Teletrabalho e a jornada laboral: superando a inconstitucionalidade da redação da Lei nº 13.467/2017 sob o prisma do direito comparado

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar a nova modalidade de prestações de serviços, qual seja, o Teletrabalho, regulamentado pela “Reforma Trabalhista” por meio da lei n. 13.467/2017 e a exclusão do controle de jornada de trabalho, surgindo assim a seguinte problemática: “A exclusão do controle de jornada de trabalho para o teletrabalhador seria inconstitucional à luz do art. 7º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988? E como compatibilizar para que tal modalidade não seja excluída do arcabouço jurídico retornando a falta de regulamentação?”

Palavras-chave: Reforma trabalhista. Teletrabalho. Inconstitucionalidade material. Compatibilização. Regulamentação.

Abstract: The objective of this article is the analyze of the new modality of services rendering, this namely is Teleworking, regulated by the "Labor Reform" through Law number 13.467 / 2017 and the exclusion of the control of working hours, thus arising the following problem: "The exclusion of the control of working hours for the teleworker would be unconstitutional in the light of art. 7, item XIII, of the Federal Constitution of 1988? And how to reconcile so that this modality is not excluded from the legal framework returning the lack of regulation? "

Keywords: Labor reform. Telecommuting. Material unconstitutionality. Compatibility. Regulation.

Sumário: Introdução. 1. Evolução Histórica. 2. Reforma trabalhista. 2.1. Do teletrabalho e a inconstitucionalidade material. 2.2 Do direito a desconexão. 2.3 Da compatibilização sob o prisma do direito comparado. Conclusão.

INTRODUÇÃO

Com a publicação da lei 13.467/2017, denominada vulgarmente como Reforma Trabalhista trouxe a figura do teletrabalho como modalidade de prestação de serviços.

No entanto ao disciplinar sobre o teletrabalho que, diga-se de passagem, é espécie do gênero trabalho a distância, excluiu tais trabalhadores, sem razão, do controle de jornada, permitindo assim que o trabalhador realize acima de 08 horas diárias de labor e 44h semanais sem o devido pagamento da prorrogação de jornada.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

É sabido que no mundo a tecnologia se tornou aliada dos meios de produção do capital concatenando as necessidades do empregador a contraprestação do empregado, por meio da energia de trabalho disposta, de modo a gerar mais eficiência e eficácia da quantidade de produtos e serviços realizados e ofertados no mercado.

Neste sentido, houve a necessidade de se equiparar a subordinação e controle não só aos meios realizados presencialmente como também os realizados a distância. Neste contexto, surge a lei nº 12.551/2011 que equiparou os meios pessoais e direitos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio aos meios telemáticos e informatizados de comando controle e supervisão, acrescentando o parágrafo único ao art. 6º, da CLT e alterando a redação de seu “caput”.

Nesta toada, surgiram diversos pedidos na justiça do trabalho para pagamento de horas extras tendo em vista que, além de laborar 8h diárias e 44h semanais, o trabalhador, ainda, realizava o labor a distância, respondendo e-mails, recebendo ligações e etc.

Justamente com fulcro na lei supracitada que acrescentou o art. 6º, parágrafo único, na CLT, o C. TST se manifestou sobre a plena possibilidade e compatibilidade do controle de jornada quando o labor é realizado a distância e, consequentemente, condenando diversas reclamadas ao pagamento das horas extras cabíveis, por amostragem, vejamos um julgado do C. TST:


“TST – RECURSO DE REVISTA RR 12179720115090008 (TST)

Data de publicação: 17/04/2015

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015 /2014. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. CONTROLE INDIRETO DE JORNADA. Agravo de instrumento a que se dá provimento para determinar o processamento do recurso de revista, em face de haver sido demonstrada possível afronta ao artigo 62 , I , da CLT . RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015 /2014. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. CONTROLE INDIRETO DE JORNADA. A exceção prevista no artigo 62 , I , da CLT não depende apenas do exercício de trabalho externo, mas também da impossibilidade de controle de horário pelo empregador. No caso, o Tribunal Regional registrou que: o autor trabalhava em home office por opção da ré, que fechou a filial em Curitiba em 2005; os técnicos, que trabalhavam em idêntica condição, recebiam hora extra, quando acionados no plantão; não havia poderes especiais na gerência; a testemunha da ré admitiu a possibilidade de exceder o horário, caso algum cliente ligasse, a existência de folga compensatória, caso atendesse fora do expediente, e as horas trabalhadas a mais eram informadas. Indubitável, portanto, que o empregador exercia o controle indireto sobre os horários cumpridos pelo empregado. Somente quando se revelar inteiramente impossível o controle, estará afastado o direito ao pagamento de horas extraordinárias, em razão da liberdade de dispor do seu próprio tempo, a exemplo do que ocorre, mesmo nesses casos, com o intervalo para refeição, cujo gozo é presumido, diante a autorização legal para dispensa do registro. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.” (destaquei).

Não há, atualmente, como negar que há possibilidade de realização do controle da jornada de trabalho, principalmente, referente ao Teletrabalho que possui na modalidade home-office, com diversos softwares passíveis de serem utilizados por meio da internet.

2. REFORMA TRABALHISTA

2.1. DO TELETRABALHO E A INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL

“Superada” esta celeuma, o legislador de 2017, em total descompasso com a jurisprudência e doutrina dominante, institui o teletrabalho, porém exclui o trabalhador, nesta modalidade, do controle de jornada de trabalho, conforme preceitua o novo inciso III do art. 62, da CLT.

Data máxima vênia, entende este nobre escritor que tal redação por si só é totalmente inconstitucional quando interpretada sistematicamente com a Constituição Federal de 1988 que estabelece a proteção ao labor de jornadas a 8h diárias e 44h semanais, conforme art. 7º, inciso XVI.

No entanto, há quem defenda que o inciso deve ser interpretado extensiva e analogicamente com os outros dois incisos do art. 62, da CLT e, portanto, surgiria os outros requisitos cumulativos para enquadrar, além do contrato na modalidade teletrabalho, a referida exclusão do controle de jornada, como v.g as atividades incompatíveis com a fixação de horário de trabalho e anotação expressa na CTPS.

Mesmo assim, não haveria cabimento, ao nosso ponto de vista, posto que ainda sim estaria tornando extremamente mitigada a responsabilidade do empregador por eventuais acidentes de trabalho, bem como haveria a mitigação da Alteridade por via reflexa.

2.2. DO DIREITO A DESCONEXÃO

Por outro viés, surge o direito a desconexão, em que os empregados possuem e devem gozar de horário para descanso, evitando assim, que o trabalho tome o período integral da vida do hipossuficiente juridicamente da relação trabalhista.

Tal direito é discutido globalmente, posto que a dificuldade econômica globalizada ou a, com as devidas vênias, “crise permanente do capital”, estão exigindo cada vez mais dos meios de produção do capital e, por via obliqua, incidindo em retrocesso social.

2.3. DA COMPATIBILIZAÇÃO SOB O PRISMA DO DIREITO COMPARADO

Buscando superar a dificuldade outorgada pelo legislador procuramos buscar guarida no novo § 1º, do art. 8º, também do diploma nº 13.467/2017, que expressamente diz que o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.

Em que pese o legislador retirar os termos incompatibilidade e omissão do art. retro citado, não podemos deixar de observá-los, pois são requisitos fundamentais para integração das normas trabalhistas com outros diplomas legais.

Pois bem, retornando ao raciocínio, se usarmos o direito comparado como fonte subsidiaria internacionalizaremos a norma alienígena, sem que ofenda a soberania do Estado, superando, com todo respeito, a subversividade ou ignorância do legislador pátrio.

Neste contexto, trazemos o ilustre Código do Trabalho de Portugal de 2009 que, ao disciplinar o teletrabalho, em seu art. 169, nº 1, o faz com brilhante redação, senão vejamos:

“O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere a formação e promoção ou carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional”. (destaquei)

Sendo assim, plenamente cabível e aplicável o controle da jornada de trabalho e fixação de horários, excluindo, raras exceções, os argumentos de inviabilidade do controle da jornada por meios telemáticos e informatizados.

Por fim, entende este escritor que, apesar de não ser, infelizmente, observado, deveria ser tal modalidade de prestação de trabalho interpretado e aplicado a luz do Enunciado nº 17 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho que preceitua:

17. LIMITAÇÃO DA JORNADA. REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO A TODOS OS TRABALHADORES. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 62 DA CLTA proteção jurídica ao limite da jornada de trabalho, consagrada nos incisos XIII e XV do art. 7º da Constituição da República, confere, respectivamente, a todos os trabalhadores, indistintamente, os direitos ao repouso semanal remunerado e à limitação da jornada de trabalho, tendo-se por inconstitucional o art. 62 da CLT.” (destaquei)

CONCLUSÃO

Destarte, em se falando de vínculo empregatício, sugere-se a observação a aplicação extensiva e analógica do direito comparado, bem como a interpretação sistemática com a Carta Magna de forma a observar a isonomia formal e material dos empregados, tanto a distância, quanto os demais e, assim, preservando a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho consagrados como fundamentos da República Federativa do Brasil, nos termos dos arts. 1º, incisos III e IV c/c 5º, “caput”, e 7º, XXXII, bem como os arts. 6º e 83 do diploma trabalhista de 1943, observando as devidas alterações de 2011, afastando, por via obliqua, a inconstitucionalidade aparente para que o teletrabalho não retorne ao limbo da omissão regulamentar.

 

Referências:
CORREIA, Henrique, Direito do trabalho para concursos, 2ª edição, ed. Juspodivm, Salvador – BA, 2017.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa, Reforma Trabalhista – Análise crítica da Lei 13.467/2017, 2ª edição, ed. Juspodivm, Salvador – BA, 2017.
MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, 25ª ed., ed. Atlas, São Paulo, 2009.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho, 26ª ed., ed. Saraiva, São Paulo, 2011.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; SEVERO, V. S., “Os 201 ataques da “reforma” aos trabalhadores, publicado em: https://grupodepesquisatrabalhoecapital.wordpress.com/, em 11 de maio de 2017.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz, “Impactos do golpe trabalhista (a lei n. 13.467/17)”, publicado em: https://grupodepesquisatrabalhoecapital.wordpress.com/, em 29 de agosto de 2017.

Informações Sobre o Autor

Guilherme Achilles Gomes Pommer

Advogado associado da banca especializada Wanderley Alves Sociedade de Advogados, pós-graduando pelo Complexo Educacional Renato Saraiva


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