Relativização da coisa julgada

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Resumo: O artigo visa tecer considerações básicas acerca da segurança das relações jurídicas, dissertando um pouco sobre a ação rescisória e analisando a flexibilização da coisa julgada.[1]


Palavras-chaves:Rescisória, relativização da coisa julgada.


Abstract: The article aims to make basic assumptions about the security of legal relations, lecturing a bit on rescission and analyzing the relaxation of res judicata.


Keywords: Reversal, the relativization of res judicata.


Sumário: I. Introdução. II. Segurança das relações jurídicas. 2.1. Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. III. Coisa julgada. 3.1. Coisa julgada inconstitucional x querela nullitatis. 3.2. Relativizar a coisa julgada material. 3.3. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. IV. Considerações finais. Referências.


I INTRODUÇÃO


O presente trabalho pretende dissertar sobre a segurança das relações jurídicas e sobre os institutos  do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Um dos meios para que ocorra a relativização da coisa julgada é a ação rescisória, instituto que visa desconstituir a sentença transitada em julgado. Assim, o artigo visa discutir a questão da segurança jurídica, a relativização da coisa julgada.


II SEGURANÇA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS


Como se sabe, a ação rescisória visa a desconstituir o que havia transitado em julgado, afetando “de certa forma” a segurança jurídica. A segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos possuem.


“Segurança e justiça são dois pólos em meio os quais o direito se desenvolve. Procurando conciliá-los, afirma-se que a segurança é um valor fundante, por corresponder a uma das primeiras e mais urgentes necessidades humanas, sendo, ao mesmo tempo, uma exigência básica para a manutenção da ordem. Esta, por sua vez, é considerada requisito indispensável para a estabilidade das relações humanas, sendo bastante conhecido o pensamento de Goethe a esse respeito: “prefiro a injustiça à desordem”. (GOETHE apud NÁDER; COSTA NETO, 1999, p.192).


A justiça depende da segurança, mas a justiça plena está longe de acontecer. Às vezes se faz necessário desconstituir, para que a tão almejada justiça seja alcançada. Ademais, o que é justo para um pode ser injusto para o outro.


“Relativa que seja, a segurança jurídica é valor cultuado no mundo do direito e, segundo Paulo Náder, compreende uma aspecto objetivo e outro subjetivo: primeiro diz respeito à estabilidade da relações sociais, que deve estar presente nas normas do ordenamento jurídico; o segundo, denominado certeza jurídica, consiste na ausência de dúvidas ou de temor no espírito dos indivíduos quanto à proteção jurídica, pois para que se tenha tranqüilidade na vida social, faz-se necessária a garantia de que as relações jurídicas estabelecidas sejam mantidas e respeitadas por todos em qualquer circunstância – pelo menos é importante acreditar nisso”. (COSTA NETO, 1999, p.193).


No transitar em julgado da sentença, a parte vencedora se vê com um título em mãos que lhe assegura o direito de fato. Porém, ocorrendo alguma das possibilidades do artigo 485 do CPC, pressupostos para a ação rescisória, a certeza gerada pela autoridade da coisa julgada pode deixar de existir.


Em linhas gerais, as normas devem produzir efeitos futuros, o seu limite temporal, em regra, é delimitado pela própria norma. E, de forma simplória, uma lei só perde seus efeitos quando revogada expressa ou tacitamente.


Se a lei gerou algum efeito em favor do cidadão e foi revogada a posteriori, temos uma situação jurídica subjetiva, que deve ser garantida. Assim, esse direito integra o patrimônio do cidadão, apesar de não ter sido exercido.


Dessa forma, a Carta Magna protege os direitos subjetivos, através do consagrado artigo 5º, XXXVI (BRASIL, 2008), “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.


2.1 DIREITO ADQUIRIDO, ATO JURÍDICO PERFEITO E COISA JULGADA


A Carta Magna assegura que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico e a coisa julgada, em seu artigo 5º, XXXVI. Neste diapasão, não há um conceito definido sobre direito adquirido, mas sempre envolve a questão de uma situação jurídica definitivamente consolidada.


De forma simples Antonio de Paulo (2004), conceitua como: “direito que se constitui de modo definitivo, incorporando-se, irreversivelmente ao patrimônio do seu titular ou a alguém que possa exercê-lo por ele”.  De forma mais explicitada é conceituado como:


“Constitui-se num de recursos de que se vale a Constituição para limitar a retroatividade da lei. Com efeito, esta está em constate mutação; o Estado cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No entanto, a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra.” (BASTOS, 1994, p.43).


Quanto ao ato jurídico perfeito:


“É aquele que se aperfeiçoou, que reuniu todos os elementos necessários a sua formação, debaixo da lei velha. Isto não quer dizer, por si só, que ele encerre em seu bojo o direito adquirido. Do que está o seu beneficiário imunizado é de oscilações de forma aportadas pela lei nova.” (BASTOS, 1994, p.43).


E, por fim, a coisa julgada, que se traduz através da decisão que transita em julgado, decisão da qual não cabe mais recurso. Assim, a coisa julgada:


“[…] incorpora-se ao patrimônio de seu titular por força da proteção que recebe da imutabilidade da decisão judicial. Daí falar-se em coisa julgada formal e material. Coisa julgada formal é aquela que se dá no âmbito do próprio processo. Seus efeitos restringem-se, pois, a este, não extrapolando. A coisa julgada material, ou substancial, existe, nas palavras de Couture, quando à condição de inimpugnável no mesmo processo, a sentença reúne a imutabilidade até mesmo em processo posterior. Já para Wilson de Souza Campos Batalha, coisa julgada formal significa sentença transitada em julgada, isto é, preclusão de todas as impugnações, e coisa julgada material significa o bem da vida, reconhecido ou denegado pela sentença irrecorrível. O problema que se põe, do ângulo constitucional, é o de saber se a proteção assegurada pela Lei Maior é atribuída tão-somente à coisa julgada material ou também à formal. O artigo 5º, XXXIV, da Constituição Federal, não faz qualquer discriminação; a distinção mencionada é feita pelos processualistas. A nosso ver, a Constituição assegura uma proteção integral das situações de coisa julgada”. (BASTOS, 1994, p.20).


A coisa julgada faz com que a sentença se torne irrecorrível, o que foi decido fica “sacramentado”, possui força de lei nos limites das questões que foram decididas, gerando uma segurança jurídica para as partes.


III COISA JULGADA


A sentença transitada em julgado não comporta nenhum recurso, gerando uma “certa” imutabilidade no processo. Essa imutabilidade só pode ser alterada pela ação rescisória.


Configura-se a coisa julgada formal que é a representação da preclusão total, não cabendo recurso e gerando pressuposto para a coisa julgada material. A coisa julgada material faz com que os efeitos produzidos se tornem imutáveis, não podendo a mesma questão ser julgada novamente.


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As sentenças que decidem o mérito produzem a coisa julgada material, podendo ser revistas somente em casos excepcionais. Com essa revisão ocorre a relativização da coisa julgada.


“A relativização da coisa julgada material é uma tese extremamente polêmica, que nasceu no seio do Superior Tribunal de Justiça (Min. José Delgado) e que, mesmo entre os que a aceitam, só é defendida em casos realmente extraordinários. Essa tese parte da premissa de que nenhum valor constitucional é absoluto, devendo todos eles ser sistematicamente interpretados de modo harmonioso e, consequentemente, aplicando-se à coisa julgada o princípio da proporcionalidade, utilizando para o caso de colisão entre princípios constitucionais. Esse princípio significa que, em caso de conflito entre dois ou mais valores tutelados pela Constituição, deve-se dar prevalência àquele que no caso concreto se mostre mais intimamente associado à índole do sistema constitucional. Assim, segundo parte da doutrina seria possível desconsiderar a coisa julgada, em processo próprio, para que prevaleça outro bem constitucionalmente tutelado, de índole material”. (CINTRA, GRINOVER, DINARMARCO, 2004, p.315).


Claro que há parte da doutrina que é contra a desconsideração da coisa julgada, por violar a segurança jurídica. Com relação ao assunto de relativização da coisa julgada, necessário se faz que se abra um espaço à parte para a discussão.


Conforme preceitua o Código de Processo Civil, os motivos, a verdade dos fatos e a apreciação da questão prejudicial não fazem coisa julgada. O que transita em julgado é o dispositivo da sentença, onde se localiza a norma aplicada.


Com relação aos limites subjetivos da coisa julgada, preconiza o artigo 472 do CPC:


“Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”. (BRASIL, 2007)


Percebe-se que o terceiro, se prejudicado, poderá utilizar-se de meios processuais para ter resguardado o seu direito, porém, não é atingido pela coisa julgada material. A limitação quanto às partes se baliza no princípio do contraditório, quem não exerceu o contraditório, não pode ser prejudicado pela coisa julgada.   


3.1 COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL x QUERELA NULLITATIS


De maneira simplória, a coisa julgada ocorre quando se esgotam os recursos processuais que poderiam modificar a decisão. Pressupõe, assim, que a prestação jurisdicional foi satisfeita, alcançando a solução para o litígio, pois ocorre a definição da lide.


A coisa julgada faz a decisão imutável e indiscutível, e o que atribui essa condição é a lei processual. As regras sobre a coisa julgada estão no plano das leis ordinárias, mas obedecendo a Carta Magna, não podendo existir meios que prejudiquem os direitos ou modifiquem as sentenças.


Assim, a coisa julgada está a salvo das mudanças das leis e o que foi decidido, em regra, não pode ser alvo de nova lide, para que haja estabilidade jurídico-social.


“No plano jurisdicional, se a sentença não se harmoniza com o texto constitucional, revela seu caráter inconciliatório por contrariar os preceitos fundamentais dele irradiados. De sorte que essa incompatibilidade de adequação aos ditames do ordenamento maior é que leva irremediavelmente ao patamar da inconstitucionalidade que, como esclarece De Plácido e Silva, na terminologia jurídica, serve para exprimir a qualidade do que é inconstitucional ou contravêm a preceito, regra ou principio instituído na Constituição”. (NASCIMENTO, 2002, p. 9)


A inconstitucionalidade está na decisão que se mostra contrária às ordens constitucionais, sendo que no Estado Democrático de Direito há subordinação à Carta Magna. E deve haver segurança e justiça, para que seja observado o principio da segurança jurídica.


“Havendo simetria entre segurança e justiça na perspectiva lógica da aplicação do direito, o conflito que se procura estabelecer entre ambas é de mera aparência. De fato, inadmissível a segurança servir de pano de fundo para impedir a impugnação da coisa julgada, imutável, imodificável e absoluta, na percepção dos processualistas mais conservadores. Mas torna-se necessário enfrentar tais resistências, desmistificando essa idéia de superação do Estado de Direito pelo Poder Judiciário.” (NASCIMENTO, 2002, p. 11)


A segurança jurídica não deve ser evocada para respaldar os erros que foram cometidos e não foram modificados antes do trânsito em julgado. Dessa forma, a coisa julgada não pode se tornar intocável e nem absoluta. Esse princípio não deve se opor à justiça.


“O acatamento da coisa julgada, corolário da segurança jurídica, não é colocado em cheque pela probabilidade de uma pretensão de nulidade contra o julgamento violador de preceito constitucional. Primeiro, porque seu alcance sofre limitações no seu aspecto subjetivo, com a possibilidade de manuseio da rescisória, para desconstituição do julgado. Segundo, porque presente, nesses casos, os pressupostos de relatividade inerentes a natureza das coisas. De fato, inexiste a pretensa impermeabilidade que deseja se atribuir as decisões emanadas do Poder Judiciário”. (NASCIMENTO, 2002, p. 12)


Se a sentença não está de acordo com os preceitos constitucionais, ela é nula, podendo ter sua intangibilidade questionada. De forma geral, sempre se pensou que as sentenças transitadas em julgado não poderiam ser alvos de nova discussão, mesmo que estivessem em desacordo com o texto constitucional.


De fato, a coisa julgada gera força normativa para a decisão, pois visa a evitar o não cumprimento do que fora decidido, mas não se pode deixar que a injustiça prevaleça.


Nula é a sentença que não obedece aos princípios constitucionais, se tornando lesiva à ordem jurídica. Há que se restabelecer o princípio da legalidade, devendo ser decretada sua nulidade, através da rescisória. Percebe-se que a irrecorribilidade da sentença não apaga a inconstitucionalidade.


Pode ser que as decisões ofendam diretamente ou não a Constituição, e o caráter relativo da coisa julgada não desconfigura a segurança e nem a certeza jurídica, permitindo a desconstituição da decisão.


Pelo exposto, é notório que o princípio da legalidade não pode ser sacrificado em nome da coisa julgada, não objetiva-se ofender a autoridade da coisa julgada, mas busca-se afastar a injustiça.


Quando se tem uma sentença nula, mas não é cabível ação rescisória e também já foram esgotados os recursos, pode se ter ação declaratória de nulidade da sentença, com base na actio querela nullitatis.


Esse tipo de ação é um remédio voltado para a impugnação de erros graves cometidos no âmbito da jurisdição, independentemente do prazo para a propositura da rescisória.


Esse instituto tem como função atacar a sentença imutável e contaminada. Depois de alcançado o objetivo através dessa ação, qual seja, de que o julgamento foi nulo, há que se ajuizar ação própria visando a restaurar o direito ofendido.


Não há nada que impeça que a coisa julgada seja inconstitucional, assim pode se ter a relativização da coisa julgada, pois os atos devem manter conformidade com a Constituição para que se tenha valor o Estado Democrático de Direito.


3.2 RELATIVIZAR A COISA JULGADA MATERIAL 


A coisa julgada não tem dimensões próprias, pois só possui as dimensões que são estabelecidas na decisão. Confere, assim, segurança jurídica às relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença.


A autoridade da coisa julgada material, que incide sobre os efeitos da sentença, oferece estabilidade à decisão. Mas é importante ressaltar que nenhum princípio existe sozinho e que todos os princípios devem objetivar um sistema processual justo.


A segurança nas relações jurídicas é um fator de paz na sociedade e gera garantia pessoal a cada um. A coisa julgada material envolve os efeitos substancias da sentença de mérito, assegurada no artigo 5º, XXXVI da CR/88 e na lei processual em seus artigos 467 e seguintes.


Além do caráter de direito processual, o instituto possui caráter político-institucional, através de uma garantia constitucional. A coisa julgada formal envolve a sentença em si, como ato jurídico do processo. O não cabimento de recurso gera a eficácia desse instituto e estabelece o fim da relação processual.


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A coisa julgada formal é um fenômeno meramente de preclusão, extinguindo a faculdade/poder no processo, não havendo que se falar em novo julgamento. Mas tanto a coisa julgada formal, material e a preclusão visam a dar estabilidade às decisões jurídicas.


“O objetivo do presente estudo é demonstrar o valor da segurança das relações jurídicas não é absoluto no sistema, nem o é portanto a garantia da coisa julgada, porque ambos devem conviver com outro valor de primeiríssima grandeza, que é o da justiça das decisões judiciárias, constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso à justiça, Constituição, artigo 5º, inciso XXXV.” (DINARMARCO, 2003, p. 39)


Doutrinadores, tribunais e interessados não legitimam a questão de eternizar injustiças para garantir certeza jurídica a uma parte. Para que haja a relativização, alguns pontos devem ser respeitados tais como, o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, a moralidade administrativa em relação a julgados lesivos ao Estado, o justo valor em caso de desapropriações, o respeito pela cidadania e os direitos dos homens, a fraude e o erro grosseiro sempre contaminam o processo, a garantia de um meio-ambiente ecologicamente equilibrado, a garantia do acesso à ordem jurídica justa, o caráter excepcional da flexibilização da coisa julgada.


Com a força da coisa julgada não há como o legislador disciplinar acerca do que foi decidido, não há também como os magistrados decidirem novamente acerca do mesmo assunto. Como já mencionado, a coisa julgada não é meramente um instituto de direito processual, possuindo também contornos constitucionais. Para desconstituir a decisão existem dois remédios: a ação rescisória e a impugnação.


Destarte que a impugnação visa desconstituir os efeitos da sentença, fundados na falta ou nulidade de citação. Já a ação rescisória, para sua propositura, deve-se atender aos requisitos do artigo 485 do CPC.


Como a sentença é que determina os efeitos da coisa julgada, não há como a esta se impor, se os seus efeitos não tiverem o mínimo de respaldo. Efeitos impossíveis geram a inexistência da coisa julgada material.


“Uma sentença contendo o enunciado de efeitos juridicamente impossíveis é, em verdade, uma sentença desprovida de efeitos substanciais, porque os efeitos impossíveis não se produzem nunca e, consequentemente, não existem na realidade do direito e na experiência da vida dos litigantes.” (DINAMARCO, 2003, p.60)


Assim, entende-se que a sentença com efeitos juridicamente impossíveis não estão acobertadas pela coisa julgada. Ademais a irrecorribilidade da decisão não sana a inconstitucionalidade presente, assim, surge a coisa julgada inconstitucional, ou seja, houve o trânsito em julgado, mas permanece inconstitucional a decisão.


A flexibilização da coisa julgada traz certo risco, mas nada que atrapalhe a estabilidade da coisa julgada. O ordenamento jurídico possui meios de corrigir os eventuais erros, através de recursos e ação rescisória, por exemplo.


Cabe aos magistrados pesarem se é caso de flexibilizar ou não, o que não é certo é eternizar injustiças, visando somente à permanência da coisa julgada, achando que isso será a segurança jurídica. De forma geral, os remédios processuais adequados para que ocorra a flexibilização são: ação rescisória; impugnação ou ação declaratória de nulidade.


3.3 A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL E OS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS PARA SEU CONTROLE


As decisões, depois de transitadas em julgado, adquirem status de imutáveis, consagrando, assim, a certeza e segurança perseguida pelo Estado Democrático de Direito; têm-se o princípio da intangibilidade e, por muitos anos, não houve questionamentos acerca do assunto, possuindo um caráter absoluto. De forma notória, é possível que as sentenças violem a lei ou a Constituição, nesse caso, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado, o meio para promover a correção se dá através dos recursos; extraordinário, especial e ordinários.


Percebe-se novamente o conflito existente entre segurança, certeza e justiça. Assim, deve existir controle dos atos do Poder Público e, por óbvio, da coisa julgada inconstitucional, buscando conciliar segurança e justiça nas decisões. Nada é absoluto, somente o direito justo é absoluto.


Devido à soberania existente na Constituição, a norma ou ato deve ter conformidade com a Carta Magna. Não basta que o texto constitucional estipule garantias, deve ser também garantido o respeito ao texto.


“A garantia jurídica de que é merecedora a Constituição decorre de um princípio que é caro ao Estado de Direito: o da constitucionalidade. Aludido princípio é conseqüência direta da força normativa e vinculativa da Constituição enquanto Lei Fundamental da ordem jurídica e pode ser enunciado a partir do contraposto da inconstitucionalidade”. (THEODORO JUNIOR, FARIA, 2003, p. 131)


Devido à força normativa e vinculativa da CR/88, todos os poderes e órgãos do Estado estão submetidos às normas e princípios da Carta Magna. O princípio da constitucionalidade, é que garante a observância da Constituição. Se o ato é inconstitucional por consequência é inválido.


“O princípio da constitucionalidade e o efeito negativo que advém do ato inconstitucional não se dirigem apenas, como podem pensar os mais desavisados, aos atos do Poder Legislativo. Aplicam-se a toda categoria de atos emanados do Poder Público (Executivo, Legislativo e Judiciário).” (THEODORO JUNIOR, FARIA, 2003, p. 132)


O controle de constitucionalidade pode ocorrer antes e depois do trânsito em julgado. A coisa julgada inconstitucional não pode prevalecer, pois fere a Constituição.


“A coisa julgada não pode suplantar a lei, em tema de inconstitucionalidade, sob pena de transformá-la em um instituto mais elevado e importante que a lei e a própria Constituição. Se a lei não imune, qualquer que seja o tempo decorrido desde a sua entrada em vigor, aos efeitos negativos da inconstitucionalidade, porque o seria a coisa julgada?” (THEODORO JUNIOR, FARIA, 2003, p. 133)


A imutabilidade do que foi julgado é que gera a coisa julgada, essa imutabilidade, conforme já foi exaustivamente mencionada, é gerada através do não cabimento de recurso.


Ademais, a coisa julgada faz com que a decisão não seja decida por várias vezes, podendo gerar controvérsia. Mas sua essência está em dar ao provimento jurisdicional estabilidade e o caráter definitivo.


A flexibilização é defendida, mas não pode ocorrer a livre revogação ou alteração do que foi tido como coisa julgada. A decisão não é imune depois de adquirido o status de coisa julgada, podendo ser alvo de uma rescisória.


Visando a conciliar segurança e justiça, a rescisória pode ser proposta em casos específicos, casos em que os vícios são tão graves que se torna plausível flexibilizar a segurança que havia sido gerada pelo trânsito em julgado da sentença. O que norteia a ação rescisória é o não prevalecimento de injustiças, pois o princípio da intangibilidade não pode ser absoluto.


“A ideia que norteia a admissibilidade da ação rescisória é a de que não se pode considerar como espelho da segurança e certeza almejados pelo Direito uma decisão que contém séria injustiça. A segurança como valor inerente à coisa julgada e, por conseguinte, o princípio de sua intangibilidade são dotados de relatividade, mesmo porque absoluto é apenas o DIREITO JUSTO”. (THEODORO JUNIOR, FARIA, 2003, p. 139)


De acordo com o artigo 5º, XXXVI, da CR/88, o legislador quis proteger a coisa julgada dos efeitos de uma nova lei. A intangibilidade não possui origem constitucional, resulta da norma contida no Código de Processo Civil, em seu artigo 467, porém, a ordem constitucional sempre deve ser respeitada.


Conforme mencionado, os atos contrários à Carta Magna possuem valor negativo, qual seja, a nulidade derivada da inconstitucionalidade. Também se ressalta que o princípio da intangibilidade é hierarquicamente inferior ao texto constitucional.


Pode se dizer que essa imutabilidade está submissa à constitucionalidade. Na falta de texto constitucional autorizando, a segurança e a certeza não estão aptas a dar validade ao caso julgado, sendo este inconstitucional. Existe contradição se seria nulidade ou inexistência, porém, o termo correto é o de invalidade, que envolve a nulidade ou anulabilidade, não há que se falar em inexistência.


A inexistência é relacionada a um plano do ser, pois não geraria efeitos jurídicos, faltando conteúdo da sentença e o mandamento constitucional. Por exemplo, inexistente seria a sentença prolatada por quem não é magistrado. O que é claro, é que não há que prevalecer a segurança jurídica no caso de violação da Constituição.


“O Direito Processual Civil mudou e a busca da verdade real, como meio de se alcançar a justiça e concretizar o anseio do justo processo legal, é uma exigência de tempos modernos. Exatamente por isso as decisões judiciais devem espelhar ao máximo essa verdade, dizendo ser branco o branco, como bem lembrado pelo Ministro José Delgado. O direito moderno não pode se contentar apenas com a verdade formal, em nome de uma tutela à segurança e certeza jurídica. No Estado de Direito, especialmente no Estado Brasileiro, a justiça é também um valor perseguido (Preâmbulo da Constituição Federal). O que se busca, hodiernamente, é que se aproxime ao máximo do Direito justo.” (THEODORO JUNIOR, FARIA, 2003, p. 149)   


Destarte, todos os atos do poder público só são válidos se estiverem em conformidade com a Carta Magna.  Assim, pela busca de justiça, o Superior Tribunal de Justiça admite ação rescisória para desconstituir coisa julgada inconstitucional. 


Porém, a admissão de rescisória não se sujeita a declaração de inconstitucionalidade. A coisa julgada inconstitucional é nula, e não se sujeita a prazos decadenciais ou prescricionais, assim, independem de ação rescisória para serem desconstituídos. A rescisória é admitida, in casu, meramente por respeito aos princípios de economicidade e instrumentalidade.


“Os Tribunais, com efeito, não podem se furtar de, até mesmo de ofício, reconhecer a inconstitucionalidade da coisa julgada o que se pode se dar a qualquer tempo, seja em ação rescisória (não sujeita a prazo), em ação declaratória de nulidade ou em embargos”. (THEODORO JUNIOR, FARIA, 2003, p. 155)


Percebe-se que a coisa julgada inconstitucional não se convalida por ser nula, e seu reconhecimento independe de rescisória ou de qualquer outro processo. Para o Superior Tribunal de Justiça, a orientação vale para violação da lei ordinária, segundo o artigo 485, V do Código de Processo Civil, não de texto constitucional.


A Súmula de número 343 do Supremo Tribunal Federal estabelece o não cabimento de rescisória quando a interpretação for contrária à da sentença impugnada. Mas, em caso de inconstitucionalidade ou constitucionalidade, defende-se que a Súmula deverá ser afastada e terá cabimento a ação rescisória. Sempre há a prevalência da Constituição acerca de qualquer assunto, pois a questão constitucional conduz à nulidade dos preceitos, não devendo deixar de rescindir por conta da súmula mencionada, sendo uma exceção.


IV CONSIDERAÇÕES FINAIS


Por tudo que foi exposto, percebe-se que não é uníssona a questão da flexibilização da sentença transitada em julgado. Entretanto, a corrente majoritária se pauta no entendimento da Súmula 343 do STF, onde se tem o não cabimento de ação rescisória por violação literal disposição de lei, quando a decisão tiver sido baseada em interpretação controvertida.


O Supremo afasta a aplicação do enunciado quando a decisão versa sobre matéria constitucional. Mas é injusto pensar desse modo, pois, a violação de lei é tão grave quanto à violação na Constituição, devendo qualquer violação ser analisada.


A doutrina, em sua maioria, tem entendido ser possível o cabimento de ação rescisória quando houver ofensa de lei em decisão de interpretação controvertida, pois a interpretação integra a atividade judicante.


A violação a disposição literal de lei, um dos pressupostos da ação rescisória, deve ser entendida de maneira ampla, pois deve alcançar norma jurídica geral, abstrata bem como os princípios. Ademais, a segurança das relações e a legalidade estão vinculadas com a justiça das decisões, não há que se falar em prevalência de uma decisão injusta porque existia divergência quanto à interpretação, o que impossibilitaria a propositura de rescisória.


 De qualquer forma, sempre deve haver o respeito pelas hipóteses previstas no Código de Processo Civil, que são taxativas, bem como deve atentar-se para o prazo de dois anos. Não se defende a rescisão de qualquer decisão, mas somente daquela que for ilegal e inconstitucional. Para se ter justiça, deve-se aplicar o direito caso a caso e a interpretação é fundamental. Mas não rever a interpretação que foi superada e é incorreta acarreta uma ilegalidade.


 


Referências

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Nota:

[1] Orientadora: Luciana Nepomuceno


Informações Sobre o Autor

Karen Roas de Oliveira

Advogada, possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2008), Pós-graduada em Direito do Trabalho (2009) pela Universidade Cândido Mendes – RJ


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