Resumo: Com as mutações sociais surgiu um novo conceito de entidade familiar, tornando-se necessária uma reavaliação dos institutos da licença maternidade e do salário-maternidade como um direito voltado, precipuamente, à proteção da criança e da família, especialmente, nos casos de óbito prematuro da mãe durante ou logo após o parto e nos casos de adoção por homem solteiro ou casal homoafetivo masculino.
Palavras-chaves: Direitos sociais. Previdência Social. Proteção à família e à criança. Ausência figura materna.
Abstrat: With social change new concept of family entity emerged, making it necessary reassessment of the institutes of maternity leave and maternity pay as a law aimed primarily at protecting the child and family, especially in the case of premature death the mother during or shortly after birth and in cases of adoption by single men or male couples homoafetivo.
Keywords: Social Rights. Social Security. Protection of the family and Child. Absence mother figure.
Sumário: Introdução. 1. Da proteção à maternidade. 2. Do novo conceito de família. 3. Licença-maternidade e licença-paternidade como medida de proteção à criança e à família. 4. A importância da licença-paternidade na ausência da figura materna. 5. A evolução jurisprudencial sobre o direito à licença-paternidade a partir da hermenêutica constitucional. 6. A normatização da licença-paternidade e do salário-paternidade – um avanço dos direitos sociais. Conclusão.
Introdução
O presente trabalho visa demonstrar o grande avanço ocorrido em sede de efetivação dos direitos sociais, mais precisamente, do direito à extensão do salário-maternidade aos homens em razão do falecimento prematuro da mãe durante ou logo após o parto ou até mesmo em caso de abandono da mãe incontinenti ao nascimento do infante, como também nos casos de adoção por homem solteiro ou casal homoafetivo masculino. É o dito salário-paternidade.
O salário-maternidade trata-se de benefício previdenciário concedido a toda mulher, segurada do Regime Geral da Previdência Social, em razão do nascimento do filho ou adoção. O referido benefício visa substituir a remuneração da mulher que se afasta do trabalho para se dedicar aos cuidados especiais da criança recém-inserida no seio familiar.
Desde a promulgação da Constituição Federal, o termo “família” abandonou o conceito ortodoxo e surgiu a entidade familiar plural, entendida como instituição privada de categoria sócio-política-cultural, formada a partir do casamento, união estável, família monoparental, família homoafetiva, dentre outros.
Não obstante o vanguardismo da Constituição Federal, muitos efeitos jurídicos advindos do reconhecimento dessas novas estruturas familiares ficaram relegados ao vácuo legislativo. Um dos pontos cruciais, era a ausência de instrumento normativo sobre o instituto da licença-paternidade e do salário-paternidade, sobretudo nos casos de adoção por homem solteiro ou por casal homoafetivo masculino, como também nos casos de falecimento precoce da mãe durante ou logo após o parto.
Nessa perspectiva, surgiu a necessidade de reavaliar os institutos da licença-maternidade, paternidade e à adotante em cotejo com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da proteção integral à criança e da proteção à família.
Esse vácuo normativo encontrou resposta no próprio ordenamento jurídico a partir do trabalho hermenêutico de ajustamento e reajustamento entre a realidade fática sob análise, as normas e os princípios orientadores do Estado Democrático de Direito vigente.
Nesse contexto, surgiram diversas decisões judiciais e, até mesmo, administrativas, favoráveis à concessão da licença-paternidade e consequentemente do salário-paternidade, nos mesmos moldes concedidos às mulheres, demonstrando a importância da hermenêutica como instrumento primordial para promover a coerência do ordenamento jurídico e garantir a máxima efetividade dos direitos fundamentais previsto na Constituição Federal.
Frente a essa mutação sócio-cultural e visando harmonizar o ordenamento jurídico, foi promulgada a Lei 12.873/2013, em 24 de outubro de 2013, que alterou a Lei 8.213/1991 – que trata dos benefícios previdenciários dos trabalhadores vinculados ao Regime Geral de Previdência Social – reconhecendo ao segurado do sexo masculino o direito a licença-paternidade e ao salário-paternidade, no caso de adoção e nos casos de falecimento da mãe, nos mesmos moldes do concedido à mulher.
1.Da proteção à maternidade
A proteção social à mulher gestante além de resguardar a parturiente dos efeitos fisiológicos do parto, afastando-a das suas atividades laborativas, busca resguardar os cuidados ao infante e preservar a família.
A Constituição Federal de 1988 garantiu, expressamente, a proteção à maternidade, dentre os direitos sociais, prevendo para gestante trabalhadora licença remunerada de 120 dias, sem prejuízo do emprego ou salário, in verbis:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
VIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias.”
Tal proteção previdenciária à maternidade, especialmente à gestante, também pode ser encontrada no art. 201, II da Constituição Federal:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”
A proteção à maternidade é vislumbrada na Constituição Federal como um direito social à trabalhadora gestante em razão do nascimento do seu filho ou da adoção de uma criança, em razão dos cuidados e da atenção que deve ser voltada ao infante.
A Lei 8.213/91, que dispõe sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social – PBPS, previu em seu art. 71 o salário-maternidade, tendo como fato gerador o parto.
Posteriormente, a Lei 10.421, de 15/04/2002, estendeu o direito à licença maternidade à trabalhadora que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança com até 8 anos de idade, cujo período variava de acordo com a idade do adotado:
“Art. 71-A. À segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias, se a criança tiver até 1(um) ano de idade, de 60 (sessenta) dias, se a criança iver entre 1 (um) e 4 (quatro) anos de idade, e de 30 (trinta) dias, se a criança tiver de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de idade.”
Segundo Marcelo Leonardo Tavares, o salário-maternidade é um dos benefícios previdenciários que visam à cobertura dos encargos familiares, tendo por objetivo a substituição da remuneração da segurada gestante durante os cento e vinte dias de repouso, referentes à licença maternidade[i].
Diante do novo conceito de família evocado pela Constituição Federal, tornou-se necessária uma reinterpretação da licença-maternidade à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da proteção integral à criança e da proteção à família, especialmente para os casos em que a mãe falece durante ou após o parto ou quando esta abandona o lar, logo após o nascimento da criança, bem como para os casos de adoção por homem solteiro ou por casal de homossexuais.
2. Do novo conceito de família
Conceitua-se família o conjunto de pessoas que possuem grau de parentesco entre si e vivem na mesma casa formando um lar. É considerada a instituição responsável pela educação dos filhos e por influenciar o comportamento dos mesmos no meio social, através de transmissão de valores morais e sociais que servirão de base para o processo de socialização da criança, bem como as tradições e os costumes perpetuados através de gerações.[ii]
A partir da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, a mulher começou a ingressar no mercado de trabalho e, a par disso, surgiram alterações no ambiente familiar. A figura paterna deixou de ser o centro do núcleo familiar, não sendo mais apenas o homem o responsável pelo labor da família.
Neste contexto, a família brasileira, a partir do advento da Constituição Federal de 1988, passou a ser redesenhada, com valores mais humanos, fraternos, plurais e igualitários, sempre fundados na dignidade da pessoa humana.
O caput do art. 226, da Constituição Federal, na medida em que dispõe que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, revela que todo e qualquer núcleo familiar, tenha sido constituído de que modo for, merecerá a proteção estatal, não podendo sofrer discriminações. Dessa maneira, a partir da Constituição Federal, o termo “família” abandona o conceito ortodoxo e surge o conceito de entidade familiar plural, que é aquela formada a partir do casamento, união estável, família monoparental, família homoafetiva, dentre outros. A família passa a ser entendida como categoria sócio-cultural.
De acordo com Maria Berenice Dias[iii], é difícil encontrar uma definição de família de forma a dimensionar o que, no contexto social nos dias de hoje, se insere nesse conceito. Atualmente, cada vez mais, a ideia de família afasta-se da estrutura do casamento originário: casamento, sexo e procriação.
Nesse diapasão, segue o Hard Case enfrentado pelo STF que reconheceu como entidade familiar a união homoafetiva:
“ADI: 4277 DF
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
DATA DE JULGAMENTO: 05/05/2011
Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.
2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.
3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.
4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição.
6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.[iv]”
Assim, a família como primeiro ambiente social no qual a pessoa se encontra inserida é o ponto de partida do direito contemporâneo.
3.Licença-maternidade e licença-paternidade como medida de proteção à criança e à família
A Constituição Federal previu expressamente a proteção à criança, reconhecendo-a como pessoa em desenvolvimento e carente de cuidados especiais, merecendo a proteção da família, da sociedade e do Estado.
Vejamos:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010) grifo nosso
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. “(Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, prevê um microssistema para proteção integral às crianças e adolescentes, frente à família, à sociedade e ao Estado.
Assim dispõe o art. 3º, do ECA:
“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
O Estatuto da Criança e do Adolescente quando estabelece os direitos das crianças enfatiza a absoluta igualdade de direitos entre filhos adotados e biológicos, segundo disposto no art. 20: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
As licenças maternidade e paternidade, seja em razão do nascimento de filho biológico, seja em razão da adoção, são direitos fundamentais de cunho social que efetivam a proteção constitucional do núcleo familiar, tutelando o direito dos pais ao afastamento do trabalho para se dedicar exclusivamente aos cuidados do filho recém-inserido no seio familiar, sem prejuízo da continuidade do vínculo de trabalho, da remuneração e garantido o cômputo do período para todos os fins de direito.
Desse modo, as licenças maternidade, paternidade e ao adotante são verdadeiros instrumentos viabilizadores da efetiva proteção à família e ao desenvolvimento da criança em estágio extremamente especial da vida. Trata-se, portanto, de período destinado à construção de laços e relações afetivas e aos cuidados especiais com o infante.
Nesse contexto, a regulamentação das licenças maternidade, paternidade e ao adotante são instrumentos jurídicos que visam concretizar a proteção à família, independentemente da modalidade em que se enquadre.
Nessa linha de raciocínio, segue a evolução da jurisprudência brasileira:
“PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. ÓBITO DA GENITORA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO EM NOME DO GENITOR. POSSIBILIDADE. – O salário-maternidade encontra-se disciplinado nos artigos 71 a 73 da Lei nº 8.213/91, consistindo em remuneração devida a qualquer segurada gestante durante 120 dias, com início no período entre 28 dias antes do parto e a data de ocorrência deste ou, ainda, à mãe adotiva ou guardiã para fins de adoção, durante 120 dias, em se tratando de criança de até 1 ano de idade, 60 dias, se entre 1 e 4 anos e 30 dias, de 4 a 8 anos. – O direito da adotante ao salário-maternidade foi inovação introduzida pela Lei nº 10.421, de 15 de abril de 2002. – Os cuidados com a criança norteiam o sistema previdenciário, no tocante ao referido benefício, tanto é que, nos casos de adoção, se presume a menor necessidade de auxílio quanto maior for a idade do adotado. Não se trata apenas de resguardar a saúde da mãe, interpretação que apenas teria sentido se mantida a proteção à mãe biológica, nos moldes da redação original da Lei nº 8.213/91. Com a extensão do direito à mãe adotiva, resta claro que se deve dar à palavra maternidade conotação mais ampla, dissociando-a daquela relacionada apenas ao parto e aleitamento, e ressaltando-se o direito da criança à vida, à saúde, à alimentação, garantido pela Constituição, no artigo 227, e instituído como dever da família. – Possibilidade de aplicação dos expedientes previstos no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, conforme redação dada pela Lei nº 12.376/2010. – Na hipótese em que a mãe venha a falecer, considerando-se o interesse da criança em ter suas necessidades providas, possível a concessão do benefício, por analogia, ao pai, ora viúvo, concretizando-se a garantia prevista no artigo 227 da Constituição Federal. – O benefício é previsto na legislação previdenciária, por prazo determinado, com sua respectiva fonte de custeio, e foi concedido a segurado (contribuinte) do Regime Geral. – Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TRF-3 – AI: 27307 SP 0027307-84.2012.4.03.0000, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, Data de Julgamento: 28/01/2013, OITAVA TURMA) GRIFO NOSSO”
4. A importância da licença-paternidade na ausência da figura materna
Como dito anteriormente, não dá para fechar os olhos para nova realidade que se descortina na qual a mulher cada vez mais está ganhando espaço no mercado de trabalho e os homens, por sua vez, participando na criação dos filhos e nos trabalhos domésticos.
Nessa perspectiva, não cabe a diferenciação quanto a importância do pai e/ou da mãe no desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social do infante.
A importância da figura paterna ganha relevo, especialmente, na ausência da mãe que falece durante ou logo após o parto ou abandona o lar após o nascimento da criança. Nesta situação, torna-se indispensável a presença permanente do pai que deverá exercer além de suas funções, também as funções que seriam esperadas da mãe.
Nesse sentido, segue orientação jurisprudencial reconhecendo o direito do pai à licença paternidade:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. ARTIGO 557, §1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. LICENÇA-PATERNIDADE NOS MOLDES DO SALÁRIO-MATERNIDADE. CONCESSÃO DA TUTELÇA ANTECIPADA MANTIDA. ARTIGO 273 E INCISOS DO CPC. ARTIGOS 226 E 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1- O risco de dano irreparável ou de difícil reparação é evidente, tendo em vista a situação sui generis em que o autor se encontra e considerando a proteção que a Constituição Federal atribui aos direitos da personalidade (vida e integridade). 2- O salário-maternidade, na dicção do artigo 71 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, é devido às seguradas da Previdência Social durante o período de 120 (cento e vinte) dias, sendo que o início desse benefício deve ocorrer entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. 3- No caso concreto, deve ser levado em conta o verdadeiro objetivo da licença-maternidade e do salário-maternidade que é a proteção do menor. Nada mais razoável que conceder o benefício previdenciário ao pai viúvo, que se deparou com um filho recém-nascido, alijado da proteção e dos cuidados maternos pelo óbito da mãe, sua companheira, em decorrência de complicações pós-parto. 4- Nesta situação, este pai deverá exercer além de suas funções, também as funções que seriam esperadas de sua esposa, em esforço hercúleo para suprir tal ausência, tanto fisicamente quanto emocionalmente, nos cuidados ao seu filho, que agora depende única e exclusivamente do agravado, em todos os aspectos. 5- O art. 226 da CF estabelece que a família, base da sociedade, goza da proteção especial do Estado. A proteção à infância faz parte dos Direitos Sociais, expressos no Art. 6º da Carta Magna. 6- Agravo a que se nega provimento.
(AI 00360577520124030000, DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, TRF3 – SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/10/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) GRIFO NOSSO”
Por outro viés, há situações em que não existe a figura materna, por exemplo, adoção por casal de homossexuais ou por homem solteiro. Nesses casos, a presença do pai durante os primeiros meses com o adotado é de extrema importância para o estreitamento do laço afetivo bem como para suprir as necessidades do infante, tanto física quanto psicologicamente.
Consoante dispõe o art. 227, § 6º, da Carta Magna, os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
Percebe-se, pois, que o princípio da igualdade está intimamente ligado ao instituto da adoção, uma vez que que representa uma modalidade de filiação na qual a criança é inserida na família, destinando–lhe a mesma posição da relação biológica, seja entre filhos de uma mesma família, ou de uma família em relação a outra.
Desse modo, mister que seja proporcionado os mesmos direitos ao pai, especialmente, o direito a licença-paternidade remunerada, nos mesmos moldes da licença-maternidade, de modo a garantir à figura paterna a participação plena na criação e educação do seu filho e proporcionar ao infante todos os meios para o seu pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.
5. A evolução jurisprudencial sobre o direito à licença-paternidade a partir da hermenêutica constitucional
A legislação brasileira, até bem pouco tempo, não disciplinava sobre as hipóteses de ausência materna, em razão do óbito da mãe durante ou logo após o parto e das situações em que a mãe abandona o lar após o nascimento da criança. Do mesmo modo, ficavam relegadas ao limbo jurídico-normativo as famílias homoafetivas masculinas e as monoparentais decorrentes da adoção por homem solteiro.
Esse vácuo legislativo que existia encontrou resposta no próprio ordenamento jurídico a partir da hermenêutica constitucional, pois no Estado Democrático de Direito vigente no qual impera os princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade, proteção à família e a criança seria inadmissível permitir que as crianças inseridas nessas famílias fossem assistidas somente durante os cinco dias após a adoção.
Para Renata Pereira Carvalho Costa[v]:
“O Estado Democrático de Direito, na verdade, muito mais do que imprimir a necessidade de uma constituição como vinculação jurídica do poder, trouxe para o epicentro a pessoa humana e sua dignidade. Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana passa a conformar um núcleo mínimo do qual emanam diretrizes para interpretação e aplicação dos direitos fundamentais. Ora, se os direitos fundamentais constituem um mínimo para a manutenção da dignidade humana, qualquer interpretação ou aplicação restritiva desses direitos não se amolda às exigências desse paradigma constitucional, sendo, portanto, ilegítima.”
Nos casos de ausência da figura materna, o julgador deve voltar seu olhar para os princípios orientadores do Estado Democrático de Direito, de modo a assegurar eficácia não apenas à Constituição, mas também, e a partir dela, a todas as normas do ordenamento jurídico.
Sob essa perspectiva, pode-se dizer que a constante adequação das normas aos fatos − um trabalho essencialmente entregue à clarividência dos intérpretes-aplicadores − apresenta-se como requisito indispensável à própria efetividade do direito, o qual só funciona enquanto se mantém sintonizado com a realidade social.
A partir desse trabalho hermenêutico, surgiram decisões judiciais e administrativas favoráveis à concessão do benefício do salário-maternidade para homens, garantindo a máxima efetividade dos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade, proteção à família e a criança.
Nesse sentido, seguem ementa e voto divergente condutor de acórdão, que garantiu o salário-maternidade ao pai em decorrência do óbito da mãe:
“RECURSO CÍVEL Nº 5002217-94.2011.404.7016/PR41
EMENTA
SALÁRIO-MATERNIDADE. REQUERENTE O PAI VIÚVO. ART. 71 DA LEI 8.213/91.
INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA. Conquanto mencione o art. 71 da Lei 8.213/91 que o salário-maternidade é destinado apenas à segurada, situações excepcionais, como aquela em que o pai, viúvo, é o responsável pelos cuidados com a criança em seus primeiros meses de vida, autorizam a interpretação ampliativa do mencionado dispositivo, a fim de que se conceda também ao pai o salário-maternidade, como forma de cumprir a garantia constitucional de proteção à vida da criança, prevista no art. 227 da Constituição Federal de 1988. Recurso do autor provido.
VOTO DIVERGENTE
O autor teve o pedido de salário-maternidade indeferido, ante a impossibilidade jurídica, considerado tratar-se de segurado do sexo masculino. A premissa adotada pelo voto do relator, para manter a sentença de improcedência, conquanto correta, não me parece possa ser invocada para essa excepcional situação vivida pelo recorrente. Foi o que me levou a divergir de Sua Excelência, para o que peço licença. A esposa do autor faleceu no sétimo mês de gestação, o que obrigou os médicos a uma cesariana de emergência para antecipar o nascimento do bebê, única de forma de salvar a sua vida, já que a da mãe a esta altura já não poderia ser salva. O autor, então, viu-se, de uma só vez, viúvo e responsável pelos cuidados de uma criança prematura. O INSS lhe negou o salário-maternidade porque a lei só fala em segurada, o que pressupõe requerente mulher. De fato, o art. 71 da Lei 8.213/91 diz que o benefício é devido à segurada. Isso, todavia, não impede que a lei seja lida à luz de circunstâncias excepcionais. De ordinário, como presumiu o legislador, a criança, ao nascer, tem uma mãe que lhe promova os cuidados primeiros. Sendo a mãe segurada, fará jus ao benefício pelo período legalmente estabelecido, como forma de permitir que, na sua vigência, possa a genitora dedicar-se, com a exclusividade que o momento exige, à tarefa de ser mãe. Situações excepcionais, todavia, exigem interpretação excepcional. No caso, a criança veio ao mundo órfã de mãe e a única pessoa de que dispunha para exercer o papel da mãe era o pai, por acaso segurado do RGPS. Penso que seja fundamental à compreensão da controvérsia a fixação de uma premissa, qual seja, a de que o benefício tem como destinatário a própria criança, muito embora deferido à mãe. Com efeito, é a criança quem precisa dos 120 dias para adequar-se à vida extrauterina e à rotina do novo lar. O salário-maternidade não é um benefício por incapacidade, já que a incapacidade decorrente propriamente do trabalho do parto não dura obviamente o lapso previsto no art. 71 da Lei 8.213/91. O salário-maternidade representa em verdade, para o bebê, a garantia de que terá à sua disposição alguém que lhe seja inteiramente dedicado durante período de tempo mínimo necessário para o seu pleno desenvolvimento nos primeiros meses de vida, sem que essa dedicação signifique qualquer diminuição do rendimento familiar, já por si mesmo abalado pela chegada de mais um membro. No caso dos autos, essa pessoa era o pai, não a mãe. Disso resulta que, ausente a mãe, como destinatária natural do benefício, mas presente o pai, que assumiu, em face da viuvez prematura, os cuidados com a criança, é ele também destinatário, por substituição, do salário-maternidade. Essa conclusão também pode ser extraída de forma direta da norma do art. 227 da Constituição Federal que, ao partilhar a responsabilidade pela vida dos menores entre pais, sociedade e Estado, permite sem dúvida uma leitura extensiva do texto do art. 71 da Lei 8.213/91, para amoldar o seu texto a situações excepcionais como a espelham os autos. Além disso, vejo que o autor é segurado do RGPS, de forma que estão presentes todos os requisitos para a concessão do benefício desde a DER. Poderão ser descontados eventuais valores já percebidos pela mãe falecida. Esse o contexto, pedindo redobrada vênia ao relator, dou provimento ao recurso para julgar procedente o pedido. Os valores devidos estarão sujeitos a juros e correção nos termos da Lei 11.960/09. Liquidação a cargo do juízo de origem.
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO AO RECURSO[vi].”
Além desse cenário em que a mãe falece durante ou logo após o parto, existem os casos de crianças adotadas por homem solteiro ou casal homoafetivo masculino, que o Judiciário também vem reconhecendo o direito ao pai ou um dos pais ao salário-paternidade.
Cita-se ementa de acórdão em julgado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região:
Nº CNJ: 0009306-04.2012.4.02.5101
Relator: desembargadora federal vera lúcia lima
Origem: terceira vara federal do rio de janeiro (201251010093060)
“E m e n t a
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. LICENÇA AO ADOTANTE. CARÁTER DISCRIMINATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO RECONHECIDO.
-Cinge-se a controvérsia ao reconhecimento do direito ao impetrante, servidor público federal, ao gozo do benefício licença adoção, previsto no artigo 210 da Lei 8.112/90, observada a prorrogação estabelecida no artigo 2º, § 3º, II, do Decreto 6.690/2008, uma vez que, comprovadamente, vive em união estável homoafetiva e obteve, junto com o companheiro, guarda de menor em caráter provisório.
-O Pretório Excelso, ao proceder à análise do artigo 1723 do Código Civil (Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família), nos autos da ADI 4277/DF, DJe 198 – DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011, deixou assentado que "ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do artigo 1723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de 'interpretação conforme à Constituição'. Isso para excluir do dispositivo em causal qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva".
-Assim, diante da ausência de previsão legal de licença ao adotante do sexo masculino nos moldes da licença à adotante (mulher), a sua negativa implicaria em tratamento discriminatório, que deve ser evitado, possibilitando, ainda, às crianças os mesmos cuidados dispensados por casais heterossexuais.
-A propósito, leia-se o artigo 210 da Lei 8112/90, que só prevê o benefício "à servidora": "Art. 210. À servidora que adotar ou obtiver guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, serão concedidos 90 (noventa) dias de licença remunerada. (Vide Decreto nº 6.691, de 2008) Parágrafo único. No caso de adoção ou guarda judicial de criança com mais de 1 (um) ano de idade, o prazo de que trata este artigo será de 30 (trinta) dias".
-Ademais, diante do contexto probatório, notadamente a Escritura Declaratória de Sociedade Convencional, Declaração do companheiro e adotante de que não pleitearia gozo de licença junto ao órgão em que trabalha, Termo de guarda provisória da menor, nascida em 02/08/2011, Declaração de que o impetrante é servidor da Fundação Oswaldo Cruz, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, tendo sido concedida licença paternidade de 5 dias consecutivos, conforme o artigo 208 da Lei 8.112/90, no sentido de que não seria possível atender a equiparação de dias concedidos a servidora adotante por não haver orientação legal, vê-se que os elementos coligidos se mostram suficientes para manter a concessão parcial da ordem.
-Verifica-se, portanto, que faz jus o impetrante à concessão da licença ao adotante, da mesma forma que prevista a licença à adotante (do sexo feminino).
-Como, na espécie, a menor já teria completado um ano de idade quando do decurso do prazo de 90 dias da licença ao adotante, a prorrogação da licença deve observar, conforme decidiu o Magistrado a quo, o disposto no artigo 2º, § 3º, II, "b", do Decreto 6.690/2008, que, ao instituir o Programa de Prorrogação da Licença à Gestante e à Adotante, estabeleceu os critérios de adesão ao Programa e preceituou para as servidoras públicas, em gozo do benefício de que trata o art. 210 da Lei 8.112, de 1990.
-Desta forma, mantém-se inalterada a sentença que concedeu parcialmente a segurança, consolidando a liminar deferida anteriormente, para determinar a concessão da licença ao adotante, em razão da guarda judicial obtida, por 90 (noventa) dias, nos termos do artigo 210 da Lei 8.112/90, prorrogável por 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 2º, § 3º, II, "b", do Decreto 6.690/2008.
-Adoção, ainda, do parecer ministerial como razões de decidir.
-Recurso e remessa desprovidos.[vii]”
Nesse contexto, o Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS, atento à realidade social e a evidente mutação do benefício de salário maternidade, passou a reconhecer o direito dos pais adotivos receberem o salário paternidade nos mesmos moldes concedidos às mães. Segundo a presidenta da 1ª Câmara de Julgamento do CRPS, Ana Cristina Evangelista: “Estamos falando da Previdência reconhecendo salário-maternidade para um homem. Não poderíamos negar um direito que existe de fato por causa de uma questão semântica (na legislação, consta que 'beneficiária' tem direito ao salário). A criança tem o direito, o ECA assegura e esse foi o entendimento da composição da Câmara. Isso foi um grande avanço tanto para a área administrativa quanto para a previdenciária.”[viii]
Embora a decisão administrativa do CRPS tenha se desapegado da legalidade estrita, atendeu ao ditames da juridicidade, que congrega os preceitos da legalidade e da razoabilidade, promovendo a efetivação da dignidade da pessoa humana.
Segundo o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho[ix]:
“Assim, na esteira da doutrina mais autorizada e rechaçando algumas interpretações evidentemente radicais, exacerbadas e dissonantes do sistema constitucional vigente, é preciso lembrar que, quando se pretender imputar à conduta administrativa a condição de ofensiva ao princípio da razoabilidade, terá que estar presente a ideia de que a ação é efetiva e indiscutivelmente ilegal.
Inexiste, por conseguinte, conduta legal vulneradora do citado princípio: ou a ação vulnera o princípio e é ilegal, ou, se não o ofende, há de ser qualificada como legal e inserida dentro das funções normais cometidas ao administrador público.”
6.A normatização da licença-paternidade e do salário-paternidade – um avanço dos direitos sociais
Frente a essa evolução social e visando harmonizar o ordenamento jurídico, trazendo segurança aos atores dessa nova realidade social, foi promulgada a Lei 12.873/2013 que alterou a Lei 8.213/1991 – que trata dos benefícios previdenciários dos trabalhadores vinculados ao Regime Geral de Previdência Social – , ampliando o prazo do salário-maternidade para os casos de adoção, bem como reconhecendo ao segurado do sexo masculino o direito ao salário-paternidade, nos mesmos moldes do concedido à mulher, no caso de adoção e nos casos de falecimento da mãe.
Vejamos:
“LEI 12.873, de 24 de outubro de 2013
Nova Redação Lei 8213:
"Art. 71-A. Ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias.
§ 1o O salário-maternidade de que trata este artigo será pago diretamente pela Previdência Social.
§ 2o Ressalvado o pagamento do salário-maternidade à mãe biológica e o disposto no art. 71-B, não poderá ser concedido o benefício a mais de um segurado, decorrente do mesmo processo de adoção ou guarda, ainda que os cônjuges ou companheiros estejam submetidos a Regime Próprio de Previdência Social." (NR)
"Art. 71-B. No caso de falecimento da segurada ou segurado que fizer jus ao recebimento do salário-maternidade, o benefício será pago, por todo o período ou pelo tempo restante a que teria direito, ao cônjuge ou companheiro sobrevivente que tenha a qualidade de segurado, exceto no caso do falecimento do filho ou de seu abandono, observadas as normas aplicáveis ao salário maternidade.
§ 1o O pagamento do benefício de que trata o caput deverá ser requerido até o último dia do prazo previsto para o término do salário-maternidade originário.
§ 2o O benefício de que trata o caput será pago diretamente pela Previdência Social durante o período entre a data do óbito e o último dia do término do salário-maternidade originário e será calculado sobre:
I – a remuneração integral, para o empregado e trabalhador avulso;
II – o último salário-de-contribuição, para o empregado doméstico;
III – 1/12 (um doze avos) da soma dos 12 (doze) últimos salários de contribuição, apurados em um período não superior a 15 (quinze) meses, para o contribuinte individual, facultativo e desempregado; e
IV – o valor do salário mínimo, para o segurado especial.
§ 3o Aplica-se o disposto neste artigo ao segurado que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção.”
“Art. 71-C. A percepção do salário-maternidade, inclusive o previsto no art. 71-B, está condicionada ao afastamento do segurado do trabalho ou da atividade desempenhada, sob pena de suspensão do benefício.”
De acordo com o novo regramento, tanto o homem quanto a mulher terão direito ao salário-maternidade de 120 dias em caso de adoção ou guarda judicial para fins de adoção. No entanto, somente um dos cônjuges ou companheiros terão direito ao gozo do benefício, ainda que ambos sejam segurados do Regime Geral de Previdência Social – RGPS.
No entanto, ressalvado o pagamento do salário-maternidade à mãe biológica, não poderá ser concedido o benefício a mais de um segurado, decorrente do mesmo processo de adoção ou guarda, ainda que os cônjuges ou companheiros estejam submetidos a Regime Próprio de Previdência Social.
Portanto, será concedido apenas um salário-maternidade por adoção, cabendo ao casal a escolha de quem irá perceber o benefício, caso ambos os adotantes sejam segurados do RGPS. Na hipótese de um adotante ser um segurado do RGPS e o outro do RPPS, somente poderá ser concedido um benefício de salário-maternidade.
Outro ponto importante da lei, se refere aos casos de óbito da segurada ou segurado que teria direito ao recebimento do salário-maternidade, o benefício será pago, por todo o período ou pelo tempo restante a que teria direito, ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que este seja segurado do RGPS.
Desta feita, pode-se destacar os seguintes requisitos cumulativos para a concessão do denominado “salário-maternidade derivado”[x]:
a) Falecimento de um segurado ou uma segurada do RGPS que tenha direito ao salário-maternidade, estando ou não em gozo do mesmo;
b) Existência de cônjuge, companheiro ou companheira que tenha a qualidade de segurado no dia da morte;
c) Manutenção da vida do filho, que não foi abandonado pelo cônjuge, companheiro ou companheira sobrevivente;
d) Apresentação de requerimento ao INSS do salário-maternidade derivado até o último dia do prazo previsto para o término do salário-maternidade originário.
Ademais, a lei foi expressa ao mencionar que o segurado que vier a perceber o salário-maternidade ou o salário-paternidade deverá se afastar do trabalho, sob pena de suspensão do benefício pago pelo INSS.
.A vigência dessa nova lei iniciou no final de janeiro de 2014 (90 dias após a publicação da referida norma), que se deu em 25/10/2013.
A regulamentação do salário-paternidade foi um grande avanço em sede de direitos sociais, na medida que concretizou princípios e normas de proteção à família, desde o princípio da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da liberdade, e da proteção integral à criança.
Conclusão
De todo o exposto, extraem-se as seguintes conclusões:
1.Os direitos fundamentais de cunho social, que consolidam mecanismos de proteção à família e à criança, devem ser interpretados de modo a reconhecer o caráter sócio-político-cultural das relações humanas que deram ensejo ao novo conceito de entidade familiar.
2. A literalidade da Constituição Federal não esgota o rol dos direitos e garantias fundamentais, devendo ser constantemente reinterpretada de acordo com a evolução da sociedade.
3. Não deve ser dispensado tratamento diferenciado à criança em razão da ausência da figura materna nas relações familiares.
4. A ausência da figura materna não pode constituir empecilho capaz de privar a criança do desenvolvimento saudável e do estreitamento afetivo familiar.
5. As instituições do Estado tem o dever de fornecer os meios e recursos indispensáveis à efetivação da tutela de proteção à família e a criança, tendo em vista os princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da liberdade e do livre planejamento familiar.
6. O operador do direito não dever estar atrelado aos limites da lei, é necessário que no momento de aplicar o direito se oriente pelos os princípios consubstanciadores do Estado Democrático de Direito, de modo a assegurar a máxima efetividade não apenas à Constituição, mas também, e a partir dela, a todas as normas do ordenamento jurídico.
7. As licenças maternidade, paternidade e adotante são direitos fundamentais de cunho social que efetivam a proteção constitucional do núcleo familiar.
8. A edição da lei que reconheceu ao segurado o direito à licença paternidade e ao salário-paternidade, nos mesmos moldes do concedido à mulher, no caso de adoção e no caso de falecimento precoce da mãe, além trazer segurança ao ordenamento jurídico, reafirmou princípios fundamentais de igualdade, liberdade, cidadania, dignidade humana, justiça, fraternidade e solidariedade constantes do Título I da Constituição de 1988.
Informações Sobre o Autor
Juliana de Sousa Fernandes Torres
Procuradora Federal. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas- UNIFEMM. Pós-Graduada em Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus