Resumo: A finalidade do presente artigo é enfrentar, de forma sucinta, o instituto da terceirização no serviço público, bem como os seus desdobramentos, mais especificamente no que tange à possibilidade ou não de responsabilização dos entes públicos de todas as esferas da Administração – União, Estados, Distrito Federal e Municípios -, bem como os limites de tal responsabilização, no caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas pela empresa terceirizada prestadora de serviços, tudo isso à luz da doutrina e da jurisprudência. Por fim, também será estudada a decisão do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nº 760.931/DF (Tema nº 246), com repercussão geral e efeito vinculante erga omnes, por 6 (seis) votos e 5 (cinco), após o voto de desempate do Ministro Alexandre de Morais, provendo em parte o recurso da União e confirmando o entendimento, adotado na Ação de Declaração de Constitucionalidade (ADC) 16, que veda a responsabilização automática da administração pública, só cabendo sua condenação se houver prova inequívoca de sua conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contrato.
Palavras-Chave: Terceirização. Responsabilidade. Subsidiária. Entes. Públicos.
Abstract: The purpose of this article is to briefly address the outsourcing institute in the public service, as well as its consequences, specifically with regard to the possibility or otherwise of accountability of public entities of all spheres of administration – the Union, the States, Federal District and Municipalities – as well as the limits of such liability, in the event of non-compliance with the labor obligations by the outsourced service provider, all in the light of doctrine and jurisprudence. Finally, the decision of the Federal Supreme Court, in the case of Extraordinary Appeal No. 760.931 / DF (Theme nº 246), with general repercussion and binding effect erga omnes, will be studied by 6 (six) votes and 5 (five) after the dissenting vote of Minister Alexandre de Morais, providing in part the appeal of the Union and confirming the understanding, adopted in the Action of Declaration of Constitutionality (ADC), 16 which prohibits the automatic accountability of the public administration, and only if there is evidence unambiguous behavior of their omissive or commissive conduct in the supervision of the contract.
Keywords: Outsourcing. Responsibility. Subsidiary. Public. Entities.
Sumário: Introdução. 1. Terceirização. 1.1 Histórico. 1.2 Conceito. 1.3 Terceirização Lícita e Ilícita. 1.4 Efeitos jurídicos. 2. Terceirização no âmbito da Administração Pública. 3. A responsabilidade subsidiária dos entes públicos por dívidas trabalhistas. Conclusão. Referências bibliográficas.
Summary: Introduction. 1. Outsourcing. 1.1 History. 1.2. Concept. 1.3 Licit and Ilicit Outsourcing. 1.4 Legal effects. 2. Outsourcing in the scope of Public Administration. 3. The subsidiary liability of public entities for labor debts. Conclusion. References.
Introdução
A relação tripolar entre o trabalhador, o tomador e o prestador de serviços surgiu da necessidade de modernização do trabalho, que tornou necessário um maior dinamismo envolvendo tais atores sociais.
O aumento do número de empresas terceirizadas gerou questionamentos, pois, para muitos, a terceirização é forma de burlar as normas trabalhistas, beneficiando indevidamente o tomador de serviços. Entretanto, para outros, a terceirização é válida, pois a desoneração parcial dos encargos trabalhistas pelo tomador viabiliza a contratação de um maior número de trabalhadores, criando mais emprego e renda à população.
As terceirizações da atividade-fim e da atividade-meio da empresa podem se confundir, criando situações nas quais a impessoalidade e a não subordinação são desfeitas, havendo verdadeiro vínculo empregatício entre a empresa tomadora e o empregado.
A Constituição Federal de 1988 prevê a obrigatoriedade do provimento de cargos públicos por meio de concurso público, o que impede o reconhecimento do vínculo empregatício entre o empregado e o órgão público tomador do serviço.
O Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou a constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, assentado que a responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelas verbas trabalhistas devidas em decorrência de contrato de terceirização depende da existência de uma específica e concreta atuação culposa do Poder Público na fiscalização do contrato administrativo.
Entretanto, como se verá, há entendimentos na Justiça do Trabalho no sentido de que o simples inadimplemento da empresa prestadora é suscetível responsabilizar a Administração Pública, mas o Tribunal Superior do Trabalho (TST), em diversos acórdãos, tem afastado a responsabilidade subsidiária dos entes públicos pelos débitos trabalhistas decorrentes de terceirização.
1. Terceirização
1.1 Histórico
A doutrina de MARTINS (2009, p. 15) cita que o fenômeno da terceirização surgiu mundialmente a partir do início do século XX, consolidando-se no decorrer da Segunda Grande Guerra Mundial, em razão da conhecida “indústria das armas”, na qual os países aliados passaram a atuar em conjunto, fragmentando a linha de produção e especializando-se no produto principal, repassando a terceiros as atividades acessórias.
No Brasil, a terceirização foi concebida a partir da metade do século XX, por meio do ingresso no mercado das empresas multinacionais, que se concentraram na produção do seu objeto principal e delegaram a terceiros as atividades acessórias, como limpeza e conservação.
Em razão dessa nova forma de produção, foi necessário um sistema normativo específico, podendo ser citados o Decreto-Lei nº 200/67 e a Lei nº 5.645/70 (que tratam dessa nova relação de trabalho no âmbito do serviço público), além das Leis nºs 6.019/74 (que cuida do serviço temporário) e 7.102/83 (que regula o serviço de vigilância bancária realizado por empresas terceirizadas), dentre outras.
1.2 Conceito
Ainda segundo MARTINS (2009, p. 176), a terceirização consiste na contratação de terceiro para realizar uma atividade que não corresponda ao objeto principal da empresa, fornecendo o suporte necessário para que o empresário concentre forças para a realização da sua atividade-fim.
Já para DELGADO (2010, p. 414), a terceirização é o fenômeno pelo qual se cria um vínculo jus trabalhista com triangularização dos envolvidos, quais sejam, o trabalhador, o tomador de serviços e a entidade interveniente.
1.3 Terceirização Lícita e Ilícita
Como dito acima, terceirizar licitamente consiste em transferir a terceiros as atividades que não constituam o objeto principal da empresa, ou seja, as atividades-meio, que, segundo a doutrina, são aquelas que ficam à parte do processo principal da empresa, pois não conseguem interagir corretamente com a dinâmica empresarial e devem atender a uma estrutura paralela que não crie dificuldades quando ocorrer mudança em sua estrutura ou composição.
Em geral, a terceirização lícita se manifesta por meio de serviços, tais como limpeza e vigilância, que, nos termos da Lei n. 7.102/1983, combinada com a Súmula 331, item III, do TST, não criam vínculo direto com o empregador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta, necessários à configuração do vínculo empregatício. Outro exemplo de terceirização lícita está presente no contrato temporário (Lei n. 6.019/74), quando da necessidade de substituir pessoal regular permanente e que resulte em acréscimo de serviços.
Já a terceirização ilícita consiste no repasse, direto ou indireto, a terceiros, de atividades que constituam o fim da empresa.
DELGADO (2010, p. 414) define a atividade-fim como o conjunto de funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico.
1.4 Efeitos jurídicos
Como efeitos jurídicos da terceirização, o Enunciado n. 331 da Súmula/TST prevê no item I uma sanção para o caso de terceirização ilícita, prescrevendo que a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019/74).
Já os itens IV e VI da mesma Súmula, que pressupõem a licitude da terceirização, preveem que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial, sendo que tal responsabilidade abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
2. Terceirização no âmbito da Administração Pública
Pode-se dizer que o surgimento da terceirização na Administração Pública teve suas primeiras linhas traçadas no Decreto n. 200/67, que, embora não se utilize expressamente do termo “terceirização”, prevê a transferência a terceiros da realização material de tarefas executivas, in verbis:
“Decreto-Lei nº 200/67:
Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.(…)
§ 7º. Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmensurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução”.
A partir da década de 1980, a Administração Pública brasileira iniciou um longo processo de reforma, com vistas a reduzir o seu aparato administrativo e torná-lo mais eficiente e econômico, surgindo daí o fenômeno das privatizações, que, segundo DI PIETRO (2008, p. 28), compreendem, entre outros, a quebra de monopólios de atividades estatais, a delegação de serviços públicos a particulares e a terceirização das atividades acessórias da Administração.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o art. 37, XXI autorizou a terceirização, ao prever que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica, indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Tal dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos).
Prosseguindo, o Decreto federal nº 2271/1997, que dispõe sobre a contratação de serviços pelos órgãos públicos, estabelece que, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade, tais como limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações.
O parágrafo 1º do art. 18 da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade fiscal), admitiu a terceirização no serviço público, entendendo que os valores dos contratos de terceirização que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão registrados como “outras despesas de pessoal”.
Posteriormente, nos anos de 2008 e 2009, foram editadas a Instruções Normativas nsº 2, 3, 4 e 5, pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com o objetivo de suprir a ausência de legislação específica sobre planejamento e acompanhamento das contratações de serviços de terceiros pela Administração Pública, constatadas principalmente em decisões da lavra do Tribunal de Contas da União.
A par do aparato legislativo acima mencionado, é de se concluir que a Administração Pública somente pode terceirizar se houver previsão em lei, além de ter que observar os princípios da eficiência e da economicidade, sob pena de ilegalidade e responsabilização do agente que praticou o ato.
Desse modo, podemos elencar, dentre outras, algumas formas de terceirização permitidas pela Administração Pública, tais como:
(a) Arts. 1º e 2º da Lei n. 8.745/93: contratação temporária de servidores para atender à necessidade temporária e excepcional interesse público, especialmente, nos casos de calamidade pública, combate a surtos endêmicos, recenseamentos, admissão de professores substitutos ou visitantes, atividades especiais nas organizações das forças armadas para atender à área industrial ou encargos temporários e serviços de engenharia;
(b) Lei n. 8.987/95: concessão e permissão de serviços públicos; e
(c) Arts. 199, § 1º, e 209 da Constituição Federal de 1988: execução de serviços de ensino e saúde pela iniciativa privada, como forma complementar à pública.
Quanto à possibilidade do surgimento de vínculo empregatício com a Administração Pública decorrente de terceirização, a Súmula n. 331/TST, item II, é categoria ao afirmar que “a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988)”, estendendo-se tal proibição às autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, conforme MS 21322-1/DF, julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
No ponto, ressalte-se que o princípio da primazia da realidade, emergente das leis e princípios do Direito do Trabalho, não pode se sobrepor à norma constitucional, que prevê a obrigatoriedade do concurso público. A ausência de formação de vínculo trabalhista com o Poder Público não afasta, todavia, a responsabilização dos administradores pelos respectivos atos de improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição, e da lei nº 8.429/92.
3. A responsabilidade subsidiária dos entes públicos por dívidas trabalhistas
Nos termos do art. 71, e 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93 (lei de licitações e contratos administrativos), com redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995, o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas resultantes da execução do contrato, e eventual inadimplência do contratado àqueles encargos não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
Por sua vez, na sessão do dia 24/11/2010, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666 de 1993. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 16, ajuizada pelo governador do Distrito Federal, em face da antiga redação do Enunciado 331, item IV, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que, contrariando o disposto no parágrafo 1º do mencionado artigo 71, responsabilizava subsidiariamente tanto a Administração Direta quanto a indireta, em relação aos débitos trabalhistas, quando atuar como contratante de qualquer serviço de terceiro especializado.
No acórdão do referido julgamento, ficou assentado que a responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelas verbas trabalhistas devidas em decorrência de contrato de terceirização depende da existência de uma específica e concreta atuação culposa do Poder Público na fiscalização do contrato administrativo, tendo sido afastada a aplicação do art. 37, § 6º, da Constituição Federal ao caso.
A propósito, é importante transcrever a matéria noticiada no Informativo/STF nº 610:
“ADC e art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 – 3
Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade movida pelo Governador do Distrito Federal, para declarar a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 (“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. § 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.”) — v. Informativo 519. Preliminarmente, conheceu-se da ação por se reputar devidamente demonstrado o requisito de existência de controvérsia jurisprudencial acerca da constitucionalidade, ou não, do citado dispositivo, razão pela qual seria necessário o pronunciamento do Supremo acerca do assunto. A Min. Cármen Lúcia, em seu voto, salientou que, em princípio, na petição inicial, as referências aos julgados poderiam até ter sido feitas de forma muito breve, precária. Entretanto, considerou que o Enunciado 331 do TST ensejara não apenas nos Tribunais Regionais do Trabalho, mas também no Supremo, enorme controvérsia exatamente tendo-se como base a eventual inconstitucionalidade do referido preceito. Registrou que os Tribunais Regionais do Trabalho, com o advento daquele verbete, passaram a considerar que haveria a inconstitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei 8.666/93. Referiu-se, também, a diversas reclamações ajuizadas no STF, e disse, que apesar de elas tratarem desse Enunciado, o ponto nuclear seria a questão da constitucionalidade dessa norma. O Min. Cezar Peluso superou a preliminar, ressalvando seu ponto de vista quanto ao não conhecimento.
ADC 16/DF, rel. Min. CezarPeluso, 24.11.2010. (ADC-16)
ADC e art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 – 4
Quanto ao mérito, entendeu-se que a mera inadimplência do contratado não poderia transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos, mas reconheceu-se que isso não significaria que eventual omissão da Administração Pública, na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado, não viesse a gerar essa responsabilidade. Registrou-se que, entretanto, a tendência da Justiça do Trabalho não seria de analisar a omissão, mas aplicar, irrestritamente, o Enunciado 331 do TST. O Min. Marco Aurélio, ao mencionar os precedentes do TST, observou que eles estariam fundamentados tanto no § 6º do art. 37 da CF quanto no § 2º do art. 2º da CLT (“§ 2º – Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”). Afirmou que o primeiro não encerraria a obrigação solidária do Poder Público quando recruta mão-de-obra, mediante prestadores de serviços, considerado o inadimplemento da prestadora de serviços. Enfatizou que se teria partido, considerado o verbete 331, para a responsabilidade objetiva do Poder Público, presente esse preceito que não versaria essa responsabilidade, porque não haveria ato do agente público causando prejuízo a terceiros que seriam os prestadores do serviço. No que tange ao segundo dispositivo, observou que a premissa da solidariedade nele prevista seria a direção, o controle, ou a administração da empresa, o que não se daria no caso, haja vista que o Poder Público não teria a direção, a administração, ou o controle da empresa prestadora de serviços. Concluiu que restaria, então, o parágrafo único do art. 71 da Lei 8.666/93, que, ao excluir a responsabilidade do Poder Público pela inadimplência do contratado, não estaria em confronto com a Constituição Federal.
ADC 16/DF, rel. Min. CezarPeluso, 24.11.2010. (ADC-16)
ADC e art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 – 5
Por sua vez, a Min. Cármen Lúcia consignou que o art. 37, § 6º, da CF trataria de responsabilidade objetiva extracontratual, não se aplicando o dispositivo à espécie. Explicou que uma coisa seria a responsabilidade contratual da Administração Pública e outra, a extracontratual ou patrimonial. Aduziu que o Estado responderia por atos lícitos, aqueles do contrato, ou por ilícitos, os danos praticados. Vencido, parcialmente, o Min. Ayres Britto, que dava pela inconstitucionalidade apenas no que respeita à terceirização de mão-de-obra. Ressaltava que a Constituição teria esgotado as formas de recrutamento de mão-de-obra permanente para a Administração Pública (concurso público, nomeação para cargo em comissão e contratação por prazo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público), não tendo falado em terceirização. Salientou que esta significaria um recrutamento de mão-de-obra que serviria ao tomador do serviço, Administração Pública, e não à empresa contratada, terceirizada. Assentava que, em virtude de se aceitar a validade jurídica da terceirização, dever-se-ia, pelo menos, admitir a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, beneficiária do serviço, ou seja, da mão-de-obra recrutada por interposta pessoa.
ADC 16/DF, rel. Min. CezarPeluso, 24.11.2010.” (ADC-16).
Ainda de acordo com os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o julgamento acima não constituiu impedimento ao TST de reconhecer a responsabilidade do ente público, com base nos fatos de cada causa, pois o STF não pode impedir os Tribunais trabalhistas, à base de outras normas, dependendo das causas, reconhecer a responsabilidade do poder público.
A partir do julgamento acima, o colendo Tribunal Superior do Trabalho promoveu alterações na Súmula n. 331, acrescentando o item V, conforme citamos abaixo:
“(…) V- Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”
A despeito da alteração sumular, não são raros os casos em que a Justiça do Trabalho, especialmente a primeira e a segunda instância, condenam os entes públicos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – subsidiariamente, em razão, única e exclusivamente, do inadimplemento das obrigações trabalhistas devidas pela empresa terceirizada, ou seja, a condenação do ente público seria pautada na responsabilidade objetiva, o que não pode se admitir.
Todavia, o TST, em acórdãos recentes, acertadamente tem afastado a responsabilidade subsidiária dos entes públicos, por não decorrer de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada, devendo estar evidenciada pelas instâncias ordinárias a conduta culposa do ente público no cumprimento das obrigações da Lei 8.666, de 21.6.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora.
Nesse sentido, citamos os seguintes precedentes jurisprudenciais daquele Tribunal Superior:
“RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEI 8.666/93. CONDUTA CULPOSA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEI 8.666/93. CONDUTA CULPOSA. O Tribunal Superior do Trabalho inseriu o item V no texto da Súmula 331 para ajustar-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento da ADC 16 (DJE de 6/12/2010), restando evidenciada a necessidade de efetiva prova da conduta culposa da Administração Pública (tomadora dos serviços) pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas a cargo da empresa prestadora dos serviços. Situação fática cuja prova material não se revela neste feito.Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento.(PROCESSO Nº TST-RR-835-08.2010.5.10.0010, 5ª Turma).”
“RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA. ENTIDADES ESTATAIS. ENTENDIMENTO FIXADO PELO STF NA ADC Nº 16-DF. SÚMULA 331, V, DO TST. ART. 71, § 1º, DA LEI 8.666/93. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE CONDUTA CULPOSA NO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DA LEI 8.666/93 EXPLICITADA NO ACÓRDÃO REGIONAL. Em observância ao entendimento fixado pelo STF na ADC nº 16-DF, passou a prevalecer a tese de que a responsabilidade subsidiária dos entes integrantes da Administração Pública direta e indireta não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada, mas apenas quando explicitada no acórdão regional a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666, de 21.6.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. No caso concreto, o TRT a quo manteve a condenação subsidiária por mera inadimplência da empresa terceirizada quanto às verbas trabalhistas e previdenciárias devidas ao trabalhador terceirizado, tese superada pela jurisprudência atual do STF. Portanto, dá-se efetividade ao entendimento da Corte Suprema, afastando-se a responsabilidade subsidiária da entidade tomadora de serviços, tendo em vista que a Instância Ordinária menciona fundamentos não acolhidos pela decisão do STF na ADC nº 16-DF (responsabilidade objetiva), bem como não afirma categoricamente que houve culpa in vigilando da entidade estatal, quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa prestadora de serviços terceirizados. Recurso de revista conhecido e provido (PROCESSO Nº TST-RR-778-81.2010.5.10.0012, 3ª Turma).”
“RECURSO DE REVISTA – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – SÚMULA Nº 331, ITEM V, DO TST. O acórdão regional está em harmonia com o entendimento da Súmula nº 331, item V, do TST, porque a responsabilização subsidiária da União decorreu do reconhecimento de conduta culposa na fiscalização do cumprimento do contrato. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ATRASO NO PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS. A jurisprudência desta Corte firma-se no sentido de que o mero atraso no pagamento de salários, sem demonstração inequívoca de prejuízos, não evidencia dano moral (Precedentes). Do v. acórdão regional não se extrai a demonstração, de forma cabal, de prejuízos sofridos ou de violação a direitos personalíssimos ou ainda de constrangimento pessoal. A condenação decorreu de presunção. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido”(PROCESSO TST-RR-380100-66.2009.5.12.0009, 8ª Turma).”
Por fim, citamos a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nº 760.931/DF (Tema nº 246), com repercussão geral e efeito vinculante erga omnes, por 6 (seis) votos e 5 (cinco), após o voto de desempate do Ministro Alexandre de Morais, provendo em parte o recurso da União e confirmando o entendimento, adotado na Ação de Declaração de Constitucionalidade (ADC) 16, que veda a responsabilização automática da administração pública, só cabendo sua condenação se houver prova inequívoca de sua conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contrato.
De acordo com a referida decisão, os órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário dos estados e da União só podem ser responsabilizados se forem comprovadas falhas na fiscalização do contrato de terceirização (acórdão pendente de publicação quando da finalização do presente artigo).
Para o Ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou o voto vencedor proferido pelo Ministro Relator Luiz Fux, seguido pela ministra Carmen Lúcia e pelos ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, o artigo 71, parágrafo 1º da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) é bastante claro ao exonerar o Poder Público da responsabilidade do pagamento das verbas trabalhistas por inadimplência da empresa prestadora de serviços.
No seu entendimento, elastecer a responsabilidade da Administração Pública na terceirização seria um incentivo para que se faça o mesmo em outras dinâmicas de colaboração com a iniciativa privada, como as concessões públicas. O ministro Alexandre de Moraes destacou ainda as implicações jurídicas da decisão para um modelo de relação público-privada mais moderna, no sentido de que a consolidação da responsabilidade do Estado pelos débitos trabalhistas de terceiro apresentaria risco de desestímulo de colaboração da iniciativa privada com a administração pública, estratégia fundamental para a modernização do Estado.
Assim, em respeito à decisão com efeitos vinculantes, proferida pelo Supremo Tribunal Federal e conforme os precedentes do TST acima referidos, os entes públicos devem ser isentados de qualquer responsabilidade quanto ao inadimplemento das verbas trabalhistas pela empresa prestadora, se não resultar provada, no caso concreto, a culpa in vigilando, não bastando mera presunção, cabendo ao reclamante comprovar a falta de fiscalização contratual e à Justiça do Trabalho verificar, caso a caso, se houve atitude negligente da Administração Pública.
Conclusão
Terceirização consiste na possibilidade de contratar terceiros para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa, podendo envolver a produção de bens, mas, principalmente, a prestação de serviços, como os de limpeza e vigilância.
A terceirização dos serviços públicos no Brasil foi impulsionada por meio das reformas neoliberais ao antigo aparelho do Estado, como veículo de racionalização dos recursos públicos, com vistas à eficiência e economicidade.
Nesse sentido, observa-se que o uso da terceirização se revela, em muitas, hipóteses, uma importante ferramenta que possibilita que o Poder Público centre-se em suas atividades finalísticas, o que, em tese, poderia melhorar a qualidade dos serviços prestados à população, reduzir os gastos estatais e incentivar o desenvolvimento da iniciativa privada em relação às funções terceirizadas.
O posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC nº 16, foi um marco para a questão da responsabilização subsidiária dos entes públicos decorrente de contratos de terceirização.
A partir do referido julgamento, passou-se a entender que tal responsabilização não decorre pura e simplesmente do inadimplemento das verbas trabalhistas pela empresa prestadora de serviços, sendo necessária a comprovação concreta da omissão da Administração Pública na fiscalização do contrato de terceirização, que teve origem na licitação, sendo inadmissível, ainda, a inversão do ônus da prova em desfavor do ente público.
Nesse mesmo sentido, o recente julgamento Tema nº 246, RE nº 760.931/DF (processo com repercussão geral) pelo Supremo Tribunal Federal.
Desse modo, não se olvida que a Administração Pública pode vir a ser responsabilizada somente quando tiver culpa pelos danos causados aos trabalhadores, por meio de conduta omissiva na fiscalização do contrato (culpa in vigilando), que inclui o acompanhamento do pagamento das obrigações trabalhistas, sendo ressalvado o direito do órgão público de acionar a empresa prestadora de serviços para se ressarcir dos prejuízos por ele suportados.
Informações Sobre o Autor
Artur Barbosa da Silveira
Procurador do Estado de São Paulo (PGE/SP). Ex-Advogado da União. Ex-Assessor de Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Graduado em Direito pela Universidade Mackenzie/SP. Especialista em direito público, direito processual civil e direito tributário. Pós-graduando em direito previdenciário