Resumo: O estudo aborda a responsabilidade civil do Estado em decorrência de acidente que ocasiona danos ao condutor de veículo, ao colidir frontalmente com outro veículo que vem em sentido contrário, em razão da falta de sinalização adequada na rodovia.
Palavras chave: Responsabilidade civil. Responsabilidade subjetiva. Responsabilidade estatal.
Sumário: 1 Introdução; 2 Competência pela manutenção da rodovia; 3 Nexo de causalidade e responsabilidade subjetiva; 4 Responsabilidade em decorrência da falta de sinalização; 5 Cabimento de danos morais em razão de omissão estatal; 6 Considerações finais. Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Doutrinariamente, muito se tem falado na responsabilidade objetiva do Estado em decorrência de tal previsão no art. 37, § 6º, da Constituição da República.
É possível responsabilizar o Estado por acidente que ocorra em rodovia quando este não agiu e o dano decorreu da atuação de um dos condutores por falta de sinalização na rodovia? E neste caso, cabendo indenização, o Estado responde objetivamente ou poderá ser enquadrado em responsabilidade subjetiva.
O objeto do presente trabalho é a análise da responsabilidade do ente estatal pela manutenção e adequada sinalização das rodovias e a possibilidade de responsabilização mesmo em caso de omissão.
2 COMPETÊNCIA PELA MANUTENÇÃO DA RODOVIA
Questão importante a ser discutida preliminarmente, é a respeito da competência de manutenção da estrada de rodagem. Para isso, é necessário verificar se a estrada é federal, estadual ou municipal e se está a cargo da administração direta, indireta ou de terceiro, mediante concessão para manutenção. Não vamos diferenciar os entes responsáveis, tratando unicamente como ente estatal competente, de modo que se façam as devidas adequações quando for pertinente.
No campo da responsabilidade estatal, o entendimento pode situar-se no campo da responsabilidade objetiva ou da responsabilidade subjetiva pela culpa do serviço, existente quando o ente público, devendo atuar com base em certos critérios, não o faz, ou quando peca por omissão, ou atua de modo deficiente ou insuficiente. O STJ tem se posicionado pela responsabilidade subjetiva do ente estatal em razão da falta do serviço público.
A omissão do ente estatal competente na manutenção de uma rodovia pode caracterizar-se por diversas razões: inexistência de acostamento, excesso de pedriscos soltos sobre a pista de rolagem, falta de sinalização horizontal para demarcação da pista, precária a sinalização vertical de trânsito, precária fiscalização por parte do órgão encarregado, entre outras. Entretanto, nossa abordagem quer se limitar à falta ou inexistência de sinalização.
A omissão é caracterizada pela negligência dos servidores estatais em sua função de zelar pela segurança dos usuários da rodovia. Este entendimento vem ancorado na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, cujo entendimento é de que
“se o Estado não agiu, não pode logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo” (Mello, 2002, p. 855).
No sentido da responsabilidade objetiva do ente estatal, o Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Carlos Roberto Gonçalves assim se manifesta:
“É tranqüila a jurisprudência no sentido de que o DER, como também o DNER e o Dersa, deve arcar com as conseqüências da existência de defeitos, como buracos e depressões nas estradas de rodagem, decorrentes do seu deficiente estado de conservação e da falta de sinalização obrigatória (…) (… RT, 504:79 e 582:117)(grifei).
Tal responsabilidade tem por fundamento a teoria do risco administrativo, acolhida pela nossa Constituição Federal, que sujeita as entidades de direito público aos ônus ínsitos na prestação de serviços, respondendo objetivamente pelos danos causados a terceiros.” (Gonçalves, 2003, p. 847).
O renomado civilista ilustra as afirmações destacadas com os seguintes julgados:
Acidente de trânsito – Responsabilidade civil do Estado – Sinistro ocasionado pela falta de serviço na conservação de estrada – Ausência de prova de culpa do particular, bem como de evento tipificador de força maior – Comprovação de nexo de causalidade entre a lesão e o ato da Administração – Verba devida – Aplicação da teoria do risco administrativo, nos termos do art. 37, § 6º da CF (RT, 777:365).” (Gonçalves, 2003, p. 840).
“Acidente de trânsito – Descontrole de automóvel em virtude da falta de aderência ao solo, por deparar com a presença de substância que se misturou à água da chuva – Constatação de omissão por parte do DER, a quem cabia assegurar a normalidade das condições da pista ou, ao menos, sinalizar o local, para evitar situações de risco – Culpa do serviço demonstrada, a justificar a condenação da autarquia ao ressarcimento dos danos sofridos – Indenizatória procedente (JTACSP, 176:189).” (Gonçalves, 2003, p. 840)(grifei).
Diante dos entendimentos expostos, fica evidente que deve ser responsabilizado quem, embora sem uma participação direta, concorreu para o dano do usuário da via pública. Ficando demonstrado que o dano decorreu da má conservação da pista ou da falta de sinalização em curva perigosa, por exemplo, que levaram à colisão frontal entre dois usuários, é de se evidenciar que o órgão público responsável tem uma parcela de “culpa” em decorrência de omissão ao sinalizar.
Se ao ente público compete zelar pelo bom estado das rodovias e proporcionar satisfatórias condições de segurança aos seus usuários, fica caracterizada sua responsabilidade pelo dano.
Todavia, há que se salientar que tanto o § 6º do art. 37 da Constituição Federal como o art. 43 do CC/2002, estabelecem a responsabilidade objetiva do ente estatal, nos moldes afirmados pelo Desembargador Carlos Roberto Gonçalves, acima citado, estabelecendo:
“Art. 37, § 6º, CF/88 – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Art. 43, CC/2002 – As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 5º, incisos V e X a indenização por dano material ou moral àquele que sofrer o agravo. Também que, da inobservância dos mandamentos legais decorre a responsabilidade daquele que concorreu para o dano, consubstanciada no dever de reparar, notória e imperativa conforme expressa o Código Civil 2002:
“Art. 186. Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.(…)
Art. 927. Aquele que por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (grifei).
Sobre a responsabilidade subjetiva do Estado, o voto do Ministro do STJ Franciulli Netto no Recurso Especial nº 716.250–RS (2005/0004734-7) é esclarecedor:
“Nessas hipóteses, como bem pondera o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, não raro, “necessariamente haverá de ser admitida uma “presunção de culpa”, pena de inoperância desta modalidade de responsabilização, ante a extrema dificuldade (às vezes intransponível) de demonstrar-se que o serviço operou abaixo dos padrões devidos, isto é, com negligência, imperícia ou imprudência, vale dizer, culposamente” (grifei).
Prossegue o renomado autor:
“Em face da presunção de culpa, a vítima do dano fica desobrigada de comprová-la. Tal presunção, entretanto, não elide o caráter subjetivo desta responsabilidade, pois, se o Poder Público demonstrar que se comportou com diligência, perícia e prudência – antítese de culpa -, estará isento da obrigação de indenizar, o que jamais ocorreria se fora objetiva a responsabilidade (op. cit., p. 846).”
A partir da exposição feita é pertinente afirmar que no caso de falta de sinalização, a responsabilidade decorre de omissão na conservação de estrada de rodagem em decorrência da aplicação do art. 37, § 6º da Constituição da República?
Bem, entendemos que é cabível a responsabilidade, embora aparentemente, em decorrência de que houve uma omissão, se caracterizaria, neste caso, como responsabilidade subjetiva do Estado, como já citado acima.
3 NEXO DE CAUSALIDADE E RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
Como é possível comprovar o nexo de causalidade no caso de omissão do Estado? Nos parece que ele está vinculado à competência pela manutenção da rodovia que é do ente estatal.
Sendo assim, o que melhor caracteriza e possibilita o enquadramento da responsabilidade seria a omissão, devendo ser aplicada unicamente a teoria da responsabilidade subjetiva[1].
Quando o ente estatal não cumpre com seu dever jurídico de fazer a manutenção do bem público que vai ser utilizado pelo cidadão, fica caracterizada a omissão, confirmada por diversos problemas na rodovia, como é o caso da inexistência de acostamento, de pedriscos sobre o asfalto, da falta de sinalização horizontal e vertical e precária fiscalização, entre outras situações.
É a negligência na função de zelar pela segurança dos usuários da rodovia. Isso porque o ente competente embora não participando diretamente do acidente, contribui à sua ocorrência em razão do não cumprimento de seus deveres legais: a manutenção da rodovia onde ocorreu o acidente.
Além disso, o ente competente deve verificar que em locais perigosos a sinalização é imprescindível para orientar os usuários, como estabelece o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), já que esta atividade não é prerrogativa do Estado, é dever.
Além disso, o cidadão contribui com recursos financeiros aos cofres públicos, dentre os quais está o IPVA, para que o Estado lhe dê comodidades materiais a serem por ele fruídas. Se o ente estatal competente se omite diante do dever de agir, ocorre um ato ilícito. Esta a razão pela qual a Estado deve ser compelido a indenizar os prejuízos quando ocasionados por omissão daquele. Este o nexo de causalidade: se o dano decorre da omissão estatal e não de imprudência ou imperícia do autor, a responsabilidade é estatal.
4 RESPONSABILIDADE EM DECORRÊNCIA DA FALTA DE SINALIZAÇÃO
O Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503/97, em seus artigos 80 a 90, estabelece que o Estado é responsável pela manutenção e sinalização adequada das rodovias.
O § 1º do art. 80 do CTB – Código de Trânsito Brasileiro estabelece que “a sinalização será colocada em posição e condições que tornem perfeitamente visível e legível durante o dia e a noite, em distância compatível com a segurança do trânsito, conforme normas específicas do CONTRAN” (grifei).
A sinalização vertical ou horizontal de trânsito é imperativo legal. Leciona Arnaldo Rizzardo (2004, p. 260ss) que “a finalidade da sinalização é aumentar a segurança e ajudar a manter o fluxo de tráfego em ordem e fornecer informações aos usuários da via”. Dentre as razões da necessidade de sinalização o autor cita: “regulamentar as obrigações, limitações, proibições ou restrições que exigem o uso da via”, “advertir os condutores sobre os perigos existentes na via, alertando também sobre a proximidade de escolas, passagens de pedestres etc.” e “indicar direções, logradouros, pontos de interesse etc.” (grifei).
Comprovada a inexistência de sinalização, estabelece o § 1º do art. 90 do CTB que “o órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via é responsável pela implantação da sinalização, respondendo pela sua falta, insuficiência ou incorreta colocação” (grifei).
Ora, a omissão do responsável pela implantação da sinalização acarreta sua responsabilidade. Em caso de omissão do ente estatal pela não colocação da sinalização adequada, deve responder pelo dano. “A obrigação recai nos órgãos com circunscrição sobre a via, respondendo pela sua falta, insuficiência ou incorreta colocação” (Rizzardo, 2004, p. 277, grifei), especialmente em decorrência de inobservância ao art. 88 do CTB.
Acrescente-se o entendimento de Marçal Justen Filho (2005, p. 795):
“Se o evento foi propiciado pela atuação defeituosa do serviço público ou dos órgãos estatais, existe responsabilidade civil. Assim, o caso sempre lembrado é o do paciente de trânsito causado por ausência de sinalização apropriada e propícia ou o equívoco técnico da implantação da rodovia, dando oportunidade à ocorrência de acidentes por ter sido mal concebida ou mal executada a obra pública.”
A responsabilidade decorre, segundo o autor, da aplicação da teoria do “dever específico de diligência” ou “dever de diligência especial”, já que “toda a ação ou omissão imputável ao Estado, que configure infração ao dever de diligência no exercício das competências próprias, gerará a responsabilização civil se produzir ou der oportunidade a dano moral ou patrimonial a terceiro.”
5 CABIMENTO DE DANOS MORAIS EM RAZÃO DE OMISSÃO ESTATAL
Alem da recomposição patrimonial do dano, a doutrina tem se posicionado pelo cabimento de danos morais. Leciona Sergio Cavalieri Filho (2004, p. 116) que,
“o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.”
Vale mencionar o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa (2004, p. 41) sobre o dano moral:
“Acrescentemos que o dano psíquico é modalidade inserida na categoria de danos morais, para efeitos de indenização. O dano psicológico pressupõe modificação de personalidade, com sintomas palpáveis, inibições, depressões, bloqueios etc. Evidente que esses danos podem decorrer de conduta praticada por terceiro, por dolo ou culpa. O dano moral, em sentido lato, abrange não somente os danos psicológicos; não se traduz unicamente por uma variação psíquica, mas também pela dor ou padecimento moral, que não aflora perceptivelmente em outro sintoma. A dor moral insere-se no amplo campo da teoria dos valores. Desse modo, dano moral é indenizável, ainda que não resulte em alterações psíquicas. Como enfatizamos, o desconforto anormal decorrente de conduta do ofensor é indenizável.”
A jurisprudência dominante, na mesma direção, tem entendido pelo cabimento dos danos morais. É verdade que nem tudo pode ensejar dano moral, mas o sofrimento de quem sofreu o dano é passível de ensejar esta espécie de dano.
Neste caso, o dano moral tem como fundamento o expressado pelo Des. Orlando Heemann (Rio Grande do Sul, 2005): o caráter reparatório e inibitório-punitivo da medida, a extrema gravidade do acidente sofrido e os momentos de inquietação de quem sofreu o dano. Ainda, que o dano moral, consiste na “lesão a um interesse que visa à satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem)” (Gonçalves, 2003, p. 549).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluído o presente estudo, pode-se afirmar que entendemos ser pacífica a responsabilidade estatal em relação ao dano ocasionado ao usuário da via pública, mesmo que a participação do ente estatal não tenha sido direta. Esta responsabilidade, portanto, desborda da previsão do § 6º do artigo 37, da Constituição da República para ser enquadrada como responsabilidade por omissão, isto é, subjetiva.
Comprovada a omissão do ente competente na manutenção da rodovia é plausível falar em responsabilidade civil, que deverá recompor o dano gerado.
Por outro lado, se cabalmente estabelecida a responsabilização daquele que tenha dado causa ao dano a outrem, mesmo que de forma omissiva, embora não possa haver o enquadramento do Estado na forma prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição, é possível o enquadramento por responsabilidade subjetiva, conforme se pode verificar do entendimento jurisprudencial e doutrinário.
Informações Sobre o Autor
Aldemir Berwig
Doutorando e Mestre em Educação nas Ciências Unijuí; Especialista em Direito Tributário Unisul; Graduado em Direito e Administração Unijuí; Professor do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí.