Responsabilidade civil no direito de família: dano moral decorrente do abandono afetivo

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Resumo: Analisa de que forma se aplica a responsabilidade civil no Direito de Família. Estuda o conceito, características e espécies de família, bem como a filiação e paternidade. Examina quais ações ou omissões nas relações familiares causam impactos profundos e marcantes no desenvolvimento dos filhos, principalmente no caso de abandono afetivo. Aborda de que forma a ausência dos pais ou de um deles causa um dano efetivo na vida de uma criança. Explora as posições doutrinárias e jurisprudenciais favoráveis e contrárias a possibilidade de indenização decorrente do dano moral por abandono afetivo. Estudo de caso, analisando como a legislação e os tribunais têm agido no sentido de imputar uma sanção com a finalidade de reparar e ao mesmo tempo evitar tais consequências danosas.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Dano Moral. Abandono Afetivo. Indenização

Abstract: It looks at how it applies to liability in Family Law. Studying the concept, characteristics and species of the family, as well as paternity and filiation. Examines what actions or omissions in family relationships cause profound impacts and remarkable development of children, especially in the case of emotional. Discusses how the absence of parents or one of them causes an effective damage in a child's life. Explores the doctrinal and jurisprudential positions for and against the possibility of compensation for moral damage caused by affective abandonment. Case study, analyzing how the law and courts have acted to award a penalty for the purpose of repairing and simultaneously avoid such harmful consequences.

Keywords: Liability. Moral damage. Affective abandonment. indemnification

Sumário: Introdução. 1. Responsabilidade Civil. 1.1. Aspectos Gerais. 1.2. Conceito de responsabilidade civil. 1.3. Classificação da responsabilidade civil. 1.4. Regra geral da responsabilidade civil. 1.5. Dano. 1.6. Dano Material. 1.7. Dano Moral. 1.8. Obrigação de reparar o dano. 1.9. Ação ou omissão do agente. 2.Responsabilidade Civil no Direito de Família. 3. Abandono Afetivo. 3.1. Reparação do dano moral por abandono afetivo. 3.2.Posição Jurisdicional acerca da indenização por abandono afetivo. Conclusão.

Introdução

A Responsabilidade Civil poder ser conceituada como sendo a obrigação que uma pessoa, seja ela jurídica ou física, tem de reparar outrem pelo dano que lhe foi causado. Advém do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade de responsabilizar alguém por seus atos danosos.

A antiga noção de família patriarcal permitiu que as condutas praticadas dentro dos limites familiares fossem tratadas como problemas que pertenciam e deveriam ser resolvidos por seus próprios membros. Desta forma a noção de responsabilidade civil não se aplicava às relações familiares. Nesse sentido Castelo Branco (2006, p. 17/18) disse,

“As condutas praticadas dentro dos limites das relações familiares, lesivas ou não a quaisquer de seus membros, não se mostrariam permeáveis à incidência das regras da responsabilidade civil […] erroneamente cultivou-se a ideia de que as relações jurídicas no âmbito da família, por sua natureza marcantemente extrapatrimonial, não admitiria a aplicação dos princípios que embasam a responsabilidade civil.”

Todavia, essa ideia não pode mais ser aplicada, uma vez que no ordenamento jurídico atual, os membros de uma família gozam de proteção aos direitos que são titulares, sobretudo aos direitos de personalidade, não sendo possível que os responsáveis pelo dano saiam impunes.

Ainda que o intuito do Estado seja a proteção da entidade familiar, o dano causado ao direito de personalidade de um membro de cada instituição familiar deve ser reparado. A sanção que será, na grande maioria dos casos, pecuniária terá duplo sentido: compensatório, posto que os danos morais são incalculáveis, e educativo, tanto para o agressor quanto para a sociedade, que tomará mais cautela evitando causar dano a outrem.

O  abandono afetivo se concebe na omissão dos pais, ou de apenas um deles, nos seus deveres de educação, que no sentido amplo desde a Constituição Federal de 1988, implicitamente incutiu o dever de educar os filhos, a considera de forma extensiva, ao afeto, atenção, convivência, e carinho.

A falta do afeto familiar gera um dano, pais que não convivem com seus filhos, tendo consciência e aceitando essa não convivência, não dando carinho e afeto aos seus filhos, estão descumprindo preceitos fundamentais da Constituição Federal, estão violando um direito do filho, devendo responder por essa ausência.

Após a apresentação destes aspectos conceituais norteadores, e fundamentais ao presente estudo, será trabalhado o efetivo regramento do fenômeno pelo ordenamento jurídico, e principalmente quais as condutas que ensejam a responsabilização dos pais, principalmente decorrente do dano moral.

Neste tópico também será abordado aspectos do dano moral decorrente da falta de assistência (afetiva e/ou financeira) dos pais ou de apenas um deles. Nesse sentido será estudado também o impacto que a ausência de um dos pais causa no desenvolvimento da criança e de que forma as indenizações são utilizadas para suprir ou amenizar os impactos.

Desta forma, por meio de um estudo profundo e detalhado da responsabilidade civil e do conceito de dano moral, será abordada a reparação do dano moral no direito de família, sua origem, consequências e aplicação em um caso de repercussão nacional.

1. Responsabilidade Civil

1.1. Aspectos Gerais

O surgimento da responsabilidade civil está intimamente ligado à Revolução Industrial, a partir do século XIX. Na modernidade, os equipamentos científicos passaram a integrar o cotidiano das pessoas no ambiente social e consequentemente trouxeram riscos de danos às pessoas vítimas dos acidentes ocasionados por esse arsenal tecnológico.

Neste diapasão, é correto afirmar que a responsabilidade civil objetiva assegurar aos lesados o direito de serem ressarcidos por consequências das perdas produzidas por todos aqueles que agiram em desconformidade com a ordem jurídica, violando direitos e produzindo prejuízos a outrem. Sendo assim, o dever de indenizar decorre da produção de dano ao patrimônio material e imaterial de terceiros, por falta de conduta jurídica do agente ofensor.

Na visão de Carlos Roberto Gonçalves,

“Quem pratica um ato, ou incorre numa omissão de que resulte dano, deve suportaras consequências do seu procedimento. Trata-se de uma regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume, em verdade o problema da responsabilidade (GONÇALVES, 2007, p.3)”

Em verdade, trata-se de um fenômeno social, decorrente de prejuízos antijurídicos correspondentes à quebra da paz social e, por conseqüência, gerador de conflitos. É por isso, que o Art. 927 do Código Civil prescreve que “Aquele que, por ato ilícito (Arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, ou seja, todo inadimplemento de obrigação, seja de ordem jurídica ou pactuada pelas pessoas, geram danos a serem indenizados.

Os requisitos para configuração da responsabilidade civil subjetiva, são quatro a saber:  a conduta, o dano, a culpa e o nexo de causalidade. Sendo assim, a conjugação destes quatro elementos essenciais é que serão geradores do dever de indenizar e que deverão ser comprovados no processo de indenização.

1.2. Conceito de Responsabilidade Civil

A palavra responsabilidade advém do latim, respondere, significando vínculo de quem responde por algo, no sentido de que garante esse algo (DINIZ, 2005, p.33). A responsabilidade nada mais é do que o garantidor de um dever, advindo das teias de relações jurídicas que uma obrigação é capaz de tecer.

A responsabilidade civil, dentro do direito, é um instituto com a função de reparar o dano, recolocando o prejudicado no status quo ante, buscando o equilíbrio econômico- jurídico atingido.

1.3. Classificação da Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil pode ser contratual ou extracontratual. A primeira, decorrente do ilícito contratual, ocorre quando ato viola dever imposto por relação jurídica já existente entre o agente e a vítima, é encontrada no Art. 389 do Código Civil.

“Art.389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. “

Em contrapartida, a extracontratual, fundamentada no Art. 186 do Código Civil “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, prescreve a responsabilidade do agente em face de sua conduta culposa e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Há ainda a responsabilidade subjetiva, quando agrega os três elementos: conduta culposa, nexo de causalidade e dano, e objetiva, quando ocorre sem culpa, restando apenas o nexo de causalidade entre alguma conduta genérica e o dano.

1.4. Regra Geral da Responsabilidade Civil

O Art. 186 do Código Civil de 2002, estabelece que “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

No Brasil, permanece o entendimento de que o lesado é que deve buscar seus direitos, provocando a jurisdição, postulando o ressarcimento, caso deseje, assim como buscando uma composição com o ofensor, judicialmente ou não. O conceito de responsabilidade civil, sem o caráter de ordem público, é predominante na dogmática brasileira e reflete-se positivamente na jurisprudência.

 Ainda que o Art. 927 do Código Civil ao estabelecer que “ Aquele que, por ato ilícito (Arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, não compactua com a visão acima citada, afirmando que aquele que causa dano a outrem por ato ilícito é obrigado a repará-lo, a posição dominante é de que tal reparação constitui um direito do lesado, que pode ou não exercê-lo.

1.5. Dano

Para o professor Silvio Rodrigues, dano é  (…) Um dos pressupostos da Responsabilidade Civil, o dano é experimentado pela vítima e afirma que tal princípio se encontra explicitado no art. 186 do Código Civil: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Há  hipóteses em que a lei ordena a reparação de prejuízo experimentado pela vítima ainda quando o comportamento da pessoa obrigada a repará-lo não envolve a violação da lei.”(RODRIGUES, 1999, p.13- 238)

Dano é o efetivo prejuízo sofrido pela vítima de um ato. Pode ser classificado em: patrimonial (material),atinge os bens da pessoa; extrapatrimonial (moral), atinge a dignidade, a honra, ou seja, ofende os direitos da personalidade. Há possibilidade de cumulação das duas espécies de dano.

1.6. Dano Material

Ao tratar do dano patrimonial, cabe ao prejudicado pleitear o ressarcimento do prejuízo. Quanto ao dano moral, pleiteia-se a reparação. Todo prejuízo deve ser indenizado, no cálculo da indenização se leva em conta a extensão do prejuízo, e não o grau de culpa.

Por ser necessária a prova do dano, este só pode ser certo e atua, não admitindo indenização de dano futuro ou meramente hipotético. Em casos de lesões corporais, tem-se admitido o reexame das lesões.

No Art. 402 do Código Civil, encontra-se a regra para a apuração do dano material, o referido artigo explica o conceito de perdas e danos, qual seja, é composto pelo que a pessoa efetivamente perdeu (dano emergente) e o que ela razoavelmente deixou de lucrar (lucro cessante). Obviamente, a prova do lucro cessante se faz mais trabalhosa, vez que o mesmo baseia-se no passado, ou seja, no montante que vinha rendendo em determinado período.

Além das perdas e danos, outras verbas costumam ser acrescidas, tais como a correção monetária, que incide desde a data em que a pessoa sofreu o prejuízo, assim como os juros, que podem ser simples ou compostos.

1.7. Dano Moral

O dano moral é aquele que afeta os direitos de personalidade, como a honra, dignidade, intimidade etc. e que também pode, ser indenizado. O dano moral tem o sentido de compensação, sem preocupação de encontrar um valor que corresponda exatamente ao montante que supra a dor experimentada pela vítima.

 No que se refere à legitimação para propor ação de indenização por danos morais, pertence às pessoas que foram diretamente prejudicadas, e que são igualmente portadoras do direito de indenização por dano material.

Conforme a Súmula n. 37 do Superior Tribunal de Justiça : "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".  Assim, é possível a cumulação do ressarcimento do dano moral com a indenização do dano material. A Constituição Federal no seu Art. 5 º,V e X, prevê a reparação do dano moral junto com o material, nos casos que envolvam ofensa à honra, à imagem ou à intimidade.

Ainda tratando do dano moral, é possível que ele atinja a honra objetiva, ou seja, aquilo que as outras pessoas pensam sobre o indivíduo.

No tocante a indenização advinda do dano moral atualmente busca-se o valor como forma de compensação. Tal compensação tem duplo caráter, pois visa ao ressarcimento à sanção, não deixando de observar o princípio da reserva legal (não há pena sem prévia cominação legal), uma vez que se trata de princípio aplicável a todo o ordenamento jurídico.

No ordenamento jurídico brasileiro, o sistema utilizado para o cálculo do dano moral, é o arbitramento pelo juiz a cada caso, conforme os Arts. 944 a 946 do Código Civil. O Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, que foi revogado pela Lei de Imprensa de 1967, trazia alguns critérios para apuração do dano moral (situação econômica do ofendido e do ofensor etc.). Essas leis estabeleciam os valores mínimos e o máximo, que podem variar de 5 a 200 salários mínimos.

Todavia o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que esse limite máximo está revogado tacitamente pela Constituição Federal, pois a mesma não estabeleceu limite, o que impede que haja interpretação restritiva. Sendo assim, a jurisprudência entende que devem ser levados em conta alguns critérios para o cálculo do dano moral, como a situação econômica do ofensor e do ofendido.

1.8. Obrigação de Reparar o Dano

São, em regra, pressupostos para impor a alguém a obrigação de reparar o dano imputando a responsabilidade civil, a ação ou omissão do agente, a sua culpa, o dano experimentado pela vítima e a relação de causalidade entre aquela omissão e este dano.

Todavia, a que se falar que nem todos estes elementos são sempre fundamentais para a obrigação de reparar. No caso da responsabilidade civil objetivo, a culpa pode ser dispensada.

1.9. Ação ou Omissão do Agente

A conduta do agente causador do dano impõe-lhe o dever de reparar não apenas quando ocorre infringência a um dever legal (ato praticado contra o direito), mas também, quando seu ato, embora sem infringir a lei, foge da finalidade social a que ela se destina. (RODRIGUES, 1991, p.5)

Entretanto, a obrigação de reparação do dano pelo agente pode ser decorrente também, de ato de terceiro que esteja sob a sua responsabilidade, bem como por danos causados por coisas que estejam sob sua guarda.

2. Responsabilidade Civil no Direito de Família

O Código Civil de 1916, estabelecia a denominada presunção pater is est, por inspiração do Direito Canônico, com raízes no Direito Romano. Segundo o Art. 337 do Código Civil de 1916, seriam legítimos “os filhos concebidos na constância do casamento ainda que anulado, ou mesmo nulo, se se contraiu de boa-fé”.

Tal presunção era equivalente a dizer que o filho de uma mulher casada é, presumivelmente, filho de seu marido. Tal regra assenta-se na presunção de habituais relações sexuais entre cônjuges e também na circunstância de que, na imensa maioria dos casos, os filhos de uma mulher casada têm por pai o marido da mãe, ou seja, o que Carbonnier, denominou como fundamento empírico da presunção (CARBONNIER, 1999, p.229), e que Luiz Edson Fachin denominou “paternidade jurídica” (FACHIN, 1996, p.136)

O Art. 1.597 do Código Civil afirma que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos:

“I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”

Ou seja, a presunção de paternidade vigorava durante os limites correspondentes às durações mínima e máxima da gestação de um ser humano. Naturalmente, tal presunção é relativa, admitindo, portanto, prova em contrário. Mas os casos em que se admitia a impugnação da paternidade no Código de 1916, eram tão restritos que, na prática, tinha-se uma presunção quase absoluta.

Todavia, o Código Civil não mais repete o citado dispositivo, deixando em aberto a possibilidade de impugnação da paternidade.

3. Abandono Afetivo

Com o advento da Constituição Federal de 1988 a questão do afeto passou a ser fundamental nas relações entre pais e filhos. A família deixou de ser um fim em si mesmo, e passou a ser parte da realização existencial de seus membros. Neste diapasão, Jacqueline Filgueras Nogueira escreve, “[…] para a criança, sua simples origem fisiológica não a leva a ter vínculo com seus pais; a figura dos pais, para ela, são aqueles com que ela tem relações de sentimento, aqueles que se entregam ao seu bem, satisfazendo suas necessidades de carinho, alimentação, cuidado e atenção. “(NOGUEIRA, 2001, p. 86)

Sendo assim, percebe-se que atualmente o que define a relação entre pais e filhos não é apenas a origem biológica, mas também e mais importante, a relação de afetividade desenvolvida.

Já é pacífico o entendimento de que a criança, durante seu desenvolvimento necessita da convivência familiar, que é crucial para concluir de forma completa o desenvolvimento de sua personalidade. Todavia, deve-se entender que esta convivência familiar é um direito da criança e não apenas uma conseqüência do poder-dever dos pais.

É importante ressaltar que a convivência familiar assegura a integridade física, moral e psicológica da criança, na medida em que permite que o desenvolvimento de sua personalidade se dê de forma saudável, em um ambiente em que é dispensada à criança a atenção de que ela necessita e a orientação que não pode ser negligenciada nesta fase da vida.

O conceito de convivência familiar vai muito além da coabitação, da presença física diária do pai na vida do filho. Trata-se de apoio em todos os momentos críticos da vida do filho, independente de o pai estar sempre perto, é também apoio moral. Por isso, é irrelevante a justificativa da distância para a falta de assistência moral do pai com seu filho. Neste sentido, […] é de fato simplória a defesa de que a convivência familiar se esgota na garantia da presença física, na coexistência, com ou sem coabitação. A exigência da presença paterna não é apenas física. Soa paradoxal, mas só há visita entre quem não convive, pois quem convive mantém uma relação de intimidade, uma relação verdadeiramente familiar.” (SILVA, 2005, p.137)

Diante da realidade apresentada, o conceito de abandono afetivo encaixa-se na atitude omissiva do pai no cumprimento de seus deveres de ordem moral decorrentes do poder familiar, dentre os quais encontram-se o dever de prestar assistência moral, carinho, afeto, educação.

Normalmente o abandono afetivo configura-se quando o pai abandona física e moralmente a vida do filho, mas também pode ocorrer quando, mesmo havendo coabitação entre eles, o pai não dispensa qualquer forma de atenção, afeto ou apoio ao filho. Tal hipótese é possível, porque como mencionado acima, a convivência familiar exige não só a presença física, mas principalmente o apoio moral do pai ao filho.

É importante ressaltar que o abandono afetivo é modalidade mais grave que a material, vez que a segunda muitas vezes pode ser suprida por terceiros próximos como parentes, amigos, e até mesmo pelo Estado, por meio de seus programas assistenciais. Entretanto, o mesmo não pode ocorrer com o abandono afetivo, no dizeres de Claudete Carvalho Canezin “o afeto e o carinho negado pelo pai a seu filho não pode ser suprido pelo afeto de terceiros, muito menos pode o Estado suplantar a ausência paterna.” (CANEZIN, 2006, p.79)

A dissolução da sociedade conjugal é o momento onde mais se encontra o abandono afetivo. Por isso, e por tudo o que foi apresentado até então, os pais não podem esquecer que embora a sua relação não tenha prosperado, os vínculos parentais e afetivos com os filhos são permanentes, não podendo ser rompidos pela simples falência da sociedade conjugal.

3.1. Reparação do Dano Moral por Abandono Afetivo

Por ser a dignidade humana valor fundamental, protegido pela Constituição Federal, é indiscutível que ela deve ser preservada em qualquer esfera de relacionamento, incluindo as relações familiares. Ainda que existam discussões sobre a admissibilidade de uma responsabilização por dano moral no âmbito familiar, o enquadramento da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental afasta qualquer dúvida acerca desse assunto.

Nesse sentido, encontramos Bernardo Castelo Branco,”[…] havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito da família, não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação do dano moral, não atuando esta como fator desagregador daquela instituição, mas de proteção da dignidade dos seus membros.’(BRANCO, 2006, p.116)

Devido ao dever de tutelar as crianças e adolescentes, o Estado tem a obrigação de se posicionar apresentando soluções e reparações para os casos de abandono afetivo. Nas decisões, cada vez mais favoráveis à aplicação da responsabilidade civil nos casos de ausência de convivência familiar, os magistrados baseiam-se nos princípios da dignidade da pessoa humana combinado com o princípio da afetividade.

A respeito do fundamento do dever de indenizar, há divergências. Existem doutrinadores, como Giselda Hironaka (HIRONAKA, 2008, p. 15) que encaram a indenização pecuniária como uma forma de desestimular outros pais a abandonarem seus filhos afetivamente. Já outros, como Claudete Carvalho Canezin (CANEZIN, 2006, p. 30) aderem a ideia que a reparação teria o caráter de reparar o dano sofrido pelo filho, sem caráter punitivo. As divergências de opinião comportam ainda um terceiro grupo em que se enquadra a doutrinadora Maria Isabel Pereira da Costa (COSTA, 2004, p. 25), o qual defende que a indenização deveria existir com a finalidade de custear o tratamento psicológico daquele que sofreu o dano até a sua recuperação. Por fim uma quarta posição expõe-se que a indenização terá o caráter compensatório, punitivo e dissuasório, conforme entende Cláudia Maria da Silva.

Ainda que existam divergências quanto ao fundamento, os doutrinadores citados acima são da opinião de que a negligência ou omissão no cumprimento dos deveres dos pais para com os filhos, em especial o dever de convivência, é suficiente para ensejar a indenização.

O dano moral pode ser motivado por duas violações de direitos: 1) o direito de o filho ser cuidado pelo pai ou mãe; 2) do direito à convivência familiar.

A respeito do dever de cuidar:”[…] é fundamental para a formação do menor e do adolescente, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar” (STJ, REsp 1159242- 3 Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi ­ jul. 24/04/2012, DJe 10/05/2012)

A ausência de convivência familiar, viola princípios constitucionais, acarretando à formação infanto-juvenil danos de natureza psicológica, social, intelectual e de personalidade.

Ressalta-se que por tratar-se de responsabilidade civil, todos os requisitos que a caracterizam devem estar presentes no caso de forma expressa. Em sendo assim, é preciso provar que o alijamento do filho do convívio familiar foi o causador dos danos em sua personalidade. Tal comprovação é feita a partir da realização de laudos psicossociais e pericias técnicas. Sobre isso, Rui Stoco explica que, […] cada caso deverá merecer detido estudo e atenção redobrada, só reconhecendo o dano moral em caráter excepcional e quando os pressupostos da reparação se apresentarem estreme de dúvida e ictu oculi, através de estudos sociais e laudos técnicos de equipe interdisciplinar.” (STOCO, 2007, p. 946)

Sendo assim, torna-se imprescindível a configuração do dano como elemento do dever de indenizar, necessitando, assim, da devida comprovação da culpa do genitor que foi omisso na convivência com o filho, e explicitamente negou-se a participar do desenvolvimento de sua personalidade.

Neste contexto, a culpa em caso de abandono afetivo é omissiva, uma vez que os pais não cumprem com os deveres impostos pelo poder familiar, ou seja, não prestam assistência moral adequada aos filhos.

A respeito do nexo de causalidade, é o elemento que estabelecerá a relação entre o evento danoso e a ação que o produziu, deverá ser apurado por meio de perícia psicológica quando se tratar de abandono afetivo. Na verdade, é o elemento mais difícil de ser provado, pois é tarefa árdua e complexa demonstrar nexo causal entre o abandono culposo e o dano vivenciado pelo filho.

Destarte, cabe ao julgador ponderar os fatos apresentados em cada caso que tenha à disposição para seu julgamento, sopesando, a exemplo do que ocorre no tocante às necessidades materiais dos filhos, o binômio necessidade e possibilidade.

3.2.  Posição Jurisprudencial acerca da Indenização por Abandono Afetivo

Frente às mudanças ocorridas na estrutura familiar, principalmente no que se refere a questão da afetividade como instrumento impulsionador das famílias contemporâneas, os tribunais brasileiros vêm recepcionando demandas cujo objeto é a reparação civil do dano moral decorrente do descumprimento do dever de convivência familiar.

A primeira decisão acerca do tema foi proferida pelo juiz Mario Romano Maggioni, em 15.09.2003, na 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa – RS, Processo n.º 141/1030012032-0 (Revista Brasileira de Direito de Família, 2005, p.148-150). No caso em tela, a indenização imputada ao pai foi o pagamento de 200 salários-mínimos, decorrente do abandono afetivo e moral da filha de 9 anos.

Nesta ocasião, o magistrado durante sua fundamentação, priorizou os deveres decorrentes da paternidade, insculpidos no Art. 22 da Lei n.º 8.069/90, dispondo que:

“[…] aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 22, da lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme.”

Ainda, frisou as consequências negativas que podem decorrer do abandono afetivo na filiação, ao considerar que: […] a ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido, ou em desenvolvimento, violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam de pais que não lhes dedicam amor e carinho; assim também em relação aos criminosos.”

Mesmo diante da posição contrária do Ministério Público, que considerava inaplicável a indenização afirmando que  não compete ao Judiciário condenar alguém ao pagamento de indenização por falta de amor, a sentença foi julgada procedente, transitou em julgado em razão da não interposição de recurso pelo réu.

Em uma segunda decisão favorável, o magistrado Luis Fernando Cirillo, em 05.06.2004, na 31ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo-SP, no Processo n.º 01.036747-0 (Revista Brasileira de Direito de Família, 2005, p.151- 160), reconheceu que, embora não seja razoável um filho pleitear indenização contra um pai por não ter recebido dele afeto, “a paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que além da guarda, portanto independentemente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia”.

Ainda neste sentido, dá-se destaque especial à decisão proferida pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais (TAMG) que ao reformar sentença proferida pela 19ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, condenou o pai ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais). Tal indenização foi arbitrada, independentemente do descumprimento da prestação alimentar, sobre o argumento de que restou configurado nos autos o dano à dignidade do menor, provocado pela conduta ilícita do pai que não cumpriu o dever,imposto por lei, de manter o convívio familiar com o filho. A ementa foi a exposta abaixo:

“INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.” (TAMG, AC 4085505-54.2000.8.13.0000, 7ª C. Cível, Rel. Juiz Unias Silva, julg. 01.04.2004, pub. 29.04.04).

A partir do exame dos julgados apresentados, percebe-se que há julgados que entendem que a infração dos deveres decorrentes do poder familiar, previstos no Art. 1.634 do Código Civil, leva o dever de indenizar, principalmente quando tal infração acarreta prejuízo para os direitos da personalidade do filho menor, bem como à sua dignidade, casos que ensejam o dano moral.

É oportuno reforçar que a aplicação do dano moral independe de qualquer prejuízo na esfera material ao menor, pois que o abandono moral decorre tão somente da ausência de assistência moral do pai ao filho, que causa danos ao desenvolvimento da personalidade.

Todavia, a problemática da reparação civil por abandono moral e afetivo nas relações entre pais e filhos, não é consensual. Portanto, existem decisões proferidas em sentido contrário, negando a indenização, é o exemplo dessa decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG):

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PAI. ABANDONO AFETIVO. ATO ILÍCITO. DANO INJUSTO. INEXISTENTE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MEDIDA QUE SE IMPÕE. O afeto não se trata de um dever do pai, mas decorre de uma opção inconsciente de verdadeira adoção, de modo que o abandono afetivo deste para com o filho não implica ato ilícito nem dano injusto, e, assim o sendo, não há falar em dever de indenizar, por ausência desses requisitos da responsabilidade civil”. (TJMG, AC 0063791-20.2007.8.13.499, 17ª C. Cível, Rel. Des Luciano Pinto, julg. 27.11.2008, pub. 09.01.09).

Observa-se que o entendimento do julgado supramencionado é no sentido de que o afeto não é um dever do pai e, por isso, o seu descumprimento não representa ato ilícito ou dano injusto geradores do dever de indenizar.

Nesse sentido, posiciona-se o Superior Tribunal de Justiça (STJ), para o qual o descumprimento dos deveres jurídicos decorrentes do poder familiar encontra solução no próprio direito de família, com a perda do poder familiar, prevista pelo art. 1.638, II, do Código Civil.

Eis o conteúdo da decisão no Recurso Especial (REsp) n.º 757.411 – MG:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido”. (STJ, REsp n.º 757.411 – MG, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julg. 29/11/05, DJ 27/03/06, p. 299).

Recentemente, o STJ manteve o seu entendimento no julgamento do REsp n.º 514350 / SP, cuja ementa segue transcrita:

“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO. DANOS MORAIS REJEITADOS. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. I. Firmou o Superior Tribunal de Justiça que "A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária" (REsp n.º 757.411/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 29.11.2005). II. Recurso especial não conhecido”. (STJ, REsp n.º 514.350 – SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julg. 28/04/09, DJe 25/05/09).

Com efeito, o abandono afetivo na filiação enseja a perda do poder familiar. Contudo, isso não implica na impossibilidade da reparação civil do dano moral, uma vez que estejam presentes todos os requisitos para sua caracterização. Neste sentido, tem-se o entendimento do Ministro Barros Monteiro que, no REsp n.º 757.411 – MG, se mostrou contrário ao voto do relator, indicando que não há unanimidade no entendimento do STJ. Eis seu posicionamento:

“Penso que daí decorre uma conduta ilícita da parte do genitor que, ao lado do dever de assistência material, tem o dever de dar assistência moral ao filho, de conviver com ele, de acompanhá-lo e de dar-lhe o necessário afeto […] Penso também, que a destituição do poder familiar, que é uma sanção do Direito de Família, não interfere na indenização por dano moral, ou seja, a indenização é devida além dessa outra sanção prevista não só no Estatuto da Criança e do Adolescente, como também no Código Civil anterior e no atual. […]”.

Desta decisão foi interposto Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (STF), ao qual foi negado provimento pela Segunda Turma Cível:

“EMENTA CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. ABANDONO AFETIVO. ART. 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. ART. 5º, V E X, CF/88. INDENIZAÇÃO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E SÚMULA STF 279. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. A análise da indenização por danos morais por responsabilidade prevista no Código Civil, no caso, reside no âmbito da legislação infraconstitucional. Alegada ofensa à Constituição Federal, se existente, seria de forma indireta, reflexa. Precedentes. 3. A ponderação do dever familiar firmado no art. 229 da Constituição Federal com a garantia constitucional da reparação por danos morais pressupõe o reexame do conjunto fático-probatório, já debatido pelas instâncias ordinárias e exaurido pelo Superior Tribunal de Justiça. 4. Incidência da Súmula STF 279 para aferir alegada ofensa ao artigo 5º, V e X, da Constituição Federal. 5. Agravo regimental improvido”. (STF, RE 567164 ED/MG, 2ª Turma Cível, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. 18.08.09, DJe 11.09.09).

Verifica-se, do referido acórdão, que não houve julgamento do mérito do RE, em virtude de o abandono afetivo ser matéria de ordem infraconstitucional e pela necessidade de reexame de provas, o que contraria a Súmula n.º 279 do STF.

Contrário ao posicionamento do STJ sustentado até então, deve-se destacar que é a infração do dever legal de manter a convivência familiar, Art. 1634, II, Código Civil, juntamente com a infração dos deveres de guarda e educação, Art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que ensejam a reparação civil do dano moral decorrente do abandono afetivo na filiação. Sendo assim, não se trata de obrigar um pai a amar um filho, mas de responsabilizar civilmente aquele que descumpre um dever jurídico.

A despeito da posição do STJ existe entendimento no sentido contrário, afirmando que o abandono afetivo não gera indenização por ato ilícito. Desta forma, a corrente negativa do dever de indenizar pela falta de afetividade tem se orientado, frisando que os deveres decorrentes da paternidade não podem invadir o campo subjetivo do afeto.

A acepção da indenização por dano moral é considerada abusiva e  arbitrária. O pagamento correto da pensão alimentícia já seria suficientemente uma demonstração de afeto e respeito pelo filho. Idealizando assim, a idéia de que o exercício reparatório do dano moral não pode ser exteriorizado frente à “monetariazação” do amor, do afeto, eximindo totalmente a culpa de uma conduta ilícita, reprovável.

Há quem rotule como absurda a pretensão de uma reparação pela ausência afetiva, sendo incabível alcançar hipóteses na legislação buscando uma falta ao

 não cabimento de danos morais por abandono afetivo do pai. Neste diapasão, Sérgio Resende de Barros destaca:

“Não se deve confundir a relação de afeto, considerada em si mesma, com as relações patrimoniais que a cercam no âmbito da família. Entre os membros de uma entidade familiar, por exemplo, entre os pais, ou entre estes e os filhos, a quebra do afeto se manifesta por diversas formas: aversão pessoal, quebra do respeito ou da fidelidade, ausência intermitente ou afastamento definitivo do lar, falta ou desleixo nas visitas e na convivência, etc. Mas nenhuma forma de desafeto faz nascer o direito à indenização por danos morais. Mesmo porque, muitas vezes, o ofendido é o acusado, cuja conduta reage à ação ou omissão do outro”. (BARROS, 2002)

Esta corrente considera que a liberdade afetiva está acima de qualquer princípio componente da dignidade da pessoa humana, sob pena de gerar um dano ainda maior para ambos. Seria muito mais danoso obrigar um pai, sob o temor de uma futura ação de reparação de danos, a cumprir burocraticamente o dever de visitar o filho.

Ademais, a responsabilidade civil ocupa uma função preventiva. Caso o abandono afetivo gere responsabilidade civil, não seria possível adotar providências acautelatórias preventivas, pois dessa forma o direito forçaria uma convivência que não é genuína.

Por outro lado, voltando à posição que admite a responsabilização pelo abandono afetivo, também não se fala de monetarizar o afeto, até porque a indenização, nestes casos, assume um papel pedagógico, como entendem Giselda Hironaka (HIRONAKA, 2006). Em suma, a indenização é utilizada como uma forma de evitar novas condutas omissivas do pai em relação aos seus filhos.

Sobre a decisão proferida pelo STJ, oportuno destacar, os dizeres de Maria Berenice Dias:

“Profunda foi a reviravolta que produziu, não só na justiça, mas nas próprias relações entre pais e filhos, a nova tendência da jurisprudência, que passou a impor ao pai o dever de pagar indenização, a título de danos morais, ao filho pela falta de convívio, mesmo que venha atendendo ao pagamento da pensão alimentícia. A decisão da justiça de Minas Gerais, apesar de ter sido reformada pelo STJ, continua aplaudida pela doutrina e vem sendo amplamente referendada por outros julgados. Imperioso reconhecer o caráter didático dessa nova orientação, despertando a atenção para o significado do convívio entre pais e filhos. Mesmo que os genitores estejam separados, a necessidade afetiva passou a ser reconhecida como bem juridicamente tutelado”. (DIAS, 2009, p.417)

Frente aos clamores e reclames da doutrina e dos Tribunais de Justiça que aceitavam a possibilidade jurídica de indenização do dano moral decorrente do abandono afetivo da filiação, sabidamente a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça modificou o entendimento até então consagrado, assegurando a possibilidade da exigência de indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais.

Segue, o atual posicionamento da Corte Superior:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ, Resp 1159242 / SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 24.04.12, DJe 10.05.12).

Desta maneira, percebe-se que o atual entendimento jurisprudencial, ainda que existam opiniões contrárias, é da possibilidade de indenização decorrente do abandono afetivo dos pais, uma vez que cuidar da prole é um dever legal, configurando o seu descumprimento, ilícito civil.

Conclusão

A família contemporânea, com o declínio do patriarcalismo, tornou-se um instituto de natureza afetiva, nas relações familiares o vínculo sanguíneo não é mais a sua principal característica, hoje, ele é secundário. A Constituição Federal de 1988 introduziu modificações significativas no direito de família, ao determinar a igualdade de direitos entre os filhos independentemente da origem, ao mesmo tempo em que conferiu a mais ampla proteção à criança e ao adolescente, ao considerá-los sujeitos de direitos e, portanto, merecedores de tutela jurídica.

A relação paterno-materna filial atualmente é carregada de deveres, os quais precisam ser cumpridos para que a criança e o adolescente se tornem adultos éticos e sociáveis. Os pais devem cuidar e propiciar aos seus filhos amor, carinho, atenção, ou seja, afeto, o qual deve estar presente em todos os campos de formação do indivíduo.

O dever dos pais não se restringe à natureza alimentar, ele abrange o direito de convivência familiar, o direito à educação e o provimento de subsistência dos filhos. No entanto, o abandono afetivo, que constitui grave descumprimento dos deveres dos pais, priva a criança e o adolescente do direito constitucional de convivência familiar e de cuidados fundamentais, de amparo afetivo, psicológico, causando-lhe sérios danos.

Esses danos, em certos casos irreparáveis, devem ser ressarcidos, pois o pai não-guardião deve se conscientizar da má conduta na formação de sua prole. Com isso, faz-se necessária a reparação civil por abandono afetivo, a qual, no Direito de Família, é subjetiva, ou seja, necessita de comprovação da culpa ou dolo do agente causador.

A dor do abandono em si não é indenizável, mas sim a ausência do pai causada pela negligência de afeto e pela não convivência, ou seja, o genitor que descumpre o dever de convivência, consequentemente, abandona seu filho e desrespeita mandamento constitucional, praticando conduta ilícita.

Constatou-se que o entendimento jurisprudencial é conflitante. Em julgados anteriores, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça era no sentido de que o abandono afetivo, provocado pela omissão dos pais no cumprimento do dever de garantir ao filho a convivência familiar, implica tão-somente na destituição do poder familiar, conforme previsão do Art. 1.638, II, CC/02 e do art. 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente, já que não cabe ao poder judiciário obrigar um pai a amar um filho.

 O entendimento apontado, contudo, vem sendo superado, conforme denota julgamentos recentes. Isso porque não se está punindo a falta de afeto do pai para com o filho, mas a quebra do dever jurídico de convivência familiar, aliado a inobservância do princípio da afetividade. Portanto, não se pode admitir que o descumprimento de um dever jurídico seja reprovável tão-somente do ponto de vista moral, cabendo ao judiciário a tutela dos direitos da criança e dos adolescentes de forma positiva. Ademais, não se pode olvidar a lição de Maria Berenice Dias, para quem a destituição do poder familiar é um benefício ao pai que não quer mesmo ser pai.

Não se defende, porém, o uso irresponsável e leviano da reparação civil nos casos de abandono afetivo. Com efeito, apenas se fará possível a reparação pecuniária do dano moral, nestes casos, uma vez comprovada a existência dos requisitos caracterizadores da responsabilidade civil. Desta forma, deve-se comprovar, sobretudo, o nexo de causalidade entre a conduta omissiva do pai e o dano psicológico sofrido pela criança, o que apenas será possível com o apoio de laudos psicossociais.

Frise-se que, diante da ausência de lei específica regulando a matéria, a questão da indenização nos casos de abandono afetivo fica a critério dos magistrados, que devem fazer uma análise apoiada em laudos de especialistas e de forma prudente e contextualizada, a fim de evitar a “indústria do dano moral”, mas sem consagrar a impunidade dos pais que abandonaram seus filhos de forma voluntária e injustificada.

Por tudo isso, embora o poder judiciário não possa, de fato, obrigar um pai a amar um filho, até porque o amor é um sentimento gratuito e livre de qualquer imposição, verifica-se que ele possui meios de responsabilizar os pais pelo descumprimento de deveres jurídicos decorrentes do poder familiar. Desta feita, deve-se destacar a função pedagógica e preventiva da indenização nos casos de abandono afetivo, na medida em que auxiliará o pai a entender a importância do convívio familiar com a sua prole, bem como arrefecerá a prática de condutas omissivas, responsáveis por causar prejuízos irreversíveis no desenvolvimento da personalidade dos filhos.

Diante do exposto, sem esgotar a discussão temática, tendo em vista o longo caminho a ser percorrido até a concretização da reparação civil nos casos de abandono afetivo na filiação, procurou-se demonstrar a necessidade de uma tutela positiva por parte do Estado em relação aos direitos da personalidade da criança e do adolescente, com destaque à dignidade da pessoa humana, colocando-os a salvo de qualquer atitude negligente, que importe prejuízo para o seu desenvolvimento moral, intelectual e psíquico, direito fundamental assegurado no Art. 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Desta maneira, proteger o instituto da convivência e dos cuidados paterno-filial é proteger a própria dignidade humana, respeitando a afetividade e assegurando que através da indenização o autor do abandono afetivo não ficará impune, pois se não se pode obrigar um pai a amar seu próprio filho, pelo menos é possível condená-lo à reparação civil pelo descumprimento de seus deveres intrínsecos à paternidade e por violarem dispositivo constitucional, agindo, assim, ilicitamente.

 

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Informações Sobre o Autor

Alana Gabi Sicuto

Professora temporária na Universidade Estadual do Mato Grosso Advogada Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina e Pós Graduada em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera