A edição recentíssima, pelo Supremo Tribunal Federal, da súmula vinculante de número 5, nascida no seio do Recurso Extraordinário nº 43059, espelha um movimento de retrocesso da colenda Corte. E, diga-se, lamentável.
As balizas que alargaram os princípios fundamentais, pensas, teimam em curvar-se ante a força deste golpe.
Diz o texto da referida Súmula; “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo não ofende a Constituição”.
Antes mesmo do ingresso na matéria em derredor da qual se situa o cerne da questão tratada, impõe-se trazer a lume, de logo, uma síntese do fôlego de amplitude com que o constituinte brindou o ordenamento jurídico brasileiro, quando elencou princípios fundamentais na arquitetura da Lei Maior.
Fê-lo bem e bem o fez: Qualitativa e quantitativamente.
Não é demais lembrar que, por dicção da própria Constituição, a dignidade da pessoa humana e a cidadania são dois dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Construir uma sociedade justa, vemos, constitui objetivo fundamental da República, diz a Lei Maior.
A NORMA INFRACONSTITUCIONAL
A EC nº 45, de 08.12.2004 previra e a Lei 11. 417, de 19 de dezembro de 2006 – norma infraconstitucional – regulamentou o Art. 103-A, da Constituição Federal, alterando a Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Se o texto da Constituição alargara o calibre dos direitos e garantias dos cidadãos, diferente não são seus efeitos de ampliação quanto à realidade das normas infraconstitucionais.
Aqui, mais detidamente, trazemos os princípios aplicáveis ao Direito Administrativo que, sendo normas, resultam dotados de positividade.
Vejamos
PROCESSO ADMINISTRATIVO
Alguns princípios norteiam o processo administrativo, como elementos intrínsecos e extrínsecos. Dentre eles, listamos:
– Princípio da igualdade – Estado é parte e juiz, na estrutura do processo administrativo. A desigualdade entre as partes não se pode ocultar no manto da aparência. É concreta.
Por mais que a atuação se proponha isenta, ainda assim, é juiz e parte. Elevar o administrado/interessado à condição de pretensa igualdade na busca da justiça da decisão, sabemos, é exercício de eficácia tão sutil, quanto duvidosa e escorregadia.
A segurança da defesa técnica, em tese admitida, é meio mais idôneo para assegurar a igualdade, nos estreitos termos da provocação estatal.
– Princípio da legalidade – sujeita à própria limitação do poder estatal, a Administração Pública, no Estado de Direito, acena com o cumprimento dos fins apontados na lei.
A lei, no entanto, já não legitima o agente – no processo administrativo, inclusive – a intentar qualquer conduta, sem que se possa afastar do judiciário o exame da matéria.
Qual o trato da larga maioria dos administrados no que toca à técnica jurídica?
– Princípio da motivação – A autoridade administrativa DEVE apresentar as razões pelas quais formou convencimento para julgar. Deve motivar o ato.
No estado de direito não se admite julgamentos sumários. A motivação deve ser idônea a provocar o efeito que com que ela se busca.
Aferir a motivação do ato de deliberação que o processo administrativo anunciará, é sacrificante, quando não impossível ao administrado em geral.
Princípio da finalidade – O fim público é o escopo que deverá mover a Administração Pública, inclusive como motor da deflagração do processo administrativo. Qualquer outra finalidade, se afastada desta trilha, deve ser, de pronto, hostilizada.
Com que ferramentas o administrado avalia a finalidade pública no entorno da relação processual materializada no quanto a ele apresentado?
– Princípio da proporcionalidade – A administração não deve exigir dos administrados/interessados MAIS que o estritamente necessário à realização da almejada finalidade pública.
Quais os parâmetros mensurados, neste contexto, pelo mero administrado?
A DECISÃO
Na prática, ao assentar na arena da discussão, de um lado, a Administração, bem estruturada, com um corpo de técnicos, todo um aparato; do outro, porém, o administrado/interessado, por vezes hipossuficiente, alheio aos melindres formais com que se apresenta o Poder Público, o cidadão é apenado, posto que ameaçado em sua condição de titular do direito de defesa.
A Constituição Federal/88, como visto, içou a dignidade da pessoa humana e a cidadania ao patamar de fundamento da República Federativa do Brasil.
Não são menções dadivosas do Estado. Antes, são conquistas do cidadão; como tais, não têm dono, senão ele mesmo.
Ao desempenhar a sua função, o agente público exterioriza a vontade da Administração. Legitimidade e presunção de veracidade encastelam-se na decisão que, na condição de agente, expede.
Não se quer impedir o exercício do poder disciplinar. Os meios de apuração e punição de fatos graves perpetrados pelos agentes e demais administrados é que precisam espelhar a amplitude da garantia de defesa, inclusive a técnica.
O Superior Tribunal de Justiça, a mais elevada Corte no trato de questões infraconstitucionais, tem um sentir diferente, a respeito da questão:
Vejamos a linha de coerência com que firma jurisprudência, no particular, embasando seu convencimento na análise do disposto nos Arts. 153, 163, 164, da 8.112, e nos demais julgados do próprio Tribunal: “É obrigatória a presença de advogados em todas as fases do processo administrativo disciplinar”.
Por fim, é de se trazer à discussão a INDISPENSABILIDADE de advogado, conforme norma consagrada na Constituição Federal/88 – (Art. 133).
Bem, ante as razões elencadas, os eméritos julgadores da tão valiosa Corte, ao redigirem a hostilizada Súmula Vinculante nº 5, entendendo que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo não ofende a Constituição, embora tenham imprimido um lamentável retrocesso histórico, no ordenamento jurídico, não foram tão infelizes quanto à redação: realmente aludem, sem especificar, à Constituição.
A Constituição (cidadã) promulgada em 1988 é ofendida, sim, quando intentam frontalmente contra direitos conquistados pelos cidadãos. Tanto mais quando a o ofensa é sumulada pelo próprio Supremo Tribunal Federal.
Informações Sobre o Autor
Sandoval de Freitas Jatobá
Graduado em História e Direito – ambas na Universidade Católica do Salvador; pós-graduação; Direito Administrativo – Universidade Gama Filho – Rio de janeiro; advogado, professor, exercendo procuratório judicial de Autarquia Federal