Responsabilidade tributária de terceiros

Sumário: 1 Introdução. 2 A responsabilidade nos casos do art. 134. 3 A responsabilidade nos casos do art. 135. 4 Como a jurisprudência vem tratando essa questão.


1. Introdução


Normalmente a responsabilidade tributária é do sujeito passivo da obrigação tributária, contribuinte ou responsável definidos, respectivamente, nos incisos I e II, do parágrafo único, do art. 121 do CTN. Contudo, nas hipóteses taxativamente previstas nos artigos 134 e 135 do mesmo diploma legal essa responsabilidade se estende a terceiros.


O objetivo deste estudo é o de distinguir as hipóteses do art. 134 das hipóteses do art. 135 e examinar a jurisprudência do STJ acerca dessa matéria.


2. A responsabilidade nos casos do art. 134


Dispõe o art. 134 do CTN:


 “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:


I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;


II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;


III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;


IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;


V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;


VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;


VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.


Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório”.


Por se tratar de responsabilidade solidária, alguns autores entendem que a responsabilidade das pessoas enumeradas nos incisos I usque VII independe da verificação da impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. O certo é que a própria norma condiciona a responsabilidade solidária de terceiros aí referidos a dois requisitos impostergáveis: a impossibilidade de o contribuinte satisfazer a obrigação principal e o fato de o responsável solidário ter uma vinculação indireta, por meio de ato comissivo ou omissivo, com a situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária. Quis o legislador, na verdade, referir-se à responsabilidade subsidiária, porque a solidária não comporta benefício de ordem (parágrafo único do art. 124 do CTN). O certo é que a atribuição de responsabilidade pelo crédito tributário a terceiro, prevista neste artigo 134, é excepcional, pelo que, suas normas devem ser interpretadas de forma restrita.


Acrescenta o parágrafo único desse artigo que a responsabilidade solidária, em matéria de penalidades, só tem aplicação em relação às de caráter moratório, ou seja, às multas pecuniárias relacionadas com o não pagamento de tributos. As multas decorrentes de descumprimento de obrigações acessórias não são transferidas às pessoas referidas no dispositivo sob comento. Embora nada tivesse dito sobre a correção monetária, não há dúvida de que esta, por decorrer normalmente da mora, inclui-se na responsabilidade do devedor solidário.


Merece exame específico, pela numerosidade de ocorrências, a responsabilidade dos sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Na prática, reina muita confusão, notadamente, com as hipóteses do art. 135.


 Na sociedade de pessoas, em tese, o sócio, independentemente de ser dirigente ou não da sociedade, responde pelas obrigações da sociedade de forma solidária e ilimitada. No dizer de Aliomar Baleeiro sociedade de pessoas “são as em nome coletivo e outras, que não se enquadram nas categorias de sociedades anônimas ou por quotas de responsabilidade limitada”[1]. Na sociedade por cotas de responsabilidade limitada o sócio só responde até o limite do capital subscrito. Esta sociedade caracteriza-se pelo fato da irresponsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade, quando seu capital está integralizado. Não há como confundir as duas espécies de sociedades.


Antes de mais nada, cumpre verificar se foram esgotados os meios de cobrança contra a sociedade, pois, como se depreende do texto legal, a responsabilidade solidária somente surge na hipótese de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Ao depois, cabe verificar se se trata de sociedade de pessoa, e não de sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Em seguida é preciso verificar quanto à intervenção ou omissão do sócio nos atos de que foi responsável na situação configuradora do fato gerador da obrigação tributária. É que não há no nosso sistema jurídico a figura da responsabilidade objetiva em relação a particulares, restrita que está às hipóteses de atos comissivos ou omissivos praticados pelo Estado ou pelos concessionários de serviço público, nos termos do § 6º, do art. 37, da CF.


Não pode o sócio ser responsabilizado sem culpa subjetiva. Por isso, o disposto no art. 124, II, do CTN deve ser interpretado de forma sistemática e em conexão com o art. 134, do CTN. Não basta que a lei diga que a pessoa expressamente nela designada é responsável solidário, como o faz o art. 13 da Lei n° 8.620/93, por exemplo. Além de violar o texto constitucional retro apontado, essa lei invadiu o campo reservado à lei complementar (art. 146, III, b, da CF). Daí a sua aplicação conjugada com o art. 134, do CTN conforme jurisprudência do STJ[2].


Finalmente, cumpre analisar o requisito da liquidação de sociedade de pessoa. O que vem a ser liquidação?


Liquidação é “meio pelo qual a sociedade mercantil, sob a mesma firma, com cláusula – em liquidação – dispõe do seu patrimônio, fazendo ajuste final de suas contas, terminando as operações encetadas, cobrando créditos, pagando suas dívidas, vendendo os remanescentes do seu fundo de negócio e distribuindo, por fim, entre os sócios, o ativo líquido ou os prejuízos que se verifiquem, segundo estabelecer a lei ou o contrato social[3].


 A liquidação, portanto, pressupõe dissolução da sociedade. Na sociedade de pessoa promove-se o distrato social.


Dissolvida a sociedade por deliberação dos sócios a expressão “em liquidação” passa a integrar a sua denominação e ela passa a dispor de seu patrimônio promovendo operações de cobrança dos créditos; pagamentos de dívidas; vendas de bens do ativo; e finalmente distribuindo, entre os sócios, o ativo líquido ou os prejuízo apurados de conformidade com a lei e o contrato social.


Estando a sociedade em fase de liquidação, verificada a impossibilidade de o seu ativo não ser suficiente para pagamento dos créditos tributários, respondem solidariamente com a sociedade os seus sócios. Contudo, essa responsabilidade limita-se apenas aos créditos tributários a que deram causa os sócios por seus atos comissivos ou omissivos. Não cuida o dispositivo sob comento de prática de ato ilegal ou contrário ao contrato social ou ao estatuto, nem de ato praticado com excesso de poder de que trata o artigo 135 do CTN. A responsabilidade dos sócios deriva simplesmente de sua condição de sócio de sociedade de pessoas, onde vige o princípio da responsabilidade solidária e ilimitada. Só que o CTN, de forma legítima, afastou a responsabilidade objetiva, exigindo a comissão ou omissão dos sócios nos fatos que ensejaram o desencadeamento da obrigação tributária (ocorrência do fato gerador).


Neste particular, não concordamos com o ensinamento de Hugo Brito Machado que parte da premissa de que o regime jurídico da sociedade de pessoa implica responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios que a compõem. São suas as palavras: “E não obstante na cabeça do artigo esteja dito que a responsabilidade de que se cuida nesse dispositivo diz respeito apenas aos atos nos quais intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis, em última análise a responsabilidade do sócio, prevista no inciso VII, depende exclusivamente de sua condição de sócio. Por isto é que restringe às sociedades de pessoa, nas quais a responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade é solidária e ilimitada”[4].


A doutrina há que se adaptar à realidade legislativa, e não o contrário. Nem a Corte Suprema pode agir como legislador positivo. Se a própria lei, para fins tributários, condicionou a responsabilização do sócio de sociedade de pessoa à presença de dois requisitos enumerados não há como pretender dispensar tais requisitos, invocando-se o regime jurídico da sociedade de pessoa que conduz à responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios. Inaplicável, ao caso, o art. 110 do CTN.


Para finalizar, não cabe à luz desse dispositivo sob comento cogitar de dissolução irregular de sociedade para promover a responsabilização pessoal dos sócios.


3 A responsabilidade nos casos do art. 135


“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:


I – as pessoas referidas no artigo anterior;


II – os mandatários, prepostos e empregados;


III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.


Vimos que o art. 134 cuida de responsabilidade solidária, na verdade subsidiária, das pessoas referidas nos incisos I a VII. O art. 135 cuida da responsabilidade pessoal das pessoas referidas nos incisos I a VII, do art. 134 (inciso I), dos mandatários, prepostos e empregados (inciso II), e dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado (inciso III).


Exatamente porque a responsabilidade é pessoal em todos os casos elencados no art. 135 o crédito tributário deve, necessariamente, resultar de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. Em todas essas hipóteses, ocorre a responsabilidade por substituição e não apenas responsabilidade solidária estritamente no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, como nos casos elencados no artigo antecedente. Essa responsabilidade por substituição, outrossim, inclui todas as penalidades, bem como as obrigações acessórias.


Repita-se, nos expressos termos do caput do art. 135, somente obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatuto acarretam a responsabilidade pessoal do administrador, sócio ou não. Exemplo de ato praticado com infração de lei é o contrabando ou descaminho. Caso típico de ato praticado com infração de contrato social é a hipótese em que o administrador (sócio ou não) realiza negócios jurídicos fora do ramo de atividade da sociedade. É o caso, por exemplo, de um dirigente empresarial do setor de compra e venda de calçados que resolve efetuar operações de compra e venda de gados. A responsabilidade pelo pagamento do tributo resultante dessa operação fica atribuída exclusivamente àquele dirigente empresarial. Ato praticado com excesso de poder significa qualquer ato praticado pelo administrador extrapolando suas atribuições, normalmente definidas no contrato social ou estatuto, de sorte que, nesse caso, infringe também a disposição contratual ou estatutária.


Na análise do art. 135 é importante salientar que não cabe ao contribuinte fazer a prova negativa dos fatos (excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto). O Código de Processo Civil, inspirado na legislação italiana e perfilhando os posicionamentos doutrinários de BETTI e de CHIOVÊNDA prescreve em seu art. 333:


O ônus da prova incumbe:


I o autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;


II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do autor”.


Como se vê, pelo Código de Processo Civil, cabe ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito, enquanto que incumbe ao réu a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo.


Fato constitutivo é aquele que faz nascer o direito, isto é, enseja a criação de uma relação jurídica. No caso, é o crédito tributário constituído contra as pessoas referidas no art. 135 do CTN. Fato extintivo é aquele que tem o condão de fazer cessar a relação jurídica como, por exemplo, o pagamento de aluguel na ação de despejo por falta de pagamento. Fato impeditivo é aquela circunstância que obsta a produção de efeito regular que deveria decorrer de um determinado fato como, por exemplo, a compra e venda celebrada com um menor. Fato modificativo é aquele superveniente que, sem excluir ou impedir a relação jurídica, enseja sua modificação como, por exemplo, pagamento parcial de uma dívida objeto de cobrança. Essas regras, contudo, não são absolutas. Às vezes o réu, sem negar absolutamente os fatos imputados pelo autor, alega outros fatos que importam na negação daqueles aduzidos pelo autor, hipótese em que compete-lhe o ônus da contraprova. Da mesma forma, a prova dos fatos extintivos, modificativos ou impeditivos nem sempre cabe apenas ao réu. Pode-se dizer que o ônus da prova deve ser repartido equilibradamente entre as partes, cabendo a quem afirmar ou agir, ou seja, cada parte deve fornecer os elementos de prova da alegação que fizer. Assim, o ônus da prova é de quem alega a existência ou inexistência de um fato do qual pretenda induzir uma relação jurídica.


Dessa forma, como a responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, referida no inciso III, do art. 135, deriva, não de sua condição de sócio da sociedade, mas de administrador de bens alheios, é preciso que o fisco comprove a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, conforme se trate de sociedade empresarial ou de sociedade sem fins lucrativos. Se o fisco constituir o crédito tributário contra diretor, gerente ou representante de sociedade empresarial ou de sociedade civil deve comprovar que aquele crédito resultou de ato praticado com excesso de poder ou infração de lei, contrato ou estatuto, enquanto administrador de bem alheio.


Nesse sentido é a jurisprudência do STJ, conforme ementa abaixo:


“EMENTA – TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. UNIFORMIZAÇÃO DA MATÉRIA PELA 1ª SEÇÃO DESTA CORTE. PRECEDENTES.1. Agravo regimental contra decisão que conheceu de agravo de instrumento e proveu o recurso especial da parte agravada.2. O acórdão a quo, nos termos do art. 135, III, do CTN, deferiu pedido e inclusão do sócio-gerente no pólo passivo da execução fiscal, referente aos fatos geradores da época em que pertenciam à sociedade.3. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente, e não apenas quando ele simplesmente exercia a gerência da empresa á época dos fatos geradores.4. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei nº 6.404/76).5. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III, do CTN).6. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. Precedentes desta Corte Superior.7. Matéria que teve sua uniformização efetuada pela egrégia 1ª Seção desta Corte nos EREsp nº 260107/RS, unânime, DJ de 19/04/2004.8. Agravo regimental não-provido.” (AgRg no Ag n° 930334/AL, Rel. Min. José Delgado, DJ de 1-2-2008, p. 447; RT-872/195).

Outrossim, a Portaria nº 180, de 25-10-2010, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional só permite a inclusão como responsável solidário na CDA mediante declaração fundamentada da autoridade competente da RFB ou da PGFN acerca da existência de uma das quatro situações: excesso de poderes; infração à lei; infração ao contrato social ou estatuto, e dissolução irregular da pessoa jurídica (art. 2º).


Uma questão que vinha sendo tratada de forma equivocada pela jurisprudência de nossos tribunais consistia na responsabilização pessoal do dirigente pelo não recolhimento do tributo devido, sob o fundamento de que houve infração legal. Sem dúvida, o não pagamento de tributo no prazo legal configura infração, da mesma forma que o inadimplemento de qualquer tipo de obrigação. Só que, no caso, o tributo não resultou da infração praticada, como exige o dispositivo sob comento pela simples razão de que a infração ocorreu após a constituição regular do crédito tributário.Hoje, essa questão já está superada com a edição da Súmula n° 430 do STJ:“O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.” [5]

4. Como a jurisprudência vem tratando essa questão


A jurisprudência do STJ, freqüentemente, tem combinado a hipótese de responsabilidade solidária prevista no inciso VII, do art. 134 (liquidação de sociedade de pessoas), com a hipótese de responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado prevista no inciso III, do art. 135 do CTN. Essa combinação, contudo, nem sempre é possível.


No primeiro caso, a responsabilidade solidária decorre da condição de sócio da sociedade de pessoas, observados os requisitos do caput do art. 134. No segundo caso, a responsabilidade, que é pessoal, decorre da prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, e não da condição de sócio. Aliás, neste último caso, para ser responsabilizado nem é preciso ser sócio, pois a responsabilidade decorre diretamente dos atos praticados com excesso de poderes ou com infração de lei, contratos ou estatutos. Por isso, opera-se a responsabilização pessoal por substituição. Daí porque estranho incluir a dissolução irregular de sociedade no rol de infrações a lei, porque o ato de dissolução de sociedade não pode ser consumado senão pelos seus respectivos sócios. Um dirigente, um administrador ou um representante da pessoa jurídica contratado não tem poder para dissolver a sociedade.


Entretanto, a tendência da jurisprudência do STJ é a da aplicação conjugada das hipóteses do art. 134, VIII e do art. 135, III, do CTN, criando a hipótese de dissolução irregular de sociedade, conforme se verifica das Ementas abaixo:


“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – CITAÇÃO NA PESSOA DO SÓCIO-GERENTE RESPONSABILIDADE PESSOAL PELO INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DA SOCIEDADE – ART. 135, III DO CTN.1. Em se tratando de sociedade que se extingue irregularmente, cabe a responsabilidade dos sócios, os quais podem provar não terem agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder.2. Não demonstrada a dissolução irregular da sociedade, a prova em desfavor do sócio passa a ser do exeqüente (inúmeros precedentes).3. Nesse caso, é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o sócio somente pode ser pessoalmente responsabilizado pelo inadimplemento da obrigação tributária da sociedade se agiu dolosamente, com fraude ou excesso de poderes.4. Prevalece, também, nesta Corte, o entendimento de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não constitui infração à lei.5. Agravo regimental não provido” (AgRg no Ag n° 1032831/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 06-08-2002).“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE. FATO GERADOR ANTERIOR AO INGRESSO DO SÓCIO NA SOCIEDADE. REDIRECIONAMENTO. INCABIMENTO. AGRAVO IMPROVIDO.1. A responsabilidade do sócio, que autoriza o redirecionamento da execução fiscal, ante a dissolução irregular da empresa, não alcança os créditos tributários cujos fatos geradores precedem o seu ingresso na sociedade, como é próprio da responsabilidade meramente objetiva. Precedentes de ambas as Turmas da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça.2. Agravo regimental improvido” (AgRg no Resp n° 1140372/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 17-05-2010 – RDDT vol. 179, p. 173).No mesmo sentido: AgRg no Resp n° 1034238/SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de 4-5-2009 e AgRg no Resp n° 1153339/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 2-2-2010.

A aplicação do preceito do inciso III, do art. 135 aos casos de liquidação de sociedades por cota de responsabilidade limitada, como vem sendo feita, viola o princípio da legalidade tributária. Sociedade de pessoas não se confunde com a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, como já vimos. Não se pode utilizar da analogia em relação aos elementos constitutivos da obrigação tributária. Aliás, este fato está expresso no § 1°, do art. 108, do CTN:


“O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”.


Contudo, ante a realidade jurisprudencial do STJ é preciso definir o que se entende por dissolução irregular de sociedade. Pode um terceiro, que não seja sócio, dissolver a sociedade? Parece-nos que não. Dissolução é ato privativo dos sócios. Logo, não faz sentido a aplicação do inciso III, do art. 135 em relação a um administrador que não seja sócio.


Mas, o que significa dissolução irregular? É o fato de não ter dado baixa, ou melhor, não ter logrado cancelar a inscrição da sociedade dissolvida na repartição fiscal competente? Dar baixa do CNPJ é tarefa impossível para sociedade dissolvida por razões de inviabilidade financeira ou econômica, o que acontece na maioria dos casos. Se tiver qualquer pendência tributária (multa ou tributo em aberto) não será possível a baixa na Receita Federal. Se a abertura de firma é difícil, o seu encerramento é bem mais complicado. São “n” exigências burocráticas, não previstas em lei, que devem ser satisfeitas eletronicamente para lograr a baixa do CNPJ. As exigências fiscais, no caso, equivalem à obrigatoriedade de prévio pagamento de todos os débitos como condição para pleitear a recuperação judicial ou extrajudicial de empresa em dificuldade financeira.


Se a falta de baixa na repartição fiscal significar dissolução irregular, a acarretar responsabilidade pessoal do sócio, como tem entendido a jurisprudência, parece óbvio que estamos diante de nova hipótese de responsabilização pessoal de sócio, que não tem amparo no citado art. 135, III, do CTN. Afinal, não conseguir obter baixa na repartição fiscal, motivado por crédito tributário em aberto não configura, nem pode configurar, infração de lei, contrato ou estatuto, muito menos, o ato de dissolução pode ser reputado como tendo sido praticado com excesso de poderes. As enumerações da lei para responsabilização de terceiros são taxativas.


Na verdade, enxergar figura infracional onde não há previsão expressa na lei viola ostensivamente o art. 112 do CTN:


“A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:


Ià capitulação legal do fato;


II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;


III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;


IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.”


Ora, ao dissolver a sociedade por inviabilidade econômica ou financeira os sócios não praticam atos com excesso de poderes, nem incorrem em prática ilegal ou contra dispositivo do contrato social ou de estatuto. Ainda que essa situação fática ensejasse dúvida quanto ao enquadramento no art. 135, III, do CTN a interpretação deveria favorecer o contribuinte nos precisos termos do art. 112, I, do CTN.


Essa jurisprudência precisa ser revista à luz da realidade atual em que sociedade dissolvida não consegue obter baixa na repartição fiscal, ainda que tenha arquivado o instrumento de dissolução na JUCESP, ou no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, conforme se trate de sociedade empresarial ou de sociedade sem fins lucrativos.


Nesses casos, deve-se afastar a aplicação do art. 135, III, do CTN, que cuida dos casos de infrações praticadas por diretores, gerentes e representantes de sociedades empresárias, sócios ou não, aplicando-se apenas o art. 134, do CTN, responsabilizando solidariamente os sócios no caso de liquidação de sociedade de pessoas, mas exclusivamente naquelas hipóteses em que os referidos sócios, por omissão ou por ato comissivo, tenham contribuído para a concretização do fato gerador da obrigação tributária. Nesse caso, não se cogita de infração, bastando o estado de liquidação da sociedade, além dos requisitos do caput.


 


Notas:

[1] Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1970,  p. 434.

[2] Resp n° 811692, Rel. Min. José Delgado, DJ de 2-5-2006, p. 269; Resp n° 724077, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 11-4-2006, p. 242.

[3] Pedro Nunes. Dicionário de Tecnologia Jurídica.  Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961, p. 151.

[4] Comentários ao código tributário nacional. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 581-582.

[5] A posição do STF era nesse sentido de há muito tempo: RE n° 85.241, RT. 85/946; RE n° 97.529, RTJ 105/1262.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


logo Âmbito Jurídico