Rescisão unilateral de contrato administrativo com base no interesse público

Resumo: O presente artigo faz uma análise sobre instituto da rescisão unilateral de contrato administrativo por parte da administração pública, com base no interesse público. A pesquisa aponta os posicionamentos da doutrina e jurisprudência acerca do instituto e, sobretudo buscou-se conhecer e discutir o fenômeno. Por outro lado, o estudo aponta os potenciais problemas que se desencadeiam por conta de uma rescisão unilateral sem observação aos princípios constitucionais e da administração pública. Para realização da pesquisa optou-se pela metodologia de revisão integrativa, a qual foi estruturada seguindo as etapas de: identificação do tema e seleção da questão de pesquisa; estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão; identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados; categorização dos estudos selecionados; análise e interpretação dos resultados, e, apresentação de síntese conhecimento. Verificou-se no estudo os potenciais problemas e prejuízos que se desencadeiam, quando de uma rescisão unilateral de processo administrativo imotivada, ou com motivação controversa. Constata-se que antes da tomada de decisão, é imprescindível abertura de processo administrativo com garantia de contraditório e ampla defesa, o que dentre outras vantagens, diminui as possibilidades de nulidade quando em apreciação pelo Poder Judiciário. Uma rescisão unilateral de contrato administrativo onde os interesses pessoais sobrepõem o interesse público, tende a trazer prejuízos não só financeiro, mas principalmente coloca a população administrada desassistida e em situação de risco, contrariando os princípios da eficiência, continuidade dos serviços públicos, entre outros.

Palavras-chave: Contrato administrativo. Rescisão unilateral de contrato. Interesse público. Oportunidade e conveniência.

Abstract: The present article makes an analysis on institute of the unilateral termination of administrative contract by the public administration, based on the public interest. The research points out the position of doctrine and jurisprudence about the institute and, above all, it was sought to know and discuss the phenomenon. On the other hand, the study points out the potential problems that arise due to a unilateral termination without observation to the constitutional principles and the public administration. It was opted for the integrative review methodology to carry out the research, which was structured following the steps of: identifying the theme and selecting the research question; establishment of inclusion and exclusion criteria; identification of pre-selected and selected studies; categorization of selected studies; analysis and interpretation of the results, and, presentation of knowledge synthesis. The study revealed the potential problems and losses that are triggered when a unilateral termination of the causeless administrative process, or with a controversial motivation. It is observed that before the decision is made, it is essential to open an administrative process with a guarantee of adversary and ample defense, which among other advantages, reduces the possibilities of nullity when under consideration by the Judiciary. A unilateral termination of an administrative contract where personal interests overlap the public interest tends to bring losses not only financially, but mainly puts the administered population unattended and at risk, contrary to the principles of efficiency, continuity of public services, among others.

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Keywords: Administrative contract. Unilateral termination of contract. Public interest. Opportunity and convenience.

Sumário: Introdução. 1. Procedimento e etapas da licitação de bens e serviços para atender a administração pública. 2.  Da necessidade de motivação e abertura de processo administrativo. 3. Do contraditório e ampla defesa 4. Da rescisão unilateral de contrato administrativo baseada em motivação controversa. 5. Conclusão. Referências.

Introdução

Na organização político-administrativa brasileira, a responsabilidade em arrecadar e gerir recursos para ofertar serviços públicos cabe à Administração Pública, aqui entendida como Poder Executivo. Com base em princípios basilares, a saber: Legalidade, Moralidade, Impessoalidade, Economicidade, Publicidade, Eficiência, Supremacia do Interesse Público, entre outros, a Administração Pública busca contratar bens e serviços que possam atender a demanda pública.

O instituto da licitação é o caminho legal para contratar com a administração pública. Os dispositivos legais, em especial a Lei 8666/1993 (BRASIL,1993) disciplinam as etapas necessárias para que a administração realize as modalidades de licitações, que em geral se inicia com o edital e termina com a adjudicação e homologação. Superada estas fazes do procedimento licitatório, os vencedores do certame e a administração estão prontos a contratarem.

Os acordos bilaterais onde se tem de um lado, como tomador ou contratante a administração pública e do outro, uma pessoa jurídica de direito publico ou privado, a qual se propõe a oferecer os bens ou serviços, objeto do acordo, é denominado contrato administrativo.

O normal é que com a assinatura e início do acordo pactuado, o contrato siga seu curso normal e seu término ocorra somente após a satisfação do objeto contratado. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de dispositivos legais que possibilitam às partes contratantes rescindirem o contrato nas situações em que uma das partes, ou ambas as partes deixam de cumprir sua responsabilidade.

Entretanto, nos contratos administrativos, dispõe a Administração Pública das chamadas prerrogativas, o que desequilibra as forças das partes no contrato. Neste sentido, interpretando literalmente o dispositivo fica compreendido que detém a Administração Pública, dentre outras, as prerrogativas de modificar unilateralmente, rescindir unilateralmente, rescindir unilateralmente, fiscalizar a execução, aplicar sanções e ainda ocupar provisoriamente imóveis e serviços vinculados ao objeto do contrato.

Nos contratos administrativos estes “privilégios” dão segurança à Administração Pública no sentido de garantir que os contratados cumpram os compromissos acordados, e, se necessário, em nome do interesse público buscar alternativas quando do seu descumprimento.

Não obstante é sabido que em muitos casos, especialmente quando se trata da Administração Pública na esfera municipal, esse problema é agravado, sobretudo em pequenos municípios brasileiros onde a Administração é eivada de politicagem e interesses partidários, que se colocam em prioridade aos interesses públicos.

1. Procedimento e etapas da licitação de bens e serviços para atender a administração pública.

Com a entrada em vigor da Lei nº 8666 de 21 de junho de 1993 (BRASIL, 1993) a contratação de bens e serviços para o atendimento da demanda pública, se inicia, em regra com o procedimento licitatório. No entanto há situações específicas, nas quais o procedimento licitatório é dispensado ou não exigido. 

O objetivo do procedimento licitatório é possibilitar que administração pública pautada em princípios constitucionais e princípios da administração pública, busque no mercado ofertas de bens e serviços mais vantajosas para a administração. Vejamos o que Luiz Oliveira Castro Jungstedt, define como licitação:

“[…] um procedimento administrativo, preliminar aos contratos celebrados pelo Estado, que busca a melhor proposta para se atingir o interesse público, a partir de normas preestabelecidas em um instrumento convocatório, as quais irão definir a forma de agir das atividades administrativas e dos particulares interessados neste processo de seleção (JUNGSTEDT, 1999, p. 5)”.

Neste mesmo sentido disciplina Hely Lopes Meirelles:

“É um procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Visa a propiciar iguais oportunidades aos que desejam contratar com o Poder Público, dentro de padrões previamente estabelecidos pela Administração, e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos. É o meio técnico-legal de verificação das melhores condições para a execução de obras e serviços, compra de materiais e alienações de bens públicos (MEIRELLES, 1999. p. 23)”.

O procedimento licitatório consiste em duas etapas. A primeira etapa trata-se dos procedimentos formais internos, os quais são realizados pela comissão de licitação. A segunda etapa, etapa externa inicia com o edital, passando pelas fases de habilitação/ apresentação de propostas e documentos, classificação e julgamento, adjudicação e homologação.

De acordo com a Lei nº 8666/93 (BRASIL, 1993) a modalidade de licitação a ser empregada pela administração pública, é estabelecida levando em consideração o tipo do bem ou serviço a ser adquirido e também o valor da contratação. Conforme o artigo 22 da citada Lei, as modalidades de licitação são: concorrência; tomada de preços; convite; concurso; leilão.

A modalidade concorrência ocorre na licitação de compra de bens e serviços acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais) e obras públicas e serviços de engenharia acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). Podem participar do certame qualquer fornecedor ou prestador de serviço que atender os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital, quando na fase de habilitação. 

A Tomada de preços é a modalidade na qual podem participar os interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. Esta modalidade é estabelecida para aquisição de bens e serviços de até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais) e obras públicas e serviços de engenharia de até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).

Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados pela administração. Devem participar no mínimo 03 (três) interessados. Nesta modalidade a comissão de licitação afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e estenderá o convite aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse em até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas. A modalidade convite é estabelecida para bens e serviços de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) e obras públicas e serviços de engenharia de até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). 

Concurso é a modalidade de licitação para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores.

Leilão é a modalidade de licitação para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis. Podem participar qualquer interessado disposto a ofertar o maior lanço, igual ou superior ao valor da avaliação. 

Na hipótese da modalidade convite, existindo na praça mais de 03(três) possíveis interessados, a cada novo convite, realizado para objeto idêntico ou assemelhado, é obrigatório à extensão do convite a, no mínimo, mais um interessado, enquanto existirem cadastrados não convidados nas últimas licitações. Quando for impossível a obtenção do número mínimo de 03(três) licitantes, estas informações devem ser e justificadas no processo, sob pena de repetição do convite.

Com entrada em vigor da Lei 10520, de 17 de julho de 2002, desde então foi instituída a modalidade de licitação denominada pregão, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para aquisição de bens e serviços comuns.

Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

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 “Pregão é a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns, qualquer que seja o valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é feita por meio de propostas e lances em sessão pública (DI PIETRO, 2016, p.457)”.

Superadas as fases da licitação, as partes estão prontas para contratarem. Para Celso Bandeira de Mello (2010, p. 620) denomina-se contrato administrativo a relação jurídica formada por um acordo de vontades, em que às partes obrigam-se reciprocamente a prestações concebidas como contrapostas e de tal sorte que nenhum dos contratantes pode unilateralmente alterar ou extinguir a avença.

O normal é que o contrato se encerre com o cumprimento das finalidades do objeto, ou seja, as obrigações contraídas pelas partes totalmente satisfeitas. No entanto, em muitos casos por conta de faltas de umas das partes, na grande maioria das vezes, faltas dos fornecedores de bens e serviços para administração pública, os contratos terminam por serem rescindidos unilateralmente.

Esta possibilidade de rescisão, diferente do que ocorre nos contratos particulares, traduzem as prerrogativas especiais de que a administração pública desfruta frente ao interesse particular. Para Cretella Júnior (1971, p. 177), Hely Lopes Meirelles (2007, p. 203), essas prerrogativas, denominadas cláusulas exorbitantes, possibilitam que a administração disponha de privilégios em relação ao contratado.

Marçal Justin Filho (2004, p. 501) enfatiza que a administração pública tem o poder-dever de fiscalizar a atuação do particular contratado e tomar providências necessárias para garantir e resguardar o interesse público.

O rol de motivos que podem desencadear uma rescisão unilateral de contrato administrativo estão presentes na Lei nº 8.666/93, porém não se trata de rol taxativo. Conforme o artigo 79 da Lei nº 8.666/1.993 a rescisão do contrato poderá ser determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII do artigo 78.

Das possibilidades de rescisão elencadas nos incisos I ao XI, podemos verificar que estão relacionadas com faltas cometidas pelo fornecedor e/ou prestador do serviço, quer seja pelo não cumprimento de cláusulas contratuais envolvendo descumprimento de prazos, paralisação de obras, subcontratação não autorizadas, falência e etc. Por outro lado, o inciso XII trás a possibilidade de rescisão unilateral de contrato administrativo com o instituto do interesse público.

Vejamos a Lei nº 8.666/1.993:

“Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato:

XII – razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato (BRASIL, 1993)”.

Não obstante a comprovação dos motivos de interesse público, alta relevância e amplo conhecimento para justificar a rescisão unilateral, a motivação e expedição do ato de rescisão são de competência exclusiva da maior autoridade administrativa a que está subordinada o contratante. Neste ato a administração publica materialização do princípio da supremacia e indisponibilidade do interesse público frente ao interesse particular.

2. Da necessidade de motivação e abertura de processo administrativo.

 A possibilidade de rescisão de contrato administrativo com base no interesse público está disciplinada no artigo 78, inciso XII da Lei nº 8666/1993. Esta forma de rescisão pauta-se, no poder discricionário de que dispõe a administração pública em poder atuar com base em critérios de oportunidade e conveniência. Segundo Volnei Ivo Carlin (2007, p. 161).

Volnei Ivo Carlin afirma ainda:

“Essas cláusulas podem conter as mais diversas prerrogativas, no interesse do serviço público, como o poder de desapropriar, que normalmente não se encontra no Direito Privado. Elas permitem alterar e rescindir unilateralmente o contrato (vínculo) nos limites exigidos pelo interesse público (CARLIM, 2007, p. 542)”.

Como afirma Alexandrino:

 “Os atos administrativos discricionários são aqueles que administração pode praticar com certa liberdade de escolha nos termos e limites da lei, quanto a seu conteúdo, seu modo de realização, sua oportunidade e sua conveniência administrativas (ALEXANDRINO; PAULO, 2013, p. 446)”. 

Para Diógenes Gasparini (2009, p. 97) “Ha conveniência sempre que o ato interessa ou satisfaz ao interesse público. Ha oportunidade quando o ato é praticado no momento adequado à satisfação do interesse público.”

Por outro lado, a tomada de decisão em se levar adiante a rescisão unilateral de um contrato administrativo, deve estar embasada e fundamentada em motivos de real interesse público. Ao contrário disso, o administrador público estará sujeito a incorrer em ilegalidade e responder pelos prejuízos suportados pelo fornecedor e/ou prestador de serviços que teve o contrato rescindido e ainda os prejuízos causados para administração pública.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013), embora o administrador público disponha de maior liberdade para tomada de decisões, elas necessariamente devem estar balizadas entre os limites traçados por Lei. Sem esta observação, o administrador público estará tomando uma decisão arbitrária e contrária ao interesse público.

 A rescisão unilateral de contrato administrativo baseada no interesse público necessariamente deve passar por uma análise, na qual se avalie o custo benefício da decisão. Nesta análise, é indispensável considerar, não só a viabilidade e os benefícios que poderiam trazer para a dministração e a população atendida, mas principalmente considerar os desgastes e potenciais prejuízos que podem surgir. Não há que confundir a vontade pessoal do administrador com o interesse público.

Conforme preconiza Marçal Justen Filho (2011, p. 39) o interesse público não se enleia com o interesse do agente público, tendo em vista que o interesse privado e particular do agente público não é interesse público.

 3. Do contraditório e ampla defesa.

A doutrina, bem como a jurisprudência tem firmado o entendimento de que antes de decidir acerca da rescisão unilateral de contrato administrativo, é imprescindível a abertura de um processo administrativo, no qual o contratado tenha a oportunidade de se manifestar sobre o caso, sendo lhe garantido a ampla defesa e o contraditório. Conforme disciplina a Lei nº 8666/1993 (BRASIL, 1993) no art. 78, parágrafo único, “Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.” A não observação do contraditório e ampla defesa, contraria o artigo 5º, inciso LV da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988). Tanto é verdade, que os tribunais têm confirmado a nulidade dos atos de rescisão unilateral de contrato administrativo em que o contratado demonstre o cerceamento de sua defesa no âmbito administrativo. Como consequência disso, em muitos casos a administração pública tem sido condenada em perdas e danos a favor do contratado. Vejamos recente decisão do Superior Tribunal de Justiça:

“[…] 1. Acórdão recorrido fundado em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, exsurgindo daí o dever de indenizar em razão da rescisão unilateral do contrato. 2. Impossibilidade de averiguar se tais princípios foram ou não observados pela Administração, por depender do reexame do contexto fático-probatório dos autos. Súmula 7/STJ. 3. A jurisprudência desta Corte é pacífica quanto ao dever de indenização pelos prejuízos causados na hipótese de rescisão unilateral de contrato administrativo, aí compreendidos os danos emergentes e os lucros cessantes, quando a parte contratada não dá causa ao distrato. 4. Alegado descumprimento do contrato por parte da empresa contratada afastado pela Corte Estadual a partir do exame de matéria eminentemente fática. 5. Recurso especial não conhecido ( STJ – RECURSO ESPECIAL REsp 928400 SE 2007/0039996-5. 2013)”.

Por outro lado, às rescisões unilaterais de contratos administrativos, em que administração pública submeteu abertura regular de processo administrativo, garantindo ao contratado o exercício do direito do contraditório e ampla defesa, têm sido confirmado pelos tribunais a manutenção da rescisão unilateral. Vejamos:

“[…]1. A legislação fixa a possibilidade de que o contrato administrativo seja rescindido unilateralmente pela conveniência da administração (art. 78 , caput, da Lei n. 8666 /93); no entanto, a prerrogativa deve observar estritamente as hipóteses previstas no art. 78 , da Lei de Licitações e Contratos. 2. Na hipótese de rescisão por interesse público (art. 78 , XII , da Lei n. 8666 /93), deve haver oportunidade de manifestação ao contratado, motivação e caracterização do interesse público, bem como a apuração de perdas e danos – se for do interesse do contratado. 3. No caso concreto, o contratado foi chamado a manifestar-se sobre o valor da contrapartida, bem como houve estudo de alternativas mais rentáveis à administração; logo, foi regular e amparada legalmente a rescisão; o respeito ao contrato – sob o pleito de pacta sunt servanda – não pode se dar contra o interesse público. 4. Não existe direito líquido e certo contra a realização de licitação regular para a escolha de contratado, com base no pretenso direito de manutenção de contrato mais oneroso, ou menos favorável à administração; inteligência do art. 78 , XII , da Lei n. 8.666 /93. 5. O único direito que assistiria ao contratado seria pugnar pelo ressarcimento de eventuais perdas e danos advindos da rescisão unilateral que, todavia, não foi objeto de pedido. Recurso ordinário improvido.( TJ – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA RMS 27759 SP 2008/0202857-2010)”.

Verifica-se, contudo, que é legitimo a rescisão unilateral de contrato administrativo, todavia, esta decisão prescinde de motivação, a qual deixe claro os motivos e fundamentos de interesse público que se pretende proteger. Para validade e manutenção da rescisão unilateral, indispensável é a abertura de processo administrativo com garantia do contraditório e ampla defesa, conforme preceitua a Constituição Federal brasileira. No mesmo sentido escreve Matheus Prates de Oliveira (2016) e ainda, José Antonio Ferreira Filho (2000). Sem essa observação estaremos diante de uma real e iminente possibilidade de nulidade do ato que ensejou a rescisão.

4. Da rescisão unilateral de contrato administrativo baseada em motivação controversa.

Um dos grandes problemas que se verifica na administração pública brasileira, diz respeito à forma como muitos administradores públicos se valem da administração, que a priori deveria ter como finalidade principal o interesse público, para finalidades pessoais, em flagrante conflito com os princípios constitucionais e princípios da administração pública. Cabe aqui um paralelo para uma breve explicação acerca da diferença entre motivo e motivação. Muita confusão se faz com os institutos motivo e motivação. Em síntese, motivos seriam os acontecimentos fáticos e jurídicos que encorajam a decisão. Enquanto que a motivação é a exposição fundamentada dos motivos. Não há dúvidas de que a necessidade de motivação dos atos administrativos está presente no ordenamento jurídico brasileiro.

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Disciplina a Lei nº 9784, de 29 de Janeiro de 1999:

“ Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (BRASIL, 1999)”.

No mesmo sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro escreve:

“Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado (DI PETRO, 2008, p. 200)”.

Embora fique evidente a necessidade de motivação para concretização dos atos administrativos, incluindo neste bojo, atos de rescisão unilateral de contrato administrativo, nem sempre a motivação se alinha aos resultados esperados com a rescisão.

Conforme amplamente conhecido, sabemos que os pequenos municípios brasileiros, historicamente apresentam disputa pelo poder. Para tanto, grupos partidários rivais se enfrentam e até mesmo se digladiam para chegar ao poder municipal. Quando um novo grupo político assume a administração, significa dizer que tudo “deverá” ser mudado, não se admitindo nem mesmo uma mera lembrança da administração anterior, quando se trata de opositores. É o que Rui Barbosa denominou politicalha, o que não se confunde com política.

O brilhante doutrinador escreveu:

 "Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente. A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis. A politicalha é a indústria de o explorar a benefício de interesses pessoais”.

Os administradores se subterfujam das mais variadas formas de maquiar interesses públicos em interesses partidários e/ou pessoais, e, em certa medida até se utilizam argumentos “legais”, como por exemplo, a justificativa de se buscar economicidade, eficiência etc.

Sabemos que a administração pública, em especial, na esfera municipal dos pequenos municípios, para atender as necessidades da administração e atender as demandas de politicagem, ou politicalha, como dizia Rui Barbosa, a administração licita e contrata bens e serviços. Desta forma, são pactuados os contratos para fornecimento de materiais de educação, medicamentos, locação de veículos, locação de imóveis e outras infinidades de objetos.

Em geral, é comum à existência de contratos para oferta de bens e serviços com vigência dilatada para além do exercício vigente, inclusive no o último ano de governo. Para Lucas Rocha Furtado, a dilatação de contratos administrativos em se tratando de execução de serviços continuados não é ilegal, desde que haja previsão orçamentária. Neste mesmo sentido disciplina o artigo 57º da Lei nº 8666/1993.

No entanto, confrontam-se neste momento dois interesses distintos que não se alinham com o interesse público. O primeiro consiste, em a administração que está deixando o governo, dilatar a vigência dos contratos na tentativa de prolongar os interesses de fornecedores e prestadores de serviços “parceiros”. O segundo consiste em a administração que acaba de assumir o governo rescindir unilateralmente como forma de interromper os interesses de quem estava anteriormente no governo. Não devia ser assim, mas nas duas situações o interesse pessoal sobrepõe os interesses públicos.

5. Conclusão.

Quando da tomada de decisão acerca de se levar adiante a rescisão unilateral de contrato administrativo, a administração pública deveria realizar um planejamento, no qual se levaria em conta a viabilidade da decisão. Neste planejamento é imprescindível análise dos potenciais problemas que pode ser desencadeado com, levando se em conta o real interesse público, em detrimento de interesses pessoais.

Como já explicitado em capítulo anterior, os processos de licitação demandam tempo para elaboração e concretização, e, principalmente demanda altos custos, seja com servidores para realização do certame, busca de orçamentos, diligências, publicação, e ainda outras ações diversas. Desta forma, entre a rescisão de um contrato vigente até a homologação de uma licitação e assinatura de outro contrato para o mesmo objeto, quem termina por “pagar o preço” é a população, pois esta fica desassistida.

Materializa-se uma flagrante contradição do que se entende por eficiência e economicidade, princípios estes que somados a outros são basilares na administração pública.  Resultado prático é falta de medicamentos, atraso na merenda escolar, falta de materiais escolares, elevação dos custos com a maquina pública, ações judiciais e outras infinidades de problemas que se desencadeiam.

Outro problema que se verifica, é que, na maioria dos casos, os atos de rescisão unilateral de contratos administrativos, por parte da administração pública, ocorrem sem a abertura do processo administrativo, ou quando abertos, a parte contratada tem o contraditório e ampla defesa cerceada, desatendendo o que preceitua a Constituição Federal.

A não observação do instituto do processo administrativo com garantia de contraditório e amplo defesa impulsiona o lesado a buscar seus direitos junto ao Poder Judiciário. Disciplina a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Em geral, nestes casos, a administração tem sido condenada a ressarcir o contratado em perdas e danos.

 

Referências
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Informações Sobre os Autores

Adilson Alves de Araújo

Acadêmico do curso de Direito nas Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE

Carlos Eduardo Prates Fonseca

Mestre em saúde pública e professor orientador do centro de pesquisa das Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE


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