Ao longo das oito Constituições, a de 1988 foi a primeira a promover a participação da sociedade, mesmo que de forma viciosa; passou a reconhecer todos como cidadãos, pessoa e trabalhadores. Outra inovação foi a autonomia dada aos Processos ou Procedimentos relacionados ao Direito Administrativo, o que nunca tinha acontecido nas Constituições anteriores.
Com o advento da CF de 1988, Romeu Felipe Bacellar Filho afirma que o Princípio da Confiança foi substituído pelo Princípio da Finalidade Pública, segundo o qual, na estipulação pela lei, de competências ao Administrador Público, tem-se em foco um determinado bem jurídico que deva ser suprido, de forma que o sentido e o limite da competência são balizados pelo fim consubstanciado na lei. Na aplicação da legalidade de um ato administrativo, é imperioso o exame da observância do escopo legal originário. Com efeito, o princípio geral de toda atividade estatal exercida pela Administração Pública, é o bem comum.
Como a Constituição de 1988 dedicou capítulo próprio à Administração Pública, ensejou a formação de um Direito Administrativo nacional, baseado em normas constitucionais, lógicas, gerais e específicas, segundo o professor Moreira Neto.
Romeu Felipe Bacellar Filho também afirma que o Direito Administrativo Disciplinar, genericamente, tem pressuposto a competência constitucional da Administração Pública para impor modelos de conduta e as respectivas sanções, não só aos seus servidores, mas também às pessoas físicas ou jurídicas que, de alguma forma, incidam em condutas administrativamente reprováveis.
Hely Lopes Meirelles compartilha da mesma opinião, acrescentando que o Poder Disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente.
Pelegrini Grinover preleciona que, o Direito Administrativo Disciplinar designa Direito Administrativo punitivo interno, instrumento direcionado exclusivamente à repressão disciplinar dos servidores públicos. Afirma que o regime das sanções administrativas aplicada às demais pessoas sujeitas ao poder público estaria compreendido no Direito Administrativo punitivo externo.
O que importa, é que a Constituição Federal fixa de forma abstrata, nos três poderes, hipóteses que configuram condutas administrativas reprováveis e suas respectivas sanções, como por exemplo, o artigo 37, § 4º da CF, que apresenta sansões administrativas aplicáveis aos atos de improbidade administrativa, e o § 2º do mesmo artigo, que versa sobre punição da autoridade responsável pelo descumprimento de regras constitucionais sobre concurso público.
O Professor Romeu Felipe Bacellar Filho ressalta a autonomia do Direito Administrativo Sancionatório em face do Direito Penal, por uma questão constitucional. Para ele, não há sentido na previsão constitucional de linhas gerais de um regime administrativo sancionatório, se este não contasse com fundamentos diversos do Direito Penal. Exemplo nítido é o § único do artigo 52 da CF, que comina à prática do crime de responsabilidade, a perda do cargo com a inabilitação para o exercício da função pública “sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
Concorda Hely Lopes Meirelles, quando afirma que a punição disciplinar e a criminal têm fundamentos diversos e diversa é a natureza das penas. A diferença não é de grau; é de substância. Dessa substancial diversidade resulta a possibilidade da aplicação conjunta das duas penalidades sem que ocorra bis in idem. Por outras palavras, a mesma infração pode dar ensejo à punição administrativa (disciplinar) e à punição penal (criminal).
Tanto a sanção penal como a administrativa tem fundamento no poder punitivo estatal, mas se faz necessário diferenciar substancialmente condutas tipificadas como ilícitos penais e ilícitos administrativos. Assim, surgiram duas correntes doutrinárias: corrente qualitativa e corrente quantitativa.
A corrente qualitativa, defendida por alemães e italianos, admite que há uma diferença substancial entre o ilícito penal e o administrativo. Os ilícitos penais descreveriam uma conduta contrária aos interesses mais relevantes da sociedade, enquanto o ilícito administrativo teria por objeto uma conduta contrária a interesses meramente administrativos, ligados ao bom funcionamento da Administração Pública.
Já a corrente quantitativa, defendida pelos espanhóis, cria uma diferença material entre os ilícitos: condutas mais graves seriam apenadas com sanção penal e condutas menos graves com sanção administrativa.
Rafael Munhoz de Mello diz que as duas teorias pecam por diferenciar atos ilícitos de administrativos pelo critério metajurídico, sem fundamento no direito positivo. Em ambos os casos a diferença seria estabelecida com base no comportamento praticado pelo infrator, sem qualquer vinculação com o ordenamento jurídico. Ao jurista, não importa a natureza das coisas, mas sim a forma como elas são disciplinadas pelo direito positivo. Para ele, a distinção entre os tipos de ilícito deve ser feita com base na sanção que a ele é atribuída. Em suma, ilícito administrativo é o comportamento ao qual se atribui uma sanção administrativa e, ilícito penal é a conduta à qual é atribuída uma sanção penal, sendo que é o regime jurídico da sanção que permite separar os ilícitos administrativos e penais.
Em resumo, podemos perceber que a doutrina majorante, admite a possibilidade de punição por condutas administrativas reprováveis, tanto na esfera penal como na esfera administrativa, sem prejuízo e violação ao Princípio do Non bis in idem.
Informações Sobre o Autor
Beatriz Primon de Orneles
Acadêmica de Direito FIC