Resumo: O número de solicitações para a realização de exame de Reprodução Simulada dos Fatos (RSF) no Estado do Rio Grande do Sul tem crescido exponencialmente nos últimos anos. O referido exame tem por objetivo reproduzir, simular os fatos narrados pelas partes envolvidas sob a ótica da criminalística, a fim de concluir se tais relatos guardam coerência com outros exames periciais realizados anteriormente, ou, ainda, apontar as divergências ou convergências entre as declarações prestadas. A referida perícia trabalha com provas subjetivas, e por isso, não raro o Perito se depara com a fragilidade da falta de regulamentação legal no Código de Processo Penal que ampare seu trabalho. O problema exposto é recorrente no dia-a-dia devido à livre interferência dos Assistentes Técnicos e Advogados de defesa no decorrer e após o atendimento da RSF. Estudos de casos atendidos no Estado serão discutidos quanto as suas fragilidades perante a lei e indicações de como esta poderia amparar um exame tão importante para o esclarecimento de crimes ocorridos.
Palavras chave: Reprodução Simulada dos Fatos. Exame Pericial. Código de Processo Penal.
Abstract: The number of requests to conduct Simulated Reproduction of Facts in the State of Rio Grande do Sul has grown exponentially in recent years. The said examination to reproduce, simulate the facts narrated by the parties involved from the perspective of criminology in order to conclude if such reports keep consistency with other forensic examinations carried out previously, expert, or point out the differences or similarities between the statements made. That expertise works with subjective evidence, and so often the expert is faced with the fragility of the lack of legal regulations in the Code of Criminal Procedure that sustain your work. The problem exposed is recurring on a daily basis due to the interference of free technical assistants and defense lawyers during and after the service of Simulated Reproduction of Facts. Case studies met in the State will be discussed as its weaknesses before the law and how this could bolster an examination so important for the clarification of crimes occurs.
Keywords: Simulated Reproduction of Facts. Forensic Examination. Code of criminal procedure.
Sumário: Introdução. 1. O exame pericial de Reprodução Simulada dos Fatos (RSF). 2. Discussão. 3. Apêndice. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O exame de Reprodução Simulada dos Fatos (RSF), popularmente conhecido como “Reconstituição de Crime”, visa refazer, simular, de forma semelhante à original, com maior número de detalhes possíveis, o delito ocorrido. Tal perícia vem alcançando posição de excelência no Estado do Rio Grande do Sul devido a sua importância e utilidade em termos criminalísticos. A citada perícia vem sendo amplamente solicitada pelas Delegacias de Polícia e pelas Varas Criminais devido à mesma auxiliar no esclarecimento de crimes, através de provas subjetivas, porém técnica e cientificamente comprovadas pelos Peritos executores.
O referido exame é previsto pelo Artigo 7o do Código de Processo Penal brasileiro, decreto Lei no 3.689 de 03 de Outubro de 1941. “Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública”.
Atualmente o Estado do Rio Grande do Sul conta somente com duas Peritas Criminais devidamente treinadas e habilitadas para o atendimento do exame de RSF, fato este que prolonga o período de espera pelo agendamento e realização das perícias solicitadas. Somando-se a esse fato, a falta de leis claras que regulamentem a atuação das partes que interferem livremente durante a referida perícia, acaba por atrasar ainda mais o período de espera pela expedição dos Laudos Periciais resultantes do exame realizado.
A Lei no 12.030/2009 trata das perícias em âmbito criminal e assegura a autonomia técnica, científica e funcional do Perito Oficial, porém, mesmo que a liberdade e a autonomia do Perito Criminal durante o atendimento dos exames Periciais sejam asseguradas, julga-se ser de extrema necessidade regulamentar, de maneira mais clara e objetiva, a atuação das partes durante o andamento do trabalho do Perito Oficial, a fim de que os quesitos apresentados por aqueles profissionais passem a ser entregues, obrigatoriamente, com determinada antecedência ao Perito, com o intuito de que os mesmos possam vir a ser respondidos, da melhor maneira possível, através da redação do Laudo Pericial.
No decorrer deste trabalho discutir-se-á fatos ocorridos durante o atendimento de casos que ilustrarão a realidade diária do Perito Oficial frente à fragilidade da atual regulamentação a respeito do exame de RSF.
O presente trabalho se justifica pelo número crescente de solicitações e à quantidade de casos em que o resultado do mesmo tem auxiliado a esclarecer, constituindo provas que podem vir a inocentar ou incriminar os envolvidos.
Devido à escassa literatura que verse sobre o assunto, o presente trabalho foi embasado principalmente na experiência laboral da Perita Criminal, autora deste, no Procedimento Operacional Padrão aperfeiçoado pelas Peritas[1] que realizam o exame de RSF da Seção de Perícias em Áudio e Imagens (SEPAI) do Departamento de Criminalística do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul e, ainda no capítulo referente à Reprodução Simulada dos Fatos da Apostila de Criminalística aplicada aos alunos da Academia de Polícia Civil de Porto Alegre, também de relatoria das Peritas da citada seção.
1 O EXAME PERICIAL DE REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS (RSF)
O Departamento de Criminalística do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul desenvolve o referido trabalho pericial que vem a auxiliar no esclarecimento dos fatos, tanto em fase de Inquérito Policial, quanto em fase Processual.
De acordo com o Procedimento Operacional Padrão (POP), criado pelas Peritas Criminais do Departamento de Criminalística do Instituto Geral de Perícias/RS, da antiga Seção de Perícias Diversas e atualizado pelas Peritas Adriana Farias Braum Pereira e Bárbara Zaffari Cavedon, atuantes na Seção de Perícias em Áudio e Imagens (SEPAI) e, responsáveis pelo atendimento do exame de Reprodução Simulada dos Fatos em todo o Estado do Rio Grande do Sul, a solicitação deste, deve ser realizada pelo Judiciário, Ministério Público ou Autoridade Policial. A referida solicitação, ao chegar ao Departamento de Criminalística, mais especificamente na Seção de Perícias em Áudio e Imagens (SEPAI), passa por triagem denominada checklist, na qual se verifica se todos os materiais necessários foram enviados pelo solicitante, além de avaliar a real necessidade e a viabilidade do exame de Reprodução Simulada dos Fatos.
A RSF tem por objetivo auxiliar no esclarecimento dos fatos delituosos, principalmente em casos de homicídios, suicídios e latrocínios, incluindo a compreensão sobre a atuação de cada participante, podendo-se verificar situações envolvendo, por exemplo, a prática de legítima defesa, ou a presença de elementos qualificadores. Nesse sentido pode-se citar o caso atendido no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre no Rio Grande do Sul, no primeiro semestre do corrente ano, onde o homicídio de uma vítima do sexo feminino teria sido realizado por dois indivíduos, um de dezesseis e outro de trinta e dois anos. No desenrolar do exame pericial, concluiu-se que ambos teriam cometido o delito, devido a vários detalhes que comprovavam a necessidade da ação de duas pessoas durante os acontecimentos, contrariando a versão do acusado de trinta e dois anos que afirmava não ter participado do momento do crime que acabou por tirar a vida da vítima. O mesmo, após a expedição do Laudo de Reprodução Simulada dos Fatos, foi indiciado pelo crime de homicídio, além de furto, sequestro e tentativa de ocultação de cadáver.
O exame pericial de RSF também avalia a viabilidade de ocorrência da(s) versão(ões), de forma a apurar a possibilidade de falsas confissões, mentiras ou coações, e ainda realiza testes de forma a simular possíveis dinâmicas do fato.
Segundo “Reprodução Simulada dos Fatos”, na qual reprodução tem o significado de “ato ou efeito de reproduzir, imitação fiel, cópia”, bem como simulada “vem do verbo simular, representar com semelhança, arremedar, aparentar, imitar”. Sendo a legislação brasileira bastante clara quanto ao objetivo do trabalho (verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo), o método utilizado para esta verificação não poderia ser, assim, denominado como “Reconstituição de Crime”, pelo fato de que esta intitulação remeteria ao refazer ou tornar a compor o crime” (ESPÍNDULA – 2006).
E quando a RSF é realizada? O exame de Reprodução Simulada dos Fatos é realizado quando há controvérsias marcantes entre os termos de declarações enviados pelo solicitante, e/ou contradições entre os testemunhos prestados e os exames periciais realizados anteriormente.
O atendimento pericial de Reprodução Simulada dos Fatos consiste, inicialmente, em reproduzir as versões dos participantes informadas à equipe pericial. Tais registros ocorrem através da gravação, em áudio, das oitivas e de tomadas fotográficas no local de ocorrência do(s) fato(s) delituoso(s). Posteriormente, são realizadas análises comparativas entre as versões e, entre estas e os exames periciais anteriormente realizados, a fim de analisar a viabilidade, em termos criminalísticos, de tais relatos.
Baseado no capítulo de Reprodução Simulada dos Fatos, da Apostila de Criminalística do curso de formação ministrado pelos Peritos Criminais Oficiais aos Escrivães e Inspetores da Policia Civil, na Academia de Polícia (Acadepol), cidade de Porto Alegre no Estado do Rio grande do Sul, as autoras PEREIRA e CAVEDON (2016) explanam que a solicitação do exame deve ser acompanhada de documentos fundamentais para a sua realização, como Laudos de exame de local de morte, Laudos de exames necroscópicos ou de lesão corporal (Auto de exame de corpo de delito), outros Laudos Periciais, depoimentos prestados à Autoridade Policial ou Judiciária (de acusados, testemunhas e vítimas sobreviventes) e outros elementos constantes no Inquérito Policial Criminal ou no Processo, que possam servir para subsidiar o exame de RSF, como registros de atendimentos hospitalares, de entrada de veículo em depósitos, registros fotográficos, croqui(s) dos locais, etc., assim como quesitos, que porventura haja.
De posse desses documentos, conforme o já referido Procedimento Operacional Padrão (POP), faz-se a leitura do material e a análise do fato e, então, elencam-se os pré-requisitos para o trabalho no local do evento. Nesta fase, conforme a complexidade dos fatos decide-se sobre a necessidade de Perito correlator que seja especialista em área específica. Por exemplo, em casos onde envolva acidente de trânsito, é importante a correlatoria de um Perito Criminal formado em Engenharia Mecânica ou áreas afins. Pode-se citar o atendimento de RSF do fato ocorrido na cidade de Viamão, em 2015 pela Perita autora deste trabalho. O caso arrolava três veículos que se envolveram em um acidente de trânsito onde um dos ocupantes de um dos veículos veio a óbito quando já se encontrava no hospital de uma cidade vizinha, o que restou em um local desfeito, sem Perícia de Local de Morte, dinâmica ou croquis do acontecido. A relatoria do Laudo de RSF contou com a correlatoria de um dos Peritos da área de engenharia mecânica atuante no Departamento de Engenharia do Instituto Geral de Perícias, onde, dentre as conclusões apresentadas no referido Laudo citamos como exemplo:
De acordo com as quatro primeiras versões, V1 e V2[2] estariam trafegando um à frente do outro, na faixa de rolamento de sentido Gravataí/Viamão, e V3 vinha nessa mesma faixa de rolamento em sentido oposto. No entanto, ao analisar os posicionamentos finais dos veículos, especialmente o de V2, é possível inferir que os três automóveis estariam transitando sobre a faixa de rolamento sentido Viamão/Gravataí. No entanto, tomando por base o posicionamento final dos veículos, exibidos no Levantamento de Acidente de Trânsito Rodoviário, é possível afirmar que as versões dos participantes A, B, C e D[3], não se mostram condizentes com o mesmo;
De acordo com as quatro primeiras versões, V1 e V2 estavam trafegando a aproximadamente 80 km/h, o que excede o limite de velocidade permitido para o trecho da via onde ocorreram as colisões;
“E” posicionou, no momento de sua oitiva, o veículo Gol à frente do Passat, ambos vindo na direção de seu veículo. Porém, de acordo com os danos observados nos automóveis e com a interação de tintas encontrada entre o Siena e o Passat, é possível inferir que o V3 colidiu primeiramente com V1, dinâmica essa, que colocaria o Passat na frente do Gol.
Conclusões mais técnicas como as citadas, são resultantes da multidisciplinaridade do trabalho pericial.
O exame pericial em local de morte possui relação direta com a RSF, uma vez que aponta elementos vitais à compreensão da dinâmica do evento, como: posicionamento da(s) vítima(s), existência de material biológico (manchas de sangue, cabelos, etc.), instrumentos/arma(s)/elemento(s) de munição, disposição dos elementos na cena e outros tipos de vestígios (pegadas, impressões). Portanto, a não solicitação de tal exame pode prejudicar importantes análises realizadas durante a Reprodução Simulada dos Fatos, cabe salientar que, um ambiente de local de morte bem isolado e devidamente periciado pode tornar desnecessária a solicitação de um futuro exame de RSF.
Os Laudos referentes a exames necroscópicos ou de lesões corporais são imprescindíveis para a realização do referido exame, pois fornecem subsídios em relação aos ferimentos, incluindo as características dos mesmos, os instrumentos que os produziram e os respectivos trajetos. Ao passo que as versões dos participantes dos fatos nos dão somente uma perspectiva externa do ocorrido, a necroscopia e os laudos de lesões corporais complementam e apontam a veracidade dos relatos uma vez que guardam os vestígios do acontecido.
Destaca-se como outros exames periciais relevantes à análise da Reprodução Simulada dos Fatos, especialmente, os Laudos referentes às áreas de: Balística (disparo e funcionamento, comparação de projetis, etc.), Engenharia (levantamento topofotográfico, danos em veículos, acidente de trânsito, etc.), Genética Forense (DNA, agressão sexual, etc.), Toxicologia (psicotrópicos, álcool, venenos, etc.), Documentoscopia (grafoscopia/autoria gráfica), Informática Forense (mídias de armazenamento computacional, celulares, etc.), Química Forense (residuográfico).
Os termos de declarações ou de interrogatório dos envolvidos são elementos indispensáveis à realização da RSF, uma vez que estes são a base do trabalho a ser desenvolvido. Desta forma, devem ser encaminhados os termos das vítimas, de investigados e de testemunhas dos fatos a serem reproduzidos.
É importante que os exames periciais estejam concluídos e disponíveis ao Perito Criminal para a expedição do Laudo de Reprodução Simulada dos Fatos, de forma a não inviabilizar possíveis análises e conclusões, pois, o mesmo só pode ser expedido após todas as perícias relacionadas ao caso serem concluídas, a fim de que as mesmas possam ser incluídas na análise e conclusões finais do laudo de Reprodução Simulada dos Fatos.
Em posse do ofício de solicitação e do material necessário para a realização do exame, o Perito realizará estudo prévio, verificando os participantes a serem intimados e as providências necessárias. Após, será encaminhado ofício de agendamento ao solicitante, informando: data, horário, participantes a serem intimados, locais a serem isolados e eventuais materiais necessários para a RSF (veículos, armas desmuniciadas, etc.). Caberá ao solicitante a comunicação do agendamento à Defesa e ao Ministério Público, a fim de que estes estejam cientes sobre a realização do exame, fazendo-se presentes ao mesmo[4].
Na data aprazada, a equipe pericial comparecerá à Delegacia de Polícia, onde serão realizadas as oitivas dos envolvidos que, individualmente, apresentarão suas versões. Após, no local dos fatos, serão realizadas as reproduções das versões, com suas respectivas tomadas fotográficas. Nesta etapa, solicitamos a participação de agentes para realizar a substituição dos envolvidos nas cenas. Após o atendimento, o material é compilado e analisado, gerando o Laudo Pericial. Este é composto pelas versões apresentadas durante a RSF, as respectivas tomadas fotográficas, as considerações técnicas (comparações entre as versões e entre estas e os demais exames periciais) e as conclusões.
Segundo Reis (2011), as conclusões em um Laudo Pericial de RSF, se encaminham para a demonstração de um ponto de vista que, na verdade, não é do perito, mas das evidências confirmadas ou negadas. É o caminho da lógica em torno das possibilidades.
As ilustrações, além das conclusões, servem de convencimento aos interessados. Para Reis (2001) as hipóteses bem estruturadas e bem demonstradas, além de montar a prova material de um fato criminoso, também convencem a quem importa. Nesse sentido, os croquis e as linhas do tempo, confeccionados a partir dos relatos dos envolvidos, auxiliam muito no esclarecimento de possíveis dinâmicas dos fatos delituosos. Podemos citar exemplos de casos atendidos pela autora do artigo, como os das cidades de Canela, Lajeado, Porto Alegre, Viamão, Tuparendi, entre outros que vem ilustrar as citadas linhas do tempo e croquis de dinâmicas dos fatos (apêndice – acervo pessoal).
2 DISCUSSÃO
Na experiência diária de atendimento a esse tipo de exame, sente-se a falta de regras que regulamentem, por exemplo, a ação dos advogados e dos assistentes técnicos no que diz respeito ao papel de cada um e ao andamento da perícia propriamente dita.Embora o Decreto Lei no 3.689 de 03 de Outubro de 1941, art., 159, § 4o decida: “O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão (incluído pela Lei no 11.690, de 2008)”, é muito comum que os declarantes mudem detalhes importantes de suas versões após a interferência de seus advogados e/ou assistentes técnicos, prejudicando sobremaneira a análise da veracidade de suas versões, pois um mero detalhe, muitas vezes, pode vir a esclarecer pontos obscuros da dinâmica dos fatos.
É possível, por exemplo, afirmar que a trajetória de um projetil tenha sido, ou não, aquela que o acusado alega como verdadeira em sua versão ao perito, comparando-a com os ferimentos descritos nos Autos de Corpo de Delito e/ou Autos de Necropsia da(s) vítima(s). A interferência das partes, nesses casos, pode vir a prejudicar sobremaneira conclusão do Laudo Pericial.
No Artigo 159, § 3o do Código Penal consta: “Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico”. Subentende-se que os referidos quesitos devessem ser entregues ao Perito Criminal, antes, ou no máximo, durante o atendimento pericial, para que os mesmos pudessem ser respondidos da melhor maneira possível, o que na prática, na maioria das vezes, não ocorre, prejudicando o trabalho do Perito, que acaba tendo que emitir Laudos Complementares a fim de responder quesitos entregues posteriormente ao atendimento pericial, ou tendo que retornar ao local dos fatos, ou até mesmo tendo que intimar novamente os envolvidos para a repetição do exame de RSF, protelando assim o andamento do inquérito policial ou do processo.
Partimos do princípio que há um vasto número de solicitações aguardando atendimento e, atualmente, somente duas Peritas Criminais habilitadas para atendimento de tal exame atuando nessa área no Estado do Rio Grande do Sul. Fato este que acaba por postergar os agendamentos e atendimentos das RSF. Como se não bastasse, não raro, são utilizados subterfúgios como medidas protelatórias por parte da defesa de alguns acusados, atrasando ainda mais o trabalho da Perícia, a fim de mantê-los em liberdade. Podemos citar, por exemplo, um caso atendido na cidade de Gravataí, no dia 19 de abril do ano de 2016, pela Perita, autora deste trabalho, onde a apresentação de quesitos se deu dias após o atendimento da RSF, mesmo tendo estado presentes as partes no dia do exame e tendo estas afirmado não possuírem quesitos a serem respondidos através do Laudo de RSF. Destacamos como nota de rodapé o parágrafo retirado do Laudo Pericial Oficial que comunica os acontecimentos a respeito da formulação de quesitos por parte do advogado de defesa do acusado[5]. Sendo que estes deveriam ter sido enviados com antecedência à Perícia, basta observar o que rege o Art. 160: “Os peritos elaborarão o laudo pericial onde descreverão minuciosamente o que examinarem e, responderão aos quesitos formulados”, onde fica claro que os questionamentos deveriam ser entregues anteriores à realização da perícia, porém, muito frequentemente o procedimento não é seguido, e o Perito é obrigado a respondê-los.
O atraso de horas para a condução de réus presos à Delegacia de Polícia responsável, para a participação do exame de RSF, pré-agendado, via de regra, com pelo menos vinte dias antecedência. O pedido de Laudos Complementares e/ou de repetições do exame de RSF, devido à falta, não justificada, de algum(ns) intimados(s) no dia do exame, mesmo tendo estes sido comunicados, com antecedência, do dia da realização do exame, também são medidas muito comumente utilizadas para adiar a possível condenação do(s) acusado(s) que pode vir a ser consequência após as conclusões do Laudo Pericial serem apresentadas.
Quanto ao papel do Assistente Técnico, na área criminal, o mesmo “deveria” atuar na contestação do Laudo Pericial emitido pelo Perito Criminal Oficial, ou seja, somente após o exame finalizado e Laudo Pericial expedido e, ainda, somente em fase processual.
“O assistente técnico, na área criminal, figura recente, criada pela nossa legislação penal (Lei no 11.690/2008), tem esse profissional a missão de trabalhar para as partes, mas de forma diferenciada do que está previsto no direito civil. O assistente técnico na área criminal, diferentemente do cível, só começará a atuar depois que os peritos oficiais emitirem o respectivo laudo pericial oficial. E a mencionada lei vai mais além, dizendo que a participação do assistente técnico deverá ser deferida pelo juiz da causa, deixando-nos claro que esse profissional só terá atuação em fase processual, ou seja, no âmbito da justiça, não podendo atuar em fase inquisitorial ou, pelo menos, enquanto o trabalho dos peritos oficiais não estiver concluído” (ESPÍNDULA – 2012).
Realidade esta que não ocorre no Estado do Rio Grande do Sul, vindo a prejudicar o bom andamento do trabalho pericial.
3. APÊNDICE
Cronologia observada através das gravações de câmeras locais, utilizadas para a realização de comparações e verificação da veracidade das versões apresentadas. RSF realizada na cidade de Canela/RS, no ano de 2015 (Esquema 01).
Croquis ilustrativos da possível dinâmica de duplo homicídio, ocorrido na cidade de Lajeado/RS. RSF atendida no ano de 2015.
Croqui ilustrativo de acidente de trânsito, durante “racha” ocorrido em Porto Alegre no ano de 2016.
Linha do tempo utilizada para situar réus e testemunhas no espaço e tempo durante o fato delituoso. RSF atendida em 2014 na cidade de Tuparendi.
Croqui ilustrando as possibilidades relatadas durante as versões de acusados e vítima sobrevivente durante a reprodução de acidente de trânsito com vítima fatal na cidade de Viamão/RS.
CONCLUSÃO
É necessário que os órgãos responsáveis tomem conhecimento e se atentem a estas situações, a fim de priorizar os atendimentos que são realmente urgentes, através da criação de normas mais claras e rígidas, que regulamentem a ação dos Advogados e Assistentes Técnicos, possibilitando dessa forma um melhor andamento do trabalho Pericial Oficial.
A importância do referido exame na prática, está comprovada, pois, além de auxiliar no esclarecimento de fatos delituosos é utilizado como instrumento para verificação de situações envolvendo a prática de legítima defesa e/ou a presença de elementos qualificadores.
Não se pretende aqui cercear o direito de defesa, mas sim, regulamentar a cronologia dos passos a serem tomados, mais especificamente quanto à obrigatoriedade da antecedência da apresentação de quesitos a serem respondidos pelo Perito Criminal Oficial, através da redação do Laudo de Exame de Reprodução Simulada dos Fatos, a fim de que o andamento dos inquéritos policiais e processos se dêem de maneira mais rápida e eficaz.
Tendo então, o Laudo Oficial expedido, as partes o analisarão e expedirão quesitos complementares, caso sejam necessários, em situações onde não tenha havido clareza suficiente por parte do Perito relator.
Referências
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Notas
[1] No Estado do Rio Grande do Sul somente duas Peritas realizam o exame de RSF, dentre elas Adriana Farias Braum Pereira, autora do presente trabalho, e Bárbara Zafari Cavedon.
[2] V1, V2 e V3 referem-se respectivamente aos veículo 1, veículo 2 e veículo 3.
[3] AS letras A, B, C, D e E maiúsculas foram utilizadas a fim de resguardar a identidade dos envolvidos nos fatos examinados.
[4] Raramente se dá a presença de representantes da Defensoria ou do Ministério Público durante os exames Periciais de RSF.
[5]O acusado compareceu à Delegacia de Polícia e prestou sua declaração à Perícia, acompanhado de seu advogado Dr. Tal de OAB/RS tal. Tendo em vista a afirmação do acusado, em sua oitiva, de que não estava presente aos fatos no dia da ocorrência, o mesmo não participou da etapa das tomadas fotográficas das versões. Na ocasião do exame, foi questionado ao defensor se teria quesitos a serem respondidos através do Laudo de Reprodução Simulada dos Fatos, sendo que o mesmo respondeu negativamente, argumentando não ter questionamentos a formular devido ao fato de seu cliente afirmar não ter participado da ocorrência em questão. No entanto, no dia 25 de abril de 2016, quesitos formulados pela defesa acerca da perícia de RSF foram encaminhados à 1a Vara Criminal de Gravataí, chegando ao conhecimento da Perita relatora somente no dia 04 de maio do corrente ano. Ainda, foram cientificados, suspeito e advogado, que poderiam acompanhar a segunda etapa do exame (tomadas fotográficas no local dos fatos), tendo os mesmos, achado desnecessário.
Informações Sobre o Autor
Adriana Farias Braum Pereira
Perita Criminal Oficial do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul – Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Uninter. Mestre, Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas pela UFRGS