brasileira. 2.1. Composição do Sistema Constitucional e Abertura do Texto Normativo. 2.2. A Jurisdição Constitucional e a Centralização do Poder Político. 3. Aplicações Hermenêuticas Justificadas no Interesse Político. 3.1. O que diria Gadamer? 3.2. Jurisprudências do Supremo Tribunal Federal. 3.2.1. Decisão 01: Ficha Limpa. 3.2.2. Decisão 02: União Homoafetiva. 4. Conclusões. 5. Referências.
1. Introdução
Thomas Kuhn (1998) perfaz um ensaio do que denomina de “rota para a ciência normal” (KUHN, 1998, p. 29); nele começa a expor a idéia de paradigma científico, exemplificando que aquelas pesquisas que são baseadas em pressupostos científicos firmes, tornam-se realizações que influenciam um determinado grupo de pesquisadores durante um determinado tempo, fazendo com que a prática tome os rumos ditados pelos estudos desenvolvidos. Como exemplo, cita algumas obras que se tornaram populares no começo do século XIX, tratando-as como “o corpo da teoria escrita”, e lembra de clássicos famosos da ciência como: “A Física de Aristóteles, o Almagesto de Ptolomeu, os Princípia e a Óptica de Newton, a Eletricidade de Franklin, a Química de Lavoisier e a Geologia de Lyell” (KUHN, 1998, p. 30). Estas obras são marcos teóricos de suas respectivas áreas de pesquisa porque conseguem demonstrar e definir a problemática e os métodos de seu campo para as gerações futuras, acentuando mais a frente (1998) que
“puderam fazer isto porque partilhavam de duas características essenciais. Suas realizações foram suficientemente sem precedentes para atrair um grupo duradouro de partidários, afastando-os de outras formas de atividade científica dissimilares. Simultaneamente, suas realizações eram suficientemente abertas para serem resolvidos pelo grupo redefinido de praticantes da ciência” (KUHN, 1998, p. 30).
Toda a construção lógica do raciocínio epistemológico tende para a demonstração de um estado primário no qual é construído um paradigma para atender aos problemas basilares da pesquisa e do método para a comunidade científica de um determinado tempo. Contudo, a rota natural faz com que este paradigma fique sujeito a uma posterior alteração, mesmo que seja suficientemente aberto para os eventuais problemas posteriores. De fato, a mutação dos métodos e modelos científicos é uma verdade inevitável. Ainda nesta linha, era Popper quem acreditava na idéia de que as ciências se desenvolvem em constantes revoluções, devido à necessidade invariável de renovação. Defendia a “falseabilidade” ou “falibilismo” como um método da proposição científica; que na lição de Francelin (2004) trata de um critério que
“está associado à idéia de movimentação e rupturas de paradigmas científicos, ao contrário do verificacionismo, que tem como princípio básico a idéia de verdade, portanto algo que se estabiliza em determinado momento; o falseacionismo ou o falibilismo não pressupõe uma verdade primeira, mas um enunciado seguido de uma contraprova ou de sua “falseação”. A idéia é a de que a ciência ou o conhecimento científico se desenvolve a partir da busca e da tentativa de encontrar lacunas para falsear uma teoria. Nesse caso, os cientistas desenvolveriam teorias (métodos) cada vez mais consistentes e flexíveis, pois contariam com o princípio da incerteza e das mudanças de paradigmas. Tais mudanças seriam constantes” (FRANCELIN, 2004, p. 32-1).
O direito enquanto ciência social observa duas realidades distintas na evolução histórica do pensamento. Enquanto a justificação natural do direito externa-se a corrente jusnaturalista, e enquanto justificação racional externa-se a corrente juspositivista do direito. Para Bobbio (1995) durante a Idade Média o jusnaturalismo começa a ser considerado como superior ao positivismo jurídico uma vez que o direito deveria representar vontade superior; vontade divina. Somente a partir da formação do Estado Moderno é que a concepção positivista passa a dominar a forma de produção do direito. Isto se dá muito pelo fato de o Estado chamar para si o ônus de tutelar o interesse coletivo, no sentido de passar a representar uma unidade política estável que vai gerar toda a corporificação legal do direito[1]. Outro fator que motiva a perca de espaço do direito natural consiste na crítica a filosofia naturalista, pelo que expõe da seguinte maneira
“para que o direito natural perca terreno é necessário um outro passo, é preciso que a filosofia jusnaturalista seja criticada a fundo e que as concepções ou, ainda, os ‘mitos’ jusnaturalistas (estado de natureza, lei natural, contrato social…) desapareçam da consciência dos doutos. Esses mitos estavam ligados a uma concepção filosófica racionalista (a filosofia iluminista, cuja matriz encontrava-se no pensamento cartesiano). Ora, foi precisamente no quadro geral da polêmica anti-racionalista, conduzida na primeira metade do século XIX pelo historicismo (…), que acontece a dessacralização do direito natural” (BOBBIO, 1995, p. 45).
Neste sentido, mais adiante, o italiano concluí que
“o positivismo jurídico nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais. Ora, a característica fundamental da ciência consiste em sua avaloratividade, isto é, na distinção entre juízos de fato e juízos de valor e na rigorosa exclusão destes últimos do campo científico: a ciência consiste somente em juízos de fato. O motivo dessa distinção e dessa exclusão reside na natureza diversa desses dois tipos de juízo: o juízo de fato representa uma tomada de conhecimento da realidade, visto que a formulação de tal juízo tem apenas a finalidade de informar, de comunicar a um outro a minha constatação; o juízo de valor representa, ao contrário, uma tomada de posição frente à realidade, visto que sua formulação possuí a finalidade não de informar, mas de influir sobre o outro, isto é, de fazer com que o outro realize uma escolha igual à minha e, eventualmente, siga certas prescrições minhas (…)” (BOBBIO, 1995, p. 135).
Somente em Kelsen (2006) que a ciência jurídica alcança um nível de equiparação com as outras ciências por passar a utilizar um rigor metodológico e a descrever-se em um estado de pureza científica. A idéia era a de utilizar um método equiparado ao da causalidade nas ciências naturais, de causa e efeito na descrição das leis do mundo (metáfora da máquina do mundo de Newton); o que foi denominado pelo jurista austro-húngaro de imputação, na ordenação da conduta humana através de uma norma que opera no plano do dever-ser e que é positivada pelo Estado. Contudo, justamente esta descrição que vem sendo, paulatinamente, vencida pela modernidade. O direito não mais representa apenas o conteúdo expresso na Lei, e após a queda de regimes como o do Nazismo, do Fascismo e do Salazarismo, o próprio juspositivismo perde espaço na doutrina jurídica.
O presente trabalho visa acometer esta mudança de paradigma e sua influência na Constituição. Já que há uma cisão na composição da norma jurídica em regras e princípios, estes últimos passam a externar valores que compõem, justamente, a clausula de abertura, ou de adequação do direito à realidade social que deve ser ordenada. Por isso, tentar-se-á, primeiramente travar o debate acerca da composição do sistema constitucional e da abertura do texto normativo, a fim de formar os valores protegidos pela Constituição. Posteriormente, a pesquisa voltar-se-á para questão tendente à avaliar o processo de concentração do Poder Político do Supremo Tribunal Federal na defesa destes valores.
Por fim, a respeito da hermenêutica, pretende-se realizar uma abordagem doutrinária na filosofia de Gadamer a fim de se traçar pontos cruciais para sustentação da tese de que apesar da impossibilidade de desvincular-se da discricionariedade, o Juiz é capaz de compreender, primeiramente, o próprio processo de construção do conhecimento para proferir juízos de valor menos arbitrários; menos carregados de pré-concepções políticas. É praticamente impossível falar-se de um Direito apolítico, mas é plenamente possível falar-se de uma hermenêutica que confirme o sentido da expectativa programada na leitura, ou no processo de conhecimento da norma jurídica; que deve ser lida apenas com a pré-concepção da defesa do valor Justiça. Por fim, tratar-se-ão de comentários acerca de algumas decisões do Supremo Tribunal Federal para somente então proferirem-se as conclusões.
2. Os Valores da Constituição Brasileira.
2.1. Composição do Sistema Constitucional e Abertura do Texto Normativo.
Diante do quadro que vai sendo, paulatinamente, criado para o direito contemporâneo, a partir desta virada paradigmática, a auto-reflexão da ciência jurídica gera uma crítica à Teoria Geral do Direito Positivo. Tal crítica é bem trabalhada por Ronald Dworkin (1978), em seu livro construído a partir de vários artigos condensados sob o título “Levando os Direitos a Sério”. O desenho do “esqueleto” do positivismo é traçado com base nas seguintes premissas: a) a lei de uma comunidade consiste em um conjunto especial de regras usadas direta ou indiretamente. Tem elas a finalidade de determinar qual comportamento deve ser punido ou coagido pelo Poder Público, havendo, ainda, um critério de diferenciação (testes) do seu “pedigree”, o que difere regras válidas de regras espúrias ou outras regras sociais (de cunho moral).
Continua, ainda, asseverando que: b) este conjunto de regras (legais) válidas compreende de forma exaustiva a “lei”, de modo que, se uma situação levada à juízo não se adéqua devidamente à regra não é possível dizer que na decisão “aplicar-se-á a lei”. A situação será decidida através da aplicação discricionária do ente público competente que deverá buscar além da lei o standart que irá ajudá-lo na confecção da nova regra e preenchimento da antiga; c) dizer que alguém tenha uma obrigação legal é admitir que neste caso existe uma regra legal válida que ordene que se tome determinada conduta, ou, que esta conduta não seja proibida. Na ausência de uma regra válida não existe obrigação legal, o que se concluí que o Juiz ao utilizar a discricionariedade não toma o direito como expressão de legalidade no problema tratado.
Dworkin (1978) assevera pontos positivos na teoria de Hart, que completam, ou até se sobressaem, em contraposição ao positivismo jurídico de Austin. Diz ele que a teoria do conceito de lei de Hart é mais complexa do que a de Austin por dois motivos. O primeiro deles é porque Hart reconhece, diferentemente de Austin, que a regre possuí diferentes tipos lógicos; pelo que as divide em regras primárias (ou de primeira categoria) e regras secundárias (ou de segunda categoria). Em um segundo momento, ele rejeita a concepção de Austin de que a regra é um tipo de comando e a substitui por uma elaboração geral e analítica do que, de fato, a regra é. Na obra de Hart (1961), traduzida para o espanhol por Genaro Carrió, ele afirma que
“Las reglas del primer tipo imponen deberes; las del segundo tipo confierem potestades, públicas o privadas. Las reglas del primer tipo se refieren a acciones que implican movimientos o cambios físicos; las del segundo tipo prevén actos que conducen no simplemente a movimiento o cambio físico, sino a la creación o modificación de deberes u obligaciones” (HART, 1961, p. 101).
Novamente, Dworkin (1971) faz uma releitura da proposição de Hart (1961), saindo da questão principal do Conceito de Direito pretendido, e voltando-se para uma questão mais pragmática. A pretensão central é a justificativa do direito a partir de uma visão jurisprudencial. Por isso é que ele descreve a separação de Hart asseverando
“Hart’s distinction between primary and secondary rules is of great importance. Primary rules are those that grant rights or impose obligations upon members of the community. The rules of the criminal law that forbid us to rob, murder or drive too fast are good examples of primary rules. Secondary rules are those that stipulates how, and by whom, such primary rules may be formed, recognized, modified or extinguished. The rules that stipulates how Congress is composed, and how it enacts legislation, are examples of secondary rules. Rules about forming contracts and executing wills are also secondary rules because they stipulates how very particular rules governing particular legal obligations come into existence and are changed”. (DWORKIN, 1971, p. 19).
Por outro lado, se a regra trata de uma conduta exigível, necessário se faz que sobre ela haja um poder que vincule a ação do cidadão com a pretensão do comando normativo. Hart justifica esta força coerciva num padrão fora da força física, argumentando que através da prática e da aceitação à condutas de determinado grupo nascem os standarts que são aplicados na conduta e a regra se aproveita disso. Todavia, não é toda conduta aceita pela sociedade que é tomada como regra, somente aquelas que são reconhecidas por todos (usuários ou não) como tal, um exemplo utilizado é o do costume de freqüentar ao cinema nos domingos; aqueles que não freqüentam não estão desobedecendo nenhuma regra, primeiro porque quem vai aos domingos não diz o contrário, segundo porque que não vai aos domingos reconhece que não comete nenhum erro. Já se os freqüentadores dos cinemas deixarem de pagar o ingresso para utilizar dos serviços do fornecedor, a sociedade, como um todo discrimina a conduta transformando em regra o pagamento para prestação do serviço.
Outra justificativa fornecida por Hart diz respeito à validade proveniente da regra secundária. Diz ele que uma regra pode ser considerada vinculante quando editada em conformidade com alguma regra de segunda categoria. Por exemplo, a constituição diz que é livre o exercício de quaisquer profissões excetuadas as hipóteses contidas na lei; uma norma de eficácia contida. Caso seja votada uma lei que complemente o texto constitucional, a regra contida em sua essência será vinculante à conduta dos cidadãos, justamente pelo plano de validação de sua eficácia[2]. Caso a essência desta regra seja contrária ao estipulado na regra de segunda categoria (neste exemplo: a Constituição), considera-se a regra dela proveniente como inválida (ou inconstitucional). Daí surgem dois problemas enumerados por Dworkin: a) neste plano de validação é praticamente impossível justificar a validade da norma de categoria máxima, porque não existe nada acima dela que a crie; b) quem adota a posição de Hart, encontra dificuldade em conciliar a aplicação do direito nos casos difíceis que demandam uma aplicação hermenêutica criativa, não puramente técnica.
Dworkin abre a crítica justamente diferenciando a regra dos princípios e das policies (traduzidas como políticas ou programas). Enquanto as políticas ou programas estabelecem um objetivo econômico, político ou social os princípios são requisitos de justiça e equidade, constituem uma nova dimensão de moralidade[3]. Tal definição é também tratada por J. J. Gomes Canotilho (2003) quando anota a respeito das Constituições Programáticas; aquelas que fornecem programas políticos a serem seguidos pelo Estado durante sua vigência[4]. De toda forma, não se trata de uma discussão que venha a trazer grande contribuição para a discussão na Teoria do Direito, por isso que Dworkin aponta como ponto crítico a distinção entre regras e princípios argumentando que
“The difference between legal principles and legal rules is a logical distinction. Both sets of standards point to a particular decisions about legal obligation in particular circumstances, but they differ in the character of the direction they give. If the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision”. (DWORKIN, 1971, p. 24).
Com isto expõe sua visão de que as regras são aplicadas em um sistema de “tudo ou nada” (all or nothing) observando que a decisão jurisprudencial apenas atinge a questão de validade e eficácia da regra aplicada ao caso concreto; ou ela é válida, portanto aplicável, ou ela não é valida sendo inaplicável. O exemplo utilizado por Dworkin é o do rebatedor de baseball que é eliminado com três strikes, constituindo a regra do jogo, mas lembrando das exceções (de que o rebatedor pode ser eliminado por mais de três strikes se o apanhador deixar a bola cair). A regra segue uma lógica cartesiana, retilínea, enquanto que o princípio possui diferentes dimensões de aplicabilidade, reconhecimento e autoprodução; possuem um peso relativo ao valor que eles representam, devendo ser ponderados quando existir conflito entre eles. A regra não possuí esta dimensão axiológica, portanto quando entra em conflito com outra regra, a resolução tende para a análise do plano lógico jurídico (validade); já no que tange ao princípio o Juiz deve buscar algo além da regra.
Ao exercer o juízo ponderativo no conflito principiológico, o interprete age com discricionariedade (discretion), esta vista num sentido restritivo devido a noção de que deve-se reportar a uma escolha feita pelos instrumentos que regram a atuação do agente; neste sentido Dworkin fala “discretion, like the hole in a doughnut, does not exist except as an area left open by surrounding belt of restriction”; (DWORKIN, 1971, p. 31) atentando-se para o fato de que tal restrição pode ser observada tanto no contato interno como no periférico. Outrossim, existe uma atividade criativa na discricionariedade do Juiz, quando cria uma nova regra para o futuro, a aplicação de princípios para resolução de casos difíceis, afirmando que
“This theory holds that a legal obligation exists when (and only when) an established rule of law imposes such an obligation. It follows from this that in a hard case – when no such established rule can be found – there is no legal obligation until the judge creates a new rule for the future. The judge may apply that new rule to the parties in the case, but this is ex post facto legislation, not the enforcement of an existing obligation” (DWORKIN, 1971, p. 44).
Para Robert Alexy (1988) é importante anotar que tanto as regras quanto os princípios são normas havendo uma distinção, na verdade, entre suas classes. Para ele, são vários tipos de critérios que distinguem as classes da norma, podendo-se proceder a divisão: a) pelo critério da generalidade, textura da norma; b) pelo argumento da aplicabilidade (all or nothing) para as regras, e; c) pela dimensão de peso no conflito entre regras e princípios, o princípio tem uma carga axiológica de maior grau. Alexy assevera que princípios podem ser definidos como aqueles mandados de otimização “que se caracterizan porque pueden ser cumplidos em diversos grados y porque la medida ordenada de su cumplimiento no solo depende de las posibilidades fáticas sino tambien de las posibilidades jurídicas” (ALEXY, 1988, p. 143), mais adiante reitera que por serem “mandatos de optimización” os princípios devem ser interpretados de forma ampla, ou melhor, de modo que alcance uma máxima efetividade quando de sua aplicação, como é o caso da dignidade da pessoa humana.
O que difere a concepção de Dworkin e Alexy é a busca por uma resposta certa. Para o primeiro, existe somente uma resposta correta para cada caso. Quando existe conflitos entre princípios, todavia, somente um Juiz super-humano (Hércules) seria capaz de ponderar com clareza e justiça os valores ali em conflito, dessa forma, ao juiz comum cabe aproximar-se o máximo possível desta resposta certa utilizando os métodos que lhe são oferecidos (DWORKIN, 1971, p. 81-130). Já para o segundo é impossível chegar-se a uma resposta certa nos casos difíceis, porque existem várias respostas que dependem do argumento racional (intelectivo) que justifica a aplicação deste ou daquele princípio, conjugado com os acontecimentos fáticos que envolvem o caso, consagrando uma divergência filosófica fundamental entre os dois juristas (ALEXY, 2008;2011).
Nesta esteira ainda é pertinente relembrar a lição de Humberto Bergman Ávila (2006), quando discorre acerca da diferente funcionabilidade dos princípios e das regras. Diz o autor que o comando normativo da regra é mais claro que o do princípio que ainda precisa ser definido pela doutrina e pela jurisprudência. Dessa forma a reprovabilidade de um ato contido em uma regra é maior porque se pune com mais severidade aquele que, sabendo qual conduta deveria ser tomada, age de forma contrária à prescrição. Dessa forma concluí que descumprir uma regra é mais grave do que descumprir um princípio, afirmando, ademais que “regras consistem em normas com pretensão de solucionar conflitos entre bens e interesses, por isso possuindo caráter ‘prima facie’ forte e superabilidade mais rígida” (ÁVILA, 2006. p. 104-5), enquanto que “os princípios consistem em normas com pretensão de complementaridade, por isso tendo caráter ‘prima facie’ fraco e superabilidade mais flexível” (ÁVILA, 2006. p. 105).
É neste quadro que se desenvolve a Teoria do Direito Positivo Contemporânea; após a Segunda Grande Guerra, e os regimes positivo-autoritários (como o Nazismo, Fascismo, Franquismo, Salarazismo, etc), a nova releitura do positivismo jurídico adicionou uma “clausula de abertura” no paradigma da ciência jurídica: a discussão em torno da axiologia dos princípios jurídico-constitucionais; seu núcleo de fundamentabilidade e a proteção ao ser humano enquanto pessoa capaz de direitos. J. J. Canotilho (2003) une estes acontecimentos lógicos para demonstrar que a Constituição na verdade representa um Sistema Normativo Aberto de regras e princípios, argumentando ainda que
“(1) é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de normas; (2) é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica (Caliess), traduzida na disponibilidade e <<capacidade de aprendizagem>> das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da <<verdade>> e << justiça>>; (3) é um sistema normativo, porque a estruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas; (4) é um sistema de regras e princípios, pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras” (CANOTILHO, 2003, p 1159).
Por fim, ressalta o jurista português que “regras e princípios constitucionais valem como <<lei>>: o direito constitucional é direito positivo” (CANOTILHO, 2003, p. 1176), por isto relembra da abordagem da constituição como norma jurídica (em trabalho de Garcia de Enterria), bem como que da força normativa das constituições (na obra de Konrad Hesse), no final concluindo que
“a complexa articulação da <<textura aberta>> da constituição com a positividade constitucional sugere, desde logo, que a garantia da força normativa da constituição não é tarefa fácil, mas se o direito constitucional é direito positivo, se a constituição vale como lei, então as regras e princípios constitucionais devem obter normatividade regulando jurídica e efectivamente as relações da vida (P. Heck), dirigindo as condutas e dando segurança a expectativas de comportamentos (Luhmann)” (CANOTILHO, 2003, p. 1176).
De todo modo, conjugando-se a revolução do paradigma do pensamento cartesiano, à concepção dos sistemas jurídicos (portanto constitucionais) e a nova Teoria do Direito Positivo (axiológica); ainda ficam sem resposta dois problemas fundamentais: 1) qual a densidade e a abertura das normas constitucionais? e; 2) como medir o grau de densidade da norma?
Se um novo olhar é necessário para o Direito Constitucional enquanto ciência positiva, enquanto ciência jurídica no limiar do progresso no método sistêmico, como considerar a tradição histórica que movimenta o constitucionalismo? Ou melhor, a partir de qual ótica se devem observar os valores albergados pela Constituição? Por oportuno, ainda cabe um último questionamento, como o Supremo Tribunal Federal controla estes valores que representam a clausula de abertura do sistema jurídico?
2.2. A Jurisdição Constitucional e a Centralização do Poder Político.
O Estado brasileiro adota um sistema misto de Controle de Constitucionalidade, cabe, por oportuno, relembrar que este sistema misto alcança, inclusive, uma fiscalização feita de forma preventiva, àquela realizada dentro do processo legislativo e de origem francesa. Portanto, o presente trabalho será tangenciado para a Jurisdição constitucional e os modelos de controle repressivos adotados pelo Brasil: O Modelo Difuso (norte-americano) e, o Modelo Concentrado (austríaco).
O Modelo difuso nasce nos Estados Unidos a partir da decisão do Cheif Justice Marshall no caso Marbury VS Madison, na fica reconhecida a competência de todo o juiz para decretar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo que contrarie o disposto na Constituição. Para J. J. Gomes Canotilho (2003) a concepção de controle difuso remete ao ideal jusnaturalista de uma “Higher Law” que transfere o Poder Soberano para a Constituição, apontando que era insuficiente “afirmar a superioridade da constituição perante a lei: era necessário reconhecer a judicial review, ou seja, a faculdade judicial de controlo da inconstitucionalidade das leis” (CANOTILHO, 2003, p. 898). Já Mauro Capelletti (1983), diz que pelo fato de se dar difusamente, e de forma incidental, atacando somente o caso concreto, não existe modificação da proteção constitucional generalizada, apenas o reconhecimento da inconstitucionalidade naquele caso, explica ele que
este control, por lo tanto, no queda remitido a la exclusiva competencia de tribunales constitucionales especiales; es más, el control no se leva a cabo por procedimentos ad hoc, sino de forma incidental, en el trancurso de processos ordinarios. Este control, en fin, no da lugar – al menos teóricamente – a una verdadera anulación, com efectos erga omnes, de la ley anticonstitucional, sino tan solo la inaplicación, em esse caso concreto, de la norma considerada inconstitucional. Sin embargo hay que precisar de inmediato, a propósito de este tema, que em los países de common Law, em virtud de la doctrina do stare decisis, todos los tribunales (o al menos todos los tribunales inferiores) quedan vinculados por la declaración de inconstitucionalidad de uma norma realizada por um tribunal superior, a pesar de que esa declaración sea meramente incidental, con lo que ésta adquiere en la práctica valor erga omnes (CAPELLETTI, 1983, p. 602).
De todo modo, ainda acrescenta que a construção do modelo americano denota uma dupla garantia política ao Estado Americano, e dizem respeito aos argumentos acerca da Legitimidade da Jurisdição Constitucional. A primeira garantia é a de um controle democrático que representa os interesses regionalizados, a capacidade de qualquer Juiz demonstrar a realidade de um determinado grupo em relação aquele caso e à Constituição Federal. A segunda garantia diz respeito ao equilíbrio dos Poderes do Estado; enquanto que o Executivo e o Legislativo influem diretamente no curso das decisões políticas o Judiciário fica encarregado de proteger os valores constitucionais na tutela da liberdade e da igualdade, por isto a importância de haver representatividade no acesso ao cargo, instituindo-se o sistema de “appointment or election” no processo de seleção dos Magistrados.
É pacífico na doutrina que a compreensão da cisão conceitual entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos reside em dois aspectos distintos: 1) na positividade constitucional, o cunho formal de garantia e; 2) na dimensão axiológica da proteção universal, o cunho material de garantia (SARLET, 2007, p. 35-6). Desse modo, os Direitos considerados como Fundamentais têm proteção especial da constituição no processo de positividade, como é o caso do Brasil, que dedica um rol sobre Direitos e Garantias Constitucionais na Constituição e concede ao Judiciário a guarda e efetivação tanto destes direitos como da própria Constituição[5].
Ora, cabe, ainda, argumentar que o Controle de Constitucionalidade pela via difusa, no Brasil, na maioria dos casos, acaba com a decisão do Supremo Tribunal Federal por intermédio da interposição de Recurso Extraordinário. Portanto, atuando como órgão do Judiciário sentenciando o caso e podendo até modular os efeitos de sua decisão. Tomando-se, como base, também o art. 103-A[6] da Constituição, o STF pode constituir uma regra hermenêutica que servirá como norte interpretativo para os casos constitucionais, depois de reiteradas decisões (BRASIL, 1988). As súmulas vinculantes.
De toda forma, a questão a instigar questionamentos persiste justamente na produção democrática de um controle justo. Pela via difusa, é possível encontrar-se alguns julgados de demonstram mais uma instigação política, do que de fato uma inclinação a manifestação de feixes de interesse. Pode-se argumentar o seguinte: apesar de os Juízes, Desembargadores e Ministros não chegarem ao cargo público através do interesse político democrático, eventualmente, em suas decisões, eles acabam – por sua liberdade funcional no exercício do mister – representando este ou aquele interesse. Veja-se isto na prática.
No Recurso Extraordinário 631.102 Pará, o pleno do STF foi chamado a discutir questão suscitada da inelegibilidade de um candidato ao Senado, pela aplicação da Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) que alterou o conteúdo da Lei Complementar 64/1990. A questão permeava a respeito da punição retroativa do candidato que renunciou ao mandato para não sofrer condenação; bem como que acerca da ocorrência do art. 16 da Constituição que versa sobre o conhecido princípio da anterioridade eleitoral[7]. De todo modo, a decisão do Tribunal ficou empatada por ter um Ministro se aposentado às vésperas da Sessão no Plenário, fato que suspendeu o trâmite do processo até que novo Ministro assumisse a cadeira.
De todo modo, o STF ficou (literalmente) divido entre dois interesses políticos-sociais: 1) o do movimento de moralização do Poder Legislativo, através da mutação do processo eleitora e; 2) o dos candidatos que achavam ter sido cerceados em seus direitos fundamentais de concorrer a um cargo público através de eleição. Mas, além destes interesses conflitantes, o Tribunal haveria de conformar, qualquer decisão que proferisse com os Valores albergados pelo sentido das normas constitucionais. Valores estes que são, na verdade, o interesse jurídico-político a que estão amarrados todos os Juízes. Assim como o Cheif Justice Marshall, que utilizou de uma posição política pessoal, para buscar na Constituição Americana, um meio de adequar os interesses políticos aos valores constitucionais; todo o Juiz, eventualmente, age sem levar em conta, como argumento forte, o valor democrático protegido pela norma jurídica. Portanto, se os Direitos Fundamentais exigem uma postura ativa do Estado, como cobrar do Judiciário a garantia de decisões democráticas?
Diversamente do modelo americano, o sistema austríaco de controle de constitucionalidade, obra de Hans Kelsen (2000; 2003; 2006), se dá de forma concentrada, exercida por um Tribunal Constitucional. Esse sistema foi consagrado na Constituição austríaca de 1920 e alterado em 1929. Nesse modelo os juízes não possuem competência para avaliar questões constitucionais. Porém, o Tribunal Constitucional só poderá analisar questões constitucionais quando provocado por órgãos políticos. Segundo Canotilho (2003)
A ideia de um controlo concentrado está ligado o nome de HANS KELSEN, que o concebeu para ser consagrado na constituição austríaca de 1920 (posteriormente aperfeiçoado na reforma de 1929). A concepção kelseniana diverge substancialmente da judicial review americana: o controlo constitucional não é propriamente uma fiscalização judicial, mas uma função constitucional autónoma que tendencialmente se pode caracterizar como função de legislação negativa. No juízo acerca da compatibilidade ou incompatibilidade (Vereinbarkeit) de uma lei ou norma com a constituição não se discutiria qualquer caso concreto (reservado à apreciação do tribunal a quo) nem se desenvolveria uma actividade judicial (CANOTILHO, 2003, p. 898).
Para Mauro Capelletti (1983), a crítica fica acentuada na questão dos Juízes. Diz ele que a composição dos Tribunais Constitucionais é feita por Juízes de carreira, que são pouco adequados para assumir o ônus do encargo que é o controle legislativo (negativo). O Juiz aplica a lei ao caso concreto utilizando a hermenêutica adequada em cada situação. Este enunciado implica dizer que o Juiz anda em um espaço determinado pela Lei e pela Constituição. O Tribunal Constitucional, agindo como uma função de legislação negativa aplica princípios políticos para retirar a validade da norma jurídica que está em desconformidade com a Constituição, o que pode a vir gerar um déficit na democracia do modelo. Por isto Capelletti (1983) afirma que
los jueces de la Europa continental son habitualmente magistrados de carrera, poço adecuados para sumir una tarea de control de las leyes, tarea que, como veremos,es inevitablemente creadora y va mucho más Allá de la mera funión tradicional e ser <<simples intérpretes>> y <<fieles servidores>> de las leyes. Incluso la interpretación de las normas constitucionales, y em particular, la de su núcleo central, la declaración de los derechos fundamentales o Bill of Rigths, difiere mucho de la de las leyes ordinárias; requiere uma actitud dificilmente compatible com las tradicionales <<debilidad y timidez>> del juez del modelo continental (CAPELLETTI, 1983, p. 603).
Por outro lado, a própria sistemática do controle austríaco confere ao direito uma maior estabilidade e segurança jurídica pelo fato de fazer valer suas decisões de forma erga omnes. Todavia, volta-se, novamente, à analise do caso brasileiro. O controle de constitucionalidade pela via concentrada, ou direta, compreende os mecanismos chamados de Ações Constitucionais, que são de competência exclusiva do STF (no caso de conflito da Constituição Federal), e dos Tribunais do Estado (no caso de conflito da Constituição Estadual).
Apesar de tomar-se como prudente, a crítica de Capelletti (1983), importante notar que as decisões proferidas em controle direito, garantem ao ordenamento jurídico e aos cidadãos, a segurança jurídica na aplicação dos Direitos Fundamentais, tanto é que na ADPF 33-5 PA, o Ministro Gilmar Mendes (2003), reconhece que o fato de o núcleo imutável da constituição versar sobre os direitos fundamentais excluí a visão de aplicação tecnicista de que seriam apenas os direitos conscritos na dicção do art. 5º ao 17º (bloco de fundamentabilidade), mas sim extensível aos princípios sensíveis espalhados por todo o texto constitucional. Inegável é o fato de que a segurança jurídica é necessária para que as relações jurídicas restem pacificadas, mas, o que passa desapercebido é a razão por detrás da lógica no discurso e na argumentação. Alexy (2011) ensina que
“o núcleo de fundamentação pragmático-universal das normas fundamentais do diálogo racional é formado pela tese de que todo falante une às suas manifestações as pretensões de inteligibilidade, veracidade, correção e verdade. Quem firma um juízo de valor ou de dever formula uma pretensão de correção; pretende que sua afirmação seja fundamentável racionalmente” (ALEXY, 2011, p. 130).
A partir desta acepção é possível inferir-se duas condições do discurso jurídico: 1) a primeira diz respeito à expectativa normativa do discurso constitucional; 2) a segunda diz respeito à aplicação hermenêutica e o argumento utilizado pelos tribunais para adequar a conduta à expectativa normativa. Ora, se a constituição eleva a produção normativa pelo argumento do valor que deve ser protegido, a segurança jurídica encontra-se, justamente, nos limites da ponderação axiológica que merece proteção sob o manto daquele ato de linguagem normativo. Em outras palavras, o discurso constitucional é justificado pelo argumento: o valor vida deve ser protegido, por exemplo. Em contrapartida, a expectativa normativa deste conteúdo descritivo é condicionada ao fato, mas não pode ser inferida diretamente dele (ALEXY, 2011, p. 117). Necessário se faz, portanto, que a argumentação jurídica aproxime a proposição normativa ao resultado desejado, sob pena de, se não houver conformação entre eles, recaírem-se os ônus de uma sanção.
É, justamente, esta a lógica da argumentação jurídica fundamentadora do discurso; de modo que, a missão do Juiz é utilizar, dentro dos argumentos fortes, aquele que represente, naquela relação, o valor Justiça. O que se pode concluir? Que a segurança jurídica na verdade é constituí a prevalência do argumento que melhor se adéqua ao discurso normativo do valor protegido na constituição. Tanto é verdade que o art. 27 da Lei 9.868/1999, preceitua que “tendo em vistas razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribuna Federal (…), restringir os efeitos daquela declaração” (BRASIL, 1999), ou ainda optar pelo momento de início de produção de efeitos no mundo jurídico. Ainda nesta esteira esta o art. 11 da Lei 9.882, que versa sobre a ADPF, estabelecendo a mesma regra para as declarações de inconstitucionalidade por tal via (BRASIL, 1999 a).
Cabe, ainda, reforçar a idéia de concentração de Poder Político em face ao acumulo de competências do Supremo Tribunal Federal. Diante da infinidade de conceitos que são usados para descrever o vocábulo política, parece oportuno utilizar o raciocínio de Ivo Dantas (2008) em sua “Teoria do Estado Contemporâneo”, argumentando que para o Direito Constitucional, ou para o Processo Constitucional, a expressão “política” não deve ser “tomada no sentido de conhecimento, porém, de ação ou programa de governo (policy)” (DANTAS, 2008, p. 30). Se se tomar em conta tal argumento, aquele que tem o condão de decidir os programas ou as ações do governo tem poder político. Esta idéia de poder que também possuí uma enorme imprecisão conceitual, mas aparece sempre ligada a um aspecto social, tanto que há notórias tentativas de explicação por autores da sociologia, como Marx, Maine, Durkhein, Weber, Parsons e Luhmann. Este último que assim escreve
“existem diversas e contraditórias tentativas de reduzir o fenômeno do poder a um conceito bem-sucedido teórica e empiricamente. Dada esta situação, uma teoria do poder não pode se limitar a uma interpretação descritiva ou uma análise essencial que apenas suponha, mais ou menos, o que irá obter como resultado. Igualmente, as tentativas de analisar o conceito em si mesmo e distinguir suas diversas significações não progridem e levam à prudência e, enfim, à resignação. Não é pois possível, nestas circunstâncias, proceder por pontos isolados já supondo o que seja poder, mas dever-se-á buscar conceitos abrangentes, utilizáveis também em outros contextos, servindo já para a transposição de questionamentos e construções conceituais consagradas, possibilitando comparações e investigações conexas em outros campos” (LUHMANN, 1985, p. 03).
Dessa forma, o Direito Constitucional pode ser interpretado como a garantia da institucionalização, regulação e restrição do poder com a finalidade de que não sejam cometidos abusos ou diferenciações negativas na produção de direitos na prática. Exemplos de diferenciações negativas na história humana, são o caso dos regimes autoritários ou absolutistas; ainda mais recente, estão os exemplos das “ditaduras da lei” como o nazismo, o fascismo, o salazarismo, o franquismo, etc. De todo modo, como já foi visto até aqui no presente trabalho o controle de constitucionalidade repressivo nasce nas formas puras do controle austríaco e do controle americano e que a adoção de um ou de outro, remete á certos defeitos e certas qualidades.
Com vista nestes pressupostos (e isso já foi dito em outro lugar aqui), o Brasil, na Constituição de 1988, resolveu adotar os dois sistemas de controle repressivo na tentativa de congregar todas as qualidades e nenhum defeito dos dois. A Constituição reconhece a Inafastabilidade da Jurisdição de forma genérica quando diz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). No Art. 102, no qual se estabelecem as competências do Supremo Tribunal Federal, fica clara a opção pelo controle concentrado quando enumera no inciso I função de julgador das ações Diretas de Inconstitucionalidade. Mais a frente é possível ver que, este mesmo órgão também tem competência para exercer a fiscalização constitucional por via incidental no inciso III, das alíneas “a” até “d”.
Não é só isso; os Art.s 104 (competência do Superior Tribunal de Justiça), 108 (competência da Justiça Federal), 114[8] (competência da Justiça do Trabalho), e mais notadamente na atuação das Justiças Estaduais no art. 125, §2º; que o Brasil decide misturar os dois sistemas de controle de constitucionalidade. Entretanto, ressalte-se o seguinte; há uma desvirtuação para com os dois modelos em suas formas puras porque há uma notória desestabilização no Poder Político da Função Judiciária. Enquanto que para Kelsen o Tribunal Constitucional detinha a função de legislação negativa, no Brasil, ele faz parte da própria função Jurisdicional, ou seja, opera com duplicidade de funções.
De toda forma é necessário expor-se isso por outra abordagem. No primeiro título da Constituição, aquele que trata dos Princípios Fundamentais, no art. 2º é expressa a adoção do sistema de Montesquieu, também utilizado pelos Estados Unidos (lá chamado de checks and balances), como forma de organizar funcionalmente o Estado em três Poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário; que funcional com independência e harmonia entre si. A independência do Judiciário vem expressa no art. 99º do texto superior, que resguarda autonomia administrativa e financeira ao Judiciário, além de, em alguns artigos já suscitados anteriormente, conferir a possibilidade de os Tribunais editarem normas referentes aos diversos procedimentos autorizados pela Constituição.
Enquanto Poder, ou, Função organizada, o Judiciário realmente necessita ter assegurada sua independência funcional com harmonia em relação aos outros poderes. Entretanto, a disparidade fica acentuada se se levar em conta o argumento utilizado anteriormente, de que no Brasil o Tribunal Constitucional faz parte do Poder Judiciário confundindo duas funções distintas: a Jurisdicional e a Legislativa Negativa. Contudo, não é simplesmente isto que causa a concentração do poder político no Judiciário, mas também a adoção de uma medida de baixa taxa de renovação entre os membros atuantes deste poder.
Os juízes ingressam na carreira da magistratura através de concurso público de provas e títulos e tem assegurada, dentre outras, a garantia de vitaliciedade. Lembrando-se que existem alguns limites para atuação do magistrado, como a aposentadoria compulsória aos 70 (setenta) anos de idade; a disponibilidade em razão do interesse público; a remoção baseada no mesmo critério; etc. De toda forma, fica claro que, o Juiz de primeiro grau, utiliza-se de suas pré-concepções pessoais adequando-a à realidade da comarca que preside, isto dito de outra forma: na integração do círculo hermenêutico Gadameriano a relação entre sujeito, meio e objeto tende à concentração na realidade do sujeito em detrimento ao objeto que se analisa ou que se descreve.
Mas, no que implica isto? No fato de que o Juiz de primeiro grau, por mais que tente se aproximar da generalidade necessária para proteção do “interesse público” sempre vai depender de suas pré-concepções de mundo e da realidade regional a qual está conscrito para ponderar as situações que lhe são apresentadas e dizer quem tem o direito no caso concreto. Portanto, poder-se-ia argumentar que o Juiz representa o interesse da comarca a qual preside. Entretanto, esta é uma lógica que não encontra o uso devido na prática, veja-se o seguinte.
A promoção e acesso aos Tribunais se dá pelo critério de antiguidade ou de merecimento (segundo a constituição) então, no quadro geral, a idéia é que o Juiz passe pelo máximo de entrâncias possíveis para que chegue ao Tribunal carregando consigo as experiências e as vontades das comarcas as quais passou, representando os interesses regionais daqueles lugares. Dessa forma a composição dos Tribunais Estaduais deveria levar em conta tal processo democrático, mas, infelizmente não o faz. Se se desenhar um quadro mais geral, então todos os Estados da Federação deveriam fazer-se representados no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, quando, de fato não o são. O que vai caracterizar uma concentração de Poder Político na Função Jurisdicional, na medida em que não há uma representatividade efetiva de seus membros para com o interesse democrático, e mais, na medida em que adotam uma postura ativista cresce, cada vez mais, a tensão entre a harmonia dos Poderes do Estado.
3. Aplicações Hermenêuticas Justificadas no Interesse Político.
3.1. O que diria Gadamer?
O trato gadameriano acerca desta subjetividade deve ser observado sob o prisma da “ontologia da obra da arte e seu significado hermenêutico” (GADAMER, 1999, p. 174) neste momento introdutório. A partir desta leitura, depreende-se que o jogo, importante e significativo, tende a apreensão do subjetivismo e o estado da compreensão daquele que joga. Por isto que Gadamer aponta para a importância desta seriedade como aquela a qual vai deixar em estado de suspensão o comportamento lúcido de “todas as relações-fins, que determinam a existência (Dasien) atuante e cuidadosa” (GADAMER, 1999, p. 175); em outras palavras, a seriedade do jogo deve ser vista como aquela que aproxima de uma concepção crítica que analisa a sua própria razão de existir e não responde com conceitos que são estanques e incomunicáveis no tempo, mas que são suficientemente abertos para a composição de uma tradição ontológica para interpretação deste estado da arte ou da obra. Ele diz que
“nossa indagação quanto à natureza do próprio jogo não poderá, por isso, encontrar uma resposta, se é que a estamos esperando da reflexão subjetiva de quem joga. Em vez disso perguntamos pelo modo de ser do jogo como tal. Já tínhamos visto que não é a consciência estética, mas a experiência da arte e, com isso, a questão do modo de ser da obra de arte que terá de ser objeto de nossa ponderação” (GADAMER, 1999, p. 175).
Se a arte for considerada como um ato, ou uma ação, então se pode dizer que a hermenêutica é uma arte. O que leva a crer, não só que a obra resultado dessa arte trata da conclusão do processo interpretativo do hermeneuta, como também que existe uma relação bilateral entre sujeito e objeto, melhor dizendo, “a obra de arte tem, antes, o seu verdadeiro ser em se tornar uma experiência que irá transformar aquele que experimenta” (GADAMER, 1999, p. 175). Esta concepção vale muito e a metáfora do jogo, vista pelo viés gadameriano, faz com que se questione o direito. Quem são os jogadores do direito? Ou, o que é o jogo do direito? Bem, decerto que ficou-se esclarecido até o presente momento quais as “regras” deste jogo, desde a tentativa de ordenação da conduta através da norma jurídica, aplicável ou não aplicável para regra e ponderável para os princípios.
A descrição do direito, ou o fornecimento de um conceito do que seja o direito, já não toma grandes relevos tal como faz Luhmann (1983) em sua Sociologia do Direito, mas já que se está tratando dele, vale um importante friso. Luhmann (1983), talvez com fundamentação em Hesse (1991), acredita que a norma jurídica contém uma expectativa normativa que vincula a atuação, tanto do ente público como das personalidades da vida privada, para que ajam desta, ou, daquela forma. Esta expectativa serve como método de contingência da complexidade social justamente porque diminui, ou, limita às possibilidades de atuação. Nesta esteira, o que se vai perceber é o fato de que os jogadores mais influentes no campo da hermenêutica vão ser aqueles responsáveis por delimitar, pragmaticamente, os limites desta expectativa normativa; dizer quais regras são (in)válidas e o por quê (naquele caso concreto) e; dizer qual princípio deve ser (in)preponderante ao outro e o por quê (naquele caso concreto).
Pode-se (e deve-se) argumentar que embora uma decisão judicial possa ser fundamentada com base nos argumentos do advogado de defesa ou de acusação, o processo cognitivo que aceita ou descarta este ou aquele argumento é próprio (e é fruto), das pré-concepções de mundo do Juiz da causa. Não é que a hermenêutica do advogado seja menos importante que a do Juiz, somente se quer dizer que a interpretação do Judiciário tem maior significância pela investidura de competência estatal que é conferida ao Magistrado. Precisamente, por este motivo que a hermenêutica judicial é a mais estudada contemporaneamente, tanto que tem se procurado discutir até acerca de uma Teoria da Decisão, ou de Teorias da Decisão, em prol do valor justiça. Todavia, fazendo até menção à circularidade viciosa criticada por Gadamer (1999), o valor justiça também pode ser acometido sob o viés da arbitrariedade do intérprete.
Ao re-explicar a idéia do círculo hermenêutico, Gadamer aponta que o próprio ato de interpretar leva a um conhecimento mais originário, desde que ela própria (a interpretação) perceba sua função e avalie o objeto não a partir das pré-concepções ou através de uma “feliz idéia”, mas sim perceba a significância da coisa a partir dela mesma. Ainda vai mais além asseverando que “toda interpretação correta tem que proteger-se contra a arbitrariedade da ocorrência de ‘felizes idéias’ e contra a limitação dos hábitos imperceptíveis do pensar, e orientar sua vista ‘às coisas elas mesmas’” (GADAMER, 1999, p. 401-2); sem se perder de vista, o fato de que aquele que tenta compreender um texto traça um projeto preliminar, ou seja, produz uma expectativa que tenta saciar com o sentido preterido. Acontece que esta expectativa é diferente da pré-concepção uma vez que aquela é um decorrente lógico da estrutura de compreender.
O resultado é a confirmação ou a negação do sentido planejado, ou, expectado no programa de compreensão. Por isto é que Gadamer (1999) ainda vem redimensionar a importância da discricionariedade do interprete na sua relação com a coisa, de modo que é a própria utilização da linguagem no aspecto histórico que vincula um padrão de entendimento (até ontológico) do que se lê, ouve, fala e escreve; dessa forma chega-se a conclusão de que “a tarefa da hermenêutica se converte por si mesma num questionamento pautado na coisa, e já se encontra sempre determinada por este” (GADAMER, 1999, p. 405). Fazendo com que o papel do hermeneuta seja a descoberta do significado desta coisa para com sua realidade pessoal e a realidade da própria existência da coisa, dessa forma
“aquele que quer compreender não pode se entregar, já desde o início, à causalidade de suas próprias opiniões prévias e ignorar o mais obstinada e conseqüentemente possível a opinião do texto – até que este, finalmente, já não possa ser ouvido e perca sua suposta compreensão. Quem quer compreender um texto, em princípio, disposto a deixar que ele diga alguma coisa por si só. Por isso, uma consciência formada hermeneuticamente tem que se mostrar receptiva, desde o princípio, para alteridade do texto. Mas essa receptividade não pressupõe nem ‘neutralidade’ com relação a coisa nem tampouco auto-anulamento, mas inclui a apropriação das próprias opiniões prévias e preconceitos, apropriação que se destaca destes. O que importa é dar-se conta das próprias antecipações, para que o próprio texto possa apresentar-se em sua alteridade e obtenha assim a possibilidade de confrontar sua verdade com as próprias opiniões prévias” (GADAMER, 1999, p. 405).
Ora, se, de fato, é impossível desvincular-se da discricionariedade pelo fato de ser ela um pressuposto lógico do próprio processo do conhecimento, como diferenciar a expectativa programada na construção de um sentido de justiça, da pré-concepção de que o acusado agiu de acordo, ou contrariamente, à expectativa normativa do texto jurídico? Este é o ponto chave para se entender a crítica do controle dos valores constitucionais pelo STF na ótica gadameriana. Em teoria, a análise desta aplicação, ou da construção da obra, deve considerar alguns aspectos a se enumerar a seguir: a) a composição histórica do valor; b) a concepção ontológica da ação; c) a posição do sujeito interprete; d) a relação entre este sujeito e o objeto; e) a relação entre este sujeito e o mundo e; f) a relação entre o objeto e o mundo. A composição histórica do valor é uma retomada aos critérios de eleição de importância para ordenação de determinada conduta, ou através de regras, ou através de princípios. A concepção ontológica da ação é um estudo que envolve o ato de interpretar, suas raízes, e sua epistemologia.
Na referência aos demais tópicos, o estudo é prático, preferindo-se a análise de caso para que se tracem figuras mais próximas daquilo que se deseja. A intenção é demonstrar que apesar da impossibilidade de se proferir uma decisão apolítica, o Juiz está obrigado, pela função típica que exerce a externar suas expectativas valorativas no limite que é estabelecido pela norma jurídica. Não é tarefa fácil, mas necessária para uma hermenêutica justa, democrática e mais aproximada de um conhecimento originário. Dessa forma, passar-se-á para a análise de algumas Jurisprudências do STF, destacadas por sua repercussão política e pelos argumentos utilizados nos votos da relatoria.
3.2. Jurisprudências do STF
3.2.1. Decisão 01: Ficha Limpa.
O destaque que se faz em relação a este tópico é um esclarecimento preliminar para que se entenda o pano de fundo que norteia a aplicação preterida, ou, a concepção gadameriana a respeito de como se julga, ou seja, como se interpreta. Tratar-se-á do Recurso Extraordinário n. 631.102-PA, no qual o objeto principal tangencia-se à declaração de inconstitucionalidade da alínea k do §1º do art. 1º da Lei Complementar 64/1990, incluído pela Lei Complementar 135/2010, que ficou mais conhecida como a Lei da Ficha Limpa[9]. Como base preliminar, veja-se a argumentação inicial no voto do Ministro Joaquim Barbosa, que diz
“inicio este meu voto reafirmando a perspectiva com que me proponho a analisar situações como a desses autos: a da valorização da moralidade e da probidade no trato da coisa pública, sob uma ótica de proteção ao interesse público, e não da proteção preferencial aos interesses puramente individuais. Entendo que há de prevalecer a ótica interpretativa que privilegie a proteção dos interesses maiores de toda a coletividade, que afirme a probidade e a moralidade administrativas, que coíba o abuso no exercício de funções públicas, pois são estes vetores, em última instância, os mais elevados valores a serem preservados quando se tem em jogo o exercício dos exercícios políticos, especialmente na perspectiva passiva” (BRASIL, 2010).
É possível traçarem-se pelo menos algumas das pré-concepções que o falante enuncia em relação a sua visão de mundo. Quando diz que “reafirma” uma perspectiva já sustentada anteriormente, se desprende da necessidade de dizer novamente o que já foi dito em outro momento, de modo que demonstra duas coisas que são complementares: 1) que já abordou o mesmo tema anteriormente e; 2) que formulou uma tradição hermenêutica. Ao se confirmar isso, percebe-se, então, que o argumento que justifica o posicionamento do Ministro Relator é decorrente da certeza filosófica de que a constituição possuí valores externados para além do comando regulatório da norma jurídica; que existe algo por detrás da roupa das palavras que diz um “dever ser” com maior significância do que a regra jurídica (e para o universo do direito). Note-se que estes valores implícitos na lei são reduzidos por siglas distintivas que sempre apontam para um lugar comum, igualmente diminuído e convencionado a denominar-se de “bem comum”. Por isso se fala em “moralidade”, “probidade” e “proteção ao interesse público”.
Porém, e agora cabe uma abstração (eufêmica), as pré-concepções do hermeneuta não podem tomar como acabada a limitação do resultado da obra, ou, melhor dizendo, os pré-juízos não podem deixar que a idéia que se tem sobre o que seja “moralidade”, “probidade” ou “proteção ao interesse público”, estejam acabadas e inalteráveis no processo cognitivo do intérprete. Eles são reconstruídos na medida em que se deixa que o sujeito interaja com o mundo e com o jogador. Por isto, talvez, a própria idéia de formação dos valores que são (ou devem ser) protegidos, contenha um traço de arbitrariedade. Talvez, na teoria se sugira que a decisão política deva se mascarar de hermenêutica filosófica, tradição ou defesa de valores; quando na verdade o resíduo político proveniente da pré-concepção (expectada, programada) é que deveria se externar como decorrência do próprio ato de interpretar, de conhecer.
Por outro lado, se se adotar a posição de que o hermeneuta age de boa-fé, porque acredita aquilo que descobre ou conhece é, inexoravelmente, a verdade; ainda sim não fica eximido da obrigação moral de se filiar aos valores que defende na teoria; porque diz o que acredita ser a “moralidade”, a “probidade” e a “proteção ao interesse público”. Depreende-se, dessa forma que na experiência pragmática estes conceitos se materializam para o intérprete como extensão do seu próprio ser. Ressalte-se que o intérprete é o órgão como todo. Não se discute o mérito, ou qual corrente saiu vencedora deste embate, o que se discute é a influência da concentração do poder político na formação de pré-juízos no processo interpretativo da Corte Constitucional. E fica claro o paradoxo quando se percebe que o referido processo ainda não teve fim, apesar da posse de novo Ministro que causaria o desempate desta celeuma, alguns entraves processuais fazem com que se questione, realmente, esta “moralidade”, “probidade” e “proteção ao interesse público”; quando há prejuízo da proteção dos valores como a “razoável duração do processo”, ou o “devido processo legal”.
3.2.2. Decisão 02: União Homoafetiva.
Como nem sempre a crítica é negativa, em outra Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é possível perceber a defesa de valores da Constituição no sentido de reconstrução histórica, baseada não só na garantia do interesse político (dialético) de um feixe social determinado, mas também na vontade que delegou ao Poder Constituinte a proteção do interesse da Nação brasileira como um construto cultural, ontológico e transcedental. O caso tangencia-se sobre a possibilidade de duas pessoas do mesmo sexo constituírem o que a lei denomina de entidade familiar; dessa forma, garantindo-se direitos como o de reconhecimento de União Estável, Adoção, Partilha de Bens, Sucessão, entre outros.
Neste caso, os conceitos que são hermeneuticamente discutidos definem-se pelas palavras “felicidade” e “afetividade”. A constituição garante às ferramentas necessárias para que o cidadão brasileiro seja feliz? E, se o faz, qual a relação desta busca pela felicidade com o sentimento de afeto? Estas perguntas já carregadas de subjetividade que vêm trazer outras ainda mais profundas, como por exemplo, o que é a felicidade? Como garantir felicidade de forma genérica sem causar um debate puramente metafísico? O que é o afeto e como ele se externa? Existe algum conflito principiológico entre esta manifestação e afeto e outras garantias? De fato, esta explanação preliminar já animaria qualquer discípulo gadameriano, pois do fato concreto nascem mais incertezas do que respostas; e as pré-concepções acerca do assunto não conseguem esgotar o entendimento da matéria em questão. Na decisão do Supremo Tribunal Federal a ementa traduz, precisamente, a existência de uma nova percepção da dignidade da pessoa humana e a felicidade como pressuposto para o desenvolvimento da personalidade do homem
“EMENTA – União Civil entre pessoas do mesmo sexo – alta relevância social e jurídico constitucional da questão pertinente às Uniões Homoafetivas – Legitimidade Constitucional do reconhecimento e qualificação da União Estável Homoafetiva como Entidade Familiar: Posição Consagrada na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADPF 123/RJ e ADI 4.277/DF) – O Afeto como valor jurídico impregnado de Natureza Constitucional: a valorização desse novo paradigma como núcleo conformador do conceito de família – o direito à busca da felicidade , verdadeiro postulado constitucional implícito e expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial Dignidade da Pessoa Humana – Alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte Americana sobre o Direito Fundamental à busca da felicidade – Princípio de Yogyakarta (2006): Direito de qualquer pessoa de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou identidade e gênero – Direito do companheiro, na União Estável Homoafetivas, à percepção do benefício da pensão por morte de eu parceiro, desde que observados os requisitos do art. 1.723 do Código Civil – O Art. 226, § 3º, da Lei Fundamental constituí típica norma de inclusão – A função Contramajoritária do Supremo Tribunal Federal no Estado Democrático de Direito – A proteção das Minorias analisada na perspectiva de uma concepção material de Democracia Constitucional – O dever Constitucional do Estado de impedir (e, até mesmo punir) “qualquer discriminação atentatória dos Direitos e Liberdades Fundamentais” (CF, Art. 5º, XLI) – A Força Normativa dos princípios Constitucionais e o fortalecimento da Jurisdição Constitucional: Elementos que compõem o marco doutrinário que confere suporte teórico ao Neoconstitucionalismo – Recurso de Agravo improvido” (BRASIL, 2011).
Percebe-se que o hermeneuta considera algumas pré-concepções necessárias para decidir o caso concreto. A primeira delas é a concepção de igualdade, como tratar os cidadãos de forma igual não só num sentido formal, mas também material e substancialmente. A segunda delas é a relação entre esta igualdade e a necessidade de garantir a todos o direito pela busca de sua felicidade pessoal, por certo que também levando-se em conta os limites próprios da convivência harmoniosa (e a expectativa normativa da conduta humana). Deste direito à procura da felicidade nasce a base de fundamentação para se afirmar que a afetividade está protegida, por estes dois direitos; na verdade, pelo fato de que todos devem ser tratados de forma igual, e todos podem perseguir os instrumentos para realização de sua felicidade pessoal nos limites do que for permitido pela lei. Daí a conexão necessária com a Dignidade da Pessoa Humana.
Como dito, estas pré-concepções não esgotam totalmente a compreensão do hermeneuta na medida em que ainda suscita mais questões a serem resolvidas, como a questão da Tradição construída pelo Tribunal; como a do exercício da função contramajoritária do Supremo Tribunal; a Força Normativa destas decisões (como padrões da tradição hermenêutica e não como norma jurídica); bem como que os efeitos da decisão nas situações específicas do Direito de Família. Este é um exemplo de aplicação hermenêutica e processo de construção de sentido e compreensão que melhor exemplifica a teoria gadameriana da hermenêutica filosófica, do círculo hermenêutico numa concepção positiva; construtiva.
4. Conclusões.
Talvez pelo fato de acreditar-se na instabilidade dos paradigmas das ciências, ou na reinterpretação dos fatores de sentido do que se estuda; de sua relação com o mundo e com o objeto; existe uma certa compreensão sobre a provisoriedade do que se concluí num momento determinado de uma pesquisa. Mesmo que se adote um paradigma suficientemente aberto para dialogar com as mutações de sentido, ainda, assim, a dinâmica que se impõe na contemporaneidade deixa a ciência com conceitos e termos muito voláteis na utilização do dia-a-dia. Por isto as conclusões que se chega para a presente pesquisa representam uma realidade que pode (e deve) ser mudada; nesta analise crítica da realidade da defesa dos valores constitucionais pelo STF é necessário pontuar
a) A consagração de que a norma jurídica é composta por regras que são aplicadas no modelo do “tudo ou nada” (Dworkin); e de princípios que são ponderados de acordo com sua valoração, encarrega ao Poder Judiciário a função de delimitar a extensão prática destes princípios no caso concreto através de suas decisões que são processos hermenêuticos na formação do sentido e dos valores constitucionais;
b) Existe, no Brasil, uma concentração de Poder Político no Supremo Tribunal Federal que pode incitar tanto uma aplicação negativa como uma aplicação positiva, dependendo da utilização das pré-concepções justificadas no interesse político;
c) Esta concentração de Poder Político deve-se muito pelo fato de que o Brasil adota uma fusão nas modalidades de controle de constitucionalidade repressiva, quando atua tanto como Tribunal Constitucional (em Legislação Negativa), quando como órgão de revisão máxima de Duplo Grau de Jurisdição comum;
d) Quando se fala em aplicação negativa, ou, aplicação positiva, entenda-se a influência das pré-concepções na formulação do sentido no processo de conhecimento e interpretação, por isto que quando as pré-concepções decorrentes do interesse político esgotam as possibilidades de construção de sentido na interpretação do Supremo Tribunal Federal fica prejudicado o processo de compreensão segundo o círculo hermenêutico;
e) Na prática é possível observar que dependendo do assunto que é tratado o interesse político pode ser utilizado de forma pura ou de forma impura; como no caso citado da decisão referente à Ficha Limpa (justificação na forma impura de política); e na decisão do caso referente à União Homoafetiva (justificação na forma pura de política);
Dessa forma, aponta-se em conclusão citação de Gadamer (1999) sobre a construção do presente; diz ele que “na verdade, o horizonte do presente está num processo de constante formação, na medida em que estamos obrigados a pôr à prova constantemente todos os nossos preconceitos” (GADAMER, 1999, p. 457). A expectativa é justamente essa, mas ficam ainda algumas perguntas sem resposta. Como desconcentrar o Poder Político do Supremo Tribunal Federal? Ou, como rever os preconceitos políticos que influenciam as decisões judiciais? Se, realmente, só se compreende de fato um texto, ou uma estrutura jurídica, quando a analise deixa mais dúvidas do que respostas, no caminho da verdade interessam mais as perguntas do que, de fato, as respostas.
Informações Sobre o Autor
Alberto de Moraes Papaléo Paes
Mestre em Direito pela Universidade da Amazônia UNAMA professor de Filosofia Geral e Jurídica e Hermenêutica Jurídica na Universidade da Amazônia UNAMA professor de Direito Constitucional e Hermenêutica Jurídica na Faculdade de Belém FABEL. Advogado sócio do Escritório Amin Dib Taxi Papaléo Advocacia