Separação e Divórcio consensuais – desnecessidade de audiências e possibilidade de julgamento antecipado

Resumo: O presente artigo visa a demonstrar que, ante a nova ordem jurídica vigente, não há mais necessidade de audiências, em processos judiciais de separação e divórcio consensuais. Desse modo, haverá mera produção de provas com o pedido, ensejando julgamento ágil e antecipado do caso


Sumário: 1. Introdução. 2. Da desnecessidade de audiência 3. Da apresentação de declarações de testemunhas com o pedido inicial 4. Dos preenchimentos dos requisitos legais para o divórcio direito 5. Das questões de guarda, pensões e visitas 6. Conclusão. 7. Referências.


1. INTRODUÇÃO


Não obstante a superveniência da Lei 11.441/06, que acrescentou o art. 1.124-A ao Código de Processo Civil, possibilitando separação e divórcio consensuais por via administrativa, tem-se que ainda ocorre na maior parte do país pedidos por intermédio de processos judiciais.


Nesses processos, verifica-se que continua a haver designações de audiências, estendendo sobremaneira o tempo para que casais obtenham o resultado esperado, ante as cediças ‘falta da pauta para agendamento’, ‘redesignações’, manifestações posteriores das partes e do Ministério Público, além do prazo para que haja a sentença pelo magistrado e o trânsito em julgado dessa.


Assim, infelizmente, quando um casal opta por ingressar com o pedido de divórcio por via judicial (e muitos assim o fazem por entenderem que terão suas condições de hipossuficientes melhor consideradas, obtendo-se justiça gratuita e, conseqüentemente, não necessitando pagarem pelo ato de separação/divórcio e averbações, entre outras causas), ou quando há filhos menores de idade (situação em que a judicialização do pedido é obrigatória nos termos da lei), eis que muitos magistrados procedem a designação de audiências, para oitiva da vontande dos cônjuges ou, então, para oitiva de testemunhas, visando a comprovação do transcurso do lapso temporal exigido em lei.


Contudo, como será exposto a seguir, tem-se que pela dinâmica processual erigida pela Lei 11.441/06, aliada às linhas hermenêuticas que devem nortear a seara do direito da família, tratando-se de separação ou divórcio consensual, não há mais que se falar em designação de audiências.


Referido entendimento, já adotado em muitas comarcas do país, gera considerável desburocratização do acesso à prestação jurisdicional devida, com julgamento antecipado do caso, tornando célere a satisfação promovida às partes envolvidas.


2 – DA DESNECESSIDADE DE AUDIÊNCIA


Não se afigura mais necessária a realização de audiência, porquanto com a superveniência da Lei 11.441/06, que acrescentou o art. 1.124-A ao Código de Processo Civil, possibilitando separação e divórcio consensual por via administrativa, pois fim a razão da existência da audiência judicial, para os casos em que há consenso entre os cônjuges.


Antes do advento de mencionada lei, já era possível, em caráter excepcional, não ocorrer tal solenidade.


Eis elucidativa ementa:


“Separação consensual.(…) Ausência de um dos cônjuges, por residir no exterior. Evidência da impossibilidade fática e temporal de sua presença. Interpretação do § 4º do art. 34 da Lei Federal n 6.515/77. Suspensão do processo afastada. (RJTJESP, ed. Lex, vol. 94/97).


Observa-se que a audiência, ainda que em razão de exceções e fundamentações, jamais fora procedimento absoluto e estanque, comportando supressões, com julgamento de processos ocorrendo sem sua realização.


Agora, com o advento da Lei 11.441/06, caiu por terra a razão de tais ‘solenidades’ nos casos de separação e divórcio consensual, porque, ao possibilitar o ‘caminho administrativo’, deixou claro que não há mais necessidade da ‘presença do juiz e sua impressão’ sobre as vontades das partes e sua capacidade.


Afinal, era essa a essência e razão da solenidade:


“(…) Impõe a lei a verificação das vontades pelo juiz. Ou seja, há uma interferência do Estado no próprio encaminhamento do pedido. Necessário que seja atestado sobre a capacidade e espontaneidade do consentimento. O juiz identificará os cônjuges, terá contato com eles, e verificará se algum deles se encontra coagido ou não.”[1]


Tendo a legislação em vigor demonstrado que não há mais a necessidade desse crivo de análise ‘presencial’ pelo juiz sobre a vontade das partes, o que pode ser aferido nas informações -assinadas em conjunto- na petição inicial, bem como lembrando que o próprio ato instituidor do casamento é analisado apenas sobre o Processo de Habilitação em si (sem a presença física das partes perante o magistrado), claro se evidencia que a judicialização do pedido, seja qual for a motivação, desde que consensual, não mais enseja a famosa audiência para oitiva dos cônjuges acerca da vontade de se separar ou divorciar.


Referida linha interpretativa lança, pois, como regra a ser seguida, a não ocorrência de audiências nos processos de separação ou divórcio consensuais.


Poderia haver, então, a indagação acerca da prova testemunhal postulada, onde a oitiva se desenvolve como regra e, como tal, por intermédio de audiências.


Nesse tópico, tem-se que a apresentação de declarações escritas das testemunhas, já com a petição inicial, põe fim a qualquer necessidade de audiência no processo em tela, conforme fundamentos a seguir expostos.


3. DA APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÕES DE TESTEMUNHAS COM O PEDIDO INICIAL


Referente à comprovação do transcurso do lapso temporal exigido em lei, como ocorre, por exemplo, no caso de divórcio consensual direto, em que costuma haver designação de audiência apenas para o fim de se ouvir testemunhas que atestem estar o casal separado de fato por lapso temporal superior a dois anos, eis que se posta válida – e recomendada – a apresentação de declarações dessas testemunhas (com firma reconhecida), já na interposição da petição inicial, para constituição de referida prova.


Quanto à apresentação de declarações prévias de testemunhas, para demonstração de sua regularidade e perfeita possibilidade jurídica, impende trazer a lume as palavras de YUSSEF SAID CAHALI:


“Na realidade, desde que a nova ordem constitucional e legal se basta com a simples comprovação da separação de fato do casal por mais de dois anos consecutivos para conceder o pedido de qualquer dos cônjuges o divórcio direto, o rigor processual sem ao menos permitir a discussão de sua causa, então compatível com o caráter extraordinário do antigo divórcio direto já não mais está em consonância com as tendências liberalizantes do legislador: desde que para o divórcio consensual o art. 40, § 2°, se satisfaz ‘com a prova documental existente’, e considerando que a ação direta de divórcio sujeita-se ao procedimento ordinário do direito comum (art. 40, § 3°), parece certo que se pode admitir o julgamento antecipado da lide, porém não em razão da revelia do réu (tendo em vista o caráter indisponível do direito), mas em razão da desnecessidade de produção de prova em audiência (art. 330, I, do CPC), no pressuposto de que, sendo a questão de mérito unicamente de direito, o pedido está suficientemente instruído com prova documental da efetiva separação de fato dos cônjuges há mais de dois anos.”[2]


Eis, assim, a possibilidade de utilização de declarações como meio de prova do transcurso do lapso temporal exigido em lei, ensejando, também, o julgamento antecipado do processo.


4. DOS PREENCHIMENTOS DOS REQUISITOS LEGAIS PARA O DIVÓRCIO DIREITO


Apenas para não passar incólume de observação, já que se está tratando também de divórcio consensual, procedimento mais comum nos meios forenses e que não apresentam maiores celeumas, tem-se que ainda que haja nos autos algum embaraço de ordem patrimonial, não haverá óbice ao encerramento do matrimônio, conforme prevê a Constituição Federal.


Aliás, posta-se absurda e longe das linhas atuais de preservação da dignidade humana, a manutenção do estado de casado, para duas pessoas que declaradamente almejam o fim do casamento, havendo mera pendência patrimonial, passível de discussão em processo autônomo em vias ordinárias.


Seria o mesmo que, de forma ancestral e mercantilista, aceitar que uma pessoa terá que ‘ficar ligada à outra’ por questões econômicas.


A Constituição Federal, em seu art. 226, § 6º, estabelece:


“Art. 226, § 6º – O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.”


O Código Civil, em seu art. 1.580, dispõe:


“Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.


§ 1º – omissis;


§ 2º O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos” (grifo não constante no original)


Dessa forma, no divórcio direto, não se indagam os motivos que levaram os interessados a pedir o divórcio; mas, apenas, analisa-se com o pedido o tempo da separação de fato.


Sobre o assunto, oportunas as palavras de RODRIGO DA CUNHA PEREIRA:


“No divórcio direto pelo decurso do tempo predomina o caráter de divórcio- remédio- não se impondo que nada seja alegado senão o decurso do prazo de dois anos. Não influenciaria em nada indagar os motivos, ou causa da longa separação, quando basta o único pressuposto: o decurso do período de dois anos”[3]


Nesse diapasão, amoldando-se a pretensão dos interessados à exigência determinada no referido dispositivo, ou seja, tendo transcorrido o lapso temporal de mais de 2 (dois) anos da separação de fato entre os requerentes, pronto está o processo para o julgamento do divórcio.


5. DAS QUESTÕES DE GUARDA, PENSÕES E VISITAS


Por fim, no caso de existirem questões de guarda, alimentos e visitas, tratando-se de acordo entre ambos os cônjuges, pela qualidade de serem partes maiores e capazes e, não se verificando excepcional posição de aviltamento aos interesses de hipossuficiente (como nos casos de notório abandono ou desamparo aos menores de idade resultantes dessa relação), tem-se que deva haver a mera homologação judicial, na própria sentença.


Imperioso relembrar que a questão da análise da situação dos filhos, único óbice legal para que não ocorra separação ou divórcio consensuais pela via administrativa, deverá encontrar pálio protetivo devidamente comprovado, onde geralmente há manutenção de guarda por um dos cônjuges, com possibilidade de auxilio financeiro pelo outro.


6. CONCLUSÃO


Ante o exposto, conclui-se que não obstante haver em muitas comarcas do país, nos processos judiciais de separação ou divórcio consensuais, a designação de audiências para oitiva dos cônjuges e de testemunhas, tem-se que se trata de procedimento não mais exigido em lei, inclusive perdendo-se em fundamentos, apenas burocratizando a escorreita prestação jurisdicional cabível aos cidadãos em vias de separação/divórcio.


Desse modo, almejando a via judicial para a separação/divórcio ou, sendo assim levados pelo fato de existirem filhos menores de idade (situação em que a via judicial é obrigatória), tem-se que basta aos interessados, juntamente com a petição inicial em que postam suas vontades, juntarem declarações de testemunhas, com firma reconhecida, apontando o transcurso dos lapsos temporais exigidos em lei.


Em tempos de discussão acerca de possibilidade de mudanças legislativas, para promoção mais célere e desburocratizada de separações e divórcios, tem-se que o entendimento em tela certamente vem ao encontro dos anseios da população e, porque não dizer, também dos profissionais da seara jurídica, ante o notável ganho de tempo e satisfação de seus jurisdicionados.


 


REFERÊNCIAS

CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. Tomo 2. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1994.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família Contemporâneo. Belo Horizonte: Ed. Del Rey. 1997.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006.

 

Notas:

[1] RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006, p. 251.

[2] Divórcio e Separação. Tomo 2. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1994, p. 1280.

[3] Direito de Família Contemporâneo. Belo Horizonte: Ed. Del Rey. 1997, p.483.


Informações Sobre o Autor

Fernando Martins Zaupa

Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Constitucional pela UNAES/FESMPMS. Foi Analista Judiciário no TRF 3ª Região, advogado no Estado de São Paulo e Promotor de Justiça no Estado de Rondônia


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