Responsabilidade penal da pessoa jurídica

Resumo: Este trabalho visa fazer uma análise sobre a Responsabilidade penal da pessoa jurídica, abordando argumentos contrários e favoráveis, bem como a posição do Superior Tribunal de Justiça brasileiro, o STJ e demais jurisprudências sobre o assunto. Por fim, será trabalhada a Teoria da Ficção.

Palavras-Chave: Responsabilidade penal da pessoa jurídica

Abstract: This paper aims to make an analysis on the criminal liability of legal entities , addressing and opposing arguments for as well as the position of the Brazilian Superior Court of Justice, the Supreme Court and other jurisprudence on the subject. Finally , the Theory of Fiction will be crafted.

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Keywords : Criminal liability of legal entities

Sumário: 1 Definição. 2 Hipóteses Legais. 3 Argumentos Favoráveis. 3.1 Posição Do STJ. 3.2 Teoria da realidade ou da personalidade real. 4 Argumentos contrários. 4.1 Posição de Miguel Reale Jr., Cézar Roberto Bitencourt, José Cretela Jr. 4.2 Teoria da ficção. 5 Posicionamento sobre o tema. 6 Jurisprudência

1 DEFINIÇÃO

Todos nós sabemos que as pessoas físicas podem ser punidas penalmente por seus atos, porém e as pessoas jurídicas, há responsabilidade penal para elas? O que seria essa responsabilidade?

Responsabilidade penal da pessoa jurídica é a possibilidade de se punir, na esfera do direito penal, as ações cometidas pelas empresas (ou outras pessoas jurídicas) contra o ordenamento jurídico. Principalmente nas questões ambientais, nas quais as empresas, se decidirem deliberadamente, ignorar as normas e afetarem o meio ambiente de forma antijurídica, haverá, para inibir essas condutas, uma responsabilização não apenas no âmbito civil, mas uma punição na esfera penal.

Essas penas para a pessoa jurídica podem ser multas ou penas restritivas de direito ou até prestações de serviços à comunidade.

2 HIPÓTESES LEGAIS

Até 1988 não havia nenhuma previsão de pena para pessoa jurídica, porém, com a constituição cidadã mudou-se este paradigma. Com a carta magna houve o primeiro dispositivo legal que trata da responsabilidade penal da pessoa jurídica, não havendo nenhuma norma infraconstitucional que tratara do assunto em tela.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu Art. 173 diz “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em Lei. § 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.” E no Art. 225, § 3º exara que: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”, ressalta-se aí que são sanções PENAIS e ADMINISTRATIVAS.

Esta norma não tinha eficácia, pois não constava nenhuma outra lei que trata-se do assunto, se tratava da lei penal em branco, na qual não consta o complemento da lei.

Por isso os legisladores precisavam de uma outra norma para tratar do assunto e lhe dar aplicabilidade, esta lei foi a de número 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, pois no artigo 3º e demais artigos aduz o seguinte:

“Art. 3º: as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único: A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.”

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:

I – multa;

II – restritivas de direitos;

III – prestação de serviços à comunidade.

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:

I – suspensão parcial ou total de atividades;

II – interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

III – proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.

§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.

§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.

Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:

I – custeio de programas e de projetos ambientais;

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II – execução de obras de recuperação de áreas degradadas;

III – manutenção de espaços públicos;

IV – contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.”

3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS                                 

Existem diversas posições doutrinárias à respeito da responsabilidade penal da pessoa jurídica, entre elas apontam, principalmente, dois argumentos favoráveis e dois contrários.

3.1 Posição do STJ

O primeiro é a posição do STJ, e de outros doutrinadores como Édis Milaré, que dizem que se pode responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas, porém deve ser em conjunto com uma pessoa física. Fala o STJ que o Ministério Público (MP) não poderá formular denúncia única e exclusivamente contra a pessoa jurídica, deverá, pois sim, arrolar pelo menos uma pessoa física ao caso, sob pena da exordial não ser válida. (REsp 610.114/RN)

Nos casos de crimes ambientais, para o Superior Tribunal de Justiça, as pessoas jurídicas são passíveis de imputação, desde que sejam também imputadas o ente moral e a pessoa natural que age em seu nome. Nesse sentido: EDcl no REsp 865.864/PR, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador Convocado do TJ/RJ), Quinta Turma, julgado em 20/10/2011)

Os doutrinadores desta corrente e o STJ entendem que a redação do art. 3º da Lei n.9.605/98 quando esta fala que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas nos casos em que a infração seja cometida “por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.” Além dos parágrafo único que fala que responsabilizar as pessoas jurídicas não excluirá as pessoas jurídicas.

GOMES, 2009, também explica que:

“Pelo referido dispositivo é possível punir apenas a pessoa física, ou a pessoa física e a pessoa jurídica concomitantemente. Não é possível, entretanto, punir apenas a pessoa jurídica, já que o caput do art. 3º somente permite a responsabilização do ente moral se identificado o ato do representante legal ou contratual ou do órgão colegiado que ensejou a decisão da prática infracional. Assim, conforme já expusemos acima, não é possível denunciar, isoladamente, a pessoa jurídica já que sempre haverá uma pessoa física (ou diversas) co-responsável pela infração. Em relação aos entes morais, os crimes ambientais são, portanto, delitos plurissubjetivos ou de concurso necessário (crimes de encontro).” (GOMES, 2009, p. 702-703).

3.2 Teoria da Realidade ou da Personalidade Real

O Supremo Tribunal Federal (STF), como tribunal que julga questões de constitucionalidade independente de embates concretos, também concorda que se pode responsabilizar a pessoa jurídica na esfera penal no caso de crimes ambientais. Porém, citando o § 3º do art. 225 da CF/88, este tribunal da mais alta instancia do poder judiciário entende que não é necessário haver responsabilização de pessoas físicas para se punir penalmente as pessoas jurídicas por crimes de ordem ambiental.

O STF é bem normativo e pragmático, ele fala que pode-se haver responsabilidade penal da pessoa jurídica porque nossa constituição determinou dessa forma e que, em nenhum momento, o § 3º do art. 225 da CF/88 exara que, necessariamente, as pessoas físicas devem ser responsabilizadas juntamente.

Esta pena não ultrapassa, necessariamente, a pessoa jurídica da empresa, por ventura, alguns sócios, minoritários, que não tiveram responsabilidade alguma, e até agiram contra a decisão, não recebem a pena, mas devem suportar os efeitos da condenação.

Do ponto de vista doutrinário, o percussor da teoria foi Otto Gierke. Há também autores como Vladimir Freitas e Gilberto Passos de Freitas que defendem esta teoria:

“A denúncia poderá ser dirigida apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra a autoria das pessoas naturais, e poderá, também, ser direcionada contra todos. Foi exatamente para isto que elas, as pessoas jurídicas, passaram a ser responsabilizadas. Na maioria absoluta dos casos, não se descobria a autoria do delito. Com isto, a punição findava por ser na pessoa de um empregado, de regra o último elo da hierarquia da corporação. E quanto mais poderosa a pessoa jurídica, mais difícil se tornava identificar os causadores reais do dano. No caso de multinacionais, a dificuldade torna-se maior, e o agente, por vezes, nem reside no Brasil. Pois bem, agora o Ministério Púbico poderá imputar o crime às pessoas naturais e à pessoa jurídica, juntos ou separadamente. A opção dependerá do caso concreto.” FREITAS, 2006, p. 70”.

4 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS

Há também posições doutrinárias à respeito da responsabilidade penal da pessoa jurídica que são contrárias às posições emanadas pelos nossos tribunais superiores.

4.1 Posição de Miguel Reale Jr., Cézar Roberto Bitencourt, José Cretela Jr

Estes doutrinadores, minoritários, não entendem que a Constituição Federal de 88 previu uma responsabilidade penal da pessoa jurídica, a carta magna responsabilizou, tão somente a responsabilidade administrativa.

Para eles, o § 3º do art. 225 da CF/88, diz que os infratores pessoas físicas estão sujeitos a sanções penais enquanto os infratores pessoas jurídicas a sanções administrativas. Logo, as sanções penais são definidas apenas para as pessoas físicas.

4.2 Teoria da Ficção

 Esta teoria diz que a responsabilidade penal da pessoa jurídica vai em oposição à teoria finalista, teoria do crime adotada no nosso país e que, por isso, não pode se punir penalmente as empresas e demais pessoas jurídicas.

Savigny, principal expoente na doutrina desta teoria, entende que as pessoas jurídicas são puras abstrações, societas delinquere non potest, e como tal não tem consciência, vontade e finalidade próprias. Então não podem, de forma alguma, praticar condutas de pessoas físicas, como as condutas criminosas.[1]

Logo, como as empresas não tem dolo ou culpa, não têm condutas e não tem imputabilidade, muito menos têm potencial consciência da ilicitude, pois não tem consciência. Pelo conceito analítico de crime, não têm tipicidade e culpabilidade, logo não há o que se falar em pena e crime.

Além disso, a função da pena é prevenir os crimes e reeducar os infratores, como as pessoas jurídicas são entes fictícios, não podem, portanto, assimilar os efeitos da sanção do direito penal.

Vários outros doutrinadores adotam essa teoria, sendo majoritária entre as demais, podemos citar: Pierangelli, Zafaroni, René Ariel Dotti, Luiz Regis Prado, Alberto Silva Franco, Fernando da Costa Tourinho Filho, Roberto Delmanto, LFG, e muitos outros.

5 POSICIONAMENTO SOBRE O TEMA

SIM. Este autor opta pela Teoria da Realidade ou da Personalidade Real, e entende que é plenamente possível a responsabilização penal da pessoa jurídica no caso de crimes ambientais porque assim determinou o § 3º do art. 225 da CF/88 e também é entendimento do STF.

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A pessoa jurídica pode ser punida penalmente por crimes ambientais ainda que não haja responsabilização de pessoas físicas. Pois muitas vezes não é possível identificar quais pessoas estiveram envolvidas no caso concreto, mas, como o objetivo era aumentar o capital ou a influência da empresa, esta deve ser, portanto, punida penalmente, principalmente nos casos ambientais, nos quais os danos são extensos e muitas vezes irreversíveis.

Porém, se há possibilidade de se punir, também e em conjunto, as pessoas físicas envolvidas no crime, dever-se-á ser feito. Pois a pena, quando afeta diretamente a pessoa física, pune melhor a conduta, que provavelmente cometeria outros crimes, mesmo que em nome da empresa.

6 JURISPRUDENCIA

A jurisprudência que pegamos se trata de um Crime ambiental: o RE 548181 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO (Processo físico), com absolvição de pessoa física e responsabilidade penal de pessoa jurídica no Paraná, com o relator o MIN. ROSA WEBER publicado no ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213, divulgado em  29/10/2014 e Publicado em 30/10/2014 e com os demais envolvidos:

“EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido.”

A Decisão foi a seguinte:

“Preliminarmente e, por maioria de votos, a Turma decidiu não apreciar a prescrição da ação penal, porquanto ausentes elementos para sua aferição em matéria estranha ao recurso, nos termos do voto da Relatora, vencidos os Senhores Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux. No mérito e, por maioria de votos, a Turma conheceu, em parte, do recurso extraordinário e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora, vencidos os Senhores Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, Presidente. Falou o Dr. José Gerardo Grossi. 1ª Turma, 6.8.2013.”

 

Referências
FALEIROS, José Luiz de Moura. Crimes Ambientais. Disponível em: < www.uvb.com.br/main/posgraduacao/CienciasCriminais/AulasImpressas/CCTD_Aula05 Extra.Pdf. > Universidade Anhanguera – UNIDERP – IPAN – REDE LFG.
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de.  Crimes contra a Natureza. 8ª. ed. São Paulo: RT, 2006.
GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches (Coord.). Legislação Criminal Especial. São Paulo: RT, 2009, p. 691.
SMANIO, Gianpaolo Poggio. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5713. UNIDERP – IPAN – REDE LFG.
VIANA, Anny Ramos. A responsabilidade penal da pessoa jurídica: uma análise crítica. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 118, nov 2013. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&art igo_id=13786&revista_caderno=3>. Acesso em nov 2014.
 
Nota:
[1] GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches (Coord.). Legislação Criminal Especial. São Paulo: RT, 2009, p. 691


Informações Sobre o Autor

Antonio Moreno Boregas e Rêgo

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; Graduado no Curso Superior de Tecnologia em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar; Pós Graduando em Docência em Ensino Superior pela SENAC; Policial Militar do GATE com curso de Aperfeiçoamento Profissional em Operações Especiais e em Contraterrorismo


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