Sumário: I Introdução; II O Trabalhador e a História; III O Trabalhador e a Globalização; IV O Trabalhador e a Flexibilização; V O Trabalhador e o Teletrabalho; VI Conclusão; VII Referências.
I INTRODUÇÃO
O trabalho é uma necessidade intrínseca da raça humana. Certamente, sem trabalhar o homem não pode existir. Por meio dele o homem obtém tudo de que necessita para a sua existência. O trabalho mereceu destaque em toda a história da humanidade. Já na Bíblia faz-se menção ao labor como elemento significativo e condicionante da mantença do homem: “Ganharás o pão com o suor do teu rosto…” Entende-se, assim, que tudo que fosse almejado pelo ser humano teria por caminho trabalho árduo e significativo. Conhecemos a divisão histórica do trabalho como o Matrimunus e o Patrimunus (Matrimônio e Patrimônio), ou seja, o múnus do pai e o múnus da mãe. Dessa divisão histórica, inclusive, surgiu o brocardo e a concepção de que ao homem incumbiria prover a subsistência do lar, e à mulher o cuidado deste.
Analisando historicamente, cada geração que passa, nota-se um avanço na forma de produção, em especial com a introdução da tecnologia, o que modificou de forma gritante a visão sobre a “utilidade” do trabalhador. Os nascidos há menos de 20 anos não conheceram uma época em que o mundo vivia sem computador, celular e internet.
É claro que toda a evolução laboral se deu de forma progressiva. O homem sempre evoluiu raciocinando em seu anterior instrumento de produção. Através do uso, da experiência, pôde adaptar-se e melhorar. Dessa forma, o trabalhador sempre teve que se adequar às mudanças, sujeitando-se ao progresso imposto.
Assim, a humanidade passou por situações históricas marcantes, as quais serão analisadas, neste estudo, enfatizando sobretudo o Estado Liberal, Estado do Bem-Estar-Social, Neoliberalismo, Revoluções Industriais, Globalização até o Estado na modernidade.
Observar-se-á como essa evolução influenciou nas relações de trabalho, sujeitando o trabalhador a condições desprotegidas para não enfrentar o desemprego.
Será estudada a influência da globalização, da flexibilização e da tecnologia na vida do trabalhador.
Em especial, será estudado um novo fenômeno na era das atividades chamadas flexibilizadas: o teletrabalho, que tem como base o desenvolvimento tecnológico.
Com o avanço tecnológico, em especial na área da informática, tendo como marco a internet, observou-se a relativização do espaço e do tempo, trazendo novos meios e métodos de trabalho. Nesse momento surge o teletrabalho, prometendo trabalho agradável e menos cansativo.
Trata-se de um dos meios de trabalho do novo século que, como será observado, impõe algumas inovações à ordem jurídica.
Tal atividade pode ser desenvolvida total ou parcialmente fora da empresa, de forma telemática. Com o uso das novas tecnologias, perde-se cada vez mais o sentido da máxima popular “o olho do dono é que engorda o gado”.
Existem algumas modalidades distintas de teletrabalho. Na maioria das vezes, logo que se pensa em teletrabalho, faz-se sua relação com o trabalho em domicílio, pois ambos são espécies do gênero trabalho a distância. Não necessariamente o teletrabalho é trabalho em domicílio. Este último diferencia-se, pois, acontece em regra dentro da residência do empregado, sem contato pessoal com a empresa e, ainda, utilizando apenas os meios tradicionais de comunicação como o telefone e fax, quando necessário. Já o teletrabalho é marcado pela tecnologia de ponta: o trabalhador fica on line com a empresa. Aqui o trabalho não se realiza necessariamente no domicílio do empregado. Pode ser executado em locais diferentes, através de sistemas de comunicação e de informática.
Este estudo analisará a já descrita tendência da nova geração: o teletrabalho, uma forma de trabalho global, sem fronteiras e sem preconceitos, pois não existe raça, sexo, deficiências físicas, distâncias ou qualquer outro empecilho encontrado usualmente no mercado tradicional.
II O TRABALHADOR E A HISTÓRIA
O Estado de hoje sofre mudanças continuamente. Um estudo mais aprofundado da evolução ocorrida, no decorrer dos anos, permite compreender o fenômeno atual e as alterações pelas quais vem passando o Estado.
O Estado Liberal surgiu no fim do século XVIII, tendo a liberdade como princípio maior. O poder político interno era limitado e bastante reduzidas as funções do Estado perante a sociedade. Acreditava-se que o mercado se auto-regularia, por meio das vontades individuais. O Estado se limitava apenas à funções de segurança das relações sociais; não intervinha na atividade econômica.
A Administração Estatal, no primado do laissez faire laissez passer, não poderia interferir nos direitos e liberdades individuais nem na ordem social e econômica. É por isso que Maria Sylvia Zanella de Pietro (1999, p.14, citada por Ramos, 2001, p.22), compreende o Estado Liberal, a partir da característica de abstenção e o coloca numa posição essencialmente negativa.
Porém, os resultados negativos de tão extremado liberalismo, logo começaram a surgir. Conglomerados empresariais monopolizaram o poder e uma grande massa proletária passou a viver em condições de miséria.
O mercado passou a demonstrar crescentes falhas, observadas através da injusta repartição de riquezas, crises de estocagem e altos índices de desemprego.
Observou-se, assim, a necessidade de um Estado mais atuante. Para tanto, uma série de leis e regulamentos foram editados; o Estado começa, mesmo que timidamente, a regular a atividade econômica. Colocou-se à frente do mercado, tentando evitar monopólios.
Conseqüentemente, na transição dos séculos XIX para XX, surge um modelo intervencionista, neoliberal, com o objetivo de corrigir o mercado e garantir a liberdade contratual. Segundo Modesto Carvalhosa (1973, p.101-102, citado por Ramos, 2001, p.23), o Estado assume uma atuação positiva, edita normas de proteção aos trabalhadores e consumidores, e executa serviços e obras públicas, sem, no entanto, dirigir de forma completa a economia. Tenta solucionar os problemas que haviam surgido.
Nesse ínterim, o Estado apenas controla o mercado para obtenção de lucros. O objetivo é corrigir as crises que ameaçam os interesses coletivos.
Com o tempo, o Estado passou também a exercer influência sobre as políticas sociais. Discute-se igualdade ao invés de liberdade. Passa a ter primazia o bem comum, o interesse público ao invés dos interesses individuais.
Surge, então, a partir do século XX, o Estado de Bem-Estar Social (Wellfare state).
Ramos (2001, p.23-25) considera que o marco mais importante desse Estado foi a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que o obrigou a assumir uma posição de direção da economia, devido aos desequilíbrios causados pela guerra. Após a guerra, o Estado continua a assumir o papel econômico.
Outro ponto marcante foi a Revolução Russa (1917), que, ao abolir a propriedade privada e as classes sociais introduzindo a idéia de igualdade, faz com que a economia, para garantir a sobrevivência, admita intervenção do Estado na sua regulação. Alcança, assim, um padrão de justiça distributiva, garantindo à sociedade condições de subsistência.
Por volta do final dos anos 20, início dos anos 30, o Estado, além de intervir, integra a ordem econômica, chegando a participar das decisões do mercado.
Tal Estado encontra seu apogeu após a Segunda Guerra Mundial, assumindo o papel de regulador da vida social e econômica. Presta cada vez mais serviços públicos, deposita sua preocupação nas necessidades básicas da sociedade. Torna-se um Estado que distribui bem-estar social e que produz bens e serviços, protegendo o cidadão da miséria, doença e desemprego.
Porém, a manutenção do bem-estar social chegou a ser insustentável, diante das massas populacionais cada vez maiores. Em conseqüência, o Estado repassa os custos para a sociedade. Os serviços Públicos perdem sua qualidade, e surge a necessidade de reformulação do papel do Estado.
Diante dessa desestruturação do Estado de Bem-Estar Social, surge o neoliberalismo, trazendo à tona novamente o individualismo do liberalismo.
Paulo Bonavides (1996, p. 20, citado por Ramos 2001, p. 28), analisa que este neoliberalismo é o mesmo liberalismo usado anteriormente, com a deflagração do desemprego, da fome e da miséria.
De acordo com Ramos (ob. cit., p.26-32), a partir dessa nova forma de Estado, procurou-se assegurar a liberdade das pessoas e do mercado, tendo este último, porém, a regulação do Estado para garantir sua eficiência e sobrevivência. O Estado não poderia intervir no mercado no caso de restringir a concorrência, mas poderia criar normas que proibissem o uso de substâncias tóxicas, limitasse as horas de trabalho, que regulassem o funcionamento da concorrência, dentre outros.
A diferença para o liberalismo de outrora, é que agora se permite a intervenção do Estado no domínio econômico, como mediador, para corrigir suas distorções. Além de reafirmar a liberdade individual, este novo liberalismo aprimora as instituições jurídicas, políticas, sociais e econômicas.
Tais propostas, com o passar do tempo, vêm se modificando, na medida em que se observa a necessidade de investimento em políticas sociais. Desse modo, adotam-se políticas sociais, como a instituição da renda mínima, a descentralização, a privatização e a concentração dos programas sociais nos grupos de maior necessidade.
Afasta-se, cada vez mais, do Estado Mínimo, para se alcançar o Estado Necessário, Subsidiário, que se omite sempre que o particular pode atuar. Apenas quando a iniciativa privada limitar seu campo de atuação é que o Estado buscará suprir essa deficiência, tendo em vista o bem da coletividade. É Subsidiário porque visa ajudar de maneira supletiva e não tomar o lugar da iniciativa privada.
Pietro (1999, p. 24-25), identifica três fundamentos para este Estado a saber:
“Primazia da iniciativa privada sobre a Estatal; atuação do Estado voltado para fomentar, coordenar, fiscalizar a iniciativa privada, de forma a permitir, aos particulares, sucesso na condução de seus empreendimentos e incremento da parceria entre público e privado.”
As Revoluções Industriais também tiveram um impacto profundo nas transformações sofridas pelo mundo. A Primeira ocorreu na Inglaterra, em meados do século XVIII e foi responsável pela introdução das máquinas a vapor, fato que alterou a organização do trabalho. Nesse período, houve grande concentração de capitais, e a ausência de regulamentação dos direitos sociais colaborou para que isso acontecesse.
A Segunda Revolução Industrial ocorreu entre os séculos XIX e XX, quando a energia a vapor foi substituída pela elétrica e pelo petróleo. Inicia-se a produção em série, caracterizada pelo taylorismo e pelo fordismo, fase em que os trabalhadores produziam mais por meio de um trabalho repetitivo.
Chega o momento em que surge, em substituição do Estado Liberal, o Estado Social de Direito, marcado pela Terceira Revolução Industrial, que se caracteriza pela robotização, informática e energia nuclear. O toyotismo passa a ser a nova organização de trabalho, ocasiona demissões em massa, flexibilização das leis trabalhistas, trabalhos temporários e a terceirização.
Surge então o fenômeno da globalização da economia, com a exigência de que as economias se tornem atraentes para investimentos.
Pois bem, mas como tudo isso afeta o ser humano? Exatamente no seu meio de subsistência: no Trabalho. Numa sociedade onde a mão de obra humana se torna dispicienda e novas tecnologias afloram a cada minuto, não há lugar para normas rígidas que regulamentem o lavoro. O Estado pode até tentar ser atuante e buscar sempre a defesa do trabalhador em prol do social. Mas, nesse sentido, chegará um momento em que ele terá em mãos, de um lado, um exército de proletários desempregados; de outro, uma casta burguesa que se recusa a dar emprego, pois não necessita mais da força humana no trabalho.
III O TRABALHADOR E A GLOBALIZAÇÃO
Com o fenômeno da globalização, observa-se o grande avanço tecnológico através da microeletrônica, o que também permitiu um grande avanço na rede mundial de telecomunicações. Segundo Gonçalves, tornou-se mais barata e rápida a comunicação, permitindo às pessoas e às empresas falarem em qualquer lugar do mundo, pagando o preço de ligação local. Além disso, os transportes tornaram-se mais rápidos, o que permitiu o deslocamento de mercadorias em tempos inimagináveis (GONÇALVES, 2007, p. 109,110).
“Tudo isso possibilitou às empresas produzir em qualquer parte do planeta, fazendo com que o capital procurasse mercados onde a mão-de-obra fosse mais barata, para gerar um lucro maior aos donos dos meios de produção”. (GONÇALVES, 2007, p. 110).
De fato, foi uma grande mudança na economia. Ela precisou se tornar atrativa para buscar investimentos internacionais. Assim, as empresas multinacionais estenderam-se aos países menos desenvolvidos, em busca de mão-de-obra mais barata. Por essa razão, argumenta Ramos, há hoje “produtos mundiais”, pois suas partes são produzidas em diferentes países (RAMOS, 2001, p.34-35).
Nota-se, porém, com tais inovações, grande concentração de capital nas mãos das corporações e crise na noção de soberania de Estado. Ocorre o seu enfraquecimento com a internacionalização das empresas, pois os Estados têm limitado a manutenção de políticas fiscais e intervencionistas, sob pena de não atraírem investimentos.
As empresas passam por um processo de competição, precisam ser capazes de entrar na competição de preços mundial aceitos, o que leva a altos índices de desemprego.
Sentiu-se, portanto, a necessidade de reforma dos Estados, objetivando-se reduzir ao máximo o exercício de atividades econômicas. Observa-se, nesse contexto, o discurso da privatização. As privatizações, adotadas pelos estados em nome da eficiência da atuação e cujo objetivo é enxugar as máquinas estatais, atingem também a prestação de serviços públicos.
Porém, segue-se, junto à reforma, a desregulamentação e flexibilização da economia, atingindo seu equilíbrio.
No Brasil, essa reforma é implementada através do Programa Nacional de Desestatização, Lei 8031/90, revogada pela Lei 9491/97. A partir da reforma, sai das mãos do Estado o papel de execução direta na produção de bens e serviços, passando apenas a regular e promover seu desenvolvimento (RAMOS, 2001, p.37).
Essas transformações, exigidas pelo Estado, ocorreram num momento em que o Estado Social de Direito se torna caro e pouco eficiente, ao atender a necessidade da coletividade e também da globalização econômica. Surge a necessidade de amoldar suas condições internas para se tornar atrativo à economia mundial, condições que se tornaram base da atual estrutura do Estado.
IV O TRABALHADOR E A FLEXIBILIZAÇÃO
A palavra flexibilização é oposta à rigidez, que significa o que se pode dobrar, curvar, fácil de manejar, elástico. O Dicionário Aurélio assim conceitua flexibilidade:
“Verbete: flexibilidade. [Do lat. flexibilitate.]. Qualidade de flexível. 2. Elasticidade, destreza, agilidade, flexão, flexura: flexibilidade corporal. 3. Facilidade de ser manejado; maleabilidade. 4. Aptidão para variadas coisas ou aplicações: flexibilidade de espírito. 5. Docilidade, brandura. 6. Disponibilidade de espírito; compreensão, complacência.”
Poder-se afirmar que a flexibilização das normas trabalhistas tem por objetivo tornar elástica a rigidez do Direito do Trabalho.
Considerando o objetivo da flexibilização trabalhista, Gonçalves declara:
A flexibilização fundamenta-se ideologicamente na economia de mercado e na saúde financeira da empresa, justificando-se para que uma empresa saudável gere empregos. É também fundamento da flexibilização a grande massa de excluídos do mercado formal que, com a flexibilização, passaria a integrar o “mercado oficial” do trabalho e teria, portanto, mais dignidade. Todos esses argumentos assentam-se na teoria do neoliberalismo (GONÇALVES, 2007, p. 115).
Diante da proposta do fenômeno da globalização, o trabalhador, que, antes tinha uma preparação relativa para o mercado, em face da concorrência mundial, passa a ser despreparado. Isso, sem dúvida, gera desemprego. A flexibilização foi uma forma de reinserção desse trabalhador no mercado, embora com uma proteção “flexibilizada”.
Certamente esse não era o objetivo inicial do Brasil para seu trabalhador, pois, na atual Constituição, de 1988, o trabalhador tem como garantia o direito à dignidade, o que inclui condições mínimas de vida individual e familiar. Porém, com o advento da “mundialização do mercado”, escapou das mãos do próprio Estado a capacidade de garantir o mínimo a seus trabalhadores.
Como expressões da flexibilização, surge a possibilidade de utilização de serviços terceirizados, com horários flexíveis, contratos por prazo determinado, turnos ininterruptos de revezamento, prestação de serviços em casa, dentre outros. As formas de flexibilização são consideradas legais pelo ordenamento jurídico trabalhista.
A tecnologia influenciou, e muito, na flexibilização. Permitiu que trabalhadores estivessem conectados às empresa, sem necessidade da presença física, mas apenas a virtual.
“A empresa virtual reinventa o modo de trabalho. É a realização do trabalho a qualquer tempo e a qualquer hora. Ela, a empresa, está em todo e qualquer lugar onde se encontrarem seus membros móveis, e, paradoxalmente, não se encontra em lugar nenhum. Há uma nítida substituição, na virtualização, das unidades de tempo espaço, uma vez que se desterritorializam. A primeira – o tempo – é substituída pela interconexão, enquanto que a unidade de espaço é substituída pela sincronização”. (OLIVEIRA, 2003, p. 65).
Sem dúvida, esse é um fenômeno mundial e afeta inclusive o Brasil. O sociólogo José Pastore (2002), em entrevista à Revista Veja, revela que em todos os países, inclusive no Brasil, diminui o número de pessoas que saem de casa para trabalhar num escritório. O que se observa é um grande número de pessoas realizando projetos para várias empresas ao mesmo tempo sem sair de casa. Ele ainda afirma que esse formato de trabalho tende a prevalecer, porque reduz a importância de uma superestrutura física, com altos custos fixos (REVISTA Veja, edição 1781, ano 35, n. 49, 11 de dezembro de 2002. Páginas amarelas. Citado por OLIVEIRA, 2003, p. 67).
A fim de se compreender melhor o fenômeno do teletrabalho, será feito um estudo de suas formas de realização e de suas modalidades.
V O TRABALHADOR E O TELETRABALHO
O teletrabalho se refere às prestações de serviço fora da Empresa, utilizando-se, como contato, os meios de comunicação e informática.
Esse é um fenômeno ainda recente no Brasil, não previsto pelo ordenamento jurídico. Existe apenas o projeto de Lei 3129/04, de autoria do Deputado Eduardo Valverde (PT/RO), que foi aprovado pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Além de incluir o Trabalho a Distância na CLT, o projeto também possibilita que as Empresas utilizem meios telemáticos e informatizados para comandar, controlar e supervisionar os trabalhadores que estão exercendo atividades a distância. Mas, por enquanto, é apenas um Projeto de Lei.
O que há de legislação mais próxima são os arts. 6º e 83 da CLT, onde lemos:
6º. – Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.
83 – É devido o salário mínimo ao trabalhador em domicílio, considerado este como o executado na habitação do empregado ou em oficina de família, por conta de empregador que o remunere.”
Assim, o teletrabalho pode ser considerado uma espécie do gênero trabalho em domicílio, desde que tenha o vínculo do emprego. Nesse caso, gerará um contrato de empregatício.
Para configurar o vínculo de emprego, a própria CLT, em seus artigos 2º e 3º, expõe os requisitos, exigidos para prestação de serviços por pessoa física, de forma pessoal, não eventual, subordinada e mediante salário.
Por outro lado, podem existir também os teletrabalhadores autônomos, aqueles que prestam serviços de forma desvinculada da empresa.
A natureza jurídica do teletrabalho, de acordo com o entendimento majoritário, é contratual. Sendo seu objeto o trabalho, sua natureza é de contrato do mesmo, ou seja, natureza trabalhista.
Porém, deve-se levar em conta a forma como se realiza a prestação de serviços, que pode assumir tanto autonomia como vinculação.
A natureza jurídica do contrato de teletrabalho dependerá do conteúdo obrigacional da prestação. Assim, o teletrabalho tem natureza contratual mista, atrelada ao conteúdo obrigacional da prestação, podendo ser civil, comercial ou trabalhista.
Mas, observa-se que, de um modo geral, os teletrabalhadores têm sim um vínculo com a empresa para a qual realizam o serviço. Portanto, este trabalho se concentrará na análise do teletrabalhador vinculado.
Como não ocorre a presença física do trabalhador na empresa, o teletrabalhador deverá se equipar com uma “parafernália” de equipamentos eletrônicos, necessários à realização de seus serviços, como lap top, palm top, notebook, scanners, computador, impressoras portáteis, telefone celular multifuncionais, dentre outros.
Assim, entendemos de forma clara que teletrabalho se caracteriza pela prestação de qualquer atividade fora do ambiente tradicional de trabalho, utilizando-se das tecnologias eletrônicas e dos meios de comunicação.
Nesses casos, observam-se todos os requisitos para a existência do vínculo de emprego, pois o trabalho é realizado por pessoa física, de forma pessoal, não eventual, mediante salário e a subordinação se dá de maneira indireta.
E a jurisprudência vem entendendo da mesma forma. No acórdão publicado em 26 de julho de 2008, lemos o seguinte:
“Declara-se a existência da relação de emprego quando evidenciado nos autos que a reclamante, no âmbito residencial, realizava tarefas essenciais ao empreendimento econômico da reclamada, trabalho esse também desempenhado dentro do seu próprio estabelecimento, por empregados por ela contratados. O regime domiciliar não obsta o reconhecimento do vínculo empregatício (artigo 6-a da CLT). Nesse sentido, na medida em que a empresa optou pelo serviço prestado no âmbito residencial “abriu mão” da subordinação direta para fazer uso da indireta, que, como dito, não desnatura o contrato de trabalho. “In casu”, a subordinação delineia-se com a integração da atividade da reclamante na atividade-fim da empresa que, por certo, já conta, periódica e constantemente, com a entrega dos trabalhos prestados pela laborista, realizando, assim, a sua finalidade produtiva.” (ACÓRDÃO PUBLICADO EM 26/07/2008, OITAVA TURMA, RELATOR: MARIA CRISTINA DINIZ CAIXTA, REVISOR: MÁRCIO RIBEIRO DO VALLE, PROCESSO 01560-2007-014-03-00-20RO).
O teletrabalho é resumido de uma forma muito interessante por Tatiana Oliveira: “traz, em si, a possibilidade de enviar o trabalho ao trabalhador em lugar de enviar o trabalhador ao trabalho”(OLIVEIRA, 2003, p. 82).
Com respeito à classificação, Ana Beatriz Manssour explica que o teletrabalho pode ser autônomo ou doméstico, quando prestado por profissionais autônomos em seus home offices ou centros de telesserviços. Pode ser vinculado ou empregado, quando prestado por empregados, respeitando o art. 3º da CLT, ocorre em centros de telesserviços, em home offices ou concomitantemente na empresa (MANSSOUR, 2001, citada por OLIVEIRA, 2003, p. 83).
O teletrabalhador pode, em alguns casos, trabalhar alternadamente na empresa e em casa ou prestar seus serviços em telecentros, deslocados da empresa-matriz. Normalmente ficam mais próximos da casa de alguns trabalhadores, que mantêm contato com a empresa-mãe, por meio de comunicação eletrônica.
Em relação aos telecentros, NILLES explica que funcionam como um conjunto de escritórios individuais de tamanhos diferentes: com mesas, computadores, telefones, salas de reunião e assim por diante (NILLES, 1997, p. 28).
Quanto à configuração da relação de emprego entre o teletrabalhador e a empresa, é necessário que se caracterize uma situação fático-jurídica, composta pelos elementos expostos na CLT.
Sobre essa relação, GODINHO expõe o seguinte:
“Esses elementos ocorrem no mundo dos fatos, existindo independentemente no Direito (devendo, por isso, ser tidos como elementos fáticos). Em face de sua relevância sócio- jurídica, são eles porém captados pelo Direito que lhe confere efeitos compatíveis (por isso devendo, em conseqüência, ser chamados de elementos fático-jurídicos)” (DELGADO, Maurício Godinho, citado por OLIVEIRA, 2003, p. 86).
Como já foi, anteriormente, mencionado esses elementos estão presentes nos arts. 2º e 3º da CLT; a combinação dos mesmos configura a relação de emprego.
Portanto, é necessário que o teletrabalhador seja uma pessoa física e nunca jurídica ou sociedade de pessoas.
O trabalho, mesmo que em domicílio, o que é o caso do teletrabalho, deve ser prestado com pessoalidade, ou seja, pela própria pessoa contratada pela empresa, embora o art. 83 da CLT autoriza ajuda de pessoas da família, pois relaciona o serviço em domicílio com oficina de família.
A realização do trabalho deve ocorrer de forma contínua, ou seja, dotada de não-eventualidade. O fato de ser contínuo não significa uma prestação diária, mas com caráter de permanência, que não demonstre eventualidade.
Outro ponto importantíssimo, e que contribui e muito pela caracterização da relação de emprego é a subordinação – dependência jurídica do empregado ao seu empregador. Aquele deve seguir o poder diretivo ou as ordens deste.
No teletrabalho, a subordinação ocorre de forma direta, embora o empregador não esteja, durante todo tempo, fiscalizando e controlando a prestação do serviço do empregado, e, de forma indireta, através de uma subordinação psicológica. O controle, apesar de menos intenso, certamente está presente. O essencial é que as atividades prestadas pelo teletrabalhador se insiram na estrutura empresarial.
O último ponto que caracteriza a configuração da relação de emprego é o salário. Esta é a contraprestação do serviço realizado.
Dessa forma, se observados os cinco elementos para caracterização da relação de emprego nas atividades prestadas pelo teletrabalhador, certamente haverá vínculo de emprego.
Aqui é necessário destacar um importante princípio do Direito do Trabalho, o Princípio da Realidade sob a Forma – o que se busca é a verdade real dos fatos, mesmo que esta seja diferente da verdade contratual. Sobre este princípio, GODINHO expõe:
“No Direito do Trabalho deve-se pesquisar, preferencialmente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação dos serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica. A prática habitual – na qualidade de uso – altera o contrato pactuado, gerando direitos e obrigações novos às partes contratantes (respeitada a fronteira da inalterabilidade contratual lesiva).
Desse modo, o conteúdo do contrato não se circunscreve ao transposto no correspondente instrumento escrito, incorporando amplamente todos os matizes lançados pelo cotidiano na prestação de serviços (…).
O princípio da primazia da realidade sob a forma constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista. Não deve, contudo, ser brandido unilateralmente pelo operador jurídico. Desde que a forma não seja da essência do ato (…) o intérprete e aplicador do Direito deve investigar e aferir se a substância da regra protetiva trabalhista foi atendida na prática concreta efetivada entre as partes, ainda que não seguida estritamente a conduta especificada pela legislação” (DELGADO, 2005, p. 209).
Portanto, mesmo que não haja um contrato com o teletrabalhador e a empresa negue a relação de emprego, se estiverem presentes os elementos caracterizadores da relação fático-jurídica, ela existirá.
Analisando por essa ótica, entende-se que apenas o caso concreto poderá responder a respeito da relação empregado-empresa.
Caberá ao teletrabalhador o ônus da prova, quanto aos fatos constitutivos do direito que alega. à empresa caberá o ônus da prova, quanto aos fatos extintivos, modificativos dos direitos alegados pelo trabalhador, de acordo com o art. 818 CLT: A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.”
O juiz então analisará as provas, baseando-se no princípio da primazia da realidade sob a forma; confirmada a presença dos elementos constitutivos da relação de emprego, será caracterizado o vínculo empregatício.
VI CONCLUSÃO
Observa-se uma grande evolução nas relações de trabalho de tempos passados aos dias de hoje. Vivenciou-se, simultaneamente, um Estado buscando o bem do empregado, parte mais fragilizada da relação de emprego, e este mesmo Estado, ao aderir à globalização, por meio da busca desenfreada por melhores mercados e redução de custos, obrigou empresas a desvalorizar seus empregados, gerando uma grande massa de desempregados.
Não restou alternativa, senão flexibilizar as medidas protetivas, criadas para resguardar uma classe desfavorecida. Essa flexibilização pode ser encarada como um excelente meio de restaurar a vida produtiva de muitos trabalhadores desempregados, e, ao mesmo tempo, se tornar um desdobramento do mercado, aumentando o lucro para as empresas.
Como foi observado, o teletrabalho é uma das formas de flexibilização do trabalho: o próprio empregado organiza sua jornada, da maneira que melhor lhe convier – normalmente em seu domicílio. Com a nova modalidade, surge a oportunidade de reinserção de desempregados no mercado.
Para a empresa, essa modalidade foi um sucesso, pois pôde dividir os gastos com seu empregado, não necessitando de dispor de um espaço físico para este trabalhar. Além disso, evita todo o stress gerado por funcionários, como faltas, problemas de transporte, competições, danos morais e sexuais, que desapareceram quase por completo.
Por outro lado, o teletrabalho gera o isolamento. O trabalhador realiza suas tarefas de forma individual, longe da convivência social; isso pode trazer como conseqüência a perda do limite entre a vida profissional e a vida pessoal, acarretando uma série de doenças psicológicas. Ressalte-se, ainda, por importante, a possibilidade de enfrentar a visão preconceituosa da sociedade com relação às pessoas que trabalham em casa.
Mas, aceitando ou não, esta é uma modalidade em ascensão na atual sociedade, à mercê de constantes avanços tecnológicos.
Assim, o trabalhador, para se inserir no mercado flexibilizado, necessita de atualização quase que diariamente. Aspecto que nos remete a uma passagem Bíblica, talvez seja a tradução, de forma simples, da situação vivida pela sociedade: (…) homem tem dominado homem para seu prejuízo. (ECLESIASTES, 8: 9; BÍBLIA SAGRADA).
Espera-se que o teletrabalho não represente mais uma oportunidade de exploração de trabalhadores, que, aos poucos, têm todos os seus direitos desrespeitados.
Informações Sobre o Autor
Luciana Santos Trindade Capelari
Advogada trabalhista e empresarial, Especialista em Direito Processual, e em Direito do Trabalho e mestranda em Direito e Processo do Trabalho pela PUC Minas