A entorse de tornozelo é uma lesão comum, especialmente em ambientes de trabalho que exigem esforço físico ou movimentação constante. Embora em muitos casos a recuperação seja completa, algumas entorses podem gerar sequelas permanentes, como instabilidade articular, dor crônica, limitação de movimentos e até mesmo afastamento definitivo de certas funções profissionais. Quando essas limitações se confirmam, o trabalhador pode ter direito a benefícios previdenciários, como o auxílio-acidente, além de possíveis indenizações na esfera trabalhista ou cível.
Este artigo tem como objetivo esclarecer todos os aspectos jurídicos e práticos relacionados às sequelas de entorse de tornozelo, abordando o que diz a legislação brasileira, quais os critérios para recebimento de benefícios junto ao INSS, como comprovar a redução da capacidade funcional, o papel da perícia médica e o que fazer em caso de negativa administrativa. Também explicaremos como funcionam os pedidos judiciais, os direitos do trabalhador acidentado e a possibilidade de indenização por danos morais, materiais e estéticos.
O que é a entorse de tornozelo
A entorse de tornozelo é uma lesão traumática que ocorre quando os ligamentos que estabilizam a articulação do tornozelo sofrem estiramento excessivo ou ruptura parcial ou total, geralmente causada por uma torção brusca ou impacto. Essa lesão pode ocorrer em diversos graus:
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Entorse de grau I: leve estiramento dos ligamentos, com dor moderada e pouca ou nenhuma instabilidade.
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Entorse de grau II: ruptura parcial dos ligamentos, com inchaço, dor intensa e dificuldade de caminhar.
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Entorse de grau III: ruptura total de um ou mais ligamentos, com instabilidade evidente, hematoma e incapacidade funcional significativa.
Embora a maioria das entorses se resolva com repouso, imobilização e fisioterapia, há casos em que o quadro evolui para uma sequela permanente, especialmente quando o tratamento é tardio, inadequado ou a lesão é muito grave.
Possíveis sequelas permanentes após entorse de tornozelo
As sequelas mais frequentes após uma entorse grave de tornozelo incluem:
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Instabilidade articular crônica
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Dor persistente ao caminhar, subir escadas ou realizar esforço físico
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Perda de amplitude de movimento da articulação
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Artrose pós-traumática
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Necessidade de uso de órteses ou calçados especiais
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Limitação para permanecer longos períodos em pé
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Diminuição da força e resistência muscular na região
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Alterações na marcha, como claudicação
Essas limitações podem impactar diretamente a capacidade de trabalho do segurado, especialmente se ele exercia atividades que exigem movimentação constante, como operários, vigilantes, carteiros, trabalhadores da construção civil, profissionais da saúde, entre outros.
Quando a entorse de tornozelo dá direito ao auxílio-acidente
O auxílio-acidente é um benefício previdenciário com natureza indenizatória, pago pelo INSS, destinado ao segurado que, após um acidente de qualquer natureza, apresenta sequela permanente que reduza sua capacidade para o trabalho habitual. O benefício é regulamentado pelo artigo 86 da Lei nº 8.213/1991.
Assim, se a entorse de tornozelo deixar uma sequela que, mesmo após a consolidação da lesão, diminua a capacidade funcional do segurado, ele pode ter direito ao benefício.
Exemplos:
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Um trabalhador que, após entorse grave, passa a caminhar com dificuldade e não consegue mais realizar longos deslocamentos
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Um auxiliar de enfermagem que desenvolve dor crônica no tornozelo e não consegue mais levantar pacientes ou ficar longos períodos em pé
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Um operário que, mesmo após cirurgia, sofre limitação para subir escadas ou escadas improvisadas em obras
Nesses casos, mesmo que o trabalhador retorne ao serviço, o auxílio-acidente pode ser concedido como compensação pela limitação.
Requisitos para concessão do auxílio-acidente
Para que o INSS conceda o auxílio-acidente, o segurado deve preencher os seguintes requisitos:
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Ter a qualidade de segurado no momento da entorse
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Comprovar que a lesão deixou sequelas permanentes
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Demonstrar que houve redução da capacidade de trabalho habitual, ainda que parcial
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Passar por perícia médica do INSS, que ateste a limitação funcional
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Estar vinculado a uma categoria de segurado que faça jus ao benefício (exclui, por exemplo, o segurado facultativo)
O trabalhador não precisa estar afastado do trabalho para ter direito ao auxílio-acidente. Ele pode continuar exercendo suas atividades, com readaptação ou não, e ainda assim receber o benefício.
Como é calculado o valor do auxílio-acidente
O valor do auxílio-acidente corresponde a 50% do salário de benefício, que é calculado com base na média de todos os salários de contribuição desde julho de 1994 (ou desde o início das contribuições).
Exemplo:
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Um segurado tem média de salários de R$ 2.400
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O valor do auxílio-acidente será de R$ 1.200 mensais
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Esse valor será pago até que o segurado se aposente
O benefício é cumulativo com o salário, ou seja, o segurado pode continuar trabalhando e recebendo o auxílio.
Diferença entre auxílio-acidente e outros benefícios
É importante distinguir o auxílio-acidente de outros benefícios oferecidos pelo INSS:
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Auxílio-doença: pago durante o período de afastamento temporário por incapacidade laboral. Após a alta médica, ele é cessado.
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Aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez): concedida quando o segurado está total e permanentemente incapacitado para qualquer atividade profissional.
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BPC/LOAS: benefício assistencial pago a pessoas com deficiência e baixa renda, sem necessidade de contribuição anterior, mas que não é acumulável com outros benefícios.
O auxílio-acidente, ao contrário, é pago após a consolidação da lesão, quando não há mais necessidade de afastamento, mas permanece a limitação funcional.
Como comprovar as sequelas perante o INSS
A comprovação da sequela permanente é feita por meio de documentação médica detalhada, que será analisada na perícia médica do INSS. Devem ser apresentados:
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Relatórios médicos atualizados, com CID, histórico da entorse e descrição das limitações
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Exames de imagem (ressonância, tomografia, raio-X) demonstrando lesões ligamentares ou degenerativas
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Relatórios de fisioterapia indicando restrição de movimento, dor persistente, instabilidade articular ou marcha alterada
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Atestados sobre a necessidade de uso de órteses ou restrições físicas
É fundamental que os documentos sejam recentes, bem redigidos e claros ao descrever a limitação funcional e sua repercussão sobre a capacidade de trabalho.
O que fazer se o INSS negar o pedido
Se o INSS indeferir o pedido de auxílio-acidente alegando que não há sequela, que não houve redução da capacidade funcional ou qualquer outro motivo, o segurado pode:
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Apresentar recurso administrativo dentro do prazo de 30 dias, diretamente pelo aplicativo ou site Meu INSS
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Ingressar com ação judicial, preferencialmente com auxílio de um advogado, para obter o reconhecimento do direito por meio de perícia judicial
A Justiça Federal tem reconhecido, com frequência, o direito ao benefício mesmo em casos de lesão ortopédica aparentemente leve, desde que a limitação funcional seja comprovada.
Reabilitação profissional nos casos de entorse com sequela
Se a perícia médica entender que o trabalhador pode continuar ativo, mas precisa mudar de função, ele será encaminhado ao programa de reabilitação profissional do INSS. Esse serviço busca:
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Identificar as habilidades remanescentes do segurado
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Propor nova atividade compatível com suas limitações
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Oferecer capacitação profissional
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Fornecer equipamentos ortopédicos, se necessário
A reabilitação é obrigatória para manter o benefício. O segurado que se recusa injustificadamente a participar pode perder o auxílio.
Estabilidade no emprego após acidente de trabalho
Se a entorse de tornozelo ocorreu em razão do trabalho (acidente típico ou de trajeto), e o trabalhador recebeu auxílio-doença acidentário, ele terá direito à estabilidade no emprego por 12 meses após o retorno.
Isso significa que, durante esse período, o empregador não pode demiti-lo sem justa causa, sob pena de reintegração ou indenização. Esse direito é garantido pela Constituição Federal e pela jurisprudência trabalhista.
Indenizações por acidente de trabalho com sequela
Se a entorse ocorreu por falha da empresa, como ausência de Equipamento de Proteção Individual (EPI), piso escorregadio, escada irregular, ausência de treinamento ou ambiente inseguro, o trabalhador pode, além dos benefícios do INSS, buscar indenização por danos morais, materiais e estéticos.
Essa indenização é pedida por meio de ação na Justiça do Trabalho e pode incluir:
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Danos morais, pela dor, sofrimento e frustração
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Danos materiais, como despesas médicas e perda de capacidade de renda
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Danos estéticos, caso haja deformidade, cicatriz visível ou alteração da marcha
A condenação do empregador independe do pagamento de benefícios previdenciários.
Jurisprudência sobre sequelas de entorse e concessão de benefícios
A jurisprudência brasileira reconhece o direito ao auxílio-acidente e à indenização em casos de entorse de tornozelo com sequelas permanentes. Veja exemplos:
TRF-4 – Processo 5003345-89.2022.4.04.7100
“Auxílio-acidente concedido a segurado que, após entorse grave em tornozelo, permaneceu com limitação de dorsiflexão e dor persistente, comprovadas por laudos médicos.”
TRT-2 – Processo 1000247-13.2021.5.02.0030
“Empresa condenada a pagar R$ 40 mil por danos morais a trabalhador que sofreu entorse grave em escada irregular no canteiro de obras, resultando em incapacidade parcial.”
Esses precedentes mostram que, com provas consistentes, os tribunais reconhecem tanto o direito previdenciário quanto o direito à reparação civil.
Outras possibilidades de benefícios
Além do auxílio-acidente, a depender da situação, o trabalhador com sequelas permanentes pode ter direito a:
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Aposentadoria por invalidez, se não puder exercer nenhuma atividade
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BPC/LOAS, se estiver em situação de vulnerabilidade social e não tiver vínculos previdenciários
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Isenção de Imposto de Renda na aposentadoria, se a sequela for considerada grave
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Quitação de financiamento imobiliário, nos contratos com cobertura por invalidez permanente
Cada benefício exige análise específica e, muitas vezes, apoio jurídico para viabilizar o reconhecimento dos direitos.
Perguntas e respostas
Toda entorse de tornozelo dá direito ao auxílio-acidente?
Não. Somente aquelas que resultam em sequelas permanentes com redução da capacidade de trabalho, mesmo que parcial.
Preciso estar afastado do trabalho para ter direito ao auxílio-acidente?
Não. O benefício é pago mesmo que o trabalhador continue exercendo sua atividade, desde que com limitação funcional.
O auxílio-acidente é vitalício?
Não. Ele é pago até a aposentadoria do segurado.
Se a entorse aconteceu fora do trabalho, ainda posso receber o benefício?
Sim. O auxílio-acidente pode ser concedido em acidentes de qualquer natureza, inclusive domésticos ou de lazer.
E se eu nunca contribuí para o INSS?
Nesse caso, o benefício não será devido, mas você pode verificar se há direito ao BPC/LOAS, se estiver em situação de vulnerabilidade social e tiver deficiência.
O que fazer se o INSS negar meu pedido?
Você pode apresentar recurso administrativo ou ajuizar ação judicial com pedido de nova perícia.
O auxílio-acidente é compatível com o salário?
Sim. Ele é indenizatório e pode ser recebido mesmo que o segurado continue trabalhando.
Posso acumular o auxílio-acidente com a aposentadoria?
Não. O benefício é cessado automaticamente na concessão da aposentadoria.
Conclusão
A entorse de tornozelo, embora muitas vezes considerada uma lesão simples, pode deixar sequelas permanentes que comprometem a qualidade de vida e a capacidade de trabalho do segurado. Quando essas limitações são comprovadas, o trabalhador tem direito ao auxílio-acidente e, em alguns casos, a indenizações na esfera trabalhista ou cível.
Conhecer seus direitos, reunir documentação médica completa, realizar o requerimento com atenção aos detalhes e, se necessário, buscar o apoio jurídico adequado, são passos fundamentais para garantir o recebimento dos benefícios a que se tem direito. A perícia médica bem instruída, o correto enquadramento da lesão e a análise das condições de trabalho são determinantes para o sucesso do pedido.
A Previdência Social existe para proteger o trabalhador em situações como essa. Se você sofreu uma entorse de tornozelo e ficou com sequelas, não abra mão de buscar reparação legal e previdenciária. Seu direito deve ser respeitado.