Começam a ser sentidas as conseqüências do
julgamento da ADI 1581, por parte do STF, que declarou como constitucional a
Cláusula Segunda do Convênio nº 13/97, a qual dispõe que “Não caberá a
restituição ou cobrança complementar do ICMS quando a operação ou prestação
subseqüente à cobrança do imposto, sob a modalidade de substituição tributária,
se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com base no
artigo 8º da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996”.
Mais do que simplesmente vedar o direito à
restituição, em relação à substituição tributária do ICMS, caso as efetivas
operações de venda ao consumidor se dêem por valores inferiores ao presumido,
esta decisão do STF desvirtuou de tal modo a sistemática do ICMS que, na
prática, resultou por criar um outro tributo.
O ICMS, tal como previsto na Constituição Federal,
é um imposto que incide sobre a circulação de mercadorias, incidindo em cada
uma das etapas circulatórias e em relação ao valor pelo qual se der a
respectiva operação.
Neste contexto, a substituição tributária é apenas
um mecanismo de antecipação, que necessita, tal como ocorre em relação ao
Imposto de Renda, de um encontro de contas a posteriori, no qual seriam
realizadas eventuais diferenças a maior ou a menor.
Todavia, a decisão do STF deu, ao
ICMS, feições similares às que possuíam os extintos “impostos únicos federais”,
quais sejam, o imposto único sobre minerais (IUM), o imposto único
sobre serviços de comunicação, o imposto único sobre transportes (IST),
o imposto único sobre energia elétrica e o imposto único sobre
combustíveis e lubrificantes.
Isto porque, enquanto mantido o atual entendimento
do STF, podem os Estados cobrar, em relação a determinadas mercadorias ou
produtos, o ICMS em apenas um momento da cadeia produtiva/circulatória, sobre
um valor qualquer por eles estimado, sem que tenham que devolver eventuais
diferenças provenientes de cobranças a maior.
Ou seja, neste absurdo entendimento, quando
determinado produto é incluído sob o regime de substituição tributária, a
incidência do ICMS em relação a este produto deixa de operar-se em relação às
sucessivas operações de circulação de mercadorias e passa a dar-se sob a forma
de imposto incidente sobre apenas a primeira circulação de mercadorias,
aplicado sobre uma base de cálculo estimada pela própria Administração
Fazendária, conforme critérios por ela mesma definidos.
Mas, se for possível dano maior que o
desvirtuamento do preceito constitucional, por parte da própria Corte
responsável por ser a guardiã da Constituição, este dano é verificado em
relação aos efeitos econômicos dos atos normativos que diversos Estados vêm
editando, amparados nesta decisão do STF.
Desde o início da vigência da Lei de
Responsabilidade Fiscal que os governos, não só estaduais, vêm constantemente
buscando aumentar suas receitas, e a atual decisão do STF veio perfeitamente a
calhar em relação a esta busca constante por receitas tributárias.
Após esta decisão do STF, caso determinado Estado
decida, em relação a um produto, tal como uma garrafa de água mineral, cobrar
ICMS Substituição Tributária tomando como base um valor de venda final estimado
em R$10,00, mesmo que este raramente alcance preço de venda final superior a
R$1,00, não haverá qualquer direito à restituição sobre o imposto pago a maior.
Portanto, em relação aos Estados, encontra-se por
enquanto solucionado o problema de busca de arrecadação para atender-se à
necessária compatibilidade entre receitas e despesas exigida pela Lei de
Responsabilidade Fiscal: Basta que, em relação aos produtos sujeitos à
substituição tributária, estimem, como base de cálculo, valores superiores
àqueles em que efetivamente ocorrerão as vendas ao consumidor final.
A solução tem sido tão miraculosamente simples e de
fácil operacionalização que diversos Estados, tais como Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Bahia, Goiás, Pernambuco, Ceará, dentre outros, vêm, após a
decisão do STF, continuamente aumentando o leque dos produtos sujeitos ao
regime de Substituição Tributária.
Todavia, em questões tributárias, as soluções
miraculosas nunca são tão simples como podem a princípio parecer. Muitas vezes
as soluções teoricamente miraculosas, revelam-se, na prática, imensos
problemas.
Não é implausível de se imaginar que a dita solução
miraculosa para busca de receitas, por parte dos Estados, com a utilização de
forma insana do mecanismo de substituição tributária é, na verdade, uma bomba
relógio, na qual alguém apertou o botão “Liga”.
Reconhecem todos que, no Brasil, existe uma imensa
cultura de sonegação. O que poucos conhecem ou reconhecem é que o governo é
provavelmente o maior responsável por esta prática generalizada de sonegação.
Não é de hoje que, no Brasil, os governantes adotam
a prática de buscar, pelos mais absurdos mecanismos, as receitas tributárias
que julgam necessárias. A Derrama, que resultou na Inconfidência Mineira, é um
clássico exemplo histórico deste tipo de procedimento.
Por outro lado, sabe-se também que não há maior
estímulo à cultura de sonegação que o governo cobrar mais impostos do que
alguém é capaz de pagar.
Por conseguinte, provavelmente será mais um dos
tiros tributários que saem pela culatra esta atitude, adotada por parte de
alguns Estados de, com a utilização deturpada do instituto da Substituição
Tributária, buscar “fechar” seus orçamentos.
Não pode o governo perder de vista que, caso
pretenda efetivamente reduzir significativamente a sonegação, não basta que
institua mecanismos cada vez mais eficientes de fiscalização e controle,
primeiramente deve este se preocupar em cobrar tributos os quais os
contribuintes efetivamente consigam pagar.
E não se pode esquecer que maus hábitos, enquanto
facilmente aprendidos, são sempre dificilmente esquecidos.
Informações Sobre o Autor
Dênerson Dias Rosa
Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária.