O Judiciário tem sido constantemente provocado para apreciar pedidos formulados por grandes consumidores de energia elétrica para declarar a ilegitimidade da incidência do imposto sobre o componente da tarifa paga à concessionária, denominado “demanda contratada”, cumulando muitas vezes o pedido com o pleito de restituição do valor do imposto que, então, na condição de consumidores finais, teriam pago indevidamente, embutido no valor da tarifa, por efeito do fenômeno da repercussão.
O tema, sob o ponto de vista jurídico, é sedutor.
Com efeito, dentre os pressupostos para o provimento sobre o mérito, destaca o Código de Processo Civil as condições da ação, das quais avulta de importância a legitimidade ad causam, que ao juiz, em qualquer grau de jurisdição, cumpre conhecer espontaneamente e cuja presença cumpre preliminarmente sindicar (REsp 808.536), ainda que não discutida em primeira instância ou não abordada pela sentença (REsp 889.181/MG).
São razões consideradas legítimas no sistema, cuja inobservância dos requisitos que nelas se expressam compromete o próprio exercício da jurisdição, segundo autorizadas manifestações doutrinárias.
No plano processual, parte na relação jurídica controvertida (res in judicium deducta) corresponde a uma situação de direito material, na medida em que de direito material é a pretensão que constitui objeto do processo.
Da estreita conexidade existente entre os conceitos de parte legítima e parte de direito material decorre que somente terão legitimidade ativa e passiva para a causa aquelas mesmas pessoas que sejam titulares da relação jurídica substancial posta como objeto do juízo, não sendo dado a ninguém postular em juízo direito de outrem.
É fácil compreender que assim seja, pois o direito processual civil apresenta sensível vocação para a solução de situações jurídicas individuais, tendência essa que se evidencia pela tradicional exigência de que o interesse de agir seja pessoal e direto em relação a “ei qui agit” e, bem assim, que a legitimação para a causa derive da coincidência entre a titularidade da pretensão de direito material e a pessoa que a pretende fazer valer, através do exercício do direito de ação, como já teve oportunidade de anotar Cândido Rangel Dinamarco.
Para a Teoria Geral do Direito, a relação jurídica é definida como o vínculo abstrato, segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação, segundo o magistério de Paulo de Barros Carvalho (“Curso de Direito Tributário”, Saraiva, 4ª edição, p. 190).
Na seara tributária, a relação jurídica estabelece-se, em face do que resulta da leitura conjunta do art. 119 e art. 121, ambos do CTN, entre a entidade política competente para instituir e exigir o tributo e a pessoa que, por manter relação direta com o respectivo fato gerador do imposto, está obrigada a seu pagamento.
Em se tratando de especificamente de ICMS, dispõe a Lei Complementar nº 87/96, a quem a Constituição confiou a uniforme disciplina do imposto, que contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (CTN, art. 4º).
A propósito, mostra-se oportuno o magistério de Souto Maior Borges, quando discorre sobre temas afins, mas que guardam inteira pertinência com o objeto deste trabalho (in “Teoria Geral da Isenção Tributária”, Malheiros, 3ª edição, 2ª tiragem, p. 185 e segts.):
“Em decorrência da incidência jurídica, devedora do tributo é a pessoa legalmente assinalada como obrigada ao seu pagamento, isto é, eleita pela lei tributária para satisfazer a respectiva obrigação.”
“A incidência jurídica do tributo pressupõe a inclusão de determinado fato no campo da regra jurídica da tributação. Ocorrendo o fato gerador, há incidência do tributo ou da regra jurídica sobre o fato e, pois, desencadeia-se como efeito típico o surgimento da obrigação tributária para uma pessoa determinada”.
“O conceito jurídico de incidência tributária corresponde ao momento em que se instaura a respectiva obrigação para uma determinada pessoa, pela ocorrência do gerador ou hipótese de incidência da regra jurídica de tributação. O sujeito passivo da obrigação tributária é, portanto, o contribuinte de jure e não o contribuinte de facto.”
Sob o ponto de vista jurídico, a eleição do sujeito passivo da obrigação tributária é uma decorrência da noção de fato gerador (hipótese de incidência) da obrigação tributária. A pessoa escolhida pelo legislador para figurar no pólo passivo da relação tributária, o devedor do tributo, é, pois, o contribuinte legal, ou contribuinte de direito (de jure).
Eis porque, no campo da relação jurídica tributária, a obrigação nasce, se desenvolve e se extingue não pelo modo com que os particulares tenham determinado, mas pela forma que a lei tenha disposto, tenha regulado.
Entretanto, nem sempre, sob o ponto de vista financeiro, o sujeito passivo é, definitivamente, gravado pelo tributo, por resultado da repercussão econômica, que, segundo explicação ofertada por Souto Maior Bordes, “processa-se geralmente através dos mecanismos de formação de preços, aos quais se incorpora a parcela correspondente ao tributo, nas diversas etapas dos ciclos de produção, industrialização e comercialização do bem”. A repercussão ou translação é, assim, a transferência do ônus tributário do contribuinte de direito (de jure) para o contribuinte de fato (de facto).
Em tema de tributos que comportam a transferência do respectivo encargo financeiro, denominados indiretos, assume especial relevância jurídica a correta identificação do sujeito passivo da obrigação tributária, uma vez que o direito tributário somente se interessa pelo sujeito passivo de jure, pessoa que a lei escolhe para suportar na ordem jurídica o ônus do tributo.
Eis, mais uma vez, o magistério de Souto Maior Borges:
“Economicamente, carga tributária pode ser suportada por pessoa distinta do contribuinte de direito. A incidência econômica do tributo é sobre a pessoa que suporta em definitivo o ônus monetário. O contribuinte percutido pode eventualmente suportar em definitivo a incidência econômica do tributo. Mas, pode acontecer que o contribuinte percutido faça repercutir a carga tributária sobre outrem.”
“Diz-se que a incidência econômica é direta quando recai sobre o contribuinte percutido, e indireta quando assenta sobre contribuinte repercutido.”
“Nas diversas fases do processo de repercussão econômica do tributo, haverá um momento em que, esgotadas as possibilidades de translação, a carga tributária recairá sobre alguém. A este momento, corresponde a incidência econômica do tributo. O patrimônio ou a renda desse alguém estará definitivamente submetido ao ônus fiscal.”
“O fenômeno da incidência econômica do tributo é um problema afeto à economia financeira”.
Por conseguinte, “As noções de incidência jurídica e incidência econômica dos tributos correspondem a conceitos inconfundíveis. Em decorrência da incidência jurídica, devedora do tributo é a pessoa legalmente assinalada como obrigada ao seu pagamento, isto é, eleita pela lei tributária para satisfazer a respectiva obrigação. Incidência jurídica do tributo é, pois, fenômeno que deve ser estudado pelo direito tributário, e não pela ciência das finanças públicas.” (Souto Maior Borges, ob. cit., p. 185).
Eis porque “Interessa, do ângulo jurídico-tributário, apenas quem integra o vínculo obrigacional. O grau de relacionamento econômico da pessoa escolhida pelo legislador, com a ocorrência que faz brotar o liame fiscal, é alguma coisa que escapa da cogitação do Direito, alongando-se no campo da indagação da Economia ou da Ciência das finanças”, anota Paulo de Barros carvalho (in “Curso de Direito tributário”, 8ª ed., Saraiva, p. 209).
E assim é, basta ver que, do consumidor da energia elétrica nada exige a lei, porque ausente o indispensável vínculo jurídico. Sendo assim, se o contribuinte do imposto transfere-lhe o respectivo encargo, que supõe indevido na origem, nem por isso estaria legitimado a acionar o sujeito ativo da obrigação, satisfeita que foi por outrem, pelo sujeito passivo da obrigação tributária.
Contribuinte, então, na hipótese de operação que envolva um negócio jurídico com a energia elétrica, é a empresa que explora o serviço outorgado, objeto de concessão. Sendo assim, não é possível opor a realidade econômica à forma jurídica (STF, AI-AgR 671.412), para legitimar processualmente o contribuinte de fato à busca de um provimento jurisdicional que afaste o estado de incerteza jurídica de que se diga tomado, mediante declaração de sua ilegitimidade, e condene o sujeito ativo da obrigação a restituir-lhe o imposto cujo ônus lhe teria sido transladado, no contexto de uma relação comercial de natureza estritamente privada.
Bem por isso, a noção de legitimidade está vinculada à natureza e estrutura da relação jurídica em causa ou, quando não, a legitimidade é revelada por um texto de lei, se a obrigação é de natureza tributária.
Por conseguinte, a pretensão voltada para a obtenção de um provimento jurisdicional, que exclua da base de cálculo do ICMS o valor correspondente à demanda contratada ou que condene a Fazenda Pública a restituir-lhe o que a esse título houve indevidamente, só pode ser deduzida pela concessionária do serviço e não pelo consumidor, que, alheio à relação que vincula o sujeito ativo da obrigação a quem é dela devedora, não exibe legitimidade ativa ad causam e nem interesse jurídico a ser tutelado.
Em suma, não ostentando então o consumidor a condição de contribuinte – status jurídico esse que lhe negou o direito material -, visto que reservada à empresa concessionária da energia elétrica, e em se julgando procedente a ação, da decisão proferida adviria um quadro curioso: afastada a cobrança do imposto devido, a concessionária, conquanto contribuinte do imposto devido pelo fornecimento da energia elétrica e obrigada a seu recolhimento, e terceiro em relação à lide, passaria, não obstante, a usufruir do direito postulado por outrem, forrando-se, por arrastamento, do pagamento do ICMS incidente sobre a operação.
Trata-se de uma situação atípica, com a qual não se pode pactuar, em que um terceiro, alheio à relação jurídica, postula, em nome próprio, direito alheio, sem se revestir, entretanto, da condição de substituto processual, ao arrepio da vedação posta pelo art. 6º, do CPC.
Não obstante, não se pode ignorar a existência de inúmeras decisões, oriundas do órgão jurisdicional a quem a Constituição confiou a aplicação do direito federal, no sentido de que concessionária de energia elétrica não é sujeito passivo de obrigação tributária e contribuinte no que se refere ao ICMS, uma vez que, segundo afirmado, apenas repassa à Fazenda Pública o numerário obtido, razão pela qual não possui legitimidade para figurar no pólo passivo de ação.
Dessa proposição, resulta que, “nas ações que versam sobre a contratação de energia elétrica sob a sistemática de demanda reservada de potência, o consumidor final é o sujeito passivo da obrigação tributária, na condição de contribuinte de direito e, ao mesmo tempo, de contribuinte de fato; portanto, é parte legítima para demandar visando à inexigibilidade do ICMS” (AgRg no REsp 857543, Relator Min. Francisco Falcão; REsp 809753, Relator Min. Teori Albino Zavascki; REsp 806467, Relator Min. Luiz Fux; AgRg no REsp 797826, Relator Min. Luiz Fux e EREsp 279491, Relator Min. Peçanha Martins, inter plures).
Para o Superior Tribunal de Justiça, portanto, o consumidor ou adquirente da mercadoria acumula, então, a dupla condição de contribuinte de fato e de direito do ICMS – como se tratasse de um imposto classificado como direto – para afirmar, com isso, sua legitimidade ativa para ação que tem por objeto a declaração da ilegitimidade de sua incidência e/ou a repetição do que supostamente pago indevidamente.
Não obstante, pairam sérias e fundadas dúvidas quanto ao acerto desse entendimento, formado que foi em contrariedade a expressa disposição legal, inscrita art. 4º da Lei Complementar nº 87/96 e editada de conformidade com o que dispõe o art. 121, do CTN, a quem a Constituição incumbiu de editar normas gerais em matéria de legislação tributaria (CF, art. 146, III, “a”, in fine) e, especificamente, a definição do contribuinte do ICMS (CF, art. 155, § 2º, XII, “a”).
Aliás, a única hipótese em que o adquirente e consumidor da energia elétrica figura como contribuinte do imposto dá-se quando a energia, não destinada à comercialização, é por ele adquirida de fornecedor estabelecido em outro Estado (LC nº 87/96, art. 4º, IV), como forma de assegurar ao Estado importador a totalidade do ICMS incidente sobre a operação interestadual, tal como pevisto no art. 155, § 2º, X, “b”, da Constituição Federal.
O entendimento, formado a partir do magistério de prestigiada doutrina, para quem a distribuidora de energia elétrica não é contribuinte do imposto ICMS, mas mera responsável pela retenção, pois, segundo ela, limita-se a interligar a fonte produtora ao consumidor final, rompe também com a dogmática jurídica construída em torno do tema e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, formada quando ainda competente para dizer por último sobre a aplicação do direito federal – embora não se tenha conhecimento de qualquer alteração introduzida na legislação aplicável.
Com efeito, segundo o STF, a relação jurídica de natureza tributária estabelece-se, apenas, entre o Poder tributante e o contribuinte ou responsável, nos termos da lei, pouco importando a repercussão econômica do imposto. Nesse sentido é uníssona a jurisprudência daquela Corte (RE 114.977; RE 161.384; RE 113.149; RE 105.486/MG; RE 104.504/MG; RE 72.862; RE 71.300; RE 68.924; RE 67.814; RE 68.741 e RE 78.623, inter plures).
Aliás, por guardar estreita relação com o tema examinado, não custa lembrar que, em tema de imunidade tributária, existe unanimidade de entendimento no âmbito de ambos os tribunais de sobreposição no sentido de que, sendo a concessionária do serviço o contribuinte de direito do ICMS, ao município, na condição de contribuinte de fato, faltaria até mesmo legitimidade ativa ad causam para postular o direito de fruição da imunidade tributária na aquisição de energia elétrica, dado tratar-se precisamente de um consumidor final, que dela não se beneficia, por conseguinte (AI-AgR 671.412 Relator Min. Eros Grau; RE 255.673, Relator Min. Marco Aurélio; AC-MC 457, Relator Min. Carlos Britto; AI 488132, Relator Min. Marco Aurélio; RMS 19711, Relator Min. Humberto Martins; REsp 1000557, Relator Min. Castro Meira; REsp 983.814-MG, Rel. Min. Castro Meira; RMS nº 7.044, Relator Min. Francisco Falcão).
Não existe, então, razão aparente para o tratamento diferenciado que a jurisprudência do STJ dispensa às duas situações, em tudo e por tudo idênticas, à ótica jurídica.
Ademais, ao ignorar a eficácia ao art. 4º, da LC 87/96, afirmando a legitimidade ad causam do terceiro, há quem diga que o Judiciário estaria atuando como legislador positivo e usurpando a competência do Poder Legislativo, o que não se conforma com o princípio da separação dos poderes. Por conseguinte, deve ser vista com reserva a orientação jurisprudencial atualmente predominante, não obstante a autoridade do órgão de que provém.
Com efeito, não é difícil vislumbrar o desacerto da conclusão a que chegou o Tribunal a quem a Constituição confiou a aplicação do direito federal, projeção que é de uma premissa de duvidosa procedência, em que se afirma que a distribuidora de energia elétrica seria mera retentora e responsável pelo recolhimento do imposto devido pelo consumidor final – o que não se mostra correto, pois a distribuidora, quando fornece a energia elétrica, é sujeito passivo da obrigação tributária, por débito próprio e não substituto tributário, por débito de outrem: à sua custa e por conta própria é que o imposto é recolhido.
Mostra-se, então, de duvidosa procedência a jurisprudência que afirma a legitimidade ativa do consumidor final para acionar diretamente a Fazenda Pública em razão de um imposto que, seguramente, foi pago por terceiro pelas operações com ele realizadas, nas quais, decididamente, o adquirente da mercadoria ou tomador do serviço não figurou como contribuinte de direito, como já teve oportunidade de observar o Min. Moreira Alves (RE 113.149).
Como visto, o terceiro – adquirente da mercadoria ou tomador do serviço – só paga “preço” nunca tributo devido, pois a responsabilidade pelo pagamento do tributo, como obrigação própria, ainda que indevido, é sempre do sujeito passivo, nunca do denominado contribuinte econômico.
Embora a figura do consumidor não interesse ao direito tributário, o art. 166, do CTN, requisita sua participação, mediante outorga de autorização para a repetição do indébito, para a hipótese de o contribuinte não comprovar ter absorvido em definitivo o ônus com o pagamento do imposto, uma vez que, em seu desfavor, milita a presunção, juris tantum, de transferência do respectivo encargo – essa é a regra do mercado. Com isso, procurou o legislador evitar o locupletamento ilícito do postulante da repetição.
Pelo visto, a solução do problema da legitimação para agir na ação de repetição do indébito passa, então, pela definição legal não só de quem figure como sujeito passivo de obrigação tributária posta em causa, como também pela adequada interpretação que se empreste ao art. 166 do Código Tributário Nacional.
Por outro lado, como a ação de repetição de indébito assume inequívoca feição condenatória, pressupõe a instauração de prévio processo de conhecimento, pois há necessidade de que o ilícito seja previamente declarado, para que seja criado o título executivo judicial.
Assim, o fato de o solvens transferir o ônus financeiro do tributo, por natureza repercutível, não exclui do pólo ativo do devido processo legal a única parte legítima, a saber, o solvens, que, provando em juízo ter assumido o encargo, ou, em caso contrário, estar autorizado a fazê-lo por aquele a quem transladou o respectivo ônus, estará atuando em defesa de um direito próprio e não de outrem.
Desvenda-se, na forma exposta, qualquer mistério que possa dificultar a solução correta para o tema da legitimação para agir na ação de repetição de indébito tributário, quando o objeto da ação é um imposto indireto.
Prestigiando a dogmática construída em torno do tema e afastando-se da equivocada orientação predominante, acórdão recentemente tomado no REsp nº 983.814/MG, com inegável acerto, assim decidiu:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ICMS. TRIBUTO INDIRETO. CONSUMIDOR. “CONTRIBUINTE DE FATO”. ILEGITIMIDADE ATIVA. APELO PROVIDO. 1. Os consumidores de energia elétrica, de serviços de telecomunicação e os adquirentes de bens não possuem legitimidade ativa para pleitear a repetição de eventual indébito tributário do ICMS incidente sobre essas operações. 2. A caracterização do chamado contribuinte de fato presta-se unicamente para impor uma condição à repetição de indébito pleiteada pelo contribuinte de direito, que repassa o ônus financeiro do tributo cujo fato gerador tenha realizado (art. 166 do CTN), mas não concede legitimidade ad causam para os consumidores ingressarem em juízo com vistas a discutir determinada relação jurídica da qual não façam parte. 3. Os contribuintes da exação são aqueles que colocam o produto em circulação ou prestam o serviço, concretizando, assim, a hipótese de incidência legalmente prevista. 4. Nos termos da Constituição e da LC 86/97, o consumo não é fato gerador do ICMS. 5. Declarada a ilegitimidade ativa dos consumidores para pleitear a repetição do ICMS. 6. Recurso especial provido”.
No julgamento, assentou a 2ª Turma do STJ, como já o fizera em outras oportunidades, que os consumidores de energia elétrica não possuem legitimidade ativa para pleitear a repetição de eventual indébito tributário do ICMS incidente sobre essas operações, pois contribuinte da exação é aquele que coloca o produto em circulação, vale dizer a concessionária, ou que presta o serviço oneroso de comunicação, concretizando, assim, a hipótese de incidência legalmente prevista.
“O contribuinte de fato – disse-o o voto condutor do acórdão – não pratica o fato gerador, não faz parte da relação jurídico-tributária que se estabelece com o Estado e, na verdade, nada tem de contribuinte, no sentido técnico da palavra e único que deveria ser utilizado”.
O substancioso voto proferido pelo eminente Min. Castro Meira, depois de transcrever manifestações doutrinárias da melhor expressão, deixou consignado:
“Os contribuintes do ICMS incidente sobre as operações com energia elétrica e sobre os serviços de comunicação são as respectivas concessionárias, que destacam o valor do imposto na emissão da nota fiscal. As autoras não participam da cadeia de circulação da energia elétrica ou dos serviços de comunicação. Apresentam-se única e exclusivamente como consumidoras finais. …”
“Fato incontroverso é que as autoras não concretizam a hipótese de incidência do ICMS. …
“Arcando com o ônus financeiro do tributo na condição de consumidoras, as associações autoras não possuem legitimidade para repetir a exação a respeito da qual não são obrigadas a recolher para os cofres do Fisco, não se encontrando, por isso, na condição de contribuinte nem de responsável tributário, nos termos do art. 121 do CTN. …”
“Quem ocupa o lugar de sujeito passivo da obrigação – realizando a circulação de mercadorias e a prestação de serviços de comunicação e, por isso mesmo, podendo vir a ser executadas pelo não-recolhimento do tributo – são as concessionárias de energia e de telefonia, bem como aqueles que vendem os bens para o ativo fixo das autoras”.
Ainda recentemente, essa decisão foi invocada, obter dictum, nas razões de decidir os EDcl no RMS nº 21742, de que foi Relator o eminente Min. Luiz Fux, consoante se vê da parte útil da ementa do acórdão proferido pela 1ª Turma:
“Por oportuno, impende ressaltar que recente julgado oriundo da Segunda Turma deste Sodalício, bem elucidou a quaestio iuris, ao assinalar que “a caracterização do chamado contribuinte de fato presta-se unicamente para impor uma condição à repetição de indébito pleiteada pelo contribuinte de direito, que repassa o ônus financeiro do tributo cujo fato gerador tenha realizado (art. 166 do CTN), mas não concede legitimidade ad causam para os consumidores ingressarem em juízo com vistas a discutir determinada relação jurídica da qual não façam parte” (REsp 983.814/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 04.12.2007, DJ 17.12.2007).”
Segundo o magistério de Cândido Rangel Dinamarco, quando na experiência concreta figura no processo algum sujeito a quem falta a “legitimatio ad causam”, a conseqüência, em face do dever-ser inobservado, é a pronúncia de carência de ação.
Como por demais enfatizado pela doutrina da melhor expressão, incidência jurídica e incidência econômica do imposto são, portanto, fenômenos inconfundíveis, acarretando conseqüências jurídicas distintas.
“Infelizmente – e a advertência é de Souto Maior Borges – essas noções nem sempre foram estudadas pela doutrina (e nem pelos tribunais, acrescente-se) com a necessária clareza, mesclando-se não raro conceitos econômicos e jurídicos, com o que se incorre numa indistinção conceitual danosa para o progresso do direito tributário”.
Por isso, a contaminação dos conceitos do direito tributário com os princípios que informam as ciências das finanças vem causando maiores imprecisões terminológicas e conceituais nas decisões judiciais, comprometendo, como afirmado, toda a dogmática construída em torno do tema, em prejuízo, ademais, de uma adequada prestação jurisdicional, que, por isso mesmo, deve ser evitada.
Informações Sobre o Autor
José Benedito Miranda
Ex-Procurador do Estado de MG