Resumo: O artigo aborda o teor da súmula vinculante nº 13 do STF e o art. 37 da Constituição da República para correlacioná-la com as vedações constitucionais decorrentes dos princípios constitucionais da Administração Pública. Ilustra o tema da vedação constitucional de nomeações com alguns julgados do STF e do TJRS para verificar se a súmula em questão estabelece vedação de nepotismo ou determina a observação de uma conduta pré-estabelecida na Constituição.
Palavras-chave: Cargos em comissão; nomeação de servidor; nepotismo; princípios constitucionais.
Sumário: 1 Introdução; 2 O teor da súmula vinculante nº 13 do STF; 3 Os princípios constitucionais da Administração Pública; 4 Decisões judiciais anteriores ao remédio sumular; 5 Considerações finais; Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Temos acompanhado durante muito tempo a questão das nomeações por interesse daqueles que detêm o poder para nomear. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve uma alteração geral nas condutas exigidas do agente público ao ser estabelecido expressamente que a Administração Pública submete-se a diversos princípios, dentre os quais, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade. Mais tarde, com a Emenda Constitucional nº 19/98, acrescentou-se a eles o princípio da eficiência, estabelecendo que a administração deverá concretizar da melhor forma os interesses públicos atribuídos a ela.
Entretanto, mesmo estabelecendo tais diretrizes que vinculam a conduta de qualquer agente público, ao estabelecer as competências e a autonomia político-administrativa de cada um dos entes federados, deixou para livre manipulação a discricionariedade político-administrativa de forma que, em regra, tais princípios, mesmo estabelecidos, continuaram a ser negados.
Portanto, verificamos que embora sendo estabelecidos os princípios como condutas obrigatórias do agente público, muitas vezes o nomeante busca no formalismo jurídico, meios para burlar tais princípios. Um deles é a questão da inércia no exercício da competência, como abaixo abordamos.
Sinteticamente, esta é a preocupação que nos leva a estudar o conteúdo da sumula vinculante nº 13 para ao final concluir pela sua necessidade ou não e quais os avanços que ela proporciona.
2 O TEOR DA SÚMULA VINCULANTE Nº 13 DO STF
A aprovação da Súmula Vinculante nº 13 pelo STF impôs limites aos agentes políticos quanto ao preenchimento de cargos públicos ao interpretar o art. 37 da Constituição da República e reconhecer a vedação de nomeação de parentes até terceiro grau para cargos em comissão e função de confiança, embora sem afirmar especificamente que sejam enquadrados como ato de nepotismo.
É importante, todavia, ressaltar que do ponto de vista etimológico, a palavra “nepotismo” tem origem no latim, derivando do termo “nepote”, significando sobrinho ou protegido, acrescido do sufixo “ismo”, que dá a idéia de ato, prática ou resultado. Este termo, historicamente, foi utilizado em decorrência da autoridade eclesiástica dos Papas, nos séculos XV e XVI, que tinham a prática de “dar proteção a sobrinhos e outros aparentados. Atualmente, tem o significado pejorativo de utilização da esfera pública para favorecer parentes.
Como afirmamos acima, embora sem fazer referência ao termo nepotismo, a súmula vinculante nº 13 refere-se ao parentesco e tem a seguinte redação:
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”
O objeto da súmula em análise, numa primeira visão, é a vedação da nomeação de parentes para ocupar cargos em comissão ou função de confiança nos órgãos de qualquer dos Poderes dos entes federativos – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Entretanto, é necessário ponderar se este é o seu fundamento.
A súmula vinculante nº 13 decorre do entendimento já manifestado na Ação Direta de Constitucionalidade nº 12 e no Recurso Extraordinário nº 579.951, entre outros julgamentos, e dispõe claramente sobre condutas que são proibidas pela Constituição da República deixando de lado a expressão “nepotismo”, conceito jurídico indeterminado que redundaria em várias interpretações possíveis. Em outras palavras, fez uma interpretação do art. 37 da Constituição da República para todos os órgãos estatais, mantendo harmonia com outras decisões e legislações já existentes.
As vedações estabelecidas pela súmula vinculante nº 13 interpretam o art. 37 da Constituição da República para dizer que o artigo proíbe a utilização de critérios pessoais para nomeações, ou seja, evitar que o agente político utilize-se de nomeações para satisfação de questões de interesse distinto do público. O ponto crucial da súmula vinculante nº 13 é exatamente vedar a impessoalidade decorrente do uso do poder para satisfação de interesses pessoais em detrimento do interesse da coletividade. É a própria aplicação do princípio da impessoalidade. A partir desse enfoque, pode-se afirmar que a vedação decorrente do princípio da impessoalidade seria bem mais ampla que o próprio nepotismo, pois estaria vedando qualquer nomeação de cunho pessoal e não somente ao parentesco com a pessoa nomeante.
A questão que transparece do debate para aprovação da súmula é a que se refere à autoridade nomeante. Embora exista uma relação direta com a autoridade nomeante, a vedação não está relacionada somente à pessoa que detém o poder de nomear. Vincula todos os agentes políticos e também alguns agentes administrativos quando desempenharem função de direção, chefia e assessoramento. Ocorrendo ou não delegação de poderes para nomear, seja por ato legal ou administrativo, estaria caracterizada a pessoalidade e maculado o ato. Portanto, o conteúdo da súmula visa vedar o resultado da conduta pessoal, mesmo que não seja oriunda da autoridade superiora. No mesmo sentido, poderíamos entender que está abrangido o ato que nomeia com pessoalidade em decorrência de interesses de subalternos.
Com referência ao alcance organizacional na estrutura estatal, optou-se por estabelecer as nomeações dentro de uma mesma pessoa jurídica ao contrario de órgão. Assim, ficou bem mais ampla a base de incidência da súmula abrangendo todos os órgãos, vedando a possibilidade de dispor da nomeação com pessoalidade. Isso decorre do espírito da coisa pública. A idéia é vedar a nomeação nos órgãos da pessoa jurídica. Não faria sentido impedir o Chefe do Executivo de nomear alguém para o gabinete e possibilitar a nomeação para uma secretaria. Portanto, a vedação é bem mais ampla. A proibição se faz mais rígida.
É pertinente verificar o sentido do termo “pessoa jurídica” no âmbito estatal. A partir da definição estabelecida no Código Civil, que as divide em pessoas jurídicas de direito público e de direito privado, podemos afirmar que estão compreendidas as pessoas políticas e as administrativas. Já para definir o termo “órgão”, temos que recorrer ao direito administrativo. Órgão é um centro de competências integrante de uma determinada pessoa jurídica, portanto, sem personalidade jurídica.
A partir deste entendimento, como enquadraremos os Poderes Executivo e Legislativo? Na dicção do art. 2º da Constituição da República “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (grifei). Portanto, os Poderes são órgãos independentes integrantes de uma pessoa jurídica. Isso quer dizer que a súmula vinculante nº 13 não está se referindo a órgãos específicos, mas aos entes político-administrativos ou administrativos.
Entretanto, não é este o entendimento do STF à súmula vinculante nº 13. Tal transparece claramente nos votos dos seus Ministros. Vejamos o teor do voto do Ministro Cezar Peluso no Recurso Extraordinário (RE) 579.951-4/RN, prolatado em 20/08/2008 (fl. 1927), onde assim se manifesta:
“Em primeiro lugar – e não quero comprometer-me quanto a isso –, tenho certa dúvida, ainda, se o princípio se aplica, ou não, aos chamados agentes políticos. Este é o primeiro ponto. Mas acho sobretudo que o ponto fundamental é ligar o princípio da impessoalidade à relação que se estabelece entre o nomeado e a autoridade nomeante. Em outras palavras, o caso aqui não é de prefeito que nomeou o irmão de um vereador. Então, a menos que – essa era a ressalva que faço – se tratasse do chamado ‘favor cruzado’, isto é, que o prefeito tivesse nomeado, como secretário, o irmão do vereador e este, na Câmara, tivesse, de algum modo, nomeado para a Câmara Municipal um parente do prefeito, eu veria, aí sim, característica típica do chamado ‘nepotismo cruzado’, que me parece alcançado pela regra da impessoalidade. Mas não é o caso (grifei).
A meu ver, não se podem levar as hipóteses em que não haja vínculo de incompatibilidade entre a autoridade nomeante e o nomeado, a extremos. Se se imagina que o prefeito nomeou o irmão do vereador, porque teria interesse em agradar ao vereador, existe, também, a hipótese em que se nomeia terceiro, que não tem parentesco com nenhum agente público, mas tem parentesco com quem seja amigo do nomeante. Isto é, qualquer autoridade pode nomear alguém para cargo em comissão atendendo a amigo, e isso não é alcançado pela restrição do princípio da impessoalidade. Não se sabe o que se passa na subjetividade do nomeante: se é para atender a este ou àquele. Enfim, não há dado objetivo para o confronto dessa hipótese com o princípio da impessoalidade” (grifei).
Portanto, a partir do voto do Ministro Cezar Peluso é possível verificar que o nepotismo se caracteriza pela nomeação de parente dentro dos parâmetros estabelecidos pela súmula vinculante nº 13 e assim há afronta ao art. 37 da CR; nos demais casos, para ocorrer esta afronta, haveria necessidade de verificar a subjetividade do agente público que está nomeando: se visa atender a um interesse que não seja público, estaria havendo afronta ao art. 37 da CR; caso contrário, não.
Por outro lado, é pertinente fazer uma diferenciação entre cargo político e administrativo, já que ambos não podem ser confundidos.
O cargo político é aquele que tem sua criação prevista pela Constituição em âmbito federal e estadual e pela Lei Orgânica no Distrito Federal e nos Municípios. Assim, são cargos superiores na estrutura constitucional, não subordinados hierarquicamente mas apenas aos ditames constitucionais. No caso do município, sujeitos apenas aos ditames estabelecidos na Lei Orgânica. Seus ocupantes, os agentes políticos, atuam com ampla liberdade no exercício de funções típicas, com atribuições, prerrogativas e responsabilidades estabelecidas na Constituição e na Lei Orgânica Municipal. Numa acepção ampla, podem ser considerados agentes públicos de nível político e status constitucional.
Portanto, a partir destas considerações, é razoável entender que devem ser considerados agentes políticos, não apenas os eleitos mediante o sufrágio universal, mas todos aqueles que ocupam cargos cujas funções decorrem diretamente da Constituição ou da Lei Orgânica respectiva. Neste sentido, são considerados agentes políticos no âmbito do Legislativo Municipal os Vereadores, e no âmbito do Executivo Municipal, o Prefeito e o Vice-Prefeito Municipal e os Secretários Municipais.
A partir desta exposição é necessário verificar quem é o agente público que exerce atividade de direção, chefia e assessoramento. A intenção da súmula vinculante nº 13 não estaria na imposição de limites unicamente à autoridade nomeante, já que dos debates para sua aprovação transparece claramente que visa o respeito aos princípios constitucionais, especialmente aos do art. 37 da Constituição da República.
Dito isso, como interpretação mais coerente, devemos ter o entendimento de que nos termos agente público e servidor público que exerçam atividade de direção, chefia e assessoramento está compreendida toda nomeação para cargo político ou administrativo para que venha o nomeado a desenvolver tais atividades. Portanto, em termos de Executivo Municipal estariam compreendidos além do prefeito e vice-prefeito, os secretários municipais e todos os cargos, efetivos ou não, que venham a desempenhar atividades de direção, chefia e assessoramento.
Por outro lado, deveriam ser afastados da abrangência da súmula vinculante nº 13 os agentes administrativos que recebem uma gratificação denominada “função gratificada” para o exercício de atividades suplementares às do cargo e não decorrentes de nomeação em razão de “confiança” da autoridade nomeante. Esta distinção é necessária para que não se confunda o exercício de atividade suplementar com a nomeação decorrente de função de confiança.
Para definir o que seja o cargo político vamos recorrer à Constituição. A Constituição da República apresenta a Organização do Estado no seu Título III, que encontra-se dividido em sete capítulos. Posteriormente, no Título IV, a Constituição apresenta a Organização dos Poderes, subdividida em quatro capítulos.
Dessa organização constitucional do Estado, podemos verificar a distinção entre os cargos acima referidos. Alguns pertencem à organização fundamental do Estado tendo como competência a sua diretriz política. Outros são responsáveis pela concretização técnica das atividades que decorrem das diretrizes políticas. Os primeiros são cargos políticos. Os segundos, cargos administrativos.
A análise que fazemos do artigo 37 da Constituição da República é clara. Neste momento, é possível demonstrar que a lição de Hely Lopes Meirelles na qual analisa a estrutura do Estado com fundamento na perspectiva organizacional estabelecida pela Constituição da República, está muito atual. Assim, seriam cargos políticos, como já afirmamos anteriormente, todos aqueles que têm como incumbência as diretrizes políticas estatais e cuja criação decorre exclusivamente da ordem constitucional. Os demais, de criação infraconstitucional, seriam meros cargos administrativos.
Ainda, é necessário fazer uma ressalva quanto à nomeação para função gratificada ou em comissão. Com relação à nomeação de parente para exercício de função gratificada, se servidor efetivo for, não há incompatibilidade face aos efeitos gerados pela súmula vinculante nº 13, tendo em vista que, conforme o artigo 37, caput e inciso V, as funções de confiança são exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo.
Neste sentido, a interpretação do STF na Ação Direta de Constitucionalidade nº 12, que estabelece a constitucionalidade da Resolução nº 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça, ao dispor no § 1º do artigo 2º que:
“Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, as nomeações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem, ou a compatibilidade da atividade que lhe seja afeta e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, além da qualificação profissional do servidor, vedada, em qualquer caso, a nomeação ou designação para servir subordinado ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade” (grifei).
No mesmo sentido, aliás, é a norma do § 7º do artigo 355 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal:
“Salvo se funcionário efetivo do Tribunal, não poderá ser nomeado para cargo em comissão, ou designado para função gratificada, cônjuge ou parente, em linha reta ou colateral, até terceiro grau, inclusive, de qualquer dos Ministros em atividade” (grifei).
Assim, tanto o Conselho Nacional de Justiça quanto o próprio Supremo Tribunal Federal admitem a nomeação de parentes que sejam servidores efetivos em funções de confiança nos seus quadros.
Portanto, é perfeitamente possível, a partir da estruturação constitucional do Estado apresentada por Hely Lopes Meirelles, compreender que os cargos de Secretário Municipal são políticos; os cargos de confiança ou funções gratificadas de qualquer dos Poderes, são cargos administrativos.
3 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Ao estudar a abrangência da súmula vinculante nº 13 verificamos que ela não estabelece uma vedação ao nepotismo, embora este seja o seu fundamento. Entretanto, verificamos que a vedação expressa toma por base os princípios constitucionais da Administração Pública ao invés de se limitar ao parentesco.
Vejamos o que estabelece o art. 37 da CR:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)(grifei)
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)(grifei)(…)
V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (grifei)(…)
IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; (grifei)
O art. 37, caput, estabelece os princípios de observância obrigatória pela Administração Pública que, na mais recente interpretação pelo Supremo Tribunal Federal, tem plena aplicabilidade independentemente da necessidade de regulamentação por lei infraconstitucional. Decorrência disso que devem ser observadas todas as normas dele emanadas, sejam regras ou princípios, independentemente de lei que os regulamente.
A regra é a investidura de agente administrativo mediante aprovação em concurso público, ressalvadas as exceções, ou seja, aquelas decorrentes de nomeação para cargo em comissão (art. 37, II) ou contratação temporária (art. 37, IX). Estas são, portanto, as hipóteses legais nas quais poderá haver nomeação em caráter originário independentemente de concurso público. Outra possibilidade é a nomeação de servidor público (já concursado, portanto) para o desempenho de uma função de confiança (art. 37, V). Neste caso, presume-se que o servidor efetivo já tenha sido nomeado em razão de concurso público.
Deve-se ponderar que a Constituição da República veda expressamente o uso da máquina estatal para a satisfação de qualquer interesse que não seja o interesse da coletividade. Estabelece a possibilidade de livre nomeação para que o administrador possa organizar a administração e assim concretizar o interesse da coletividade. Jamais poderá servir para a concretização de interesses outros. Esta interpretação passa a ser a única possível a partir do posicionamento do Supremo Tribunal Federal que nos leva a observarmos em primeira mão os princípios da Administração, independentemente de existência de lei infraconstitucional que os regulamente.
Este é o entendimento expresso pelo Ministro Carlos Aires Brito em seu voto na Ação Direta de Constitucionalidade nº 12 que teve por objeto a Resolução nº 07/2005 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Segundo o Ministro, o spiritus rectus da Resolução que vedou o nepotismo no Judiciário brasileiro é justamente salvaguardar os princípios constitucionais, não somente os do art. 37, como o da impessoalidade e da eficiência, mas também os implícitos, como o da igualdade.
A decisão expressa a vedação constitucional aos atos personalistas e a impossibilidade de qualquer autopromoção com funções, cargos e empregos públicos. Expressa a máxima de que “não se pode fazer cortesia com o chapéu alheio” enfatizando a absoluta separação entre o público e o privado. Inclusive, na vedação, entende que é vedado o uso da influência mediante o cruzamento de nomeações, que estaria igualmente vedado.
E o princípio da eficiência também estará sendo ferido pela nomeação personalista? Em princípio, diretamente, não estaria ocorrendo. Entretanto, mesmo não existindo diretamente pela nomeação uma afronta, no mesmo voto, o Ministro Brito expressa que pode haver essa afronta quando projeta um ambiente doméstico para dentro da estrutura administrativa já que impede a isenção necessária para exigir do subordinado a observância de determinadas condutas. Enfim, há vedação a uma fusão entre o ambiente caseiro com o espaço público.
Outro princípio citado é o da igualdade, já que o poder conferido ao agente político é ao mesmo tempo um dever de bem agir, atribuído em razão do interesse público e não de interesses particulares. Portanto, o poder deve ser utilizado somente como expressão do interesse da coletividade, nunca para satisfazer interesses outros, especialmente de quem está comandando.
Feitas essas considerações, verifica-se que o parentesco, na súmula vinculante nº 13, ultrapassa a previsão civilista para admitir a constitucionalidade de um parentesco em terceiro grau por afinidade. Do voto do Ministro retira-se a idéia que a vedação está direcionada a moralizar a esfera pública para que o Administrador não utilize o poder político como um mecanismo de acesso favorecido a cargos públicos.
O parentesco previsto na súmula vinculante nº 13 como de terceiro grau é, nada mais, que expressão concreta do princípio da impessoalidade. Deixa-se de lado o parentesco estabelecido no Código Civil vigente para dar uma amplitude maior ao entendimento sumulado. A súmula vinculante nº 13 estabelece o parentesco vedado por caracterizar pessoalidade, transformando o terceiro grau em um critério de inibição, neste sentido se afastando da previsão civilista. A súmula, sem pessoalizar, interpreta a norma constitucional para definir as nomeações vedadas a partir de uma leitura constitucional.
O Ministro Joaquim Barbosa, ao se manifestar na ADC nº 12, aborda os princípios constitucionais com a mesma magnitude ao citar a impessoalidade que englobaria a igualdade e isonomia nos termos expostos por Bandeira de Mello e à moralidade, salientando o dever de distinguir o honesto do desonesto e salientando a necessidade de observar princípios éticos e a necessidade de que os administradores incorporem o espírito público para a observância de tais princípios.
Na mesma ADC nº 12, extrai-se do pronunciamento do Ministro Cesar Peluso o entendimento de que não existe dúvida, há muito, de que as nomeações personalistas são, em regra, uma prática perniciosa ao interesse público. Afirma o Ministro que “na grande maioria dos casos, tais nomeações recaem sobre pessoas de reconhecida competência, mas há largas exceções, e estas bastariam como risco grave à administração pública”. Tal decorre de que as nomeações, antes de atender ao interesse público, atendem a interesse de cunho pessoal e de caráter privado.
A questão, segundo o Ministro Cesar Peluso, centra-se na análise do princípio da impessoalidade, sem esquecer os demais inscritos no art. 37 da CR, pois
“o poder discricionário, embora descrito como poder jurídico, na verdade se reduz, em última análise, à categoria de dever jurídico, isto é, o administrador tem de escolher, em determinadas situações, certas condutas de acordo com os princípios do ordenamento jurídico que regula a administração à qual serve. Portanto, tem de assegurar a promoção da finalidade legal dos atos administrativos. O que limita esse poder, garantindo o alcance da satisfação das necessidades e dos interesses públicos, é o princípio da impessoalidade, o qual deve guiar o administrador na escolha dos quadros, não para servir ao que se crê dono do poder, isto é, o chefe, mas para acudir às necessidades da administração pública. Daí, a exigência constitucional, como regra, do concurso público.”
No sentido que estamos aqui abordando, é importante fazer menção ao voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.521-4/RS, onde afirma que existem abusos no preenchimento de cargos em comissão, diversas têm sido as formas utilizadas para o preenchimento e tênues têm sido as iniciativas para coibi-los. Cita desde a nomeação pura e simples para um cargo em comissão e a realização pessoal de concurso público para cargos subalternos de menor importância, para depois, através de apadrinhamento revelador de nepotismo, ascender a cargos de maior importância. Aduz que tal prática talvez tenha raízes no período da colonização, embora hoje já não seja permitida.
Por outro lado, a Ministra Carmen Lucia expôs certa preocupação com uma interpretação rígida ao próprio teor do art. 37 da CR ao proferir voto no Recurso Extraordinário (RE) 579.951-4/RN, prolatado em 20/08/2008, onde manifestou que tornou-se prática no Brasil, diante de uma vedação em razão da pessoalidade, a chamada contratação cruzada.
Entretanto, a Ministra deixou clara a necessidade de que se analise o caso concreto, pois, em alguns casos, pode ocorrer uma nomeação que em princípio possa ferir a vedação constitucional mas que, na prática, não tem essa finalidade. Nas palavras da Ministra,
“reconheço que, num município de interior, às vezes (…) no nosso fundo do Brasil profundo, num município às vezes mínimo, não haja alguém que possa substituir ou que não tenha parentesco, como, por exemplo, um vereador, para exercer um cargo de Secretário da Fazenda.
Enfim, por essa exclusiva razão, e sem me comprometer, porque essas contratações cruzadas são fórmulas de nepotismo vedadas constitucionalmente, então não me estou comprometendo, de modo algum, em dizer qualquer cargo de estrutura de Poder, porque se pode criar um exatamente para determinado partido dar apoio a um prefeito e votar uma lei, e, nesse caso, coloca-se alguém, o irmão de um deles para Secretário. Nessa situação, realmente penso que haveria inconstitucionalidade.”
A partir desta longa exposição, entendemos que o eixo central da discussão que levou à edição da súmula vinculante nº 13 é o respeito aos princípios constitucionais da Administração Pública. Assim, a súmula vinculante nº 13 não limita a aplicação do art. 37 da CR mas é compreendida a partir dele. A matéria sumulada é discussão de longo tempo que vem a ser atacada nesta interpretação que o STF dá ao artigo constitucional.
Esta interpretação apenas expressa aquilo que estava prescrito há vinte anos pela Constituição da República e que muitos detentores do poder ousavam burlar, esclarecendo que para vedar a nomeação de parente não é necessária norma infraconstitucional pois o artigo da CR/88 em questão tem força normativa.
4 DECISÕES JUDICIAIS ANTERIORES AO REMÉDIO SUMULAR
Verificamos que a atuação administrativa está estabelecida em competências atribuídas a órgãos e agentes públicos. É irrelevante discutirmos de quem é a competência já que ela será desempenhada, em última instância, pelo agente público. Esse agente público que detém a competência para propor um projeto de lei que possibilita ou veda uma nomeação é, em regra, aquele que tem a competência para propor o projeto de lei que estabelece a regra de conduta.
Sob este ponto de vista, dificilmente verificaremos a existência de uma lei que veda o nepotismo em algum ente político-administrativo, já que a competência está estabelecida exatamente para aquele que detém a competência para nomear. Assim, em raríssimos casos teremos vedação à nomeação de parentes para cargos de confiança no âmbito do Poder Executivo, por exemplo, quando é o próprio Chefe que detém tal competência para propor a lei vedatória e para nomear. Tal ocorre em outros poderes, como é o caso do Judiciário e do Legislativo e do próprio Tribunal de Contas, para não indicar outros órgãos públicos.
Verificamos tentativas de impedir tais nomeações de parentes mediante a criação legal da figura do nepotismo, mas tais iniciativas restam fulminadas em razão da sua ilegalidade decorrente da falta de competência para propor o próprio projeto de lei. É o que verificamos, por exemplo, em duas decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que abaixo elencamos:
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70023231434, o prefeito municipal do município Entre-Ijuís insurgiu-se contra lei municipal anti-nepotismo que teve origem no Poder Legislativo alegando ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os poderes e aos artigos 8º, 10, 20, caput, 32, 60, II, b, e 82, VII da Constituição Estadual. O objeto da ação foi a retirada do ordenamento jurídico da Lei Municipal nº 1.682/2008 que proibia a contratação e nomeação de parentes e afins das autoridades municipais para cargos em comissão no serviço público municipal. Os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, julgaram procedente a ação já que, realmente estaria usurpada competência estabelecida constitucionalmente (RIO GRANDE DO SUL, 2010ª).
No mesmo sentido, podemos citar a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Alegrete em face da Emenda nº 08/2007 à Lei Orgânica Municipal que vedava a prática de nepotismo na nomeação para provimento de cargos públicos. A ação foi proposta em razão de suposto vício de origem por afrontar os artigos 8º, 10, 60, II, b e 82, III e VII da Constituição Estadual, por tratar-se de competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Foi julgada procedente em razão de vício formal (RIO GRANDE DO SUL, 2010b.
Em tese, formalmente podemos verificar que a fulminação de tais leis ocorre pelo entendimento de que ocorreu usurpação do poder da autoridade competente e decorre da imposição junto ao Tribunal, de ação de inconstitucionalidade para garantir a “competência”, mesmo que contra os interesses maiores da coletividade.
Portanto, verifica-se que a lei que prevê o nepotismo termina sendo derrubada em razão da falta de competência estabelecida em lei para aqueles que fazem tal proposição, o que torna necessária uma interpretação constitucional vinculante que vede tais condutas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, podemos interpretar a edição da súmula vinculante nº 13 pelo STF como uma determinação para que o agente público respeite os princípios constitucionais, especialmente os estabelecidos no art. 37 da Constituição da República.
Assim, supera-se o entendimento de que há necessidade de lei que regule o nepotismo e que a sua propositura fica atrelada à competência da própria autoridade que tem o poder para nomear. É claríssima a lição: a omissão do exercício de uma competência não tem o condão de autorizar ações que atentem ao interesse público.
Portanto, a partir da edição da súmula vinculante nº 13, embora não deixe de existir a possibilidade de reclamação de vício na propositura das leis que estabeleçam vedação ao nepotismo, passa a existir o entendimento de que mesmo não existindo lei que vede o nepotismo, tais práticas são vedadas constitucionalmente por clara afronta aos princípios constitucionais.
Isso significa que os princípios constitucionais são aplicáveis independentemente de lei que os venha a regulamentar.
Em outras palavras, é perfeitamente possível entender que a súmula vinculante nº 13 veio estabelecer uma diretriz ética prevista constitucionalmente que vinha sendo desrespeitada em razão das competências estabelecidas.
Portanto, embora entendendo que a vinculação engessa a capacidade criadora do jurista, é necessário compreender que no caso estudado houve aplicação do princípio que estabelece o dever de agir ao agente competente não sendo aceita sua omissão. Se o Judiciário vinha decidindo que a usurpação de competência é inconstitucional, a súmula em estudo no diz que os princípios estabelecidos no art. 37 da Constituição Federal devem ser observados independentemente de qualquer regulamentação. Assim, pela satisfação do interesse público, há que se entender que foi uma medida necessária.
Informações Sobre o Autor
Aldemir Berwig
Doutorando e Mestre em Educação nas Ciências Unijuí; Especialista em Direito Tributário Unisul; Graduado em Direito e Administração Unijuí; Professor do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí.