Roubo majorado x Porte ilegal de arma: uma abordagem diferente


Silogismo dos mais simples é aquele que concatena no fato típico: Tenho arma sem registro ou autorização. Porto-a ilegalmente. Logo, houve a subsunção da conduta (portar arma ilegalmente) ao fato descrito, caracterizando o ilícito. O comportamento, por si só, exaure o conteúdo do tipo legal; crime de mera conduta, portanto.


Esta análise, porém, se limita ao porte ilegal de arma em si mesmo.


Se o agente utiliza arma de fogo para a prática de roubo, por exemplo, sendo tal circunstância considerada para majorar a pena prevista no artigo 157 do Código Penal, não há que se falar em sua condenação também pelo crime de porte ilegal de arma de fogo. Não se configura, desta forma, o bis in idem, rejeitado pelo princípio da consunção – aquele em que o crime mais grave absorve o mais leve.


Minha insatisfação se encontra aqui.


Duas são as possibilidades: ou o indivíduo é condenado pela prática do ilícito “roubo com porte de arma”, ou o agente é absolvido por falta de provas (não cogitaremos a inocência, por favor).


Agora, esquecendo o princípio da consunção, do non bis in idem, ou outro garantismo qualquer, remetam-se, leitores, para o já referido porte ilegal de arma. Uma vez que não foi comprovado o roubo, a absolvição se torna total. E, sim, aquele auto de apreensão, lá do início do processo, será esquecido. O que discordo. Afinal, já aponta a classificação: o porte ilegal de arma é crime de mera conduta. Não de muita conduta ou certa conduta.


A meu ver, caso não comprovado o roubo em questão, o réu deve ser, ao menos, responsabilizado nos termos do artigo 14 da Lei 10.826/2003. E não adianta nem argumentar in dubio pro reu. Uma vez apreendida a arma, é provado o porte ilegal de arma. Nenhuma dúvida disso.


Obtempere-se que o princípio da consunção é ferramenta indispensável no direito, assim como o bis in idem. Ao mesmo tempo, considero válido tais princípios quando na certeza da condenação. Aí sim, vale o estratagema da política criminal.


Imaginem o indivíduo que porta arma ilegalmente. Condenado, pode pegar um bom tempo de prisão. Agora, imaginem a situação já cogitada, na qual o agente rouba utilizando arma de fogo. Este, se absolvido (por falta de provas talvez), será declarado “inocente” por tudo que pode ter cometido e que cometeu.


Claro, você deve estar pensando: bom, mas o Ministério Público denunciará o agente só quando tiver indícios suficientes de autoria e materialidade. Ou denunciar pelo roubo (presumidamente realizado), ou pelo porte ilegal de arma (comprovadamente realizado). Atenta-se para a definição de indício pelo dicionário Michaellis: sinal ou fato que deixa entrever algo sem o descobrir completamente, mas constituindo princípio de prova.  Indício é apenas indício e não prova nada.


Indícios que no final podem não representar nada, mas que, entretanto, foram a juízo como parte da fase probatória.


Sendo assim, porque não denunciar pelos dois fatos? Caso o indivíduo não seja condenado pelo roubo, ainda há o porte ilegal de arma.


O desdobramento causal da situação não interessa para o porte ilegal de arma. Até porquê o porte ilegal de arma se consuma com a simples conduta. Mesmo utilizando a arma apenas para efetuar o roubo, ainda estarei portando-a ilegalmente. Os momentos consumativos das duas ações típicas não podem ser dados como iguais, mas sim semelhantes.


Vale indigitar Fernando Capez:


O agente que pratica o crime de roubo mediante emprego de arma de fogo, tendo o porte ilegal desta, responde pelo crime previsto no art. 10, da Lei n.º 9.437/97?


Sim, pois os momentos consumativos são diversos, na medida em que a incolumidade pública já havia sido violada muito antes de o roubo ser praticado, pois o agente trazia consigo a arma de fogo pelas ruas, pondo, já aí, em perigo a coletividade. O roubo posterior não nulifica essa lesão ao bem jurídico. Dois crimes em concurso material, portanto.”[1]


Observa-se a afirmação de Capez quanto a incolumidade pública já ter sido violada muito antes de o roubo ser praticado. Ocorre que, muitas vezes, o meliante alega ter achado a arma “na valeta”, abrindo, desta forma, margem para que se considere o porte ilegal de arma como sendo mero acessório para a prática do roubo. De qualquer sorte, e ainda assim, penso que não há que se aferir a quanto tempo o réu se encontra com a arma. Como já disse, o momento consumativo é, no máximo, semelhante. As duas condutas representam lesão a um bem jurídico separadamente.


Outrossim, menos impunidade é o que o país precisa.




Nota:

[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), volume 2/Fernando Capez. – São Paulo : Saraiva, 2003. Página 387


Informações Sobre o Autor

Filipe da Costa Kerber

Estagiário da Promotoria da Infância e Juventude. Acadêmico de direito da FURG


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