Tabela price e anatocismo – Consideração Fundamentais afetas ao Direito Comum

1 – LEVANTANDO OS MÓVEIS


1.1 – Motivações


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O presente artigo tem por fundamento inicial discutir as questões levantadas no artigo de Antonio Pereira da SILVA, economista de Ibiporã-PR, disponível no site do Corecon-PR[1] e que apareceram na também Revista Diálogo Econômico,[2] as quais também são objeto de análise por parte de outros profissionais, oportunamente mencionados.


No caso do artigo de A. P. da SILVA, este apresenta discussão em torno de diferentes sistemas de amortização e procura demonstrar, em síntese, que “o Sistema Price jamais pratica o anatocismo”. Logo no início do artigo, alerta o colega que, “em qualquer área de saber que se queira emitir opinião, é de fundamental importância que se defina o objeto de estudo”. Fala, pois, o autor, de sistema de amortização de uma determinada dívida pelo uso do Sistema Price que traz a vantagem de parcelar o pagamento da dívida em prestações de valores iguais e sucessivos. Estando prevenidos da importância de definição do objeto do estudo é que escrevemos este artigo que, por seu conteúdo, vai se comportar como aprofundamento à posição adotada pelo mencionado autor.


Carlos Alberto GANDOLFO, no mesmo compasso, chega a dizer que “a idéia de que os bancos cobram juros capitalizados ou praticam anatocismo nas contas correntes incorporando os encargos devidos ao saldo da conta é um raciocínio primário e simplista que não corresponde com a realidade.” [3]


1.2 – Os conceitos


Apesar do claro alerta que faz o autor do artigo em comento aos seus leitores, é preciso enfatizar a necessidade de definir adequadamente o objeto de análise.


Tomo o exemplo do termo anatocismo. Anatocismo, conforme o notório dicionário Aurélio, é a “capitalização dos juros de uma importância emprestada”.[4] Esta definição do Aurélio está inexata (para não dizer errada) porque anatocismo não é a capitalização dos juros, mas o cálculo dos mesmos tendo por base juros lançados anteriormente à conta e não apenas o principal.[5] Mas, quando se fala em anatocismo, não é suficiente adotar um viés econômico sobre o assunto, uma vez que se requer uma simultânea análise jurídica.[6] Anatocismo, conforme o Direito, e de modo mais preciso do que o Aurélio, significa “(…) a contagem ou cobrança de juros sobre juros”.[7]


Os juros, conforme o Direito, “não se capitalizam…” [8], porque, uma vez capitalizados, deixam de ser acessórios; adquirem a mesma natureza do principal. Face às considerações ora anotadas, exsurge a necessidade de precisar, não apenas o que seja anatocismo, mas, também, o que seja capitalização.[9]


A falta de uma definição mais clara do objeto pode ensejar confusões. Vamos, pois, às questões suscitadas pela discussão de tão relevante tema.


1.3 – Anatocismo e Amortização


Para demonstrar a tese, Antonio Pereira da Silva trata de especificar as diferentes regras para estabelecimento de um sistema de amortização qualquer. As regras propostas são:


a) cada prestação é formado por duas parcelas (principal e juros).


b) O valor de cada prestação é calculado sobre o saldo devedor.


Postas em questão as duas regras propostas pelo autor, é preciso analisar com maior vagar a primeira porque esta relaciona o principal e os juros na paga de cada prestação.


Ora, os juros não podem ser pagos sem ocorrer transmutação da sua natureza acessória. Juros somente podem ser pagos quando são capitalizados. Adquirem, por tal processo, o status de parcela miscível que pode ser paga na prestação. Ocorre exatamente, que a capitalização mensal dos juros impede a ocorrência da cobrança dos juros contados a partir dos juros vencidos. Para evitar que os juros se tornem vencidos, são estes cobrados mensalmente considerado o saldo devedor.


O problema do anatocismo não pode ser, portanto, isolado em relação à ocorrência da capitalização dos juros. Se os juros forem mensalmente capitalizados, o saldo devedor incorporará os juros se estes não forem pagos, como regularmente ocorre nos extratos de conta corrente e cheque especial. Mas, aí, não se trata de uma planilha de amortização, mas, de conta corrente. Neste caso, os juros não quitados ao final do mês são capitalizados e levados para o saldo da conta do mês seguinte.


Isso não ocorre na planilha de amortização porque cada prestação é tida como elemento separado, como se tivesse autonomia e vida própria em relação ao montante. Então, a pergunta relevante é saber se as partes separadas de cada prestação retornam valor diferente de juros ao longo de um período de tempo maior.


E aí é que vem o problema.


Os juros não incidem sobre os juros de outras parcelas porque, observadas em separado, cada prestação é única. Não existe o fator composto na unidade. Na prestação não há juros compostos. A composição dos juros decorre da análise do conjunto das parcelas.[10]


Mas, mesmo que não haja dúvidas sobre o modo em que os juros são cobrados (simples ou compostos), o mesmo ainda não pode ser dito em relação ao anatocismo. A adoção de qualquer sistema de juros compostos equivale ao anatocismo?[11]


Como antes mencionado, o anatocismo ocorre, sem a mínima sombra de dúvida, no caso do cheque especial.[12] Os juros capitalizados ao final de um mês entram no saldo da conta para o mês seguinte e servem de base de cálculo para os juros do próximo período.


Mas, numa planilha de amortização qualquer, ocorre anatocismo?[13]


É de se observar que uma das maneiras de evitar a aparência de anatocismo, no caso de parcelas inadimplidas é considerar que cada uma das parcelas inadimplidas tenha vida própria, tenha autonomia em relação ao total do débito. Os juros colam às prestações. Por tal recurso, os juros não se relacionam uns com os outros porque o saldo devedor é um compósito de prestações; não tem aparência de principal + juros.[14]


1.4 – Capitalização dos Juros


Neste contexto de reflexões, também é preciso atentar bem que existe uma proibição legal de capitalização mensal dos juros.[15] Logo, mesmo que deixemos em estado de espera a questão do anatocismo é necessário destacar que os financiamentos, inclusive os financiamentos da casa própria, praticam a cobrança de juros capitalizados mensalmente, prática vedada pelo ordenamento jurídico.[16]


Então, antes de falar em anatocismo, é preciso indicar, claramente, que os juros compostos, decorrentes da capitalização composta são o primeiro problema que deve ser enfrentado. Juros compostos são os resultantes da capitalização composta.


Mas, este assunto, apesar de ser claro, ainda não é isento de dificuldades porque as definições equivocadas levam a conclusões improcedentes.[17]


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PENKUHNI[18] ao discutir a tabela Price acaba fazendo confusão. De fato, ao tratar dos juros capitalizados, baseia-se na dicionário de Maria Helena DINIZ utilizando o verbete juros acumulados.[19] Ora, juros acumulados não é a mesma coisa que juros capitalizados. Os juros simples também são capitalizados! A diferença é que a capitalização composta considera mais de uma capitalização e os juros simples, apenas uma. Ou seja, juros são simples porque capitalizam-se apenas uma vez; são compostos porque a capitalização ocorre mais de uma vez. Juros acumulados é o resultado da capitalização composta mas, com ela não se confunde.[20]


E, depois, citando o dicionário de Humberto Piragibe Magalhães e Cristóvão Piragibe Tostes Malta,[21] acaba, novamente, utilizando o conceito de juros acumulados como se estes se referissem aos juros compostos. Depois de feita tal confusão, pretende, o autor, demonstrar a tese de que os juros são calculados, apenas sobre o saldo devedor.


Por conta da imprecisão em torno do que sejam juros compostos, simples e acumulados, inservíveis as conclusões a que chega PENKUHNI.


Por hora, já podemos, com segurança explicitar:


a) juros simples são os que se referem à capitalização simples, ou seja, aquela que ocorre apenas uma vez.


b) Juros compostos são aqueles que se referem à capitalização composta, ou seja, aquela que ocorre mais de uma vez.


c) O ordenamento jurídico nacional não admite a capitalização mensal dos juros. Prevê, apenas, a capitalização anual dos juros vencidos.[22]


d) O anatocismo refere-se à cobrança dos juros contando, na base de cálculo, juros de período anterior. Ou seja, os juros são calculados sobre os juros e não sobre o principal.


e) Há diferença entres os conceitos de juros compostos na análise jurídica e econômica. Do ponto de vista econômico, os juros vencidos e capitalizados após o transcurso de um ano perfazem um sistema de juros compostos com capitalização anual. Do ponto de vista jurídico, os juros vencidos podem ser cobrados anualmente sem que se dê a tal prática, o nome de juros compostos. Ou seja, ao invés de sistema de juros compostos com capitalização anual, o direito apenas prevê a cobrança de juros simples após o transcurso do ano.[23]


A questão da exigibilidade dos juros é fundamental.[24] Se os juros forem mensalmente exigidos, ocorre diluição da taxa de juros anual no componente mensal. Esta diluição se dará sob a forma exponencial por conta das capitalizações. Não se trata, pois, de cálculos de multiplicação e diminuição como normalmente se defende. Trata-se, isto sim, de decomposição da taxa de juros anual em 12 meses, em 12 capitalizações.


Ou seja, é preciso encontrar uma taxa mensal de juros capitalizados que retorne a taxa anual. Não se trata de uma taxa de juros simples, mas, composta, diluída em cada prestação mensal.


Assim, os juros serão sempre cobrados sobre o saldo devedor. Entretanto, os juros vencidos não podem ser incorporados ao saldo devedor, exceto anualmente. Esta vedação jurídica é que está em questão quando se faz análise dos sistemas de amortização.[25]


Mas, se os juros somente podem ser cobrados (capitalizados) anualmente, porque alguém deve pagá-los mensalmente? Simplesmente porque a paga mensal dos juros atende o interesse do credor. Se, por hipótese, admitimos uma taxa de juros de 10% ao ano, haveria diferença se os juros fossem capitalizados mensalmente ou anualmente?


A resposta a esta pergunta é afirmativa, conforme demonstra a tabela que segue que traz um exemplo simples de pagamento de um empréstimo de R$ 1.000,00 em 24 prestações.


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No caso do exemplo apresentado pela Tabela 1, os juros cobrados mensalmente quitariam o empréstimo com a paga de R$ 45,95 mensais. Se todavia, não houver capitalização mensal de juros, haverá saldo credor para o devedor com a paga dos mesmos R$ 45,95, conforme demonstra a Tabela 2.


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A diferença entre as tabelas 1 e 2 pode não parecer muita coisa, apenas R$ 5,61 ao término do prazo de 2 anos. A verdadeira diferença entre estas tabelas é que apenas a segunda está juridicamente adequada.


2 – FAZENDO A LIMPEZA


2.1 – Anatocismo: sim ou não?


O anatocismo já foi definido supra. Do que já foi dito é possível destacar que o anatocismo somente pode ter vez no caso dos juros compostos. Anatocismo não ocorre nem pode ocorrer nos juros simples. Havendo ocorrência de capitalização composta, há, em tese, possibilidade de ocorrência do anatocismo. Esta é a questão que precisamos destrinchar.


Para analisar o problema, inicio pelas reflexões feitas por Teles em setembro de 2002.[26] Conforme o autor, na conclusão de seu estudo, “a Tabela Price capitaliza juros porque traz embutida em sua metodologia de cálculo uma função exponencial. Por isto, somente por isto, torna-se legalmente inadequada para a nossa realidade”.


Não é o caso de aqui analisarmos os exemplos de cálculo e os argumentos trazidos por Teles. De fato, Marangoni, tratou de escrever uma manifestação ao artigo de Teles.[27] Nesta manifestação, aparece uma discussão interessante sobre os fundamentos do cálculo financeiro. Conforme pondera o autor, logo no início de suas reflexões, que “colegas economistas estão sendo ‘convencidos’ por profissionais de outras áreas de estudo, mormente a jurídica, a abandonarem o enfoque econômico/financeiro e olharem a questão sobre outra ótica, outros conceitos e outras aplicações”


Vejamos o assunto mais de perto.


 Teles apresentou em seu trabalho uma situação hipotética de um empréstimo de R$ 3.790,79 a ser liquidado em 5 prestações com juros de 10% ao mês. Pela aplicação da Tabela Price, a liquidação do empréstimo se faz pela paga do principal + juros em cada contraprestação. Assim:


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Dadas as variáveis, o Sistema Price retorna o valor da parcela mensal suficiente para quitar o principal + juros devidos a cada mês. Temos, pois, que o PMT = R$ 1.000,00. A Tabela Price, por meio de fatores de cálculo faz, então, aquilo que a calculadora financeira moderna faz. É preciso lembrar que, no século XIX, não havia calculadoras financeiras disponíveis. Para saber quanto deveria ser pago em cada prestação era um tormento de contas matemáticas.


Então, a paga periódica de R$ 1.000,00, em 5 pagamentos, quita o empréstimo de R$ 3.790,79. O período de paga (mensal, trimestral, anual, etc) não é definido pela Tabela Price. Originalmente, as prestações eram anuais e os juros eram definidos como juros anuais. Aliás, as prestações eram chamadas de anuidades.


Voltando ao exemplo do cálculo, temos, pois, a seguinte tabela de amortização.


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Na Tabela 3 aparecem os juros de 10% ao mês. Em momento algum são tais juros calculados sobre os juros; são, exclusivamente, calculados sobre o saldo devedor.  Temos assim:


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Tabela 4: Juros mensais


Mas, o assunto não é findo neste momento. Aquino Filho[28] traz outro exemplo em que propõe, a partir de um saldo devedor inicial de R$ 10.000,00 e taxa de juros de 12% ao ano, a paga do débito em 18 parcelas. As parcelas mensais perfazem R$ 609,92. Temos, pois, o exemplo apresentado por Aquino Filho:


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Deste exemplo, e, considerando que os juros não foram calculados sobre os juros (apenas sobre o saldo devedor), pergunta ele “como poderia existir a cobrança de juros sobre juros ou anatocismo na Tabela Price se em nenhum momento novos juros são incorporados ao saldo devedor sobre os quais os novos juros teriam que ser cobrados?


Fica então esta minha pergunta no ar para ser respondida”.


Eis aqui exposta e desnuda a questão do anatocismo. Pelos posicionamentos até aqui abordados, a resposta sobre o anatocismo pende para a negativa, ou seja, inexiste o anatocismo nas tabelas de amortização, mesmo aquelas que adotam o Sistema Price que prevê a quitação do saldo devedor  e juros em parcelas sucessivas e de igual valor.


2.2.A pergunta que não quer calar


Contudo, todavia, porém, o assunto ainda não está suficientemente resolvido. Se o leitor prestou bem atenção a todo arrazoado até aqui exposto e desenvolvido, deve ter notado que ainda pode restar uma pulga incomodando atrás da orelha. E, porque preocupamo-nos com pulgas atrás da orelha, é melhor levar o assunto adiante.


Volto às ponderações de G. da S. MELO.[29] Este autor observa que a análise do Sistema Price de amortização precisa partir do conceito de fluxo de caixa descontado. Este conceito de fluxo de caixa descontado está nos fundamentos da matemática financeira. Ou seja, para se entender qualquer realidade financeira, é preciso considerar o valor presente de desembolso.


O próprio Donizete Teles, depois de seu primeiro artigo, tratou de escrever novo artigo sobre o assunto do anatocismo[30] e, neste outro artigo precisou melhor o seu argumento. Neste, tem a felicidade de abordar a temática a partir do conceito de fluxo de caixa descontado. Apresenta, então, um exemplo de uma tabela de amortização.


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Dados tais elementos, qual é o valor emprestado? Para saber qual seja este, é preciso trazer o valor das prestações para o valor presente. A resposta é R$ 3.790,79, valor também constante do artigo que ora comentamos.


Mas, como é que se chegou a tal valor?


Tal valor é resultado da somatória dos valores presentes de cada uma das prestações. Assim:


A primeira prestação, paga após o transcurso do mês, equivale (Valor Presente) a R$ 909,09. Ou seja, este valor presente, líquido dos juros, após o transcurso temporal é que recebe os juros de 10%, (R$ 909,09 * 1,10 = R$ 1.000,00)[31] perfazendo R$ 1.000,00 que é o valor da primeira prestação.


O valor presente das próximas prestações é progressivamente menor porque os juros, pelo transcurso do tempo, serão progressivamente maiores.[32] Assim:


P1 = 909,09


P2 = 826,45


P3 = 751,31


P4 = 683,01


P5 = 620,92


Os juros, por sua vez, são calculados pelo diferencial entre o valor presente de cada parcela e o efetivo desembolso. Ou seja, os juros realizam-se após o transcurso temporal.


Assim:


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Perceba, o leitor, que cada prestação tem o mesmo valor (R$ 1.000,00). Mas, para que se possa, efetivamente comparar valores temporalmente diferentes, é preciso reduzir cada prestação ao termo comum. Este termo comum é o valor presente. Assim, contrapõe-se o valor do empréstimo ao valor do retorno.


Destas informações, Teles trata de refazer a tradicional planilha de amortização que, no seu dizer, “camufla a incidência da capitalização composta dos juros”. Fica tal planilha assim demonstrada.


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A questão que emerge da Tabela 7 é a comparação dos valores de desembolso com os valores presentes de cada parcela. Então, trata-se, na verdade, de comparar a taxa de juros e o valor presente que efetivamente é quitado com cada parcela. De qualquer modo, o que Teles quer destacar é que cada prestação, a partir da consideração do seu valor presente, quita primeiro o principal; os juros são quitados pelo diferencial entre valor presente e valor nominal.


O que sobra de tal operação quita, apenas parcialmente os juros que foram capitalizados. De qualquer modo, o sistema acaba com a cortina de fumaça que existe sobre a paga de valores fixos e constantes (no caso, R$ 1.000,00). O valor pago, sob a ótica do fluxo descontado, não é  nem pode ser, por conta do próprio conceito de juros,[33] constante. Em decorrência, o saldo dos juros não quitados vai-se reincorporando ao capital, estando configurado, desta forma o anatocismo.


2.3.A Lei de São Tomé


Mesmo que Teles tenha exposto muito bem o seu argumento, pode ser que existam pessoas ainda não convencidas de tal engenharia econômica.[34] De fato, esta exposição foge ao que, normalmente, se ouve e se lê a respeito do assunto. Aliás, a própria legislação comum prevê o pagamento, primeiro, dos juros para, depois, ser efetuada a paga do principal.[35]


Então, e porque a lei de São Tomé é boa e necessária à ciência, é imperativo verificar a questão por mais um ângulo de observação.


Imagine-se o caso de tabela de amortização que tenha a finalidade de quitar um empréstimo de R$ 3.000,00 em 3 pagamentos. Admitimos a taxa de juros de 10% ao mês. Tomamos, inicialmente, a Tabela Price para identificar o valor da prestação mensal.


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Dos dados indicados, temos que a prestação mensal (PMT) é igual a R$ 1.206,34. Pois bem, se trouxermos tal parcela ao seu valor presente, temos que o valor da parcela inicial é de R$ 1.096,67. Ou seja, em consideração à taxa de juros da amortização, o valor presente da parcela é de R$ 1.096,67.


O diferencial entre o valor da prestação e o valor nominal pago corresponde ao montante de juros liquidados, juros estes que se realizam após o transcurso do tempo. Assim, R$ 1.206,34 –  R$ 1.096,67 = R$ 109,67. Ou seja, quitam-se, apenas, R$ 109,67 de juros quando deveriam ter sido quitados R$ 300,00. Há um saldo remanescente de juros que não se quita com a parcela.


Em decorrência, é de se perguntar qual é o valor da prestação necessário para impedir que os juros não pagos venham a compor a base de cálculo da próxima parcela?


O valor necessário para que não haja resíduo de juros a serem incorporados na próxima contraprestação é, pasme o leitor, R$ 3.300,00. Se o valor nominal for, ao invés de R$ 1.206,34, R$ 2.000,00, ainda assim, haverá saldo de juros não quitados no importe de R$ 118,18 (cf. a Tabela 8). De fato, o valor presente dos R$ 2.000,00 perfaz R$ 1.818,18. Este valor (e não os R$ 2.000,00) é que deve ser contraposto ao valor presente da dívida (R$ 3.000,00).


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O problema acusado na Tabela 8 somente tem fim com a paga de R$ 3.300,00 (cf. Tabela 9). Ou seja, o valor presente de R$ 3.300,00, na primeira prestação, equivale aos R$ 3.000,00, valor do empréstimo.


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Isto posto, já se pode afirmar que, qualquer plano de amortização sempre se constrói tendo por base a sistemática dos juros compostos. Neste caso, não há como descaracterizar a prática do anatocismo.


Há duas exceções para tal juízo sobre as tabelas de amortização. A primeira se dá pelo uso e ocorrência dos juros simples, totalmente em desuso na sociedade financeira moderna. A segunda é o permissivo legal de aplicar a capitalização dos juros vencidos somente anualmente. Economicamente, isso ainda não deixaria de ser aplicar juros compostos com prazo de capitalização anual. Mas, é isso que a lei permite e, não chama tal sistemática de juros compostos. A legislação entende, singelamente, que o credor tem direito, após o transcurso de um ano, de capitalizar (cobrar) os juros sobre o capital emprestado.


2.4 – Onde está o Coelho?


A profunda meditação sobre o presente texto pode levar o leitor a situação de perplexidade. Onde, afinal de contas, está o truque? Por que não é possível entender que o mundo funciona de um jeito simples como pretendem os autores que sustentam a inexistência do anatocismo? Não seria o caso de eu estar tentando, por meio da matemática financeira, iludir os leitores? Por que, cargas d’água, o mundo não pode ser do jeito como a Tabela 1 apresenta?


O mundo não pode ser do jeito simples porque o coelho está, tanto na taxa de juros quanto no tempo. O tempo altera o valor da pecúnia. O valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) do exemplo citado em 2.3 – A lei de São Tomé e que é objeto de mútuo guarda, em si mesmo, o germe da valorização. Após o transcurso de um período de tempo, incorporará os juros, os frutos do capital. É como se o capital pecuniário se comportasse em paralelo ao que ocorre com uma infecção. Após o transcurso temporal, os R$ 3.000,00 já serão mais R$ 3.000,00.


Então, admitindo os juros de 10% por período, após o transcurso do período, estes 3 mil já não serão 3; serão 3 mil e trezentos. Se não houvesse taxa de juros e o transcorrer do tempo desprezível, bastaria que fossem pagos 3 parcelas de 1 mil para quitar o empréstimo.


Mas, existindo juros fixados temporalmente, estes afetam, não apenas o valor mutuado, mas, também, o valor de amortização do empréstimo. Este valor é pago após o transcurso temporal. Então, quanto vale o valor da parcela? Para saber o valor da parcela é preciso contrapor o valor do pagamento (valor futuro) ao valor do empréstimo (valor presente). Esta é a realidade. A cortina de fumaça é a idéia simplória de que o valor mutuado não se altera ele próprio por conta dos juros. Os juros contratados afetam todos os componentes do financiamento.


Os juros, simploriamente calculados como R$ 300,00, incidentes sobre os R$ 3.000,00 iniciais não são uma parcela de plus distinta do valor inicial; são um emoliente ao valor original. Os juros que se capitalizam alteram o valor original, tornam equivalentes os R$ 3.000,00 iniciais, após o lapso temporal, a R$ 3.300,00. De igual modo, pelo inverso, a prestação paga somente pode contrapor-se ao valor futuro (no caso, R$ 3.300,00 contra R$ 1.206,34) ou, ao valor presente (no caso, R$ 3.000,00 contra R$ 1.096,68).


O coelho da cartola está na impropriedade de comparação dos valores presentes e futuros. Ou se usa o fluxo de desconto sobre o valor futuro trazendo-o para o presente ou, alternativamente, se usa o fluxo de adução sobre o valor presente levando-o para o futuro.[36] O que não dá, em absoluto, é tratar a matemática financeira como se fosse a casa da sogra.


3 – A CASA ARRUMADA


A casa agora está arrumada, limpa e perfumada. Muito boa esta sensação. O que resta, agora, é indagar pelas razões da prevalência da adoção da Tabela Price ou qualquer outra (porque todas funcionam sob os mesmos pressupostos) no sistema financeiro brasileiro e mundial.


Independente de quaisquer outros motivos, a razão principal decorre da velocidade de realização dos lucros bancários. No mundo econômico incipiente, o credor poderia esperar, sem grandes dificuldades, a realização do seu lucro. Não custava esperar anos até que o capital e os juros fossem devolvidos. O capitalismo ia a passos lentos e seguros.


Todavia, já não vivemos esta fase incipiente. O capitalismo tem pressa. Corre em desabalada carreira e tem pressa na realização dos lucros; tem pressa quanto à circulação e retorno financeiro. O capital financeiro realiza os seus lucros por intermédio da circulação. Sem circulação, não há como realizar os lucros.


Se pudesse, o capitalismo bancário moderno trataria de sugar, diariamente, os lucros, capitalizando diariamente os juros que cobra pela venda do dinheiro que têm à disposição.


A legislação, por seu turno, não está adaptada a tal voracidade financeira. Mas, não faltam vozes no sentido de criticar o tartaruguismo e a falta de modernidade da estrutura jurídica nacional, [37] nem asseclas do capital que deixam de perceber o que ocorre no subterrâneo da realidade.[38] Muitos, aliás, perdem-se no meio de tanta crítica. Não nos esqueçamos que, do jeito que a coisa está, os cidadãos terão menos proteção contra o sistema financeiro do que contra os assaltantes e malfeitores que sempre existiram. No que diz respeito ao sistema financeiro, a roubalheira é garantida porque a lei e subterfúgios diversos acabou por criar um grupo dos intocáveis, vale dizer, os banqueiros.


O problema de Al Capone, como é sabido, foi ter sonegado impostos e por essa razão foi condenado à prisão. Faltou-lhe maior esperteza. Deveria ter criado um Banco no Brasil. Digo no Brasil porque aqui vale prender bicheiro;[39] gente dos bancos, nem pensar.[40]


Mas, se a legislação é assim, por que os bancos não modificam os seus procedimentos?


Por uma razão básica e simples. A maior parte dos devedores é constituída por gente simples, que fará tudo o que estiver ao seu alcance para quitar as suas dívidas. Para a maior parte do povo simples, continuamente espoliado pelo Governo[41] e pelos bancos, somente resta a ilusão de que a coisa mais importante neste mundo é ter um nome limpo.


Uma última observação vem refletir um pouco sobre a profissão de advogado e de economista. Aprendi muitas coisas nos cursos de economia e direito. Mas, a coisa mais importante, aquela que distingue e torna alguém realmente um advogado ou economista é o senso crítico. Principalmente o economista deve olhar além das aparências, perceber o real movimento por debaixo da calmaria. Ser economista é saber desvelar o véu que camufla a realidade. O advogado, por seu turno, exatamente para que sua profissão tenha relevância social, deve compreender como é que funcionam os mecanismos sociais.[42]


Sem tal percepção e agudo senso crítico, inevitavelmente haveremos de retroceder a fases ideológicas pré-capitalistas. Vamos acabar defendendo a idéia de que a agricultura é a única fonte de riqueza de um país qualquer ou, defendendo a idéia de que o Brasil é um país rico porque conta com muitos recursos minerais. Pior do que tudo isso é creditar os males da economia à inflação sem perceber que o real transtorno econômico é o da transferência de renda. Nenhuma destas posições aqui denominadas pré-capitalistas é condizente com o que se espera de um verdadeiro economista e de um verdadeiro advogado.


Isto posto, concluo o artigo no entendimento de que, data venia posições adversas, a Tabela Price de amortização, e não apenas ela, baseia-se na adoção sistemática da capitalização de juros compostos. Ou seja, estruturalmente admite o anatocismo como forma de equacionar uma tabela de amortizações.[43] Com esta posição, alio-me, portanto, à minoria que pensa desta forma.[44]


 
Notas

[1] Antonio Pereira da SILVA, O sistema de Amortização Price não Pratica Anatocismo, In: Corecon-PR, [Internet].

[2] O artigo citado foi também publicado, de modo extremamente mutilado, na Revista Diálogo Econômico, nº 2, out/2004 do Corecon-PR. Pela mutilação, recomendo o acesso ao artigo em sua integralidade.

[3]  Carlos Alberto GANDOLFO, Anatocismo na Revista Diálogo Econômico nº 3, fev/2005, p. 19.

[4]  DICIONÁRIO AURÉLIO ELETRÔNICO, Nova Fronteira, 1999.

[5]  O termo anatocismo deriva originalmente do grego que reúne o advérbio ana (ao longo de, através de, durante) + tokizw (emprestar a juros). Cf. Isidro PEREIRA, Dicionário Grego-Português e Português-Grego, Porto: Apostolado da Imprensa, 5ª ed., 1976. Ou seja, anatocismo é a cobrança dos juros que se calculam sobre os próprios juros.

[6]  Cf. a abordagem de Celso OLIVEIRA. A aplicação da lei de usura financeira aos contratos em discussão e a revogação da súmula 596 do Supremo Tribunal Federal In: Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 53, jan. 2002. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2507 [internet].

[7] DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984. A definição jurídica é melhor, mas, ainda capenga porque a redação é sujeita a interpretações errôneas.

[8]  DE PLÁCIDO E SILVA, Op. Cit.

[9] E, o assunto da capitalização é uma grande salada que nem todos digerem sem fazer uma grande confusão. Vide Deltan Martinazzo DALLAGNOL. Capitalização de juros no direito brasileiro In: Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3439 [internet].

[10] Esta é também a conclusão de Gilberto da Silva MELO, Juros simples ou Compostos, In: http://www.gilbertomelo.com.br/tabelaprice.php [internet].

[11]  Conforme propõe MELO em sua argumentação na Obra Citada, os juros compostos implicam existência de anatocismo. Diz ele “a matemática financeira, através de conceitos e fórmulas, só admite duas formas de aplicação de juros: simples ou compostos. Se não são simples, só podem ser compostos. Pela simples utilização da fórmula já se embutem os juros compostos nas prestações a serem pagas. Matematicamente só se consegue retornar o mesmo capital se as prestações forem retornadas a valor presente pela fórmula de juros compostos”. Apesar do argumento utilizado, ainda não está perfeitamente demonstrado que os juros compostos sejam equivalentes a anatocismo.

[12] Mas, a MP 1963-17 acabou por permitir, às instituições financeiras, a prática do anatocismo. Sobre o assunto, cf. Bruno Mattos e SILVA. Anatocismo legalizado: MP 1963-17 beneficia as já poderosas instituições financeiras. In: Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 41, mai. 2000. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=730 [internet].

[13]  Não há falta de gente que responda negativamente a tal pergunta. Cf. Oziel CHAVES. Aspectos financeiros do anatocismo In: Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=738 [internet];

[14] Aliás, é exatamente assim que são propostas as ações de execução por inadimplência contratual. Se, por exemplo, houve um financiamento em 24 parcelas e 10 não foram adimplidas, a execução do crédito vai pautar-se pelo cálculo a partir das parcelas inadimplidas. Cada uma das parcelas adquire vida própria de modo que as parcelas inadimplidas sofrem, cada uma por si, o cálculo das taxas de juros contratadas, além dos juros moratórios, correção monetária, honorários advocatícios, etc. Não se quita um montante qualquer, mas, um conjunto de prestações.

[15] Código Civil Brasileiro vigente (!!!!) artigo 591 permite a capitalização anual dos juros. Ou seja, os juros não podem ser cobrados (capitalizados) mensalmente.

[16] Não é apenas o Código Civil vigente (!!!!) que não prevê a capitalização mensal dos juros. A proibição de tal prática também consta no Decreto 22.626/33 que prevê, no artigo 4º “é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano em ano.”

[17]  A questão da capitalização dos juros é assombrosa. Luiz Gonzaga Juqueira de AQUINO FILHO, Respostas a Declaração em Defesa de uma Ciência Matemática ou Financeira ou na Prática a Teoria é Outra, In: www.sindecon-esp.org.br/artigos/artigo_resposta_mat.pdf [internet] acabou se dispondo, tal qual Dom Quixote de La Mancha, a defender a ciência financeira dos ataques de infiéis que praticam táticas talibanescas. Na verdade, o autor indignou-se contra um grupo de professores de matemática financeira porque estes assinaram uma declaração em que reconhecem a contemplação dos juros compostos no Sistema Price. Ora, é até patético dizer o contrário. A Tabela Price contempla juros compostos. Ou, pensa o autor, que se tratam de juros simples? De fato, no afã de refutar a idéia do anatocismo (cf. o artigo citado na nota de rodapé 28, adiante), acabou por meter os pés pelas mãos. A solene declaração dos professores de matemática financeira nada fala sobre o anatocismo; fala, apenas, dos juros e capitalização composta, aplicável, por conta das diferentes capitalizações que ocorrem durante o financiamento (no caso, da casa própria). Juros simples são aqueles que são aplicados uma única vez sobre o principal. Exemplo típico de juros simples pode ser encontrado na Justiça de Trabalho. Sobre os créditos trabalhistas, aplica-se a taxa de juros de 1% ao mês simples. Ou seja, é devida uma capitalização sobre o montante do crédito apurado. Por conta do ataque quixotesco contra moinhos de vento, o restante do artigo de AQUINO FILHO fica comprometido. Fica no ar, a pergunta com que é concluso o artigo, pergunta esta que se retoma adiante (2.2 – A pergunta que não quer calar).

[18] Adolfo Mark PENKUHNI, A Legalidade da Tabela Price, In: http://www.forense.com.br [internet].

[19] Maria Helena DINIZ, Dicionário Jurídico, vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1998.

[20] Em se tratando de diferentes contas com previsão de juros simples, pode-se falar que os juros acumulados das contas perfaz tanto.

[21]  Humberto Piragibe MAGALHÃES & Cristóvão Piragibe Tostes MALTA. Dicionário Jurídico. 8ª ed., Rio de Janeiro: Editora Destaque.

[22]  Cf. os fundamentos indicados nas notas de rodapés 15 e 16 supra.

[23] O Direito acaba por não admitir a nomenclatura juros compostos por capitalização anual. Com isso, acaba por existir um novo conceito jurídico relativo aos juros.

[24] Contra a idéia de A. P. da SILVA, Op. Cit., o qual considera ser um absurdo o problema da exigibilidade dos juros.

[25] Outra questão diferente e impertinente aos objetivos do presente artigo é se tais regras jurídicas de fato funcionam dentro das instituições sociais nacionais. O fato é que não porque o percentual dos que recorrem ao judiciário é muito pequeno.

[26]  Luiz Donizete TELES, Tabela Price e Prática de Anatocismo, In: Corecon-SP [internet].

[27] Deraldo Dias MARANGONI, A Tabela Price e a Capitalização dos Juros, In: Corecon-SP [internet].

[28] Luiz Gonzaga Junqueira de AQUINO FILHO, Tabela Price e a Prática do Anatocismo, In: www.sindecon-esp.org.br/artigos/resptabelaprice.pdf [internet].

[29]  Cf. nota de rodapé 10 supra.

[30]  Luiz Donizete TELES, A Capitalização de Juros na Tabela Price, In: Corecon-SP [internet].

[31] Desconsidero, neste artigo, os desvios centesimais da conta. Por impertinente, deixo de explicitar os meandros mais elementares dos cálculos, mesmo porque, a pressuposição deste artigo é que o leitor conheça as regras básicas da aritmética e da matemática financeira.

[32]  Os juros são maiores na última parcela porque o transcurso do tempo aumenta o importe dos juros. Ou seja, na última parcela, os juros serão muito maiores do que na primeira. Todavia, a percepção de tal realidade somente pode acontecer se o leitor compreender como funciona o raciocínio do fluxo de caixa descontado, ou seja, compreender o que significa o valor presente de qualquer prestação.

[33] Os juros representam o ganho que se tem sobre os empréstimos fungíveis, em especial, o dinheiro. Mas, o ganho somente ocorre pelo transcurso temporal. Sem o tempo, os juros deixam de ter realidade porque o empréstimo somente pode ser perfectibilizado dentro de categorias temporais. Inexiste um empréstimo feito fora do tempo.

[34] Aliás, comum é que as pessoas não consigam perceber a realidade por trás da aparência simples e inocente de que os juros nunca são calculados sobre juros.

[35]  Conforme prescrição do Código Civil Brasileiro, art. 354. Mas, é bom dizer que a intenção da previsão do texto legal é, apenas, defender o devedor contra a prática do anatocismo.

[36]  No caso, o presente é dado pelo momento da fixação contratual; o futuro refere-se ao momento de quitação das parcelas.

[37] Quem quiser encontrar literatura sobre este tema. O próprio Departamento de Estudos e Pesquisas do Banco Central do Brasil publicou, em 1999, Juros e Spread Bancário no Brasil. Nesta publicação, entre as medidas legais sugeridas, preconiza-se que seja feito “esclarecimento sobre o anatocismo”.  O tal esclarecimento diz respeito, evidentemente, ao poder judiciário que “vem dando ganho de causa a devedores que alegam a validade do dispositivo do Decreto 22.626/33 que trata da não capitalização dos juros”. Outra publicação do Banco Central, sob responsabilidade de Pedro FACHADA & Luiz Fernando FIGUEIREDO & Eduardo LUNDBERG, Sistema Judicial e Mercado de Crédito no Brasil In: Notas Técnicas do Banco Central do Brasil, nº 35, março 2003, aprofunda a questão do esclarecimento. Conforme os autores, “para evitar que alguns devedores continuassem a utilizar a morosidade judicial em seu benefício, o governo editou a Medida Provisória esclarecendo sobre a legalidade da cobrança de juros sobre juros (anatocismo)  pelas instituições financeiras”. Ou seja, para o leitor atencioso, não se trata do Banco Central negar a existência do anatocismo; trata-se de defender a legalidade de sua cobrança. A falta de modernidade mencionada no texto refere-se, evidentemente, à falta de adaptação jurídica à lógica bancária que é, na própria avaliação dos mercados financeiros, o melhor e mais simples dos mundos.

[38] E aqui temos o grande mérito de Karl Marx. Independente de concordar ou não com suas doutrinas, Marx destacou-se do restante da turba pelo fato de investigar como o mundo econômico se comporta; não conforme a aparência, mas, conforme a realidade do movimento. Neste sentido, todo economista sério tem de tomar parte deste insight.

[39]  E, já alerto o leitor para o fato de que a ação do Estado contra os bicheiros baseia-se em razões de Estado. A rigor, o jogo de bicho é muito mais honesto do que toda a jogatina legalizada. Esta sim, não passa de uma grande roubalheira.

[40] Cf. Elza Alinde Miranda CARDOSO, Das dificuldades da aplicação do direito perante o poder dos bancos no atual governo brasileiro: anatocismo institucionalizado. In: Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=721 [internet]. O caso de prisão de alguns banqueiros não tem ligação com o que estamos dizendo neste momento.

[41]  Refiro-me, especificamente, à questão tributária.

[42]  Sem a exata compreensão dos mecanismos sociais, torna-se, o advogado, mero instrumento da manutenção do status quo. O advogado deve defender o seu cliente sem que isso signifique ser ignorante em relação ao que realmente ocorre atrás do véu que cerca a realidade.

[43] Com essa conclusão, coloco-me ao lado daquela minoria de economistas que, conforme o sindicato dos economistas de São Paulo, “não têm conhecimento técnico-científico” sobre o assunto. Cf. os termos do Informe do Sindecon, ano VI, nº 115 de julho/2003, In: http://www.sindecon-esp.org.br/Informe/Informe115.pdf [internet].

[44] Contra meu posicionamento está a maioria. Mas, a ciência não se constrói pela democracia e sim, pelo convencimento da verdade de cada proposição.


Informações Sobre o Autor

Marcos Kruse

Perito Judicial Cível. Bacharel em Direito. Economista. Doutorando em Direito Civil pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora (UNLZ) – Argentina


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