Subsídios para a regulamentação da automação no Brasil


A automação é um fenômeno do mundo contemporâneo, marcado pela abrangência, profundidade e velocidade das inovações tecnológicas e organizacionais. Ela tem transformado os processos produtivos em todos os setores da economia: indústria, comércio, serviços, agricultura, pecuária, extração mineral e vegetal.


Alguns exemplos ilustram o impacto da automação e das inovações organizacionais sobre a produção e o emprego. Na indústria automobilística, a produção anual de autoveículos em 1990 foi 914 mil unidades, com o emprego de 117,4 mil trabalhadores nas montadoras. Em 2007, a produção alcançou 2,97 milhões de unidades de autoveículos, mais do que triplicando em relação a 1990, mas o emprego foi reduzido para 104,2 mil. No setor bancário, o número de terminais de caixas eletrônicos de uso exclusivo e compartilhado no Brasil saltou de 111,3 mil para 146,9 mil entre 2001 e 2006, o que representou um crescimento de 32%. No mesmo período, o número de bancários diretos (não terceirizados) no Brasil subiu de 393,1 mil para 420,0 mil, crescimento de 6,8% – crescimento certamente limitado também pelo referido ritmo de expansão dos terminais de autoatendimento. Na área agrícola, uma colhedeira mecânica, que até 1975, poderia colher cerca de 300 toneladas de cana crua por dia, passou a cortar 800 toneladas em 2005 (www.conciência.br). A depender da topografia e da cana em questão, uma máquina pode substituir de 80 a 100 homens.


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Portanto, regular a automação é uma necessidade premente há décadas. No caso brasileiro, o inciso XXVII do artigo 7º do Capítulo II Dos Direitos Sociais da Constituição Federal (CF) de 1988 prevê: [a] proteção em face da automação, na forma da lei”. No entanto, já faz quase duas décadas desde a promulgação da Constituição e nenhuma lei que regulamenta a automação foi aprovada.


Por automação entende-se “as situações em que, especialmente na indústria, mas não somente ela, o trabalho humano é substituído, sob o aspecto físico ou intelectual, por máquinas ou servossistemas – mecânicos, hidráulicos, pneumáticos, elétricos e eletrônicos – aptos a desenvolver automaticamente seqüências de operações mais ou menos longas e complexas, sob o controle de aparelhos elétricos ou eletrônicos, de natureza e complexidade variada” (Dicionário de Sociologia, de Luciano Gallino).


Em 1988, quando o referido inciso XXVII do art. 7º da CF foi aprovado, o país vivenciava ainda os primeiros anos de um intenso processo de reestruturação produtiva – intensificado, sobretudo, com a abertura comercial a partir do ano de 1990 – e, de fato, naquele momento a automação, stricto sensu, era a mais latente das manifestações daquele processo.


No entanto, a experiência acumulada desde então indica que uma lei que, sem impedir a modernização da empresa, vise à proteção do trabalhador em face dos efeitos da reestruturação produtiva deveria ter como objeto não apenas a “automação”, mas também, de modo ampliado, a introdução de um conjunto de inovações organizacionais, que inclui tanto a introdução de novos equipamentos quanto as novas formas de organização do trabalho (círculos de controle de qualidade, células de produção, just in time, trabalho em grupos semi-autônomos etc).


O Projeto de Lei Nº 2.902, de 1992, de autoria do então Senador Fernando Henrique Cardoso, era um dos projetos que objetivavam, já naquela época, preencher este vácuo de regulamentação. O PL de FHC praticamente não estabelecia nenhuma proteção efetiva ao trabalhador atingido ou em vias de ser atingido pela automação. Em síntese, o que ele previa é a criação de comissão paritária para negociação da redução dos efeitos negativos da automação e a criação de “Centrais Coletivas de Reciclagem e Realocação de Mão-de-Obra”.


Do nosso ponto de vista, um projeto que vise regulamentar a automação deveria prever, entre outros pontos:


a) Fornecimento de informação prévia por parte da empresa dos seus projetos de automação: Qualquer lei que vise proteger o trabalhador dos efeitos negativos da automação e das mudanças organizacionais deve obrigar à informação prévia por parte da empresa ao respectivo sindicato dos trabalhadores quanto aos projetos que pretende implementar neste sentido. Esta informação prévia – por exemplo, seis meses de antecedência – permitiria às representações sindicais, aos trabalhadores e à empresa iniciarem processo de negociação coletiva e adotarem medidas que minimizem os efeitos mais perversos do processo.


b) Estabelecimento de “hierarquia de natureza social” nos projetos de automação das empresas. A regulamentação da automação deve estabelecer “hierarquia de interesse social” no processo de automação, de modo a obrigar as empresas a iniciarem processos de automação pelos setores de maior penosidade, periculosidade e insalubridade. Se a empresa tem projetos de automação, ela deveria respeitar uma seqüência que se justifique socialmente, iniciando-se pelos setores que envolvem maior grau de risco à saúde e segurança do trabalhador e desde que os trabalhadores que ali trabalham sejam protegidos em seu direito ao trabalho (e demais direitos trabalhistas).


c) Determinação da negociação coletiva: O ideal é que qualquer PL de proteção à automação preveja a necessidade de negociação entre a empresa e o Sindicato representativo dos trabalhadores da empresa


d) Controle do ritmo do trabalho: A regulamentação da automação deve fazer referência à necessária negociação coletiva do ritmo de trabalho. Um dos efeitos mais claros do processo de automação para os trabalhadores que permanecem na empresa é o aumento do ritmo de trabalho, com fortes efeitos negativos em termos da saúde e segurança no trabalho.


e) Plano de Demissão Voluntária: É importante que a futura regulamentação da automação determine a obrigatoriedade da fixação de Planos de Demissão Voluntária (PDV) e dos critérios que deveriam nortear estes planos. Estes PDVs contribuiriam para amenizar o caráter arbitrário da demissão.


f) Obrigatoriedade de contratação dos trabalhadores destinados às centrais coletivas de reciclagem e realocação de mão-de-obra: O artigo 2º do PL de Fernando Henrique Cardoso diz: “Os Sindicatos das categorias econômica e profissional, mediante convenção coletiva de trabalho em comum acordo, manterão Centrais Coletivas de Reciclagem e Realocação de Mão-de-Obra, com vistas a acelerar os mecanismos de emprego compensatório e facilitar a reabsorção da mão-de-obra dispensada pela empresa que automatizar-se, criando serviços próprios de realocação da mão-de-obra ou utilizando o Sistema Nacional de Emprego do Ministério do Trabalho e da Administração Federal”. Contudo, a futura regulamentação deveria prever também, mas não o faz, que a empresa tem a obrigação de contratar prioritariamente os trabalhadores enviados para os Centros de Requalificação.


g) Contribuição obrigatória da empresa que automatiza ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT): cobrança de um determinado percentual sobre o último salário do trabalhador, que será pago pela empresa e destinado ao FAT, para o cumprimento dos objetivos públicos daquele fundo, que é a geração de emprego e requalificação dos trabalhadores.


h) Nos setores intensivos em mão-de-obra (a serem determinados de modo conjunto entre governo, centrais sindicais e representações empresariais), a cobrança da contribuição patronal ao INSS e dos encargos relativos ao sistema “S” deverão ser transferidos da folha de salários para o faturamento (valor adicionado). O objetivo desta medida é tornar a contratação de mão-de-obra economicamente mais competitiva que sua substituição por máquinas e equipamentos.


i) Ampliação das parcelas do seguro desemprego para os trabalhadores atingidos pela automação.


j) Penalização às empresas que descumprirem a lei. Previsão de multa ou outra forma de penalização às empresas que vierem a descumprir os termos da lei. Defendemos que a melhor penalização seria a obrigatoriedade da reintegração dos trabalhadores atingidos pela automação.


l) Impedimento temporário da automação por força maior: a regulamentação deve delegar ao poder executivo o poder de decretar o impedimento temporário da automação em determinada atividade econômica por força maior, decorrente de crise econômica e dos impactos sociais por ela gerados.



Informações Sobre os Autores

Fausto Augusto Junior

Sociólogo e Mestrando em Educação na USP. É técnico do DIEESE

Jefferson José da Conceição

É desde janeiro de 2009 o Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo do Campo. É Prof. Dr. da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Foi economista do DIEESE nas Subseções do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-2003) e da CUT (2003-2008). Autor do livro “Quando o apito da fábrica silencia”. Santo André: ABCDMaior, 2008; e um dos autores do livro “O abc da crise”. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009.

Maria da Consolação Vegi da Conceição

Professora de Direito da Fundação Santo André e advogada trabalhista do Sindicato dos Bancários do ABC. Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos da UNIMES.

Patrícia Toledo Pelatieri

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Economista. É técnica do DIEESE


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