Resumo: O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90) atuou como um divisor de águas no ordenamento jurídico brasileiro, trazendo inovações principalmente para a teoria clássica dos contratos. Sua principal finalidade é restaurar o equilíbrio entre consumidor e fornecedor. O presente trabalho objetivou analisar a responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor, sua origem, finalidade, elementos, as hipóteses em que incidirá a responsabilidade civil e as regras e exceções de aplicação da responsabilidade dentro dos acidentes de consumo. Verificou-se que os direitos do consumidor surgem como uma forma balancear as relações de consumo, compensando a vulnerabilidade do consumidor em relação ao fornecedor.[1]
Palavras-chave: Direito do consumidor. Responsabilidade Civil. Acidente de Consumo.
Abstract: The Consumer Defense Code innovated the Brazilian legal system especially when it comes to the classic theory of the contracts. Its main goal is to re-establish the balance/poise between consumer and supplier. The following paper aims to analyse the civil responsability in the Consumer Defense Code, its origins, goals, elements, the hypothesis in which the civil responsability applys as well as the rules and exceptions of its application within the consumer incidents. After analysing such aspects of the Consumer Defense Code, it was possible to conclude that it was created as a way to balance the consumer relationship in order to make it up to the vulnerability of the consumer in relation to the supplier.
Keywords: Consumer Defense. Civil Reponsability. Consumer Incident.
Sumário: 1. Introdução. 2. Origem e escopo da Lei n. 8.078/90. 3. Os direitos do consumidor na constituição federal. 4. Elementos da relação de consumo. 4.1. Relação de Consumo. 4.2. Consumidor. 4.3. Fornecedor. 5. Hipóteses de aplicação do CDC. 6. A responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor. 7. Hipóteses de responsabilidade civil no CDC. 8. Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço. 9. Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço. 10. Excludentes da responsabilidade por fato do produto ou serviço. 11. Prescrição e decadência no CDC. 12. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
As mudanças ocorridas na sociedade trazem modificações, também, para o ordenamento jurídico, este tenta se adaptar e se adequar às transformações, de modo a não perder sua eficácia, nem se tornar ultrapassado.
Desde sua criação, o Código de Defesa do Consumidor tem sido um grande colaborador para a atualização hermenêutica do ordenamento jurídico, e uma referência para todas as áreas do Direito.
O presente trabalho tem por finalidade analisar como se dá o instituto da responsabilidade civil nas relações de consumo, quais foram as mudanças trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor – Lei n. 8.078 de 1990 – ao ordenamento jurídico brasileiro e quais são as novas formas de avaliar as relações consumeristas.
Será analisado, ainda, o Direito do Consumidor na Constituição Federal, sua origem, elementos, finalidade, hipóteses em que incidirá a responsabilidade civil e as regras e exceções de aplicação da responsabilidade dentro dos acidentes de consumo.
2 ORIGEM E ESCOPO DA LEI N. 8.078/90
Após a Revolução Francesa surgiu o Código Civil de Napoleão em 1804, este buscou unificar e positivar o direito. Consagrou a idéia de igualdade formal, em que todos deveriam ser tratados da mesma forma, como forma de repudiar os privilégios concedidos à nobreza e ao clero.
Este Código primava pelos princípios da autonomia da vontade, do direito de propriedade e brocardo pacta sunt servada, que pode ser entendido como “os pactos devem ser observados”.
Para os codicistas, o ordenamento era considerado perfeito, e se bastava em si mesmo, não havia lacunas de Direito nem antinomias (dogma da completude) e todas as soluções se encontravam no Código, uma vez que o ordenamento (ou sistema) era considerado fechado e deveria achar soluções e justificativas dentro de si mesmo (autonomia).
A partir de 1880 ocorre o declínio do Código Civil de Napoleão, pois apesar do dogma da completude, com as mudanças ocorridas na sociedade começaram a ocorrer alterações no Código. As transformações ocorridas no século XX, fizeram com que os princípios basilares do Código Civil francês não fossem mais suficientes para reger essa nova sociedade de forma justa, e logo surgiu o princípio da função social do contrato.
Com a Primeira Guerra Mundial houve o advento da Teoria da Imprevisão. Essa teoria aduz que no caso de impossibilidade de prosseguir com o contrato (pacta sunt servanda), por motivos supervenientes e imprevisíveis, sendo necessária a possibilidade de revisão deste contrato (rebus sic standbus) para evitar sua rescisão.
Já a Segunda Guerra Mundial faz com que haja um grande acréscimo de indústrias de produção em massa, idéia anteriormente disseminada pela Revolução Industrial, “assim como a crescente massificação do crédito e da atividade publicitária” [1]. Em 1916, influenciado por todos esses acontecimentos históricos, passa a existir o Código Civil brasileiro.
Surge, contudo, os contratos de adesão em que há uma “despersonalização do contrato” [2]. Contratante e contratados são estranhos entre si, tendo como único elo o contrato por eles estabelecidos.
Logo a idéia da igualdade formal utilizada pelo Código Civil francês foi substituída pela igualdade material, em que os desiguais devem ser tratados na medida de suas desigualdades.
O Estado, que se mostrou interventivo, podendo o juiz no caso das relações de consumo, por exemplo, inverter o ônus da prova em benefício do consumidor, pois embora no direito do consumidor seja aplicada a responsabilidade objetiva é, ainda, imprescindível que se prove o nexo de causalidade.
O Código Civil de 2002, e o Código de Defesa do Consumidor de 1990 trouxeram inovações para a teoria clássica dos contratos. O Código de Defesa do Consumidor contribuiu para essa mudança de visão que havia nos princípios clássicos contratuais e, rompeu com as barreiras construídas pelo Código Civil de 1916, mesmo antes do novo Código Civil.
A finalidade precípua do Código de Defesa do Consumidor é “restabelecer o equilíbrio e a igualdade nas relações de consumo” [3], pois o consumidor é considerado parte vulnerável nessa relação.
Enfim, o fornecedor atualmente fabrica milhões de mercadorias, não tendo como analisá-las individualmente. O interesse da indústria é a produção em larga escala com diminuição dos custos, e, aumento da produção.
O mercado consumidor hoje é globalizado e deve ser observado de forma internacional. As fronteiras geográficas entre países e cidades, com o advento da tecnologia principalmente, têm se tornado cada vez mais tênues.
Na realidade, os direitos do consumidor surgem como uma forma de balancear as relações de consumo, compensando a vulnerabilidade do consumidor em relação ao fornecedor.
3 OS DIREITOS DO CONSUMIDOR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição Federal de 1988 trouxe grandes mudanças para hermenêutica jurídica brasileira, pois a visão do Brasil, a partir desta Constituição, é de um Estado Democrático de Direito voltado à dignidade da pessoa humana.
A interpretação de todo o ordenamento jurídico deve estar em harmonia com a Constituição, sob pena de ser declarado inconstitucional. Inclusive o Código Civil, antes norma base de referência interpretativa, hoje sofre o fenômeno chamado por vários doutrinadores de constitucionalização do direito civil.
“Antes havia a disjunção; hoje, a unidade hermenêutica, tendo a Constituição como ápice conformador da elaboração e aplicação da legislação civil. A mudança de atitude é substancial: deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição, segundo o Código, como ocorria com frequência (e ainda ocorre)” [4].
A Constituição Federal versa sobre o direito do consumido, em seu art. 5°, XXXII, prevê o seguinte “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Também há previsão em seu art. 170, V, aduz que a Ordem Econômica observará os princípios de defesa do consumidor.
No art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias foi estabelecido o prazo de 120 dias, contados da promulgação da Constituição Federal, para que fosse elaborado pelo Congresso Nacional o Código de Defesa do Consumidor.
Apesar de não respeitado o prazo de 120 dias, em 11 de setembro de 1990 entrou em vigor o Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078. Com um papel de suma relevância para todo ordenamento jurídico brasileiro.
“As normas ora instituídas são de ordem pública e interesse social, o que equivale dizer são inderrogáveis por vontade dos interessados em determinada relação de consumo, embora se admita a livre disposição de alguns interesses de caráter patrimonial”[5].
Ou seja, em relação ao direito do consumidor, às partes cabe respeitar as leis impostas pelo Estado, não podendo regular inter partes de maneira diversa ao que está posto pelo Código.
4 ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO
4.1 RELAÇÃO DE CONSUMO
Apesar do conceito de consumidor e fornecedor estarem previsto no CDC, o legislador não definiu o conceito de relação de consumo, “deixando o conceito em aberto justamente para lhe dar a maior amplitude possível” [6].
A relação de consumo deve ser composta por dois sujeitos, o fornecedor (art. 3º do CDC) e o consumidor (art. 2º do CDC). Caso esses sujeitos não estejam presentes não poderá ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor.
4.2 CONSUMIDOR
O conceito de consumidor pode suscitar dúvidas em relação ao significado do termo “destinatário final” utilizado no final do art. 2° do CDC. “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, esse é o conceito de consumidor standard ou strictu sensu.
Existem duas teorias acerca da definição do termo “consumidor”, a teoria maximalista e a teoria finalista. Para a teoria maximalista basta que o produto seja retirado do mercado para que aquele que o adquiriu seja compreendido como consumidor.
Já para a teoria finalista, para ser compreendido como consumidor não basta apenas que aquele sujeito retire um produto do mercado, é preciso, ainda, que ele seja o destinatário final daquele produto. Pode ser entendido como destinatário final aquele que consome, adquire, utiliza, esgota o produto adquirido para seu uso próprio, “e não para desenvolvimento de outra atividade negocial” [7].
A teoria pioneira, sem dúvidas, é a finalista. Contudo, há jurisprudências recentes que consideram a hipossuficiência e vulnerabilidade daquele que adquiriu o produto independente da finalidade que ele dê para este produto[8], mesmo que seja uma finalidade profissional, ele será considerado consumidor.
Ora, de fato não se pode comparar um taxista autônomo que trabalha em veículo próprio, com uma fábrica multinacional de veículos, sendo aquele vulnerável e hipossuficiente em relação a este. Logo, dependerá do caso concreto se será ou não aplicado o Código de Defesa do Consumidor.
Da mesma forma, aquele que vende sua única casa, propriedade de sua família por motivos de mudança, por exemplo, sem intermediação de uma imobiliária não pode se comparar a uma imobiliária multinacional com vários empreendimentos.
O CDC, ainda em seu art. 2°, parágrafo único, equiparou a consumidor[9] a “coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Esse consumidor por equiparação é também chamado pela doutrina de consumidor bystander.
4.3 FORNECEDOR
Alguns elementos da relação de consumo e sua definição podem ser encontrados no próprio CDC. Segundo o art. 3 ° do CDC fornecedor é “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação e distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviço”.
Logo, o fornecedor pode ser o Estado, pois o artigo fala em empresas públicas ou privadas. Devendo ser incluídas as concessionárias de serviços públicos. Os fornecedores podem ser ainda, entes despersonalizados, ou seja, aqueles que “embora não dotados de personalidade jurídica quer no âmbito mercantil, quer no civil, exercem atividades produtivas de bens e serviços” [10].
O conceito de fornecedor trazido pelo CDC já é bastante esmiuçado e auto-explicativo. O fornecedor, contudo, não pode configurar no outro pólo da relação de consumo, uma vez que lhe falta a vulnerabilidade. Logo, se houve uma negociação entre fornecedores, esta será regulada pelo Código Civil.
“Em primeiro lugar, o fato de que bens adquiridos devem ser bens de consumo e não bens de capital. Em segundo lugar, que haja entre fornecedor e consumidor um desequilíbrio que favoreça o primeiro. Em outras palavras, o Código de Defesa do Consumidor não veio para revogar o Código Comercial ou o Código Civil no que diz respeito a relações jurídicas entre parte iguais, do ponto de vista econômico”[11].
Existem três modalidades de fornecedores: os reais, são aqueles que integram o processo de criação, produção e fabricação do produto; os aparentes, são aqueles que “apõe no produto seu nome, sinal, marca”[12] e por fim os presumidos, como o importador, por exemplo, que apesar de o produto ser de outro país, ele responderá por seus defeitos.
5 HIPÓTESES DE APLICAÇÃO DO CDC
O art. 7º do CDC aduz que os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor não excluem outros direitos decorrentes de tratos internacionais ou mesmo da legislação interna, ou daqueles que derivem dos princípios gerais de direito, analogia ou equidade.
Como já foi explanado anteriormente, consumidor é o destinatário final do produto adquirido. Não sendo ele o destinatário final, sendo o produto utilizado para fins comerciais, ou no caso de relações entre fornecedores, a legislação aplicada será a do Código Civil, assim exemplifica Rizatto Nunes:
“Vamos supor que José da Silva adquira um automóvel em uma concessionária. Ele é consumidor e a revendedora é fornecedora. A relação é típica de consumo. Isso trará uma série de direitos a José: a responsabilidade objetiva do fabricante em caso de vício e/ou defeito, declaração de nulidade de cláusulas contratuais abusivas, promessa prévia como integrante do contrato etc. Por outro lado, se José tivesse comprado o veículo de um amigo que queria vender seu automóvel para adquirir um novo, está relação estaria regulada pelo Código Civil, já que seu amigo não é considerado fornecedor”[13].
A Lei n. 8.078/90 será aplicada sempre que houver relação de consumo não importando área de Direito em que ela ocorra, sempre que os elementos da relação de consumo estiverem presentes a legislação correta a ser utilizada é o Código de Defesa do Consumidor.
“O Código do Consumidor – tenho como certo – criou uma sobre-estrutura jurídica multidisciplinar, normas de sobredireito aplicáveis em toda e qualquer área do Direito onde ocorrer relação de consumo. Usando de uma figura, costumo dizer que o Código fez um corte horizontal em toda a extensão da ordem jurídica, levantou seu tampão e espargiu a sua disciplina por todas as áreas do direito”[14].
Para chegar a essa conclusão é de suma importância a delimitação do conceito de consumidor, que pode ser encontrado no art. 2° da Lei n. 8.078/90. Pois não é suficiente que o individuo apenas retire o produto do mercado para ser entendido como consumidor, é preciso, ainda, analisar qual fim ele destinará à mercadoria adquirida.
Ora, se a intenção precípua do Código de Defesa do Consumidor é restabelecer o equilíbrio de uma relação entre desiguais – consumidor e fornecedor – se a relação em questão for entre iguais, não havendo hipossuficiência nem vulnerabilidade, não há o que se falar em aplicação do CDC.
Também não serão regidas pelo CDC as prestações de serviço a título gratuito, ou seja, aquelas atividades onde não há lucro nem vantagem financeira para aquele que a exerce. Uma questão importante é o serviço aparentemente gratuito, neste “o fornecedor obtém algum interesse patrimonial no serviço, ainda que indireto”, nestes casos será aplicado o CDC.
A responsabilidade civil que rege o Código Civil em regra é a responsabilidade subjetiva, e a exceção será a responsabilidade objetiva (exemplos: art. 37, §6º da CF/88 e o art. 927, parágrafo único), exatamente o contrário do que ocorre no Código de Defesa do Consumidor, em que a regra é a responsabilidade objetiva e a exceção será a responsabilidade subjetiva, como nos casos dos profissionais liberais.
O Código Civil será aplicado subsidiariamente no Direito do Consumidor e em caso de conflito prevalecerá o que estiver disposto no Código de Defesa do Consumidor por ser lei especial em relação ao Código Civil[15].
6 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO CIVIL E NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A responsabilidade civil tem como escopo fazer com que indivíduo que foi lesado por um ato danoso volte ao seu status quo ante, assim sendo, surge para aquele que causou o dano a obrigação de indenizar, tornar indene o lesado.
No Código Civil de 2002, o instituto da responsabilidade civil tem grande destaque, seu art. 927 aduz que “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
No referido artigo podemos ver os pressupostos da responsabilidade civil: conduta, ação, omissiva ou comissiva, praticada por um ser humano (e culposa – culpa em lato sensu no caso da responsabilidade subjetiva), nexo de causalidade (a ponte que liga a conduta ao dano) e o dano.
No art. 927, caput é possível identificar a responsabilidade subjetiva, pois expõe sobre o ato ilícito. O ato ilícito está definido pelo próprio Código Civil de 2002, em seu art. 186[16]. Pode ser entendido por ato ilícito a violação de uma norma jurídica, de um “dever jurídico de não lesar” [17].
Ora, a partir do art. 186 pode ser visualizada a culpa, elemento necessário para que se configure a responsabilidade subjetiva. A responsabilidade subjetiva é a regra geral do ordenamento pátrio, enquanto a responsabilidade objetiva é a exceção.
“A conclusão é que foi adotada a responsabilidade objetiva como sistema geral da responsabilidade do CDC. Assim, toda indenização derivada da relação de consumo se sujeito ao regime da responsabilidade objetiva, salvo quando o Código expressamente disponha em contrário”[18].
A responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor é objetiva, ou seja, independe de culpa, “fundada no dever de segurança do fornecedor” [19]. Essa responsabilidade objetiva se funda também na Teoria do Risco.
Para a Teoria do Risco, aquele que aufere lucro da atividade empresarial deve responder pelos ônus causados essa atividade. Segue o brocardo Ubi emolumentum, ibi onus, que significa onde há ganho, há despesa.
Existe ainda a Teoria do Risco Integral, segundo esta teoria o dever de indenizar está presente mesmo nos casos de excludentes da responsabilidade civil. Esta teoria não é utilizada, pois há casos de excludentes da responsabilidade civil no CDC, como os presentes no art. 12, §3° e no art. 14, §3° do CDC.
“Ou seja, admite-se o risco, mas não um risco integral, que justifique a responsabilização mediante a mera relação de causalidade entre o fornecimento, ou a atividade do fornecedor, e o dano havido. Não, assim, uma causalidade pura, senão, antes, uma causalidade que agrega a necessidade de demonstração de um defeito do produto ou serviço. Uma ausência de qualidade, da qualidade devida”[20].
7 HIPÓTESES DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC
A diferença entre a responsabilidade por fato do produto ou do serviço e a responsabilidade por vício do produto ou do serviço é que nesta há um defeito que causa o mau funcionamento do produto ou serviço. Já na responsabilidade por fato do produto ou serviço há um defeito que se exterioriza causando dano ao consumidor que adquiriu a coisa defeituosa.
“A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço decorre da violação de um dever de segurança, ou seja, quando o produto ou o serviço não oferece a segurança que o consumidor deveria esperar. Já a responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço decorre da violação de um dever de adequação, qual seja, o dever dos fornecedores de oferecer produtos ou serviços no mercado de consumo que sirvam aos fins que legitimamente deles se esperam”. [21]
Alguns doutrinadores criticam o termo “responsabilidade pelo fato do produto ou serviço” utilizado pelo Código do Consumidor por ter um “caráter estático, a lembrar da responsabilidade civil pelo fato da coisa presente na doutrina civil” [22] defendendo que o termo mais adequado seria “acidente de consumo”.
8 RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO
Os produtos colocados no mercado devem ser seguros e adequados ao consumo. Caso não sejam, e o defeito nele presente se exteriorize, ocorrerá a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto ou do serviço, ou, como utilizam alguns doutrinadores, um acidente de consumo.
A responsabilidade aplicada no caso do art. 12 do CDC, regula sobre a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, esta será claramente objetiva[23], uma vez que os responsáveis responderão independentemente da existência de culpa. Segundo o art. 12:
“Art. 12 O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”.
Uma exceção à responsabilidade objetiva ocorrerá no caso dos profissionais liberais, em que a responsabilidade se dará mediante a comprovação de culpa, segundo o art. 14 §4º do CDC. A razão dessa exceção se dá, pois “os contratos intuitu personae, assim negociados, em regra são lastreados na confiança que se tem no conhecimento técnico do profissional”[24].
O profissional liberal, também chamado de profissional autônomo, é aquele que presta serviço pessoalmente e não tem subordinação em relação a quem contrata o seu serviço.
Não há discussão se a responsabilidade é contratual ou extracontratual no caso da responsabilidade por fato do produto ou serviço, pois essa terminologia será afastada. O que ocorrerá é uma responsabilidade legal, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço. Em relação à classificação tradicional da responsabilidade contratual e extracontratual, “tem sido constante a obtemperração de que essa divisão se supera no campo consumerista” [25].
Sérgio Cavalieri Filho exemplifica a responsabilidade pelo fato do produto, com um caso verídico, ocorrido no Rio de Janeiro, a ação neste caso foi considerada procedente, “uma senhora adquiriu um copo de geléia de mocotó de uma marca conhecida, abriu-o e, com uma colher, deu de comer a seus dois filhos, crianças de dois e três anos de idade. Horas depois as duas estavam mortas; a perícia constatou que havia raticida na geléia” [26].
Neste caso o produto estava com defeito, caso o defeito fosse descoberto antes da ingestão, ele seria um vício do produto – por ser uma violação do dever de adequação do produto. Porém, como o defeito se tornou externo causando dano à vítima, será acidente de consumo – pois ocorreu uma quebra no dever de segurança. É possível compreender, por este exemplo, como se dá a exteriorização do defeito do produto.
A definição de produto pode ser encontrada no próprio CDC, art. 3º, §1º. Produto é qualquer bem – tudo aquilo suscetível de apreciação econômica – móvel ou imóvel, material ou imaterial.
Em relação aos serviços, a Súmula n. 297 STJ esclareceu sobre as instituições financeiras, entendendo que estas fazem parte da relação de consumo. E no Código há outras previsões, no art. 3º, §2º do CDC, “inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
O defeito, que se exterioriza e causa um dano, pode ser entendido como uma “falta, imperfeição, deformidade” [27]. Enfim, defeito é uma falha no produto oferecido ao fornecedor pelo consumidor, que não pode ser retirada sem que este produto perca sua finalidade. Contudo, sua definição é realizada pelo intérprete por ser um conceito jurídico indeterminado. “O caráter defeituoso do produto ou serviço, portanto, depende de uma valoração, cuja tarefa será do juiz” [28].
Existem três modalidades de defeito: a) o defeito de concepção – em que o defeito ocorre na criação do produto, geralmente é nessa espécie de defeitos que ocorre o recall; b) o defeito de fabricação – ocorrem na produção do bem, é uma “falha instalada no processo produtivo, mecânico ou manual” [29]; c) defeito de informação – pode ocorrer de o produto por não ter informado sua correta utilização ocasionar um acidente de consumo. Como poder ser encontrado no final do art. 12, CDC.
O Código de Defesa do Consumidor traz alguns critérios para que se defina um produto ou serviço defeituoso em seu art. 12, caput e §1º, I a III e no art. 14, §1º, I a III. In verbis:
“Art. 12 O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – sua apresentação; II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi colocado em circulação.
Art. 14 O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido.”
Os danos causados pelo defeito presente no produto podem ser morais ou materiais, estes afetam o patrimônio da vitima e podem ser contabilizados pecuniariamente, enquanto aqueles ferem a vítima na sua subjetividade. Um dos direitos assegurados pelo consumidor é o da “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais”, como expõe o art. 6 º, VI do CDC. Em relação à cumulação do dano material e o moral, essa questão já foi pacificada pela Súmula n. 37 do STJ “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.
A regra é que aquele que alega deve provar suas alegações (art. 333 do CPC). Contudo, no Direito do Consumidor poderá ocorrer a inversão do ônus da prova[30] em favor do consumidor, caso o juiz considerar sua alegação verossímil ou quando for o consumidor hipossuficiente para produzir tal prova.
O fornecedor tem para com o consumidor uma presunção do dever de segurança em relação ao seu produto. No caso supra-citado, aquela mãe que deu a geléia de mocotó aos filhos supunha estar dando um alimento seguro. Esse dever de segurança é guiado pela Teoria da Qualidade e pelo Princípio da Confiança. Ressalta Antônio Herman Benjamin que “O dever de qualidade que a lei faz afeto ao fornecedor. A este se impõe o dever de garantir que o produto ou o serviço estejam em conformidade com o padrão de qualidade que assegure a justa expectativa, a confiança do consumidor” [31].
Destarte, o fornecedor tem o dever de colocar no mercado, à disposição do consumidor, produtos e serviços seguros, sob pena de responder objetivamente pelos danos causados por seus produtos. Existe também o dever de que o fornecedor atenda a expectativa do consumidor em relação à utilização do produto, é o chamado Princípio da Confiança.
“É o princípio da confiança, instituído pelo CDC, para garantir ao consumidor a adequação do produto e do serviço, para evitar riscos e prejuízos oriundos dos produtos e serviços, para assegurar o ressarcimento do consumidor, em caso de insolvência, de abuso, desvio da pessoa jurídica-fornecedora, para regular também alguns aspectos da inexecução contratual do próprio consumidor.”[32]
Logicamente não há nenhum produto completamente seguro, por isso “o direito só atua quando a insegurança ultrapassar o patamar da normalidade e da previsibilidade” [33]. O dever de segurança do fornecedor perdura mesmo depois de adquirido o produto ou serviço, por isso existem os recalls, expressão americana que em português significa “reconvocar”.
No caso dos recalls o produto já foi adquirido pelo consumidor, mas por ser constatado defeito, o fabricante convoca esse consumidor para saná-lo antes que este se exteriorize, causando dano ao consumidor, ou no caso de vício – em que só uma falha no dever de adequação do produto – o recall ocorre apenas para trocar o produto por outro adequado.
Contudo, existem produtos que, por sua natureza, trazem consigo um risco inerente. Um exemplo disso são os medicamentos tarja preta. Nesse caso, cabe ao fornecedor o dever de informar sobre tais riscos ao comercializar esses produtos.
“A regra é que o fornecedor não responde pelos danos decorrentes do risco inerente, por não ser defeituoso um produto ou serviço nessas condições. Transferir as conseqüências dos riscos inerentes para o fornecedor seria um ônus insuportável; acabaria por inviabilizar o próprio fornecimento”[34].
No art. 8° do Código de Defesa do Consumidor podemos constatar os casos de risco inerente, in verbis “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e função”.
A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço será solidária (exceto no caso do art. 13), ou seja, responderão todos aqueles que concorreram para o dano. A responsabilidade solidária não pode ser presumida, deve estar em lei. E esta pode ser compreendida, por exemplo, pelo do art. 7°, parágrafo único do CDC, “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”.
“Ao abrir, no recesso de seu lar, um litro de determinado refrigerante, para servi-los aos seus dois filhinhos, a tampa explodiu, bateu com tal violência em um dos seus olhos que a deixou cega daquela vista. À luz da responsabilidade tradicional, quem seria o causador do dano? A quem aquela senhora poderia responsabilizar? A garrafa que não seria, porque a coisa não responde por coisa alguma. Poderia responsabilizar o vendedor do refrigerante, o supermercado, digamos? (…). Poderia a vítima responsabilizar o fabricante?”[35]
A responsabilidade solidária existe exatamente para salvaguardar o consumidor de não ter a quem imputar o dano sofrido[36]. Dando oportunidade ao consumidor de ingressar na justiça contra qualquer daquelas opções dadas a eles pelo Código de Defesa do Consumidor.
A exceção à responsabilidade solidária está no art. 13 do CDC, neste caso a responsabilidade será subsidiária. Esse artigo aduz que o comerciante é subsidiariamente responsável quando não puderem ser identificados o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador; o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador ou quando o comerciante não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
No primeiro caso, inc. I e II do art. 13, não é razoável que o consumidor, por não saber quem é o fabricante, produtor, construtor ou importador tenha o seu direito tolhido. Logo, poderá ajuizar ação contra o comerciante.
Tendo o comerciante, posteriormente à indenização do réu, o direito de ação regressiva contra aquele que, substancialmente, é responsável pelo dano. Assim como garante o art. 13, parágrafo único do CDC, “Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso”.
Contudo, esse direito não poderá ser exercido no mesmo processo após encerrado o processo principal, o direito de regresso poderá ser reclamado em lide autônoma, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor vedou o instituto processual da denunciação da lide em seu art. 88[37].
A segunda hipótese presente no inc. II, versa sobre a má conservação de produtos perecíveis. Produtos perecíveis são aqueles que podem se deteriorar num curto espaço de tempo. Nesse caso é apropriado que o comerciante seja responsabilizado, uma vez que era sua obrigação conservar os produtos que comercializa adequadamente.
9 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE
As excludentes no caso da responsabilidade por fato do produto ou do serviço podem ser encontradas no art. 12, §3º do CDC. Nos casos de excludentes da responsabilidade, não há a configuração do nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Além das excludentes tradicionais (caso fortuito ou força maior), que também são aplicadas nas relações de consumo, existem outras hipóteses próprias do CDC.
A primeira hipótese é a não colocação do produto no mercado, inc. I do art. 12, §3º. Neste caso não há como ligar a conduta ao dano, uma vez que não haverá conduta se o fornecedor não produziu aquele produto. Logo, não há nexo de causalidade. Contudo, é dever do fornecedor provar que não colocou aquele produto no mercado (inversão do ônus da prova), e até que haja essa prova, presume-se que o fornecedor colocou o produto no mercado.
“Uma questão de relevo, neste ponto, como assinala a doutrina, diz respeito aos acidentes de trânsito ocorridos por ocasião do transporte dos produtos ou matérias primas. Ou ainda em circunstância de oferecimento de produtos ou amostras gratuitas. Em todos estes casos, parece claro que os produtos, ainda que não disponíveis no mercado para a realização necessária de contrato de consumo, de regra já se submetem ao dever de segurança estabelecido pelo CDC”[38].
A segunda hipótese é a de inexistência do defeito, inc. II do art. 12, §3º. Ora, se o defeito não existe, não há porque haver responsabilidade. Novamente não há nexo de causalidade, uma vez que se não há defeito o dano não foi causado pela conduta do fornecedor. De toda forma deve haver a comprovação plena pelo fornecedor de que não havia defeito, caso contrário haverá responsabilidade, ou seja, o ônus da prova será do fornecedor.
A terceira hipótese, encontrada no inc. III do art.12, §3º, é a de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro[39]. Nesse caso também não há o nexo de causalidade, uma vez que a conduta foi realizada pelo consumidor ou terceiro, e não pelo fornecedor. Nesse caso, diferentemente da teoria clássica, não há culpa concorrente[40], ainda que possa haver “a possibilidade de diminuição do quantum da indenização” [41].
O “terceiro”, nesse caso, será aquele que não faz parte do rol listado pelo CDC, ou seja, não faz parte da cadeia de fornecimento do produto. Não pode se entender como terceiro o comerciante, apesar de não fazer parte da cadeia de fornecimento. Este responderá subsidiariamente.
Logo, mesmo que o consumidor tenha agido com culpa (em sentido amplo) e concorrido para o dano com sua conduta, não se afastará a responsabilidade do fornecedor. Assim como nas outras hipóteses de exclusão da responsabilidade, haverá a inversão do ônus da prova, cabendo ao fornecedor provar a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
O caso fortuito ou força maior, casos de exclusão da responsabilidade também utilizados pelo Código Civil de 2002, apesar não constarem expressamente no art. 12, §3º do CDC, são também causas de exclusão da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço.
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ESTACIONAMENTO. CHUVA DE GRANIZO. VAGAS COBERTAS E DESCOBERTAS. ART. 1.277 DO CÓDIGO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTE DA CORTE. 1 .Como assentado em precedente da Corte, o “fato de o artigo 14, § 3° do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. Aplicação do artigo 1.058 do Código Civil” (REsp n° 120.647-SP, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, DJU de 15/05/00). 2 .Havendo vagas cobertas e descobertas é incabível a presunção de que o estacionamento seria feito em vaga coberta, ausente qualquer prova sobre o assunto. 3 .Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, REsp 330.523/SP, Rel. Min. Carlos Aberto Menezes Direito, 3. T., julgado em 11.12.2001, DJU 25.03.2002, p. 278)[42] .
A definição de caso fortuito e força maior, apesar de terem sido equiparados pelo Código Civil de 2002, é um tema ainda controverso na doutrina. Concordo com a nova vertente da doutrina consumerista que entende que a força maior ocorre nos casos em que haveria um fato externo e inevitável. Já o caso fortuito, teria como características um fato necessário e inevitável, haveria o externo e o interno.
No caso de caso fortuito externo, não haveria a responsabilização do fornecedor, pois seria um fato necessário e inevitável, mas que ocorreria fora do âmbito de sua empresa, seria um fato “estranho à organização ou à atividade da empresa” [43]. No caso de fortuito interno[44], o fato se ligaria a atividade da empresa e haveria a responsabilização do fornecedor por integrar os riscos com que o fornecedor deve arcar, segundo a Teoria do Risco.
9 RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO OU SERVIÇO
Antes que se fale na responsabilidade pelo vício do produto ou serviço é necessário, preambularmente, ressaltar a distinção entre vício e defeito. Vício[45] é uma distorção no produto ou serviço que acarreta o seu mau funcionamento, tornando o produto inadequado, contudo não causa um dano externo ao consumidor. O defeito causa dano, afetando diretamente a segurança do consumidor, expondo-o a risco.
“O defeito não tem qualquer conotação contratual, a vítima podendo ser um simples terceiro. Também aqui não interessa se o produto ou serviço é próprio ao consumo, mas tão-somente o grau de segurança que oferece, este que deve ser apreciado, excluindo-se todo uso inadequado ou abusivo ou não razoável em circunstâncias normais. Já o vício é um defeito interno da própria coisa, que apenas torna o produto ou serviço inadequado ou impróprio ao consumo, atingindo o patrimônio do consumidor, na medida que compromete a qualidade ou características do produto ou serviço, diminuindo-lhe o valor, mas sem alcançar a incolumidade física ou psíquica do consumidor. Não há no vício manifestação externa, capaz de causar dano”[46].
Também é mister que seja feita a distinção entre o Vício do Produto e o Vício Redibitório encontrado no Código Civil. Primeiramente, Vício Redibitório é aquele em que a coisa recebida contém vício oculto, que a torne imprópria para o uso ou lhe diminua o valor. O Código Civil, em relação aos Vícios Redibitórios é menos abrangente e exige mais requisitos que o Código Civil.
Alguns requisitos relevantes são que, a coisa deve ter sido adquirida por contrato de compra e venda ou doação onerosa, que o defeito seja grave, oculto e contemporâneo à celebração do contrato. No caso do Vício do Produto e do Serviço não existem esses requisitos. Nas relações de consumo serão aplicadas as regras do CDC, sendo as do Código Civil aplicáveis subsidiariamente.
Apesar de não estar exposto expressamente no art. 18 do CDC a responsabilidade no caso da responsabilidade pelo vício do produto ou serviço é objetiva e solidária[47], e independe se são vícios aparentes ou ocultos.
Uma exceção à responsabilidade solidária pode ser encontrada no art. 18, §5º em que o CDC aduz que será responsável, no caso dos produtos in natura, o fornecedor imediato do produto, a não ser quando for possível identificar claramente o seu produtor, “Considera-se produto in natura “o alimento de origem vegetal ou animal, que prescinde para o seu consumo imediato, apenas, a remoção da parte não comestível e os tratamentos indicados para a sua perfeita higienização e conservação” [48]. Será também responsável o fornecedor imediato quando ele próprio fizer a “pesagem ou medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais” [49].
Os vícios podem ser de qualidade, quantidade ou informação. O vício de qualidade[50] pode ser encontrado no art. 20, ocorre quando torna o produto impróprio para o consumo (o que será definido pelo art. 18, § 6º), diminua seu valor ou haja uma dessemelhança entre a oferta do fornecedor e a realidade do produto.
Uma exceção à responsabilidade pelo vício do produto são as liquidações, pois nestas os fornecedores informam os vícios dos produtos ao consumidor. “Neste caso, apenas será exigido que a existência do vício seja adequadamente informada ao consumidor, assim como, dado a diminuição de utilidade ou valor do produto comercializado, seu preço seja inferior ao preço da mesma mercadoria sem vícios” [51].
O vício de quantidade está disposto no art. 19, ocorre quando há uma dessemelhança entre a informação oferecida pelo fornecedor, na embalagem, por exemplo, e a real informação do produto.
E, por fim, o vício de informação, que ocorre, pois o fornecedor não informa a correta utilização do produto, e com a utilização errônea realizada pelo consumidor, surge um vício neste produto. Vício este, que pode potencializar um acidente de consumo.
Caso ocorra vício no produto ou no serviço o consumidor terá algumas alternativas apontadas pelo art. 20 do CDC, in verbis:
“Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço.”
Caso o vício não seja sanado dentro do prazo de trinta dias[52] (prazo este que poderá ser diminuído ou ampliado, com o limite mínimo de sete dias e o máximo de cento e oitenta dias, caso haja convenção entre as partes), o consumidor poderá recorrer às alternativas do art. 18, §1º do CDC.
“§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço.”
A substituição do produto por outro é a primeira opção do art. 18, §1º. Essa substituição, caso não haja outro produto idêntico, poderá ser feito por produto da mesma espécie “mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço”[53].
No caso do inc. II, o negócio entre fornecedor e consumidor é desfeito, tendo o fornecedor o dever de restituir a quantia paga pelo consumidor. Essa restituição deve ser monetariamente atualizada e imediata, e o fornecedor não deve oferecer resistência para realizar tal restituição.
A terceira hipótese encontra-se no inc. III do art. 18, §1º, é o abatimento proporcional do preço. Nesse caso ocorre a pretensão quanti minoris, em que continuará a relação de consumo entre fornecedor e consumidor, porém o valor que deverá ser pago pelo produto sofrerá redução em razão de seu vício, caso o valor não tenha sido pago ainda. Caso já tenha sido pago, o consumidor poderá exigir a restituição da diferença entre o preço inicial e o preço após o abatimento.
Existe uma quarta hipótese, que não se encontra no art.18, mas sim no art. 19, II. Esta ocorrerá quando houver um vício de quantidade e o consumidor optar pela complementação do peso ou medida que estejam em falta.
Em relação aos vícios de serviço (art. 20, §2º, CDC), estes ocorrem quando são impróprios para os fins a que se destinam ou não atendem às normas regulamentares de prestabilidade. No caso da responsabilidade por vício do serviço as alternativas, de livre escolha do consumidor, são semelhantes àquelas presentes no art. 18, §1º.
A primeira hipótese do inc. I é a reexecução do serviço sem custo adicional, a reexecução do serviço poderá ser exigida pelo consumidor quando o serviço não atingiu o fim a que se destinava, podendo esta reexecução ser “confiada a terceiros, por conta e risco do fornecedor” [54].
Em relação às perdas e danos, aduz Bruno Miragem que “A opção do consumidor pela reexecução do serviço, assim como seu atendimento pelo fornecedor, não o exime das perdas e danos decorrentes do vício de execução, no que respeita tanto a danos materiais ou morais decorrentes da falha na prestação do serviço” [55].
A segunda hipótese encontrada no inc. II é a restituição da quantia paga pelo consumidor, que diferentemente do vício do produto em que é possível devolver o produto, não há como desfazer o serviço. De forma que é de suma importância a correta caracterização do vício.
A última hipótese do art. 20 é o abatimento proporcional do preço, da mesma forma que no vício do produto há uma pretensão quanti minoris. Será abatido o valor adequado ao vício contido no serviço executado.
10 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE
As excludentes no caso da responsabilidade por fato do produto ou do serviço podem ser encontradas no art. 12, §3º do CDC. Nos casos de excludentes da responsabilidade, não há a configuração do nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Além das excludentes tradicionais (caso fortuito ou força maior), que também são aplicadas nas relações de consumo.
A primeira hipótese é a não colocação do produto no mercado, inc. I do art. 12, §3º. Neste caso não há como ligar a conduta ao dano, uma vez que não haverá conduta se o fornecedor não produziu aquele produto. Logo, não há nexo de causalidade. Contudo, é dever do fornecedor provar que não colocou aquele produto no mercado (inversão do ônus da prova), e até que haja essa prova, presume-se que o fornecedor colocou o produto no mercado.
“Uma questão de relevo, neste ponto, como assinala a doutrina, diz respeito aos acidentes de trânsito ocorridos por ocasião do transporte dos produtos ou matérias primas. Ou ainda em circunstância de oferecimento de produtos ou amostras gratuitas. Em todos estes casos, parece claro que os produtos, ainda que não disponíveis no mercado para a realização necessária de contrato de consumo, de regra já se submetem ao dever de segurança estabelecido pelo CDC”[56].
A segunda hipótese é a de inexistência do defeito, inc. II do art. 12, §3º. Ora, se o defeito não existe não há porque haver responsabilidade. Novamente não há nexo de causalidade, uma vez que se não há defeito o dano não foi causado pela conduta do fornecedor. De toda forma deve haver a comprovação plena pelo fornecedor de que não havia defeito, senão haverá responsabilidade. Igualmente o ônus da prova será do fornecedor.
A terceira hipótese, encontrada no inc. III do art.12, §3º, é a de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro[57]. Nesse caso também não há o nexo de causalidade, uma vez que a conduta foi realizada pelo consumidor ou terceiro, e não pelo fornecedor. Nesse caso, diferentemente da teoria clássica, não há culpa concorrente[58], ainda que possa haver “a possibilidade de diminuição do quantum da indenização” [59].
O “terceiro”, nesse caso, será aquele que não faz parte do rol listado pelo CDC, ou seja, não faz parte da cadeia de fornecimento do produto. Não pode se entender como terceiro o comerciante, apesar de não fazer parte da cadeia de fornecimento. Este responderá subsidiariamente.
Logo, mesmo que o consumidor tenha agido com culpa (em sentido amplo) e concorrido para o dano com sua conduta, não se afastará a responsabilidade do fornecedor. Assim como nas outras hipóteses de exclusão da responsabilidade, haverá a inversão do ônus da prova, cabendo ao fornecedor provar a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
O caso fortuito ou força maior, casos de exclusão da responsabilidade também utilizados pelo Código Civil de 2002, apesar não constarem expressamente no art. 12, §3º do CDC, são também causas de exclusão da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço.
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ESTACIONAMENTO. CHUVA DE GRANIZO. VAGAS COBERTAS E DESCOBERTAS. ART. 1.277 DO CÓDIGO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTE DA CORTE. 1 .Como assentado em precedente da Corte, o “fato de o artigo 14, § 3° do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. Aplicação do artigo 1.058 do Código Civil” (REsp n° 120.647-SP, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, DJU de 15/05/00). 2 .Havendo vagas cobertas e descobertas é incabível a presunção de que o estacionamento seria feito em vaga coberta, ausente qualquer prova sobre o assunto. 3 .Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, REsp 330.523/SP, Rel. Min. Carlos Aberto Menezes Direito, 3. T., julgado em 11.12.2001, DJU 25.03.2002, p. 278)[60] .
A definição de caso fortuito e força maior, apesar de terem sido equiparados pelo Código Civil de 2002, é um tema ainda controverso na doutrina. Concordo com a nova vertente da doutrina consumerista que entende que a força maior ocorre nos casos em que haveria um fato externo e inevitável. Já o caso fortuito, teria como características um fato necessário e inevitável, haveria o externo e o interno.
No caso de caso fortuito externo, não haveria a responsabilização do fornecedor, pois seria um fato necessário e inevitável, mas que ocorreria fora do âmbito de sua empresa, seria um fato “estranho à organização ou à atividade da empresa” [61]. No caso de fortuito interno[62], o fato se ligaria a atividade da empresa e haveria a responsabilização do fornecedor por integrar os riscos com que o fornecedor deve arcar, segundo a Teoria do Risco.
11 PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO CDC
No Código Civil os conceitos de prescrição e decadência são formados pela doutrina e pela jurisprudência. A prescrição pode ser entendida como uma lesão à um direito, que faz com que nasça uma pretensão, e o não exercício dessa pretensão causa a prescrição. Já a decadência é o não exercício de um direito potestativo dentro de certo lapso temporal, que faz com que o indivíduo perca este direito.
No Código de Defesa do Consumidor ocorre que nos casos de responsabilidade pelo fato do produto ou serviço ocorrerá prescrição, e nos casos de responsabilidade pelo vício do produto ou serviço correrá decadência.
Em seu art. 27, o CDC aduz sobre a prescrição, estabelece um prazo de cinco anos que começará a correr depois de descoberto o dano e sua autoria. Assim como no Código Civil, a concepção de prescrição aqui está ligada à lesão de um direito, a um dano.
É importante ressaltar que o prescreve “não é o direito subjetivo do consumidor, mas a pretensão à reparação do dano” [63]. O art. 27, in verbis, “prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria”.
Em relação às hipóteses de suspensão – em que há uma interrupção do tempo transcorrido – e interrupção – em que há a eliminação do tempo já transcorrido – do prazo prescricional são as mesmas previstas no Código Civil em seus arts. 198, 199 e 200.
A decadência ocorrerá nos casos da responsabilidade por vício do produto ou serviço, em caso de produtos não duráveis o direito de reclamar caduca em trinta de dias, se forem produtos duráveis, em noventa dias. Iniciando-se o prazo a partir da entrega do produto ou do término da execução do serviço nos casos do vício aparentes, assim como prevê o art. 26 do CDC, uma vez que no caso de vício oculto o prazo começa da constatação do vício.
Produtos não duráveis são aqueles de natureza temporária, como alimentos e remédios. Os produtos duráveis são aqueles “que têm uma vida útil duradoura, como veículos, eletrodomésticos, móveis, imóveis, etc.” [64].
12 CONCLUSÃO
O Código de Defesa do Consumidor garante de forma eficaz os direitos básicos do consumidor, como a saúde, a segurança, a liberdade, etc. Direitos estes cada vez mais difíceis de serem garantidos em um mundo globalizado em que praticamente não existem fronteiras entre os Estados.
Outro avanço significativo é a responsabilidade objetiva, garantida pelo CDC, diferentemente do Código Civil. Esta espécie de responsabilidade não permite que o fornecedor sem esconda atrás da ‘culpa’ e se exima de indenizar.
A responsabilidade solidaria salvaguarda o consumidor de apesar de ter direitos assegurados não saber contra quem ajuizar uma ação de indenização. Destarte, poderá ajuizar a todos aqueles que concorreram para o dano.
O Código de Defesa do Consumidor é um divisor de águas em relação à interpretação do ordenamento jurídico. Se antes o consumidor, parte vulnerável da relação de consumo, estava desprotegido, atualmente ele conta com todos os recursos necessários para garantir o equilíbrio desta relação.
Informações Sobre o Autor
Liana Holanda de Melo
Advogada. Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Unichristus e Pós Graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá