Resumo: O trata da ncessidade da existência das pessoas juridica, em espeicla as sociedade, dentro do sistema jurídico brasileiro, biuscando as teorias que envolvem a formação do vinculo societário;
Sumário: 1.Pessoa; 2, requisitos para criação da pessoa jurídica; 3. Natureza das pessoas jurídicas; 4. Espécies de pessoas jurídicas; 5. sociedade; 6. Natureza jurídica da relação societária. 6.1. Teorias anticontratualistas; 6.2. Teoria Ecléticas; 6.3. Teorias contratualistas.
Para instigar e fomentar a reflexão gostaria de iniciar este texto com a seguinte citação:
“O que chamamos o começo é muitas vezes o fim. E fazer um fim é fazer um começo” (T.S. Eliot. Antologia, 1988, p. 154).
1. Pessoa
Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil e sendo assim todo ser humano é pessoa em razão de sua própria natureza e como tal é reconhecido pelo ordenamento jurídico. Logo o ser humano entra no mundo jurídico com o nascimento, trazendo consigo a eficácia do sujeito de direito. Prescreve Pontes de Miranda “ser sujeito de direito é estar na posição de titular de direito”. [1] A pessoa física é o ente na sua essência, possuidor de inteligência e capacidade. E essa pessoa já nasce com personalidade, que se exprime na aptidão para adquirir e contrair obrigações.
Sendo a personalidade a capacidade de ser titular de direitos, pretensões, ações e exceções e também de ser sujeito passivo de deveres, obrigações, ações exceções. Segundo Pontes de Miranda “a capacidade de direito e personalidade são o mesmo”[2]. E a capacidade de direito é a mesma para todos os seres humanos, pois, ante o princípio constitucional da Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º, todos são iguais perante a lei.
Contudo, além do ser humano, que tem personalidade, outras entidades ou instituições também podem ser sujeitos de direito, quais sejam estes entes denominados de pessoa jurídica. [3]
O ente social, porém, em pessoa se constitui exclusivamente por atribuição da lei, que cria sua unidade jurídica e a confere a conjuntos de pessoas ou conjunto de bens, os quais, para a obtenção determinados fins, se organizam ou são organizadas de modo a possuírem vontade própria, direitos e interesses distintos da vontade e dos direitos e interesses individuais de seus componentes, ou de seus dirigentes.
Suzy Elizabeth Cavalcante Koury[4], tratando da personalização da sociedade explica que
“apesar de a personalidade jurídica não lhe dar vida, pois já a possui, tem personalidade moral, é através dela que ficará assegurada a continuidade e a coesão dessa célula social fundamental, além do que, ao reconhecê-la, o direito adequar-se-á a uma ordem de idéias mais racional, mais verdadeira, indo ao encontro da realidade social.”
Consiste a personalidade na aptidão que a ordem jurídica reconhece às pessoas físicas e outorga às pessoas jurídicas, de ser titular de uma tutela jurídica especial consistente em reclamar direitos fundamentais, imprescritíveis ao exercício de sua existência[5]. Não apenas ser sujeito de direito e deveres[6], pois os entes despersonificados são detentores de direitos e deveres na ordem jurídica. Enquanto titulares de direito, poderá a pessoa jurídica, por seus órgãos e representantes legais, atuar no comércio e sociedade, praticando atos de negócios jurídicos em geral, assim, a pessoa jurídica passa a existir com o registro.
Com a aquisição da personalidade jurídica, haverá os patrimônios das pessoas que criaram a pessoa jurídica e o patrimônio do ente criado, que é autônomo àqueles. Isso demonstra que a entidade criada passa a ter características de pessoa natural, protegida legalmente. As obrigações da pessoa jurídica recaem sobre o patrimônio desta, a responsabilidade é sempre ilimitada[7], todavia o patrimônio dos membros também pode responder no caso de o patrimônio da pessoa jurídica seja insuficiente[8]. O patrimônio da pessoa jurídica é autônomo, logo, os credores dos criadores só poderão satisfazer a obrigação sobre o patrimônio destes, enquanto os credores da pessoa jurídica deverão buscar a satisfação no patrimônio desta. [9]
2. Requisitos para criação da Pessoa Jurídica
– Vontade humana criadora: a pessoa jurídica tem sua gênese na vontade humana, a qual, para ser eficaz, deve emitir-se na conformidade do que prescreve o direito objetivo;
Diante disto, Bruno Mattos e Silva[10] afirma que há pelo menos cinco hipóteses em que uma pessoa jurídica de direito privado não nascerá de uma união de pessoas: fundação; empresa pública; subsidiária integral; serviços sociais autônomos e; qualquer hipótese em que a lei criar uma pessoa distinta das anteriores.
– Observância das prescrições legais: porque é a lei que converte, formalmente, um aglomerado de pessoas ou bens em uma só pessoa jurídica. As condições legais variam de acordo com a modalidade de pessoa jurídica a ser adotada;
– Liceidade dos objetos: pois não se pode conceber que o direito reconheça a existência de um ente que seja a projeção da vontade humana para atuar e proceder em descompasso com a ordem jurídica que lhe possibilitou o surgimento.
3. Natureza das pessoas jurídicas
O conceito de pessoa jurídica tem merecido a atenção de inúmeros autores que tentam encontrar a sua natureza jurídica. Em sua obra José Lamartine Correia de Oliveira[11] classificou as concepções teóricas da pessoa jurídica num duplo critério, de visão da sociedade empresária e de noção de direito subjetivo[12].
Entre as teorias que explicam a natureza dos entes jurídicos temos: Teoria da ficção; Teoria da realidade objetiva e Teoria da doutrina orgânica; Teoria da realidade técnica; Teoria da destinação dos interesses; Teoria da propriedade coletiva; Teoria da vontade diretora; Teoria da propriedade de afetação; Teoria institucionalista; Teoria normativista ou da destinação das normas jurídicas; Teoria negativistas.[13]
Entre as teorias que explicam a natureza dos entes coletivos, destacam-se duas, as mais significativas.
A primeira é a teoria da ficção, que prevaleceu no século XIX e teve como defensor Savigny, que afirmava ser a personalidade jurídica fictícia, não decorrendo de ato natural, e, sim, legal. O ente jurídico nada mais é que uma criação artificial da lei, carecendo de realidade: sua existência teria por escopo apenas facilitar determinadas funções. A objeção de José. Lamartine Corrêa de Oliveira à teoria ficcionista é dupla. O voluntarismo inerente à noção de direito subjetivo é repudiado por Lamartine que, disciplina “a doutrina do Wollendürfen está hoje totalmente superada e leva à absoluta inexplicabilidade o caso dos loucos e dos menores impúberes”[14]. Contudo, “o velho vício do individualismo, de só enxergar duas realidades na sociedade, as realidades extremas – indivíduo e Estado – encontra magnífica acolhida em tal doutrina” [15] que, em última análise, deixaria os grupos intermediários reféns da arbitrariedade estatal pelo sistema da concessão que lhe é decorrente, ou ainda, não explicam a existência do Estado como pessoa jurídica.
A teoria da realidade, de origem germânica, sustenta que a vontade, pública ou privada, é capaz de dar vida a um organismo, que passa a ter existência própria, distinta da de seus membros, capaz de tornar-se sujeito de direito, real e verdadeiro. A idéia básica é que as pessoas jurídicas, longe de serem mera ficção, são uma realidade sociológica, seres com vida própria, que nascem por imposição das forças sociais. Pessoas jurídicas são corpos sociais, que o direito não cria, mas se limita a declarar existentes. [16]
José Lamartine Correia de Oliveira[17] entende a personalidade jurídica como uma realidade socialmente ôntica, analógica à personalidade humana.
A discussão mantém-se até o momento em aberto, sendo certo que a natureza da pessoa jurídica pode ser definida como um centro de imputação de normas jurídicas ou, então, seria encarada como novos atores na vida social. Iniciando a idéia de que o ente que o direito reconheceu como pessoa jurídica é um ser admitiu, entretanto, que aqueles se alteram de tal forma que a norma passa é a qualificar convenientemente o ser que regula. J. M. Coutinho de Abreu afirma que as pessoas jurídicas “são uma realidade jurídica, criação (recente) do direito”.[18]
Independentemente das considerações dogmáticas sobre a natureza da pessoa jurídica, certo é que a realidade social sofreu e vem sofrendo desenvolvimentos, com claras implicações no instituto da personalidade jurídica. [19]
Caio Mário da Silva Pereira afirma
“que todo homem é dotado de personalidade. O direito reconhece igualmente a personalidade aos entes morais, sejam os que se constituem de agrupamento de indivíduos que se associam para a realização de uma finalidade econômica ou social (sociedade e associações), sejam os que se formam mediante a destinação de um patrimônio para um fim determinado (fundações), aos quais é atribuída com autonomia e independência relativamente às pessoas físicas de seus componentes ou dirigentes”.[20]
Portanto, no que diz respeito às pessoas jurídicas tem-se que estas são criações do próprio direito, diferentemente das pessoas naturais. O sistema jurídico atua na atribuição de direito e deveres a todos estes entes, criados por ele próprio. Para o nosso direito, a pessoa jurídica tem realidade jurídica, pois o artigo 45 do Código Civil dispõe que a existência legal da pessoa jurídica começa com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. O art. 985, do CC prevê que “a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150)”. [21]
4. Espécies de pessoa jurídica
O direito, no entanto, disciplina taxativamente quais são os entes ou entidades dotados de serem caracterizados como pessoa jurídica. [22]
Assim, as pessoas jurídicas de direito público interno são: a União; os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; os Municípios; as autarquias, inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas pela lei. As pessoas jurídicas de direito público externo são as regulamentadas pelo direito internacional, abrangendo as nações estrangeiras, Santa Sé, uniões aduaneiras que tem por escopo facilitar o comércio exterior e organismos internacionais.
As pessoas jurídicas de direito privado, as sociedades, as associações, as fundações, os partidos políticos e as organizações religiosas (art. 44, do Código Civil).
As entidades religiosas são aquelas dedicadas ao culto, contudo para ser considerada como pessoa jurídica se faz necessário o registro no Cartório Civil de Pessoas Jurídicas da sua sede.
As pessoas jurídicas se diferenciam pela estrutura interna onde as sociedades e a associações são um agrupamento de pessoas e a fundação é um agrupamento de bens.
É marcante a distinção entre a sociedade e a associação, pois esta não se confunde com aquela, como parece mesmo evidente, em face do rol colocado, porque na associação não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio, formado por contribuição de seus membros para a obtenção de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, recreativos, morais etc. Este aspecto é importante para se evidenciar, desde já, que na sociedade, independentemente de ser simples ou empresária, há fim econômico e com o intuito de lucro, na associação, não pode haver.
As associações têm natureza civil e são personificadas a partir de seu registro no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, que na maioria dos casos brasileiros, estão anexados aos Cartórios de Registro de Títulos e Documentos. O interessado na criação de uma associação deve levar o estatuto aprovado pela assembléia e as atas de constituição, eleição e posse da diretoria, para que seja, então, efetivado o registro e a conseqüente personalização da pessoa jurídica, neste caso a associação.
O argumento aplicado às fundações não é diferente. São também entidades sem fins lucrativos, entretanto, não formadas por pessoas, mas por um patrimônio especial, uma sociedade de bens, que, após a personalização é afetado para que os fins da fundação sejam alcançados. A legislação prevê fins específicos para fundação que só poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência (art. 62, §§ único, do CC).
Silvio de Salvo Venosa destaca que “para a constituição da fundação há dois momentos bem delineados: o ato de fundação propriamente dito, que é a sua constituição emanada da vontade, e o ato de dotação de um patrimônio, que lhe dará vida”.[23] Realmente, o interessado ou interessados em criar a fundação primeiro emite a vontade, querendo instituir a fundação, mas esta enfrenta um ato complexo, vale dizer, não basta a vontade, há que se ter também um patrimônio destinado para a afetação e, ainda, o registro no cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
Normalmente o que ocorre primeiro é a elaboração do estatuto da fundação. Após este, deve-se fazer a escritura pública de dotação de bens. É esta escritura que tem o condão de dotar de bens a fundação. Tanto o estatuto como a escritura pública de dotação de bens devem ser apresentados para o membro do Ministério Público competente, que exerce a função de curadores das fundações, para que seja elaborado um parecer sobre a possibilidade de criação da respectiva fundação nos moldes desejados.
Veja-se, a respeito, o Enunciado nº 10 da Jornada de Direito Civil prevê que o “art. 66, § 1º: em face do princípio da especialidade, o art. 66, § 1º, deve ser interpretado em sintonia com os arts. 70 e 178 da LC nº 75/93.”[24]
Tem se sugerido que, como a escritura e o estatuto estão sujeitos ao crivo do Ministério Público, o melhor seria levar para a análise do membro ministerial as respectivas minutas, pois assim há economia de tempo e dinheiro no que concerne ao registro da fundação. O risco de modificação dos documentos, posterior ao parecer, não deve ser matéria de preocupação. É normal o parecer ser condicional à manutenção do texto analisado e ao registro, tanto assim que determina, após o registro por parte dos interessados, os documentos devem ser arquivados no próprio Ministério Público. Dessa forma, após estar em mãos com o estatuto, com a escritura de dotação de bens e com o parecer, o interessado deve levá-los ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas para que seja procedido o registro e a conseqüente personalização da fundação.
Estas disposições sobre associações e fundações são simplesmente elucidativo, para que possa se assentar melhor a matéria. O escopo aqui pretendido é o estudo das sociedades, como visto referida no inciso segundo do art. 44, do Código Civil.
No art. 44, §§ 2º do CC o legislador mencionou que as sociedades são objeto de estudo no Livro II da Parte Especial.
Ricardo Negrão preleciona que a
“Sociedade é o contrato celebrado entre pessoas físicas e/ou jurídicas, ou somente entre pessoas físicas (art. 1.039), por meio do qual estas se obrigam reciprocamente a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilhar, entre si, os resultados.” [25]
A sociedade, conforme o conceito acima, condiz a um mecanismo jurídico que é titular de bens e/ou recursos econômicos os quais lhe possibilitem o exercício da empresa destinada a propiciar lucros para os sócios, mas também os sujeita a perdas eventuais, nos casos em que as despesas daquela mesma empresa superem as receitas.
Como se vê, desde logo, as sociedades, diferentemente do que se tem no caso das associações e fundações, têm um fim econômico.
No entanto, a existência legal das pessoas jurídicas de direito só se inicia com a inscrição do seu ato constitutivo no respectivo registro, precedida quando necessário de autorização do Poder Executivo. Porém, para o Código Civil, nem toda sociedade é pessoa jurídica, tendo sido prevista duas espécies não personificadas. Na primeira, a legislação reconhece a existência de relações negociais entre os sócios antes mesmo de inscritos os atos constitutivos, sendo denominada de sociedade em comum (art. 986 a 990, do Código Civil). Na segunda a legislação entende que os contratos formalizados em contra de participação são considerados como sociedade, embora desprovidas de personalidade jurídica em virtude da lei (art. 991 a 996, do Código Civil).
Em conformidade com o Enunciado nº 143 aprovado pela III Jornada de Direito Civil, realizada em dezembro de 2004 dispõe que as entidades religiosas, os partidos políticos e os sindicatos possuem natureza associativa, aplicando-se no que lhes couber o Código Civil. No entanto, deve-se ressaltar que o regime jurídico das entidades religiosas[26] e dos partidos políticos[27] é diferente das demais associações.
5. Sociedade
Restringindo a caracterização das pessoas jurídicas descritas pelo direito passaremos a analisar a questão sobre o prisma do direito societário.
Para a constituição das sociedades (pessoas jurídicas de direito privado), é necessário a concorrência de três requisitos básicos: a) capacidade dos agentes, vontade humana criadora (conversão das vontade dos participantes do grupo na integração – affectio societatis)[28]; b) observância das condições legais de sua formação (necessário o cumprimento das determinações das normas jurídicas, bem como dos requisitos legais para a sua constituição); e c) a objetivação das finalidades (de sempre objetivar fim econômico, não vedado pelo direito).
Compilado os requisitos essenciais e satisfeitas as regras legais de sua formação previstas nos artigos 46 e 997 combinado com o artigo 104 todos do Código Civil, o ente jurídico adquire capacidade e personalidade jurídica, após o registro no órgão competente (art. 985). E estes fundamentos surgem como conseqüência natural e lógica, reconhecidos pelo próprio ordenamento legal (art. 45 do Código Civil).[29]
Segundo o Código Civil, a sociedade é fruto de contrato entre pessoas que, reciprocamente, se obrigam a contribui com bens e serviços para o exercício de atividade econômica, objetivando a partilha de resultados.
A sociedade é, portanto, uma união de esforços para o bom desenvolvimento de atividades econômicas, das quais uma única pessoa física não daria conta, onde a união se formaliza pelo contrato. A referida atividade pode restringir-se à realização de apenas um negócio ou a vários. O art. 981 do Código Civil disciplinar que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. Apesar deste disposto as sociedades podem ter como origem um Estatuto.
No entanto, a sociedade só pode adotar um dos tipos previsto na legislação. Assim, os tipos societários são os seguintes: Sociedade em Comum; Sociedade em Conta de Participação (não personificadas); Sociedade Simples; Sociedade Cooperativa; Sociedade em Nome Coletivo; Sociedade Comandita Simples; Sociedade Limitada; Sociedade Anônima e Sociedade Comandita por Ações (sociedades personificadas).[30]
6. Natureza jurídica da relação societária
Tendo em vista que a sociedade é uma complexa organização de pessoas e meios, que adquire uma objetividade autônoma em ligação as diversas relações jurídicas provenientes da sua constituição. A sua constituição surge por meio de um processo, onde a sua realização se dá pela série de atos ligados que se desdobram no tempo, o qual finda com o registro dos atos constitutivos junto ao órgão competente. Através da criação da sociedade, estabelecem-se verdadeiras e próprias relações jurídicas entre uma série de partes que se constituem em um grupo e assumem, reciprocamente, a obrigação de conferir meios materiais e/ou pessoas para dotar este ente, também, da organização necessária ao seu funcionamento e à consecução dos seus objetivos, que nada mais é do o exercício de uma atividade econômica. Estas partes podem fazer parte da constituição como sendo terceiros que ajudam a desenvolver a atividade.
O termo sociedade é utilizado na linguagem jurídica para designar uma pessoa jurídica de direito privado que através de um contrato societário onde as pessoas se obrigam reciprocamente a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. A legislação das sociedades Anônimas oferece a noção de sociedade como uma companhia que tem como origem como pessoa com o arquivamento do Estatuto na junta comercial.
A doutrina estrangeira vem assinalando uma polissemia falando da sociedade como contrato e como coletividade; contrato e entidade; negócio jurídico e pessoa jurídica; contrato e instituição. [31]
Fran Martins aponta que
“na prática se costuma confundir a sociedade empresaria, pessoa jurídica de direito privado, com o ato que a constitui. No entanto, são duas coisas diferentes: o ato, que pode ser um contrato ou não, e o elemento necessário para a formação da sociedade, sem o qual ela não existe. Pode esse ato ser um contrato, na acepção clássica do termo, ou seja, o acordo de duas ou mais pessoas coma finalidade de constituir, modificar ou extinguir obrigações, ou um ato semelhante ao contrato, que se chama ato institucional, para realização do qual são exigidos, alguns requisitos característicos dos contratos. (…) e complementa linhas abaixo que na realidade, a doutrina clássica admite que as sociedades são invariavelmente formadas por um contrato. A distinção entre contrato e ato institucional não é assim, geralmente aceita, se bem que tenha lógica.”[32]
Quando a sociedade for formada por dois ou mais sócios poderá ser constituída por contrato (negócio jurídico) ou mesmo por um ato jurídico lícito que não seja o contrato, porquanto existem atos constitutivos de sociedade sem natureza contratual (sociedades unipessoais) e sem natureza negocial (sociedade de economia mista[33] e empresa pública[34]).
J. M. Coutinho de Abreu prefere classificar a natureza como sociedade-ato jurídico e em sociedade-entidade e esclarece que
“Entre ato jurídico constituinte e entidade societária há uma íntima ligação: o ato faz nascer à entidade, está assenta geneticamente nele e por ele é em boa medida disciplinada. Mas, por outro lado, há um considerável desprendimento da sociedade-entidade relativamente ao ato constitutivo: afora o fato de a organização e funcionamento internos da sociedade serem em larga medida independentes do ato de constituição (sendo diretamente regidos pela legislação societária), ela é novo sujeito (distinto do(s) sócio(s)) que por si atua e se relaciona com outros sujeitos (não sendo, no essencial, tais atuação e relações da criatura disciplinada pelo ato criador…)”.[35]
A idéia da existência de sociedade unipessoal não é tão absurda, apesar de nosso Código Civil ter concebido a sociedade formada pelo contrato, nossa legislação já admite a exemplo de outras legislações estrangeiras a sociedade unipessoal. E, de fato: a) segundo o artigo 251 da Lei nº 6.404/76: “a companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira”. É a chamada subsidiária integral, regulamentada nos artigos 251 a 253 da referida lei. A exigência para a sua constituição vê se, é a seguinte: fazer-se por escritura pública e ter como único acionista sociedade, pessoa jurídica brasileira. A subsidiária integral, pois, é uma sociedade unipessoal desde o nascimento. b) O artigo 206, I, “d” da Lei 6.404/76 prevê a dissolução da sociedade pela existência de único acionista, verificada em assembléia geral ordinária, se o mínimo de dois não for reconstituída até a do ano seguinte, ressalvo o disposto no artigo 251 deste diploma legal. c) Em respaldo a esse entendimento, a seguinte regra, inserida no artigo 1033, IV do Código Civil dispõe que “dissolve a sociedade quando a falta de pluralidade de sócios não for reconstituída no prazo de 180 dias”. d) A empresa pública possui patrimônio próprio e capital exclusivo da União, ou seja, o único sócio ou acionista é a União e pode adotar qualquer dos tipos societários personificados existentes na legislação civil.
É a admissão da sociedade unipessoal na legislação brasileira. Se assim é, como explicar a formação de uma sociedade no direito brasileiro? Para responder a essa pergunta é preciso analisar as teorias a respeito.
6.1) Teorias anticontratualistas
As teorias do ato coletivo e do ato complexo foram difundidas por Kuntze, Messineo, Rocco se baseiam que não existindo oposição de interesses não há contrato. Tratar-se-ia de um negócio jurídico, no qual os parceiros formam uma nova pessoa de direito. Para os defensores desta teoria, diante das dificuldades de enquadrar o ato constitutivo às características dos contratos, sustentam que o ato que forma a sociedade não é um contrato. Rubens Requião analisando estas teorias demonstra que constituída a sociedade como ato complexo ou mesmo como ato coletivo, as manifestações dos sócios se fundiriam, aparecendo em face de terceiros como uma só vontade, resultante na sociedade empresarial. Diante dessa tese, afastado estaria o conceito de contrato, pois, no ato complexo como no ato coletivo, as vontades que se enfeixam são paralelas, destinadas a um fim comum, não se cruzam como nos contratos, podendo ter origem em um ato coletivo ou ato complexo. [36]
Para boa parte da doutrina alemã e para alguns autores italianos como Francesco Messineo, o ato constitutivo da sociedade seria um acordo coletivo no qual várias pessoas, possuindo um mesmo interesse, atuam como uma só parte. Tratar-se-ia de um negócio jurídico unilateral sem a dualidade ou pluralidade de partes exigidas para a formação dos contatos. Considera-se ato coletivo o “conjunto de manifestações de vontades paralelas, de conteúdo idêntico, proveniente de pessoas com o mesmos interesses”[37]. Sendo o Ato coletivo o acordo no qual as várias vontades dos participantes se unem, mas permanecem distintas e perfeitamente visíveis no âmago interno do ato. Os atos individuais se uniriam formando uma só unidade, contudo os elementos componentes seriam perfeitamente visíveis internamente, na unidade composta.
O Ato complexo, em que todas as vontades individuais dos participantes se fundem em uma só, perdendo a individualidade e formando uma única vontade, pois internamente (perante os sócios) e externamente (perante terceiros) as deliberações sociais é una, visto que são decorrentes da decisão da maioria dos sócios.
A diferença entre ato coletivo e ato complexo é refletida primeiramente nas vontades, mas não de forma única como ocorrem no caso do ato complexo no qual existe uma conjunto de vontade que se unem e transformam em uma manifestação unitária
A crítica que se coloca é que realmente na constituição existe um conflito de interesses. Cada sócio tenta obter o máximo de vantagens com a menor contribuição possível. Necessariamente nem todos os sócios visam os mesmos fins, pois possuem diversos interesses. A existência de vontade comum é limitada à procura do exercício de uma atividade econômica.
Logo, tais teorias não explicam, em nosso direito a formação da sociedade empresária.
A Teoria da Instituição elaborada por Hauriou, a teoria teve como ponto de partida as instituições de direito público, projetando-se no direito empresarial para explicar a natureza do ato constitutivo das sociedades anônimas. A instituição definida por Hauriou, como “uma organização social, estável em relação à ordem geral das coisas, cuja permanência é assegurada por um equilíbrio de forças ou por uma separação de poderes, e que constitui, por si mesma, estado de direito”[38].
Já Alberto Asquini afirmava que instituição é toda organização de pessoas lastreadas em relações de hierarquia e cooperação entre os seus membros em função de um objeto comum[39].
Fran Martins, afirma, expressamente, que o ato de constituição das sociedades em geral é uma instituição e não um contrato, pois a vida da sociedade não fica a depender da vida dos que as formam; sendo constituídas por prazo indeterminado, a vontade de um ou de alguns dos sócios não é suficiente para extingui-las, deixando claro que afirmação refere apenas as sociedades consideradas como de capitais. [40]
Bruno Mattos e Silva[41] conclui que
“o reconhecimento de uma organização de pessoas como instituição não significa personificação. A outorga da personalidade jurídica a uma organização de pessoas tem como objetivo de se atribuir a um sujeito, distinto dos membros da organização, a titularidade das relações jurídicas dessa organização. Por isso a teoria da instituição não confunde a existência da organização (que pode ser decorrente de um contrato) com a existência da pessoa jurídica.”
Já Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa[42] demonstra que neste contexto a instituição seria preexistente em relação à constituição da sociedade.
A teoria de Hauriou não se explica eficazmente a relação que se estabelece entre os subscritores do capital social no momento de criação da sociedade. O autor acaba, então, por recorrer à teoria contratualista afirmando que a uma operação de fundação pode se mesclar um contrato.
Segundo Rubens Requião a Lei 6.404/76 tem como filosofia da natureza do ato constitutivo a teoria da instituição[43], pois segundo Modesto Carvalhosa[44] “há muito a sociedade anônima deixou de ser um contrato de efeitos limitados para seus poucos participantes; é uma instituição”.
Não há como negar que a sociedade anônima é uma instituição, mas é uma instituição derivada de um contrato plurilateral, pois o caráter institucional derivada de sua função e não de sua constituição. [45]
6.2) Teoria Ecléticas
Nestas teorias há uma natureza jurídica contratual com a do ato unilateral, entendendo que o ato constitutivo da sociedade seria, simultaneamente, um contrato, no que se refere as relações jurídicas entre sócios e um ato jurídico, do ponto de vista das relações jurídicas travadas entre os sócios e terceiros.
Tullio Ascarelli critica tais teorias pelo fato de atribuírem natureza dúplice ao ato constitutivo da sociedade, o que em sua opinião seria contraditório.
“Essa teoria parte da exata percepção de que, na constituição da sociedade, existe algo de análogo e algo diferente do que há nos demais contratos, mas chega ao resultado, inaceitável, de atribuir a um único ato, simultaneamente, duas naturezas diversas e contraditórias (como a do ato unilateral e a do contrato), ou de postular, ao lado do `contrato´ de sociedade, uma declaração dos sócios a terceiros, que, ao contrário, é, na realidade, o próprio contrato de sociedade.” [46]
De fato, é o mesmo ato constitutivo que estabelece vinculo jurídico entre os sócios, entre esses e a sociedade e entre essa e terceiros, não sendo possível, seja uma questão lógica, considerá-lo um contrato, bilateral ou plurilateral e, concomitantemente, um ato unilateral.
6.3) Teorias contratualistas
No direito brasileiro pode-se explicar a natureza jurídica do ato constitutivo das sociedades empresárias calcadas na idéia de contrato, base para conceber as teorias contratualistas. A base legal seria o art. 981, do CC que dispõe “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. Na classificação dos contratos quanto à carga de obrigações das partes pode ser feita em contratos unilaterais, bilaterais e plurilaterais.
Os Contratos Unilaterais são aqueles em que só uma das partes se obriga em relação a outra; assim sendo, quando da sua formação, só geram obrigações para uma das partes. É o caso da doação pura e simples, em que apenas o doador contrai obrigações, ao passo que o donatário só aufere vantagens, nenhuma obrigação assumindo, salvo o dever morar de gratidão. Assim sendo, os contratos unilaterais, apesar de requererem duas ou mais declarações volitivas, colocam um só dos contraentes na posição de devedor, ficando o outro como credor. Já os contratos bilateriais são aqueles que criam obrigações para ambas as partes e essas obrigações são recíprocas; cada uma das partes fica adstrita a uma prestação. É o que acontece com a Compra e Venda, em que o vendedor fica obrigado a entregar alguma coisa ao outro contratante, enquanto este, por seu turno, se obriga a pagar o preço ajustado. Como bem se percebe, as obrigações criadas pelo contrato bilateral recaem sobre ambos os contratantes; cada um destes é ao mesmo tempo credor e devedor; o vendedor deve a coisa alienada, mas é credor do preço; o comprador, por sua vez, é devedor do preço, mas credor da coisa adquirida. Já o contrato plurilateral é quando se conjugam, no mínimo duas vontades paralelas, admitindo-se número superior, todas direcionadas para a mesma finalidade.[47]
No que se confere aos contratos comerciais, Tulio Ascarelli trata da peculiaridade dos contratos das sociedades. Segundo ele, esse tipo de contrato é marcado pela possibilidade da participação de mais de duas “partes”, assumindo todas quer direitos, quer obrigações[48]. É óbvio que mesmo nos contratos plurilaterais, em um determinado caso concreto, pode haver a participação de apenas duas partes. Isso, porém, não diminui a possibilidade de participação de mais de duas partes, excluída nos demais tipos de contrato. É importante ressaltar que numa venda, numa locação, ou num mandato pode haver vários vendedores, compradores, locadores, locatários, mandantes ou mandatários, mas há somente duas e somente duas partes. Todos os vendedores e compradores, na venda, são unificados em dois grupos e somente em dois grupos. Há apenas duas partes nesse tipo de contrato, o que independe do número de pessoas envolvidas, ou seja, parte ativa e passiva. E complementa Tulio Ascarelli que “na sociedade, ao contrário, há a possibilidade de uma verdadeira pluralidade de partes: os cinco, dez ou cem sócios, que podem concorrer na constituição de uma sociedade, representam cinco, dez, cem partes, não havendo possibilidade de reagrupá-los em ‘dois’ grupos, em ‘duas’ partes” [49]. No contrato plurilateral todas as partes são titulares de direito e obrigações. Cada parte tem obrigações não para com “uma” outra, mas para com “todas” as outras.
Para ilustrar a distinção, Amador Paes de Almeida[50] utiliza-se das figuras geométricas. Num contrato bilateral as partes estariam em lados opostos de uma reta; no contrato plurilateral, as partes estariam dispostas em vontades paralelas.
Segundo a doutrina majoritária a natureza jurídica do ato constitutivo da sociedade é um contrato plurilateral. No entanto a sociedade pode advir de contrato social ou de ato correspondente (Estatuto)[51]. É através de um destes documentos, que deverá ser a sociedade constituída e posteriormente procederem ao arquivamento no órgão competente. [52]
Informações Sobre o Autor
Leonardo Gomes de Aquino
Advogado. Mestre em Direito. Especialista em Processo Civil e em Direito Empresarial todos pela Faculdade de Direito da Universidade de Cimbra Portugal. Pos graduado em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor dos Livros: Direito Empresarial: Teoria geral e Direito Societário e Legislação aplicável à Engenharia