Resumo: Trata o presente artigo de uma pesquisa voltada para a área da responsabilidade civil, focada no instituto do dano moral. Pretende-se fazer uma abordagem histórica, conceitual e de aplicabilidade ao caso concreto do tema em tela. Para tanto, há de se explanar os posicionamentos dos estudiosos deste instituto interligando fontes doutrinárias, jurisprudenciais e legais na tentativa de se alcançar o entendimento total do tema ora pesquisado. Assim, procurar-se-á, numa linguagem clara e dialética, esmiuçar os conceitos, classificações e aplicações deste assunto amplamente discutido no universo jurídico hodierno.[1]
Palavras-Chave: Responsabilidade Civil. Indenização. Danos Morais. Direito Civil. Direito Constitucional.
Abstract: This article comes from a survey focused on the area of civil liability, the institute focused on moral damages. In order to make a historical, conceptual, and applicability to the case of the subject in the screen approach. For this, one has to explain the positions of the scholars of this institute linking doctrinal, jurisprudential and legal sources in an attempt to achieve total understanding of the topic researched now. Thus, efforts will be made, in clear language and dialectic, scrutinize the concepts, classifications and applications of this subject widely discussed in today's legal world.
Keywords: Liability. Indemnification. Moral Damages. Civil Law. Constitutional Law.
Sumário: Notas Introdutórias. 1. Síntese Histórica. 1.1. Babilônia. 1.2. Roma. 1.3. Evolução do ordenamento brasileiro. 2. Responsabilidade Civil. 3. Conceituação de Dano. 4. Constitucionalização do Dano Moral. 5. Caracterização do Dano Moral. 6. Reparação do Dano Moral. 7. Considerações Finais. 8. Referências Bibliográficas.
Notas Introdutórias
Hodiernamente, observa-se que a visão social acerca de todo e qualquer dano causado a outrem está intimamente ligada ao ideal de reparabilidade, que nada mais é do que garantir-se o equilíbrio social tão almejado desde os primórdios da sociedade. Isto porque, a ofensa não reparada causa um descontentamento social, que varia niveladamente de acordo com o grau e potencial ofensor. Assim, trata-se claramente de um anseio social que visa à reparação dos danos causados injustamente a outrem.
“Os princípios da responsabilidade civil buscam restaurar um equilíbrio patrimonial e moral violado. Um prejuízo ou dano não reparado é um fator de inquietude social. Os ordenamentos contemporâneos buscam alargar cada vez mais o dever de indenizar, alcançando novos horizontes, a fim de que cada vez menos restem danos irressarcidos”. (VENOSA, 2010b, p. 1-2)
Percebe-se que houve, com o evoluir do direito positivo brasileiro, um acentuado aumento nas demandas que visam buscar a reparação de danos consequentes de atos ilícitos. Já não se admite mais na sociedade moderna a impunidade do agente do ofensor, seja a natureza do dano causado material ou moral. Há, portanto, uma forte expectativa do ressarcimento pelos danos sofridos que advém da indenização paga à vítima.
“A tendência, hoje facilmente verificável, de não se deixar irressarcida a vítima de atos ilícitos sobrecarrega os nossos pretórios de ações de indenização das mais variadas espécies”. (GONÇALVES, 2012, p. 1)
Ante a necessidade clara e evidente de se positivar um instituto que coordenasse as questões concernentes aos atos ilícitos de que decorrem danos a outrem, surge o instituto da responsabilidade civil que pertence ao campo dos direitos obrigacionais e que pretende garantir a reparabilidade tão almejada pelo seio social.
“O instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal consequência da prática de um ato ilícito é obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos.” (GONÇALVES, 2012, p. 2)
Uma das fontes obrigacionais é senão o ato ilícito, que gera entre as partes ofensor e ofendido um vínculo obrigacional que confere ao segundo o direito de exigir do primeiro o adimplemento da prestação cujo qual se obrigou no momento da prática do ilícito. Assim, o vínculo jurídico criado entre as partes do fato confere à vítima direito de exigir o cumprimento da prestação por parte do agente.
No entendimento de GONÇALVES (2012, p. 4), as obrigações que se originam dos atos ilícitos são aquelas que se constituem por conta de uma ação ou omissão culposa ou dolosa do agente ofensor, que consiste em ato ilegal e que resulta um dano à parte ofendida. Portanto, surge neste diapasão a obrigação de reparar os danos causados e de prestar uma indenização à vítima.
Todo aquele que pratica um ato ou incorre numa omissão das quais resulte dano, deverá suportar as consequências do seu procedimento, seja ele culposo ou doloso. “Em princípio, toda a atividade que acarreta prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar.” (VENOSA, 2010b, p. 1).
O dano passou a ser considerado não mais tão somente como dano à esfera patrimonial, mas também o dano moral em si, sendo garantido por intermédio de leis do ordenamento jurídico. “O dano, ou prejuízo, que acarreta a responsabilidade, não é apenas o material. O direito não deve deixar sem proteção as vítimas de ofensas morais.” (GONÇALVES, 2012, p. 4).
As pretensões sociais foram alcançadas, e o dano moral definitivamente positivado e pacificado entre doutrinadores e órgãos jurisdicionais. Desta feita, o avançar social conferiu ao ordenamento jurídico brasileiro atual a garantia da reparabilidade do dano ainda que exclusivamente moral, já que assim assegura o atual texto constitucional e o código civil.
“Vê-se, portanto, que foi acrescentada a possibilidade de indenização pelo dano exclusivamente moral, como fora apontado pela Constituição de 1988, algo de há muito reclamado pela sociedade e pela doutrina e sistematicamente repelido até então pelos tribunais”. (VENOSA, 2010b, p. 3)
Por fim, percebe-se que numa visão ampla e geral o ordenamento jurídico brasileiro se adaptou às pretensões sociais ao incluir entre seus ditames a tutela indenizatória para as vítimas de danos morais, de maneira a assentar definitivamente esse direito com base no anseio social e a grande repercussão do tema. Na atualidade vê-se que a indenização por dano moral é cada vez mais comum e buscada pelos legítimos possuidores desse direito, e é nesse âmbito o da indenização por danos morais que se buscará esclarecer os conceitos e posicionamentos pertinentes.
Síntese Histórica
O instituto da responsabilidade civil embasa-se nos dizeres de uma teoria clássica, sendo que a mesma parte de três pressupostos básicos que são: o dano, a culpa do autor do dano e a relação de causalidade entre o fato culposo e o mesmo dano, conforme nos aponta GONÇALVES (2012, p. 4), desconsiderando-se os casos exceptos de responsabilidade objetiva, onde não se necessita do fator culpa. Entretanto, tal concepção é atual, visto que nos primórdios da sociedade não se considerava o fator culpa, pelo fato de que não havia leis, nem a figura do Estado para organização do meio social.
As sociedades antigas possuíam outras formas de repressão aos danos causados, fundamentando-se inicialmente na vingança privada. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves: “O dano provocava a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras nem limitações. Não imperava ainda o direito. Dominava, então, a vingança privada (…)” (2012, p. 4).
Neste período inexistia a figura estatal para compor e solucionar os conflitos, que eram superados pelas próprias partes, via autotutela, isto é, a autodefesa de seus interesses. Assim, ficava a critério individual da parte a forma de resolver a contenda, e, no impulso egocêntrico de defender seus próprios interesses, utilizava-se da força bruta para tanto. Nesse sentido Cintra, Grinover e Dinamarco,
“Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares: por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis. Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada (…). A esse regime chama-se autotutela.” (2011, p. 27)
Durante longa data o regime da autotutela fora utilizado pelas sociedades primitivas, tais quais os babilônicos e, posteriormente, os romanos. Como dito, não imperava ainda o direito, inexistia figura estatal e as leis existentes elencavam dizeres acerca da vingança privada. E é nesse contexto que surge as primeiras nuances, ainda que prematuras, da reparação por danos morais.
Babilônia
Uma das civilizações na qual imperava o regime de autotutela era o Império Babilônico, que é um dos antecedentes históricos mais marcantes do instituto da responsabilidade civil e consequentemente do dano moral, através do Código de Hamurabi. O pensamento que se tinha nesta época em relação ao dano não era exatamente de caráter humanitário, mas alicerçado principalmente no sentimento de vingança que é inato ao ser humano, seguindo, dessa forma, de acordo com os princípios da Lei de Talião de se pagar dor com dor.
“A primeira noção de que se tem conhecimento na história da civilização acerca do dano e sua reparação, através de um sistema codificado de leis, surgiu no Império Babilônico, na Mesopotâmia, através de Hamurabi, rei da Babilônia (2067 – 2025 a.C.)”. (REIS, 2010, p. 22)
O ideal da vingança privada reinava absoluto, de forma livre e sem proibições, até porque não existiam leis que assim o fizesse, já que a legislação de época era precária e preconizava e defendia o instituto da autotutela. Os cidadãos agiam conforme seus impulsos naturais e primitivos, a fim de defender interesses próprios, de seus familiares ou ainda da comunidade, utilizando-se da violência para tanto. Sílvio de Salvo Venosa nos traz:
“Na verdade, o princípio é de natureza humana, qual seja reagir a qualquer mal injusto perpetrado contra a pessoa, a família ou o grupo social. A sociedade primitiva reagia com a violência. O homem de todas as épocas também o faria, não fosse reprimido pelo ordenamento jurídico”. (2010b, p. 18)
A máxima “olho por olho, dente por dente” contida na Lei de Talião que ordenava o Império Babilônico constituía a norma base para a reparação de dano, e tinha-se também um ideal de compensação de ordem econômica incluso nesse mesmo sistema, que consistia numa penalidade para coibir os abusos e como forma de reprimir o sentimento de vingança presente nas pessoas.
“A noção da reparação do dano encontra-se claramente definida no Código de Hamurabi. As ofensas pessoais eram reparadas na mesma classe social, à custa de ofensas idênticas. Todavia, o Código incluía, também, a reparação do dano à custa de pagamento de um valor pecuniário. O que predomina nesse momento histórico é o sentido de equivalência entre a indenização e o dano, que fora repassado às gerações vindouras”. (REIS, 2010, p. 23)
Observa-se então que nesta sociedade não se admitia que a vítima ficasse desamparada sem poder dar a resposta proporcional à agressão sofrida, sendo inerente aos cidadãos a ideia de vingança ou mesmo reparação. Já se observava a reparação de ordem econômica, que imperava sozinha ou conjuntamente com a vingança privada. Humberto Theodoro Junior afirma:
“Assim, tinha nas sociedades antigas uma ideia prematura e inaugural de reparação por intermédio de compensação econômica, onde ao lado da vingança (‘olho por olho, dente por dente’), se admitia, também, a reparação da ofensa mediante pagamento de certo valor em dinheiro”. (2010, p. 4)
Existia uma grande preocupação da legislação da época em conferir ao ofendido o direito à reparação pela ofensa, e essa preocupação é clara nos dizeres do Código de Hamurabi, que procurava defender esses interesses. Clayton Reis assim observa:
“O texto do Código demonstra uma preocupação de Hamurabi em conferir ao lesado uma reparação equivalente. Essa noção pecuniária de reparação de dano possibilitava aos seus súditos valer-se das normas ditadas pelo seu Código”. (2010, p. 23)
Considerando-se a primitividade da sociedade babilônica em relação ao direito, já que tal sociedade sempre é lembrada como primícia de muitos institutos jurídicos atuais, há de se considerar que o ideal de reparação por eles preconizado era de tamanha evolução, uma vez que se adapta ao pensamento da época.
“Esta ideia de reparação é a concepção que melhor se amolda ao pensamento da época e representa uma forma de aplacar o inato sentimento de vingança presente no ser humano”. (REIS, 2010, p. 24)
Assim, vê-se que o instituto da responsabilidade civil está, desde os primórdios da sociedade, vinculado ao direito, ainda que de forma primitiva e inaugural, podendo-se, portanto, considerar a sociedade babilônica como uma das bases para esse instituto te grade notoriedade no âmbito jurídico atual.
Roma
A civilização romana forrava-se também nos mesmos princípios de reparação de dano que os babilônicos, principalmente quanto à reparação pecuniária, e evoluiu cronologicamente principalmente da Lei das XII Tábuas até a Lei Aquília. Clayton Reis assim esclarece: “Os romanos possuíam exata noção de reparação pecuniária do dano, (…). Desse modo, todo ato considerado lesivo ao patrimônio ou à honra de alguém implicava consequente reparação.” (2010, p. 28).
Igualmente aos babilônicos, os romanos possuíam uma legislação a cerca do tema que, como anteriormente dito, iniciou-se com a Lei das XII Tábuas (452 a.C.), sendo que esta lei disciplinava muitos institutos importantes para a época, limitando os cidadãos em suas liberdades primitivas. Nesse sentido Luiz Régis Prado,
“O primeiro código romano escrito foi a Lei das XII Tábuas (séc. V a.C.) (…). Com ela inicia-se o período de vivência legislativa, com a consequente limitação da vingança privada, pelo talião e pela composição”. (2010, p. 78)
A Lei das XII Tábuas descrevia os atos ilícitos e a consequente reparação dos mesmos, inclusive a injúria e a difamação tendo caráter de reparação penal e civil, como se observa na máxima: “iniuriae alii calamo aces XXV” [2] (REIS, 2010, p. 31).
Com o advento da Lei Aquília (286 a.C.) houve um maior enfoque a questão do dano moral e a sua reparabilidade, trazendo principalmente neste caso a indenização de cunho patrimonial.
“A partir da Lei Aquília (286 a.C.) e principalmente com a legislação de Justiniano, houve uma ampliação no campo da reparabilidade do dano moral. (…) O Direito Romano previa numerosas hipóteses em que dispensava proteção a interesses não patrimoniais por meio de reparação pecuniária.” (THEODORO JUNIOR, 2010, p. 4)
Assim, observa-se que além de reafirmar o instituto da responsabilidade civil, a civilização romana abordou uma das espécies do dano, o dano moral, consolidando o mesmo na área da reparabilidade, focando principalmente na reparação pecuniária como solução para a ofensa.
“Portanto, podemos concluir que o fundamento da legislação na antiga Roma assentava-se na reparação do dano através de pena pecuniária. Todavia, como se denota (…) os romanos já aceitavam, ainda que primariamente, a reparação do dano moral. (…) De onde se conclui que o dano moral fora realmente consagrado pela legislação romana, facultando-se ao cidadão o direito de ser indenizado por ocasião da violação da sua dignidade”. (REIS, 2010, p. 32)
De acordo com a linha doutrinária de Reis (2010), vê-se que os romanos tinham uma notável compreensão acerca da reparação pecuniária do dano, muito embora não tivessem desenvolvido grandemente um sistema de responsabilidade civil. Pode-se perceber que todo ato considerado lesivo ao patrimônio ou à honra de alguém implicava consequente reparação à ofensa.
“O sistema romano de responsabilidade extrai da interpretação da Lex Aquília o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente”. (VENOSA, 2010b, p. 19)
Desta feita, tem-se que a legislação aquiliana concretiza o instituto do dano moral, conferindo ao mesmo uma autonomia que baseia principalmente no fato de que há a previsão quanto à reparação a dano nesta esfera. “É na Lei Aquília que se esboça, afinal, um princípio geral regulador da reparação do dano.” (GONÇALVES, 2012, p. 5).
Conclui-se, nestes moldes, que era dada grande importância ao âmbito pessoal e moral dos cidadãos, já que os romanos, nas palavras de REIS, “aceitavam, ainda que primariamente, a reparação do dano moral (…)” (2010, p. 32). Assim, há de se notar que a valoração da esfera personalíssima do indivíduo foi de caráter essencial para a ascensão do instituto do dano moral na civilização romana, havendo uma necessidade na obrigatoriedade na reparação dos atos cometidos contra essas esferas, na forma de indenização de cunho pecuniário. Havia o princípio de que in lege Aquilia et levissivima culpa venit [3].
Fazendo-se um apanhado geral da evolução histórica dos institutos da responsabilidade civil e do dano moral, vê-se que inicialmente tinha-se uma reação espontânea e natural contra toda a espécie de mal sofrido, alterando-se esta visão com o avançar da sociedade, que, quando se encontrava já num estágio mais avançado, num período em que já existia uma soberana autoridade – o Estado, passa a ser vedado o “fazer justiça pelas próprias mãos”, pondo fim, portanto, na vingança privada.
“O Estado assumiu assim, ele só, a função de punir. Quando a ação repressiva passou para o Estado, surgiu a ação de indenização. A responsabilidade civil tomou lugar ao lado da responsabilidade penal”. (GONÇALVES, 2012, p. 5)
Nesses moldes, pode-se concluir que no momento em que surgiu a figura do Estado é que se teve uma maior segurança de que as ofensas cometidas em desfavor de outrem seriam devidamente reparadas, pois a instituição estatal trouxe consigo a garantia da imposição de ação própria para assegurar, ainda que de forma primitiva, os direitos dos cidadãos.
O evoluir da sociedade e, consequentemente, do direito trouxe inovações que pouco a pouco foram acrescentando e alterando a ideia inicial que se tinha do instituto da responsabilidade civil. É claro que se trata de um processo vagaroso e consecutivo, que ao correr dos séculos foi ampliando essa visão primeiramente obtida pelos antigos das civilizações babilônica e romana.
O instituto do dano moral, uma vez inserto do campo amplo da responsabilidade civil, foi evoluindo da mesma forma, ao passo que as muitas concepções que surgiram acerca deste tema foram sendo aperfeiçoadas até chegar-se ao conceito atual. THEODORO JUNIOR assim expressa, “A teoria sobre a sanção reparatória do dano moral, conquanto antiga, sofreu muitas contestações e evoluiu lentamente, até chegar aos termos da concepção atual.” (2010, p. 4).
Quando se chegou à conclusão de que o dano provocava a quebra do equilíbrio social, passou-se a considerar não mais tão somente a culpa do indivíduo ofensor, como era feitos nas sociedades antigas, mas também o dano em si próprio e suas consequências, a fim de focar-se nesse conceito para chegar-se ao ideal de reparação.
“A teoria da reparação de danos somente começou a ser perfeitamente compreendida quando os juristas equacionaram que o fundamento da responsabilidade civil situa-se na quebra do equilíbrio patrimonial provocado pelo dano. Nesse sentido, transferiu-se o enfoque da culpa, como fenômeno centralizador da indenização, para a noção de dano”. (VENOSA, 2010b, p. 19)
Evolução do ordenamento brasileiro
Progredindo-se ainda mais na linha de evolução do instituto, percebe-se que o enfoque e a concretização do dano à esfera moral do indivíduo se acentuaram a partir do momento em que passou a se levar em conta os direitos da personalidade. Destarte, ao tutelarem-se os direitos inerentes à pessoa, há de se garantir a reparação das lesões a esses direitos.
“Após a descoberta dos chamados direitos de personalidade, avolumou-se a corrente dos defensores dos direitos essenciais da pessoa humana, em cujo seio assumiu posição de destaque a plena reparabilidade das lesões à pessoa, na esfera patrimonial.” (THEODORO JUNIOR, 2010, p. 5)
No Brasil, o dano moral concretizou-se tão somente após ao enunciar-se o instituto no texto constitucional de 1988, que lançou no rol dos direitos dos cidadãos brasileiros o direito à indenização por dano moral. Ratificou-se ainda na legislação infraconstitucional o mencionado direito através dos dispositivos presentes código civil de 2002. Todavia, anteriormente a essas legislações citadas não era pacífico o entendimento acerca da indenização por dano moral, que causava conflitos e sofria resistência nos tribunais.
“Com a Constituição de 1988 veio, finalmente, o enunciado do princípio geral que pôs fim às vacilações e resistências dos tribunais (art. 5º, V e X). Finalmente, o Código Civil de 2002 adotou expressamente a reparabilidade do dano moral (art. 186 e 927).” (THEODORO JUNIOR, 2010, p. 6)
Desta feita, com o advento da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, pacificou-se e concretizou-se na legislação o direito à indenização por dano moral, que desde os primórdios da sociedade vem sido buscado e finalmente foi alcançado no Estado brasileiro com a evolução legislativa.
“Hoje, então, está solidamente assentada a ampla e unitária teoria da reparação de todo e qualquer dano civil, ocorra ele no plano do patrimônio ou na esfera da personalidade da vítima. Há de indenizar o ofendido todo aquele que cause um mal injusto a outrem, pouco importando a natureza da lesão”. (THEODORO JUNIOR, 2010, p. 6)
Assim como os para babilônicos e os romanos, principalmente esses últimos, a indenização na legislação brasileira tem como objetivo e função a compensação da vítima pela ofensa sofrida, a fim de repor ao objeto lesionado o estado em que se encontrava anteriormente, ainda que no caso de dano moral, esse status não possa ser totalmente devolvido.
“A ideia, hoje, vigente, da reparação do dano por um valor monetário tinha como objetivo repor as coisas lesados ao seu status quo ante ou, ainda, conferir à vitima o direito a uma compensação monetária proporcional em virtude do sofrimento experimentado”. (REIS, 2010, p. 23)
Considerando-se a máxima ubi societas ibi jus et ibi jus ubi societas há de se considerar que o evoluir social reclamou a evolução conjunta dos institutos jurídicos existentes no ordenamento brasileiro, e, dessa forma, perseguiu-se na luta pelo avançar do instituto jurídico do dano moral.
“Nesse diapasão, há uma constante luta pelo aperfeiçoamento dos instrumentos jurídicos de molde a não deixar o Direito alheio à realidade social. As soluções indenizatórias, dentro ou fora do processo judicial, devem ser constantemente renovadas para estarem adequadas às necessidades práticas do homem contemporâneo”. (VENOSA, 2010b, p. 19)
As normas positivas devem caminhar conjuntamente com o evoluir das regras criadas pela sociedade. Se havia na sociedade um clamor pela reparação de lesões à órbita moral dos cidadãos, havia a necessidade de se positivar uma lei para garantir essa necessidade, e essa meta de alcançar-se esse direito adveio com a legislação constitucional e civil mais recente.
Responsabilidade Civil
É importante tecer considerações acerca do instituto da responsabilidade civil, uma vez que o mesmo permite ao lesado a persecução da reparação do dano moral, foco desta pesquisa. A responsabilidade civil advém de um vínculo de natureza obrigacional que se forma em decorrência da prática de um ato ilícito por parte de um agente ofensor que atinge e causa danos a uma vítima. Essa responsabilidade pode resultar de culpa do autor ou não, e essa faculdade gera uma repartição em duas teorias: a da responsabilidade subjetiva e a da objetiva.
“Responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva são duas outras divisões da matéria. Esta última é sempre lastreada na ideia central de culpa (lato sensu). A responsabilidade objetiva resulta tão-só do fato danoso e do nexo causal, formando a teoria do risco. Por essa teoria, surge o dever de indenizar apenas pelo fato de o sujeito exercer um tipo determinado de atividade”. (VENOSA, 2010a, p. 246)
A primeira forma de responsabilidade é a subjetiva, que leva em conta primordialmente a culpa do autor do dano. Classicamente considerava-se que não existindo a culpa, não existiria a responsabilidade de indenizar o dano, uma vez que a culpa tratava-se de um requisito elementar, um pressuposto.
“Em face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade. Esta teoria, também chamada de teoria da culpa, ou subjetiva, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade”. (GONÇALVES, 2012, p. 21)
Para a caracterização deste tipo de responsabilidade, requer-se que o autor tenha agido com dolo ou culpa, isto é, por vontade de lesionar o bem jurídico ou ainda de forma culposa, quando não se tem a vontade de provocar lesão.
“Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dento desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa”. (GONÇALVES, 2012, p. 21)
Já para os casos de responsabilidade objetiva, não se necessita da caracterização de culpa do agente ofensor, mas, apenas, da relação entre o agente, o dano e o nexo de causalidade entre eles. Isto porque, a lei determina que em alguns casos haja reparação sem a necessidade do elemento ‘culpa’.
“A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa”. (GONÇALVES, 2012, p. 21-22)
Assim, o que se percebe é que nos casos de imputação objetiva da responsabilidade, todo o dano pode ser indenizado, desde que haja o dano e o nexo de causalidade, sendo independente de culpa do agente ofensor. O código civil vigente trata da responsabilidade objetiva lato sensu, no parágrafo único de seu artigo 927, que disciplina que quando houver risco na atividade desempenhada pelo autor e essa atividade causar dano, objetivamente há de ser indenizada.
“Nesse aspecto, há importante inovação no Código em vigor, presente no parágrafo único do art. 927. Por esse dispositivo, a responsabilidade objetiva aplica-se, além dos casos descritos em lei, também “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (VENOSA, 2010b, p. 8-9)
Vê-se, portanto, que no ordenamento jurídico brasileiro a imputação da responsabilidade pode ocorrer de duas formas: objetiva e subjetiva – sendo que a primeira desconsidera a culpa do agente ofensor e a segunda tem a culpa como pressuposto para a reparação de caráter indenizatório, abastando-se na explicitação feita.
Conceituação de Dano
A palavra dano deriva expressão latina “damnum” e pode ser considerado como todo “mal ou ofensa que se faz a outrem” ou “ofensa ou diminuição do patrimônio moral ou material de algúem” (GUIMARÃES, 2010, p. 91). Por assim dizer, tem-se que todo e qualquer dano é caracterizado pela deterioração de um bem de outrem, sendo o evento danoso causado por um agente ofensor, que violou o estado em que se encontrava a coisa.
“(…) a concepção normalmente aceita a respeito do dano na teoria da responsabilidade civil envolve uma diminuição do patrimônio de alguém, em decorrência de ato ilícito praticado por outrem.” (REIS, 2010, p. 2)
Assim, para a caracterização de um dano perante o ordenamento jurídico brasileiro há de se ter um ato ilícito violador da norma em vigor, e que causou diminuição do patrimônio de outrem ou ainda lesão à órbita moral. Requer-se, por conseguinte, a lesão a um bem jurídico, nas palavras de Clayton Reis: “o dano que interessa ao direito é aquele decorrente de uma ordem normativa violada, que causou perdas a outrem” (2010, p. 3).
Nesses moldes, vê-se que o dano dentro do campo amplo da responsabilidade civil nada mais é do que toda a lesão que atinge os bens jurídicos de um cidadão tutelado pelo ordenamento, seja esse bem de caráter patrimonial ou não patrimonial, exigindo-se como requisito para a indenizabilidade a ilicitude do dano.
Já o dano moral é “toda ofensa a direito personalíssimo, ou seja, a direitos extrapatrimoniais” (GUIMARÃES, 2010, p. 91). Então, trata-se de um dano que afeta a esfera não patrimonial da vítima, mas tão somente a esfera psíquica e espiritual do mesmo, fazendo-o experimentar involuntariamente uma dor, aflição ou desgosto moral.
“(…) a respeito do dano moral, como sendo aquele que atinge o patrimônio ideal das pessoas, ou seja, capaz de ensejar um sentimento negativo no espírito da vítima, causando-lhe sensações desagradáveis decorrentes das perturbações psíquicas causadas pela agressão”. (REIS, 2010, p. 8)
É certo que o pressuposto básico e elementar para a configuração do dano moral é o abalo à esfera psicológica do indivíduo/vítima, que há de ser alvo de ofensa causada por um agente ofensor, sendo este legítimo para suportar as consequências legais para o ato antijurídico cometido. Preconiza-se, principalmente, com o instituto do dano moral defender o princípio da dignidade da pessoa humana, tema de irradiação presente no texto da Constituição Federal que deve ser objeto de cotejo em todo o ordenamento jurídico e que será tratado adiante.
Constitucionalização do Dano Moral
A Constituição de 1988 veio trazer entre seus dispositivos a garantia expressa de que toda e qualquer ofensa à esfera moral do indivíduo há de ser indenizada a título de danos morais. Isto porque, a Constituição Federal preconizou o total amparo ao seu princípio-base: a dignidade da pessoa humana e, sendo assim, estipulou que todo o ato ofensor à órbita moral de todos os cidadãos em território brasileiro fossem devidamente reparados. Os dizeres constitucionais acerca da dignidade humana constam do artigo 1º da CF/88, no trecho abaixo transcrito:
“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
(..) omissis
III – a dignidade da pessoa humana;”
Assim, ao entabular-se como fundamento da República Federativa do Brasil a proteção à dignidade da pessoa humana, há de se considerar que toda a ofensa causada a mesma deverá sofrer uma sanção do ordenamento jurídico, a fim de repelir-se atos de tal caráter e garantir-se a integral tutela ao bem jurídico assim definido pelos dizeres constitucionais.
“A partir do momento em que a Constituição brasileira de 1988 elegeu como direito fundamental do Estado Democrático a dignidade da pessoa, que representa um acervo de valores ideais que qualificam o ser humano, passou-se a considerar o dano moral como ofensa ao princípio da dignidade da pessoa.” (REIS, 2010, p. 8)
A lei maior tutela ainda primariamente o instituto do dano moral ao passo que em seu artigo 5º o faz expressamente, garantindo inclusive a indenização como forma de sanção para o agente que praticar o evento danoso. Os dispositivos do artigo 5º, incisos V e X expõe claramente a intenção do legislador em atender ao anseio social de se garantir a devida reparação à esfera moral do indivíduo. Veja-se:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…) omissis
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(…) omissis
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
Assim, ao observar-se o regramento constitucional sobre o tema percebe-se que há uma tutela focada especificamente neste instituto e que serviu como base inicial para que houvesse a devida proteção à dignidade humana no ordenamento brasileiro. Foi o ponto crucial para a fixação do tema na legislação brasileira.
“A Constituição Federal prevê o direito de indenização por dano material, moral e à imagem, consagrando, no inciso V, do art. 5º, ao ofendido o total reparabilidade em virtude dos prejuízos sofridos. A norma pretende a reparação da ordem jurídica lesada, seja por meio de ressarcimento econômico, seja por outros meios, por exemplo, o direito de resposta. O art. 5º, V, não permite qualquer dúvida sobre a obrigatoriedade da indenização por dano moral, inclusive a cumulatividade dessa com a indenização por danos materiais.” (MORAES, 2011, p. 54)
Importante lembrar que a conversão do dano moral em dinheiro era tese controvertida nos tribunais, até que a Constituição de 1988 a acolheu, referindo-a expressamente no seu artigo 5º. Todo o entendimento que se tinha antes no que tange ao instituto do dano moral teve que ser revisto, e assim o fez assumir uma conotação de prejuízo coletivo, pois fere preceito constitucional primordial, instituído no seu artigo 1º, que é a dignidade humana.
“Em realidade, a reparação por dano moral obteve seu acolhimento legislativo inicial, em termos gerais, com o advento do atual texto constitucional. Portanto, com o advento da Constituição Federal de 1988 foram afastadas quaisquer discussões acerca da reparação pelo dano moral (…)” (COELHO, 2009, p. 119)
Assim, observa-se que o instituto do dano moral sempre teve base no anseio social, entretanto nem sempre fora garantido pelo ordenamento jurídico brasileiro. A partir do momento em que a Constituição Federal consolidou entre seus dispositivos esse direito de caráter indenizatório, fixou-se o clamor social e pacificou-se de uma vez por todas o entendimento doutrinário e jurisprudencial, para que não houvesse distinção entre os tribunais quanto à possibilidade de se deferir o pleito de tal natureza. Restou ao magistrado tão somente a verificação dos requisitos que configuram o dano e arbitrar o quantum reparatório. Assenta-se, portanto, na Constituição de 1988 a primeira base legal para o instituto em tela.
A legislação infraconstitucional apresenta-se na mesma postura que o texto constitucional quanto ao dano moral, uma vez que a estrutura escalonada e a hierarquia normativa do ordenamento jurídico brasileiro assim determinam. Porquanto, mostra-se a legislação em plena consonância ao manter-se totalmente embasada nos dizeres da lei maior, e nas palavras de COELHO, “(…) a legislação infraconstitucional também prevê a possibilidade de reparação do dano moral.” (2009, p. 120).
Observa-se que as leis civis começaram a disciplinar o instituto do dano moral a partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, nos casos de relações consumeristas, mas principalmente com a vigência do Novel Código Civil, que trouxe de forma inovadora e clara a inserção da espécie entre seus ditames. Em seu artigo 186, que trata dos atos ilícitos, a Lei 10.406/2002 traz:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
De modo inequívoco, está inclusa no rol dos dizeres legais do ordenamento jurídico brasileiro a reparação por danos à esfera moral do indivíduo, a fim de pacificar aquilo que era almejado pela sociedade. No entanto, a reparação embasa-se em critérios que devem ser minuciosamente observados, o que far-se-á a seguir.
Caracterização do Dano Moral
O dano moral nada mais é do que “o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima.” (VENOSA, 2010b, p. 49). Destarte, vê que para sua caracterização e sua consequente reparação há de se considerar critérios e requisitos que compõe os pressupostos básicos para o reconhecimento do instituto e a aplicabilidade da devida indenização.
Vê-se que em conformidade com os dizeres enunciados no artigo 186 do Código Civil deve-se possuir as seguintes características: ação ou omissão dolosa ou culposa do agente, nexo de causalidade e evidentemente o dano. São, portanto, três os requisitos essenciais para a caracterização do dano moral.
A ação ou omissão dolosa ou culposa do agente constitui o que é nomeado de ato ilícito, que é o fato ensejador do evento danoso. “O dever de indenizar vai repousar justamente no exame de transgressão ao dever de conduta que constitui o ato ilícito.” (VENOSA, 2010b, p. 25). Assim, o fato antijurídico é o que dá ensejo ao dano, e que é, portanto, o primeiro elemento a analisar-se.
O primeiro critério trata-se da ação ou omissão dolosa ou culposa, que subdivide-se didaticamente na ação/omissão e na culpa/dolo do agente, conforme nos aponta GONÇALVES (2012, p. 32) . A ação caracteriza-se quando ocorre ato cometido contra outrem lesionando um bem jurídico, e a omissão constitui-se quando por conta de falta de agir ocorre um evento danoso. Já o dolo ocorre quando a ação ou omissão é voluntária, isto é, quando o agente tinha a vontade de violar a ordem jurídica, enquanto que na culpa não há o elemento volitivo, mas tão somente a presença da negligência ou imprudência do ofensor.
“O dolo consiste na vontade de cometer uma violação de direito, e a culpa, na falta de diligência. Dolo, portanto, é a violação deliberada, consciente, intencional, do dever jurídico”. (GONÇALVES, 2012, p. 33)
A relação de causalidade trata-se da relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. Segundo COELHO, “haverá nexo de causalidade quando um fato antijurídico praticado por um terceiro for o deflagrador do dano experimentado pela vítima.” (2009, p. 24).
Ao final, requer-se a existência concreta do dano que deve ser comprovada para exigir-se a reparação do mesmo, a fim de que a vítima experimente o ressarcimento pela dor que injustamente foi obrigada a sofrer. O dano real é “o que está cabalmente comprovado, não restando dúvida acerca de sua existência” (COELHO, 2009, p. 33).
Dessa forma, preenchido os elementos essenciais para a caracterização jurídica do dano, quais sejam a ação/ omissão dolosa ou culposa do agente, o nexo de causalidade e o dano, está-se diante do instituto do dano moral plenamente apto para a obtenção da reparabilidade, que ficará a cargo do órgão jurisdicional competente através de seu representante investido para tanto, que há de se esclarecer em seguida.
Reparação do Dano Moral
Partindo-se do princípio de que toda lesão sempre resulta no dever de reparação do dano, há de se diferenciar o dano material do moral, uma vez que no primeiro há a possibilidade de se reestabelecer o status quo ante, já no segundo torna-se logicamente impossível. Isto porque, os danos materiais são patrimoniais e a indenização poderá atingir o fim de devolver a coisa lesada ao seu estado anterior. No entanto, a indenização pelo dano moral, que é extrapatrimonial, não pode restituir à pessoa o estado em que se encontrava antes da lesão.
“Os danos morais são danos extrapatrimoniais e, a exemplo dos danos patrimoniais, são igualmente suscetíveis de indenização. (…) Nesse sentido, é inequívoco que toda e qualquer lesão aos direitos de outrem sempre resultará no dever de indenizar (…). Por esta razão, todo e qualquer prejuízo injusto há de merecer a necessária indenização, com o propósito de restabelecer o status quo ante ou reconstituir os bens violados que existiam anteriormente ao evento lesivo.” (REIS, 2010, p. 154)
Sendo o dano moral uma espécie de difícil reparação, e tendo como base o fato de que não se pode reestabelecer o status anterior da pessoa, existe um caráter mais amplo para a indenização nestes casos, que engloba o fator satisfatório da vítima com o quantum indenizatório a ser arbitrado pelo magistrado competente, bem como o aspecto punitivo desse arbitramento, visando a não reincidência de tal ato.
“Por conclusão, o sentido que se confere aos danos extrapatrimoniais deve ser revestido de conteúdo satisfativo, ou seja, uma situação em que a vítima possa sentir, em sua intimidade, que sua pretensão indenizatória foi satisfatoriamente tutelada pela ordem jurídica, em decorrência da concessão do valor indenizatório adequado”. (REIS, 2010, p. 164)
O caráter satisfativo da vítima vem a ser o ideal primordial da autoridade competente na valoração da indenização, por conta de que age em substituição imediata à finalidade de se devolver o objeto lesionado ao status quo ante, que neste caso trata-se do âmbito moral do indivíduo. O lesado deve sentir-se devidamente compensado pela dor sofrida, a fim de se garantir a mantença da ordem jurídica e dos ideais sociais de justiça.
“Por conseguinte, resta-nos concluir que a função satisfatória ou compensatória da indenização dos danos morais é marcante nessa modalidade de processo indenizatório. Da mesma forma, será possível concluir que possui igualmente um objetivo capaz de modelar o comportamento do agente lesionador, no sentido de desestimulá-lo à prática de novos atos ofensivos, capazes de colocar em risco a integridade pessoal patrimonial da vítima”. (REIS, 2010, p. 169)
Observa-se que além do caráter satisfatório da vítima, há de se comtemplar ainda o caráter punitivo da indenização, que visa principalmente recompor o ambiente social e discipliná-lo no sentido de não cometer tais atos repreendidos pelo ordenamento jurídico. O agente ofensor deve ser alvo de uma indenização que o desestimule à prática de novas ofensas, e para isso o juiz deve analisar a quantia à título indenizatório que será arbitrada.
Assim sendo, a indenização deve atender a um dúplice caráter, qual seja, a satisfação da vítima como formar de repará-la pela dor sofrida com o evento lesivo, e ainda como uma forma de forçar o ofensor de abster-se de atos de tal espécie. Ao satisfazer ambos fatores, o quantum indenizatório irá atender às expectativas da sociedade como num todo, a fim de coordenar o seio social. Clayton Reis assim o diz: “O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ sob a ótica de atender uma dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não reincida.” (2010, p. 169).
Portanto, a reparação do dano moral deve ser concedida em favor da vítima por expressa determinação legal que assim o prevê para garantir a proteção do patrimônio imaterial, que neste caso é a dignidade moral da pessoa, bem como para atender aos ideais sociais de justiça, e evitar a reincidência do ofensor, efetivando a paz no convívio social e evitando as formas antigas de resolução de problemas, como, por exemplo, a autotutela.
“Há inúmeros argumentos em prol da reparação do dano moral. Os mais relevantes são os seguintes: a) há previsão legal de reparação; b) é preciso proteger o patrimônio imaterial; c) é injusto deixar um dano sem reparação; d) é necessário evitar a prática de condutas anti-sociais; e) a reparação contribui para afastar o uso da autotutela”. (COELHO, 2009, p. 43)
Considerações Finais
Fazendo-se um apanhado geral de toda exposição feita, percebe-se que desde os primórdios da humanidade o instituto do dano moral, ainda que de forma rudimentar, era existente. Inicialmente, com as civilizações babilônica e romana, visava-se obter reparação contra todo e qualquer ato que ferisse a honra e a moral subjetiva da vítima, considerando-se inclusive a reparação de cunho pecuniário.
Vê-se que a forma de obtenção da reparação à ofensa causada variou desde a vingança privada, na qual o ofendido fazia justiça com as próprias mãos via autotutela, até a passagem da jurisdição às mãos do Estado, por intermédio da ação de indenização. Evoluindo na escala histórica da ação indenizatória, vê-se que inicialmente o instituto do dano moral não encontrava resguardo no ordenamento jurídico brasileiro, sendo implantando tão somente com o advento da Constituição Federal de 1988.
Após a promulgação desta carta política, a legislação infraconstitucional alterou-se de forma a estar em consonância com o texto constitucional, e, principalmente o Código Civil de 2002, veio trazer entre seus dispositivos a regulamentação ainda que em lato sensu, acerca do tema. Assim, assentou-se definitivamente entre os operadores do direito órgãos jurisdicionais e doutrinadores o instituto do dano moral, com todos seus conceitos e peculiaridades.
Nesse sentido, explana-se que para a configuração do dano moral no caso concreto, deve-se respeitar o pressupostos básicos que o caracterizam, quais sejam: a ação ou omissão culposa ou dolosa do agente, o nexo de causalidade e o dano. Atendidos esses elementos essenciais resta comprovado a existência do dano no plano real, ou seja, uma passagem do mundo do dever-ser para o mundo do ser.
Considerando-se que a ação/omissão culposa ou dolosa deve ser tida como ato antijurídico, ou seja, contrário à ordem jurídica e que o dano deve ser comprovado como real através do nexo de causalidade que liga o autor do fato e o fato em si, há de se ter todos os requisitos para exigir-se a reparação da ofensa.
O caráter da reparabilidade advém da moral violada, do direito corrompido, que se não ressarcidos na medida que possível causa uma inquietude e desequilíbrio social. Destarte, a reparação deve atender ao anseio social de reparação e possuir o caráter satisfatório e punitivo, medindo-se a extensão do dano e gravidade do mesmo.
Desta feita, a reparação deve ter uma medida que satisfaça a vítima, analisando-se que a mesma sofreu abalo e dor em sua órbita moral e psíquica, de forma a tentar devolver a mesma o estado em que se encontrava anteriormente ao evento danoso, isto é, o status quo ante da vítima, o que torna-se tarefa difícil em se tratando de um dano moral.
A indenização deve atender ainda o caráter punitivo do autor da ofensa, que nada mais é do que uma forma de evitar que o mesmo venha a cometer novamente atos desta espécie, a fim de que a ordem jurídica e o equilíbrio social não venham ser violados de novo. O quantum fixado pelo magistrado competente deve atender, portanto, a esses dois parâmetros de forma a agraciar a vítima com uma indenização pertinente e a punir o ofensor com quantia que valha sua ofensa.
Ressalte-se que com a inclusão do dano moral nos dispositivos constitucionais este ganha um caráter reforçado e de grande repercussão no meio jurídico. Lembre-se ainda que o instituto surgiu no ordenamento brasileiro com o intuito de tutelar um dos bem fundamentais para o Estado: a dignidade da pessoa humana. Nesse termos, todo e qualquer dano à esfera moral do indivíduo caracteriza-se por ferir esse supra princípio que constitui uma base estatal, assentada no artigo 1º da Constituição vigente.
Trata-se, portanto, de um instituto de grande importância jurídica e de grande relevância social, que merece a atenção de todas as classes de operadores do direito, principalmente no que tange a sua aplicação ao caso concreto, a fim de que se alcance a máxima e ampla tutela ao bem jurídico fundamental do Estado brasileiro, e ainda um dos bens mais importantes do ser humano: a dignidade da pessoa humana.
Informações Sobre o Autor
Maressa Duchini Moreira
Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Três Lagoas