Teses sobre relativização do instituto da coisa julgada

Sumário: Resumo. Introdução. 1 Coisa julgada material e formal. 2 A tese da relativização da coisa julgada. 2.1 Tese a favor. 2.2 Tese contrária. 2.3 Princípio da proporcionalidade. 2.4 Ação rescisória e revisão criminal. 2.4.1 Revisão criminal na Justiça Militar. 2.5 Secundum eventuam probationis. 2.6 A tese da coisa julgada esculpida em lei declarada inconstitucional. Conclusão. Referências.


Resumo: Teses sobre relativização do instituto da coisa julgada. Este artigo científico destina-se a um breve estudo sobre a relativização ou flexibilização da coisa julgada observando casos já previstos no ordenamento pátrio, além de outros na doutrina e jurisprudência. Concluímos que, o assunto é bastante polêmico e atual, o que demanda a sua compreensão, em razão do entrelaçamento das matérias, motivo porque nos atemos aos vários conhecimentos jurídicos, o que facilitou a compreensão holística do assunto.


Palavras-chave: Teses. Relativização. Sentença. Coisa julgada. Segurança jurídica.


Introdução:


Assunto dos mais proeminentes no mundo jurídico é o que trata das hipóteses de relativização da coisa julgada nas mais diversas ações. Tratá-lo, atualmente, importa conflito de aceitação por parte dos conservadores, por ser um instituto que desde a sua criação até bem pouco tempo era reputado absolutamente intocável. Com a evolução do Direito Brasileiro e sobre o assunto, não mais se pode ter aquela visão que afirmava ser a coisa julgada o instituto impossível de ser transformado; no entanto, não podemos aceitar a sua banalização, mas apenas sua adaptação interpretativa harmônica com o ideal que se busca atualmente sobre a efetividade do processo e satisfatividade de direitos.


Entende-se coisa julgada como característica da definitividade de decisão judicial do qual não caberá mais recurso especial ou extraordinário aos respectivos tribunais superiores. Por terem transitado em julgado, o decisum[1] não poderia, em tese, ser modificado por ter-se petrificado com o tempo. É fenômeno típico e exclusivo da atividade jurisdicional. Somente a função jurisdicional é que pode conduzir a uma declaração que se torne efetivamente imutável e indiscutível, sobrevivendo mesmo à sucessão de leis (Art. 5.º, XXXVI, CR/88).


Os dados a seguir tratam de aspectos pertinentes à matéria supra, trazendo à baila a viabilidade da relativização da coisa julgada, em especial diante de decisões injustas. Enfocaremos a importância da segurança jurídica[2], compreendida como valor fundamental protegido pela ordem constitucional.


1 Coisa julgada material e formal:


A coisa julgada pode ser verifica sob duas vertentes, a coisa julgada material e a coisa julgada formal. A coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito, impedindo que a questão volte a ser discutida (ainda que em outro processo), por estar definitivamente resolvida a lide; a coisa julgada formal, por sua vez, é a imutabilidade da sentença dentro do processo em que foi proferida. Portanto, a coisa julgada material produz seus efeitos fora do processo, ao passo que, na formal, os efeitos são dentro do processo. Segundo Dinamarco[3], coisa julgada formal e material não são institutos autônomos ou diferentes, mas constituem “dois aspectos do mesmo fenômeno de imutabilidade, ambos responsáveis pela segurança jurídica”. Para ele, a coisa julgada material seria a imunização dos efeitos da sentença, ao passo que, a coisa julgada formal seria a imutabilidade da sentença em si mesma como ato jurídico do processo, sendo essa a razão pela qual se verifica coisa julgada formal em qualquer sentença, seja de mérito ou terminativa.


2 A tese da relativização da coisa julgada:


A tese da relativização da coisa julgada já chegou aos tribunais superiores, que em suas decisões o admitem ou não quando pertinentes. O dilema relativo à tese da relativização é a variedade de entendimentos e critérios trazidos pela doutrina, o que provoca uma pseudo-carência de fundamentação da relativização. Mas a sua importância supera quando necessário ao caso concreto de injustiça no julgamento sem provas cabais, por exemplo.


Certos casos já motivaram a utilização potencial da tese. Há quem sustente, por exemplo, a possibilidade de se desconsiderar a sentença transitada em julgado, construtora da coisa julgada material, sem a necessidade da propositura de ação rescisória. Podemos utilizar, como exemplo, um caso bastante corrente que é o da ação de investigação de paternidade, cuja sentença, transitada em julgado, declarou que o autor não é filho do réu, vice-versa, vindo depois a ser feito exame de DNA que demonstra o contrário. Diante disso, e para tornar possível a rediscussão do que foi afirmado pela sentença transitada em julgado, argumenta-se que a indiscutibilidade da coisa julgada não pode prevalecer sobre a realidade, e que assim deve ser possível rever a conclusão formada[4]. É visível a preocupação da doutrina no que tange a este direito fundamental da pessoa humana. Todo ser humano deve cumprir seu poder familiar, mas não se deve impor tal obrigação constitucional a quem não lhe deu causa, razão porque o julgamento sem prova contundente necessariamente deve ser revisto.


Por outro lado, há aqueles que não aceitam a revisão das causas já findas, amparam-se na tese da prevalência do princípio da segurança jurídica, considerando que o processo que tiver sentença transitada em julgado jamais estaria sujeito a sofrer alterações, nesse sentido o próprio STJ, já decidiu, na forma do voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito:


“EMENTA: AÇÃO DE NEGATIVA DE PATERNIDADE. EXAME PELO DNA POSTERIOR AO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COISA JULGADA.


I – Seria terrificante para o exercício da jurisdição que fosse abandonada a regra absoluta da coisa julgada que confere ao processo judicial força para garantir a convivência social, dirimindo os conflitos existentes. Se, fora dos casos nos quais a própria lei retira a força da coisa julgada, pudesse o Magistrado abrir as comportas dos feitos já julgados para rever as decisões não haveria como vencer o caos social que se instalaria. A regra do art. 468 do Código de Processo Civil é libertadora. Ela assegura que o exercício da jurisdição completa-se com o último julgado, que se torna inatingível, insuscetível de modificação. E a sabedoria do Código é revelada pelas amplas possibilidades recursais e, até mesmo, pela abertura da via rescisória naqueles casos precisos que estão elencados no art. 485.


II – Assim, a existência de um exame pelo DNA posterior ao feito já julgado, com decisão transitada em julgado, reconhecendo a paternidade, não tem o condão de reabrir a questão com uma declaratória para negar a paternidade, sendo certo que o julgado está coberto pela certeza jurídica conferida pela coisa julgada” (STJ, Resp 107.248-GO, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU, 29 jun. 1998, p. 160).


O STJ decidindo desta forma, nada mais faz do que cumprir a literalidade da lei processual civil. No atual panorama legal, estaria cumprindo o caput do Art. 471 do CPC, sem observar as devidas ressalvas dos seus incisos, assim como o Art. 474, por achar que estão reputadas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.


Observando o acórdão acima, a princípio, parece estar óbvio o direito do autor de ver conhecida a relação jurídica com o seu genitor paterno, amparando essa solução a partir da utilização de princípios constitucionais e infraconstitucionais. Porém, o assunto não é de fácil solução. Basta constatar a existência de grande discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o tema. A doutrina se divide equanimente pela pertinência ou não da desconsideração. A título de curiosidade, os autores como Fredie Didier Jr., Nelson Nery Jr., dentre outros, são contra a relativização ou desconsideração da coisa julgada; por outro lado, temos Teresa Wambier, Humberto Theodoro Jr., Cândido Rangel Dinamarco e Alexandre Freitas Câmara, como adeptos da relativização da coisa julgada.


2.1 Tese a favor:


O entendimento de Dinamarco[5] e Theodoro Jr.[6], é de que deve prevalecer a tese da relativização da coisa julgada sempre que houver uma injustiça dada na decisão monocrática ou em instância monocrática, ou ainda, quando a injustiça nelas for qualificada como “séria” ou “grave”. Então, indaga-se: Será que essa situação é correta? Não estaria indo de encontro à própria criação do instituto jurídico da coisa julgada? A resposta pode estar esculpida na própria lei maior, logo em seu preâmbulo, quando diz: “[…] justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias […]”. Assim como objetivo fundamental da República Federativa. Caberia então, um juízo de ponderação diante do caso concreto. Concluindo pela desconsideração da coisa julgada nos casos mais graves e de repercussão negativa.


2.2 Tese contrária:


A doutrina contrária apresenta argumentos contundentes para rebater a interpretação dos mais liberais. Afirmam que o condicionamento da decisão judicial para que produza apenas decisões justas não é viável ao próprio princípio da tutela jurisdicional, haja vista que sempre haverá um perdedor e um ganhador na demanda. Haverá sempre uma sentença injusta a depender do ponto de convergência de interesses dos litigantes. Assim como pode aparentar injustiça quando haja uma sentença “grave” ou “séria”.


Logicamente, os argumentos de Ovídio Baptista[7] têm sua relevância, pois, verifica-se que a coisa julgada é instituto ligado ao Estado Democrático de Direito e não tem relação com a justiça das decisões esperada pelos jurisdicionados. A justiça almejada na esfera judicial é passível de falha, tendo em vista ser construída por seres humanos dotados de capacidade intelectual jurídica no assunto – error in judicando[8]. A expressão de justiça ofertada pelo judiciário é o máximo que podemos buscar para garantirmos nossos direitos. Muitas vezes essa justiça não é a segurança in concreto que precisamos. Portanto, a coisa julgada não tem nada a ver com a justiça da decisão, mas sim com a segurança que é uma garantia que temos contra o poder. Essa é a fundamentação do instituto da Coisa Julgada. Concluindo, não se pode querer desfazer a primeira decisão alcançada pela coisa julgada a partir do critério de que essa decisão seria injusta. Ademais, quem garantiria a justiça no duplo grau de jurisdição?


2.3 Princípio da proporcionalidade:


Novamente no caso em defesa da filiação, outro critério proposto pela doutrina é o de aplicar o princípio da proporcionalidade ao caso concreto. Farias entende que “deve haver uma ponderação de interesses, um balanceamento entre a coisa julgada e o princípio da dignidade da pessoa humana, devendo prevalecer a dignidade de forma a garantir o direito de filiação.”[9] Esse critério não pode ser aceito, pois ao juiz não é cabido usar da proporcionalidade para relativizar um instituto que esbanja segurança. “A coisa julgada não pode ser colocada no mesmo plano do direito que constitui o objeto da decisão a qual adere, ou seja, não há dúvida de que é possível balancear dois direitos para fazer prevalecer um deles em alguns casos. Porém, não se pode balancear a coisa julgada, que é decisão judicial, com um direito buscado pela parte.” [10] O juiz não pode destruir a própria estabilidade de seu poder. “Ao admitirmos um balanceamento entre um direito e a coisa julgada estaremos instituindo um sistema aberto. No entanto, um sistema aberto não pode ser conciliado com a natureza da coisa julgada.” Eis a crítica trazida por Marinoni.


2.4 Ação rescisória e revisão criminal:


Na doutrina Teresa Wambier e Miguel Medina[11], nos deparamos com uma interpretação mais moderna ao inciso VII do Art. 485 do CPC. Dispõe o mencionado artigo que a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; ofender a coisa julgada; violar literal disposição de lei; se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal, ou seja, provada na própria ação rescisória; depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; e, fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa. Admitem os doutrinadores a possibilidade mais visível de relativização no caso de a decisão passada em julgado se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal, ou seja, provada na própria ação rescisória.


Da mesma linha de pensamento, temos a revisão das decisões nos processos criminais findos, que serão cabíveis quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, ou quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos, e, quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.


2.4.1 Revisão criminal na Justiça Militar:


A matéria sobre relativização da coisa julgada também tem sua importância na Justiça Castrense. O tema tem sua relevância pela característica de ser um sistema “fechado”, de aplicação de penas mais severas, a exemplo da pena de morte por fuzilamento, de difícil ocorrência atualmente, mas que em estado de guerra meramente possível, de procedimento apartado do molde comum de ação penal pública, respaldado pelo Decreto-lei n.º 1.002, de 21 de outubro de 1969.


No entanto, será cabível a revisão dos processos penais militares findos em que tenha havido erro quanto aos fatos, sua apreciação, avaliação e enquadramento.


A justiça nas decisões judiciais é base principiológica para os casos de revisão criminal em processos militares, haja vista lembranças de momentos retrógrados, onde a falta de senso e sensibilidade no respeito ao Estado Democrático de Direito, causaram exorbitamento dessa regra. Portanto, admitia-se, e continua admitindo-se, a reforma das decisões, a ser requerida a qualquer tempo, quando: a sentença condenatória for contrária à evidência dos autos; a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; e, após a sentença condenatória, se descobrirem novas provas que invalidem a condenação ou que determinem ou autorizem a diminuição da pena.


Tal pedido de revisão não poderá ser reiterado, excetuando-se os casos em que forem baseados em novas provas ou novo fundamento.


O rol de sujeitos ativos competentes para requererem a revisão é taxativo. Poderá ser requerida pelo próprio condenado ou por seu procurador; ou, no caso de sua morte, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.


Competirá ao Superior Tribunal Militar o seu processamento e julgada, em processos findos da Justiça Militar. O pedido será dirigido ao presidente do Tribunal e, depois de autuado, distribuído a um relator e a um revisor, devendo funcionar como relator, de preferência, ministro que não tenha funcionado anteriormente como relator ou revisor. O requerimento será instruído com certidão de haver transitado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos argüidos.


Para o julgamento da revisão serão observadas, no que forem aplicáveis, as normas previstas para a apreciação da apelação. Caso o Tribunal julgue procedente a revisão, poderá ser absolvido o réu, alterado a classificação do crime, modificado a pena ou anulado o processo. Em nenhuma hipótese poderá ser agravada a pena imposta pela sentença revista.


A absolvição implicará no restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação, devendo o Tribunal, se for o caso, impor a medida de segurança cabível.


É inadmissível recurso contra a decisão proferida em grau de revisão.


2.5 Secundum eventuam probationis:


Doutrina minoritária admite, em alguns casos, a extensão da aplicação da coisa julgada secundum eventuam probationis momento em que, só ocorrerá a coisa julgada quando houver total exaurimento de prova, ou seja, as ações julgadas improcedentes por insuficiência de provas não tem o condão de fazerem coisa julgada. Exemplo de coisa julgada secundum eventum probationis é o da ação coletiva para direitos difusos e coletivos previstos no Código de Defesa do Consumidor, que pode ser aplicado nas ações sobre os Planos Econômicos – Bresser, Verão, Collor I e II – onde a prova depende de extratos bancários fornecidos pela instituição financeira, que em muitos casos se negam a fornecer até mesma na presença de determinação judicial.


Nas ações coletivas, bem como nas ações civis públicas, os limites subjetivos da coisa julgada têm regime diferente daquele adotado pelo CPC:


a) direito difuso (Art. 81, parágrafo único, I, CDC) – a coisa julgada terá sempre eficácia erga omnes, procedente ou improcedente o pedido, salvo se a demanda for julgada improcedente por insuficiência de provas (Art. 103, I, CDC), caso em que incidirá a lei processual civil, Art. 472;


b) direitos coletivos (Art. 81, parágrafo único, II, CDC) – a coisa julgada terá sempre eficácia para além das partes (ultra partes), procedente ou improcedente o pedido, mas limitada ao grupo, categoria ou classe de pessoas a que se refere o direito coletivo discutido em juízo e objeto da coisa julgada material. No entanto, sendo a improcedência da ação motivada pela insuficiência de provas, a exemplo do que ocorre com as ações coletivas para a defesa de direitos difusos e individuais homogêneos, não haverá coisa julgada ultra partes, incidindo a lei processual civil, Art. 472;


c) direito individual homogêneo (Art. 81, parágrafo único, III, CDC) – a coisa julgada terá eficácia erga omnes apenas na hipótese de procedência do pedido (Art. 103, III, CDC), haja vista que nos demais casos incidirão a lei processual civil, Art. 472.


Belmiro Pedro Welter[12] e Cristiano Farias[13] tratam das ações de investigação de paternidade, abordando que, suas decisões somente podem transitar em julgado quando forem produzidas todas as provas admitidas em direito, seguindo o exemplo do modelo proposto para a coisa julgada nos casos de ação coletiva. Nesse caso, haveria coisa julgada somente quando tivessem sido produzidas todas as provas em direito admitidas: documental, testemunhal, pericial, DNA, depoimento pessoal e outra. Entretanto, tal posicionamento parece não prevalecer, uma vez que padece de tratamento legal. Nelson Nery Jr.[14] e Fredie Didier Jr.[15] dizem que a coisa julgada secundum eventum probationis só pode ser aceito nos casos expressamente taxados em lei.


2.6 A tese da coisa julgada esculpida em lei declarada inconstitucional:


Questão bastante presente nos concursos jurídicos é saber como se dar uma solução ao caso de haver sentença que teve seu trânsito em julgado, vindo posteriormente sua base legal ser atingida pela inconstitucionalidade.


A tese da coisa julgada inconstitucional foi recepcionada pelo legislador infraconstitucional que, sensível às manifestações de operadores processualistas, acabou por introduzir em nosso direito positivo a relativização da coisa julgada, mediante o acréscimo de um parágrafo único ao art. 741 do Código de Processo Civil, através da Medida Provisória n.º 2.180-35/2001, posteriormente convertida na Lei nº. 11.232, de 2005, com a seguinte redação: “Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.”


Importante modificação legislativa, a par de combinar os postulados de segurança e justiça, via relativização da coisa julgada, não tem, absolutamente, a meta de desnaturar o instituto, haja vista a sua indiscutível validade para o sistema processual brasileiro, nem muito menos o interesse de enfraquecer o aspecto de definitividade das decisões judiciais transitadas em julgado, mas, o inverso, busca contribuir para o aperfeiçoamento da sistemática adotada. Afinal, a intangibilidade denota mera figura de retórica, já que absolutamente nada pode ofender a Constituição, sob pena de desmoronar o Estado Democrático de Direito.


Assim, de acordo com a nova sistemática adotada, a relativização da coisa julgada tem lugar quando o título executivo judicial estiver:


1) Fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal; ou


2) Sua aplicação ou interpretação são tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.


No primeiro caso, por sua clareza e objetividade, não apresenta maiores dificuldades, sendo bastante que a sentença ou o acórdão exeqüendo esteja lastreado em lei ou outro ato normativo declarado inconstitucional pela Corte Suprema – em sede de controle tanto concentrado, quanto difuso – para que o juiz, negando-lhe exigibilidade, declare a nulidade da execução, à luz do art. 741, inc. II, parágrafo único, do CPC. A segunda hipótese, contudo, oferece maior complexidade, já que o título executivo não tem a sua inconstitucionalidade livremente pesquisada pelo juiz dos embargos, fazendo-se mister a preexistência de pronunciamento da Corte Maior como guardiã da Constituição.


Conclusão:


No decorrer deste trabalho acadêmico, procuramos oferecer um breve entendimento acerca das teses sobre a relativização da coisa julgada, revisão ou reforma de decisões judiciais. A idéia central tratada no presente estudo foi a discussão acerca de algumas premissas, tais como: o entendimento da coisa julgada material, como instrumento de garantia do direito fundamental à segurança nas relações jurídicas, tratando-se de um mero instituto jurídico-processual, um legítimo instrumento fundamental; e sobre a segurança jurídica, que é tida como um valor necessário à efetiva tutela jurisdicional.


Possibilidade de relativização em alguns casos abordados são os exemplos que utilizamos para demonstrar a razoável necessidade de enquadramento das decisões ao bom andamento da justiça.


Conclui-se que a matéria é bastante oportuna, pois toda decisão judicial marca a vida dos cidadãos, produzindo efeitos benéficos ou maléficos em proporções duradouras. Logicamente que a manutenção dos maus efeitos da sentença são conseqüentemente uma aceitação do injusto, ainda mais quando sabido que pode ser modificado. Portanto, viável a aceitação da relativização da coisa julgada material.




Referências:

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Notas:

[1] Sentença. Do lat. sententia. Expressão que encerra um sentido geral ou um princípio ou verdade moral máxima.

[2] A segurança jurídica depende da aplicação, ou melhor, da obrigatoriedade do Direito. Miguel Reale, discorrendo acerca da obrigatoriedade ou a vigência do Direito, afirma que a idéia de justiça liga-se intimamente à idéia de ordem. No próprio conceito de justiça é inerente uma ordem, que não pode deixar de ser reconhecida como valor mais urgente, o que está na raiz da escala axiológica, mas é degrau indispensável a qualquer aperfeiçoamento ético. Disponível em: REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. In: Revista da Escola Paulista da Magistratura, vol. 2, n. 2, jul.-dez./2001, São Paulo: Imprensa Oficial, p. 10.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme et al. Processo de Conhecimento. 6 ed. São Paulo: RT, 2007, v.2, p. 666.

[5] DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa Julgada Material.  Revista de Direito Processual – RePro. São Paulo: RT, 2003, nº 109, p. 22-23.

[6] THEODORO JR., Humberto; CORDEIRO, J. F. de. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, in Coisa julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 139.

[7] BAPTISTA, Olívio apud DIDIER JR. Fredie. Relativização da Coisa Julgada: Enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2004, p. 215.

[8] Error in judicando é um vício de juízo (CHIOVENDA). É um erro na declaração dos efeitos jurídicos substanciais e processuais: erro pelo qual o juiz desconhece efeitos jurídicos que a lei determina para a espécie em julgamento ou, ao contrário, reconhece inexistentes efeitos jurídicos diversos daquele (EMÍLIO Betti).

[9] FARIAS, C. C. de. Um alento ao futuro: novo tratamento da coisa julgada nas ações relativas à filiação in DIDIER JR. F. (org.) Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. Salvador: JusPODIVM. 2004.

[10] MARINONI, L. G. O Princípio da Segurança dos atos jurisdicionais (a questão da relativização da coisa julgada material. in DIDIER JR. F. (org.) Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. Salvador: JusPODIVM, 2004.

[11] WAMBIER, T. A. A. MEDINA, J. M. G. O Dogma da Coisa Julgada : Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003, p. 201-202.

[12] WELTER, op. cit., p. 118.

[13] FARIAS, op. cit., p. 77.

[14] NERY JR., N. A Polêmica sobre a Relativização (Desconsideração) da coisa julgada e o estado democrático de Direito, in DIDIER JR. F. (org.). Relativização da Coisa Julgada: Enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2004. p. 187.   

[15] DIDIER JR., F. Cognição, construção de procedimentos e coisa julgada: os regimes de formação da coisa julgada no direito processual civil brasileiro. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº. 10, janeiro, 2002. Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 18 de junho de 2005.


Informações Sobre o Autor

Rafael Alencar Xavier

Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito e Processo Constitucionais – UNIFOR


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