Repetição de indébito. Contagem do prazo prescricional

O prazo para propositura de ação de repetição de tributo indevidamente pago pelo contribuinte é de cinco anos, a contar da data do pagamento, de conformidade com a regra do art. 168, I do CTN. Nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, que se dá normalmente de forma tácita após o decurso do prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador, esse prazo é de mais cinco anos, conforme pacífica jurisprudência de nossos tribunais até o advento da LC n° 118/05.

O art. 3° dessa Lei Complementar veio conferir efeito interpretativo ao inciso I, do art. 168 do CTN para consignar que a “extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1°, art. 150, da referida Lei.”

Por ter atribuído caráter interpretativo, o art. 4° da mesma LC n° 118/05 prescreveu a aplicação retroativa do citado preceito do art. 3°.

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O Superior Tribunal de Justiça entendeu que a norma do art. 3° inova no plano normativo retirando das disposições interpretadas justamente o sentido “tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal.” (Resp n° 849709/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 24-8-2006).

Aquela Corte de Justiça suscitou e acolheu, por essa razão, o incidente de inconstitucionalidade do art. 4° da LC n° 118/05 na parte em conferiu efeito retroativo ao art. 3° (Embargos de Divergência no Resp n° 644736/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 27-8-2007).

O entendimento do STJ, por sinal, corretíssimo, era no sentido de que o citado art. 3°, da LC n° 118/05 somente pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham ocorrer a partir de sua vigência.

Essa matéria, contudo, veio a ser objeto da decisão plenária da Corte Suprema que declarou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4°, da LC n° 118/05, conferindo ao julgado caráter de repercussão geral. Consagrou a tese de que o novo prazo de 5 anos tem aplicação somente nas ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005.

Para clareza, transcreveremos a sua ementa:

“DIREITO TRIBUTÁRIO – LEI INTERPRETATIVA – APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 – DESCABIMENTO – VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS – APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. Quando do advento da LC 118/05, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo para repetição ou compensação de indébito era de 10 anos contados do seu fato gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN. A LC 118/05, embora tenha se auto-proclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova. Inocorrência de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei expressamente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação. A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça. Afastando-se as aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a eficácia da norma, permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após a vacatio legis, conforme entendimento consolidado por esta Corte no enunciado 445 da Súmula do Tribunal. O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos contribuintes não apenas que tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessárias à tutela dos seus direitos. Inaplicabilidade do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna na LC 118/08, que pretendeu a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação por analogia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa legislativa em contrário. Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados. Recurso extraordinário desprovido.” (RE nº 566621/RS, Relator(a):  Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 04-08-2011, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-10-2011).

Interpretando aquele acórdão do STF, o STJ alterou seu entendimento mudando o critério de contagem do prazo prescricional afirmando que  será sempre de cinco anos para as ações ajuizadas a partir de 9 de Junho de 2005 quando entrou em vigor  o art. 3°, da LC n° 118/05. Deixou de ter relevância a data do pagamento do tributo a ser repetido.

Transcreveremos a ementa para melhor compreensão do leitor:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, DO CPC). LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. ART. 3º, DA LC 118/2005. POSICIONAMENTO DO STF. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SUPERADO ENTENDIMENTO FIRMADO ANTERIORMENTE TAMBÉM EM SEDE DE RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.

1. O acórdão proveniente da Corte Especial no AI nos Eresp nº 644.736/PE, Relator o Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 27.08.2007, e o recurso representativo da controvérsia REsp. n. 1.002.932/SP, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25.11.2009, firmaram o entendimento no sentido de que o art. 3º da LC 118/2005 somente pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência. Sendo assim, a jurisprudência deste STJ passou a considerar que, relativamente aos pagamentos efetuados a partir de 09.06.05, o prazo para a repetição do indébito é de cinco anos a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior.

2. No entanto, o mesmo tema recebeu julgamento pelo STF no RE n.

566.621/RS, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 04.08.2011, onde foi fixado marco para a aplicação do regime novo de prazo prescricional levando-se em consideração a data do ajuizamento da ação (e não mais a data do pagamento) em confronto com a data da vigência da lei nova (9.6.2005).

3. Tendo a jurisprudência deste STJ sido construída em interpretação de princípios constitucionais, urge inclinar-se esta Casa ao decidido pela Corte Suprema competente para dar a palavra final em temas de tal jaez, notadamente em havendo julgamento de mérito em repercussão geral (arts. 543-A e 543-B, do CPC). Desse modo, para as ações ajuizadas a partir de 9.6.2005, aplica-se o art. 3º, da Lei Complementar n. 118/2005, contando-se o prazo prescricional dos tributos sujeitos a lançamento por homologação em cinco anos a partir do pagamento antecipado de que trata o art. 150, §1º, do CTN.

4. Superado o recurso representativo da controvérsia REsp. n.

1.002.932/SP, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25.11.2009.

5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.” (REsp 1269570/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/05/2012, DJe 04/06/2012)

Salvo melhor juízo, da leitura do acórdão proferido pela Corte Suprema não conduz ao entendimento consagrado nesse último acórdão do STJ a pretexto de seguir a orientação do Pretório Excelso por ser matéria de cunho constitucional.

A aplicação do novo prazo prescricional de 5 anos para todas as ações ajuizadas a partir da vigência da nova lei, ignorando a repetição de tributos pagos antes de nova lei importa em conferir efeito retroativo que o tribunal vem combatendo. Equivale a dar vida ao art. 4° da LC n° 118/05, relativamente às ações ajuizadas a partir de 9 de junho de 2005.

O tributo indevido, pago antes de 9 de junho de 2005, tem assegurado ao sujeito passivo o prazo de repetição de 10 anos de acordo com o princípio tempus regit actum. A nova lei não pode alcançar situações ocorridas no passadas. Nunca é demais recordar que a prescrição, que implica extinção do crédito tributário, insere-se no âmbito do direito material.

Por isso, a anterior orientação jurisprudencial do STJ estava correta.

Infelizmente, constantes modificações de entendimentos jurisprudenciais ferem o princípio de segurança jurídica.

Como o Recurso Especial em que se sacramentou o novo critério para contagem do prazo prescricional ocorreu em caráter de recurso repetitivo (art. 543-C do CPC) várias decisões de tribunais locais, proferidas à luz da anterior orientação do Colendo STJ serão reformadas, causando perplexidade e frustração dos jurisdicionados.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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