A Lei nº 10.406, promulgada em 10 de janeiro de 2002, que passou a vigorar em 11 de janeiro de 2003, instituiu o Novo Código Civil, o qual trouxe em seu bojo matérias do Direito Comercial, assim como os títulos de crédito e o “direito de empresa” [I]. Todavia, a receptividade dessa fórmula legislativa, inspirada no Código Civil italiano (Codice Civile de 1942) [II], não foi tão festejada por parte da doutrina. O legislador optou em uma tentativa de unificação do Direito Privado, ou seja, a junção de matéria comercial com a civilista.
Dessa forma, o Código Comercial de 1850 (Lei nº 556) teve sua primeira parte revogada expressamente pela nova lei civil. Nesse aspecto, surge uma enorme discussão no cenário jurídico, questionando a autonomia ou não do Direito Comercial em relação ao Direito Civil.
Não obstante, pode-se dizer que a autonomia do Direito Comercial manteve-se inalterada, principalmente no que concerne aos títulos de crédito. Nesse propósito, Wille Duarte Costa salienta:
“Para tranqüilizar aqueles estudiosos dos títulos de crédito, que se assustaram com a notícia de que a unificação viria fazer com que o Direito Civil absorvesse o Direito Comercial, podemos dizer que a comissão elaboradora do Código não atingiu o objetivo que buscava. Praticamente, nada foi alterado em relação aos títulos de crédito regulados por leis especiais: letra de câmbio, notas promissórias, cheques, duplicatas, títulos rurais e outros continuam regulados por suas próprias e vigentes leis.[III]” (Grifo nosso).
Não faz parte do objetivo deste trabalho aprofundar o tema da discórdia entre os comercialistas e civilistas, qual seja, a unificação do Direito Privado, mas somente registrar a celeuma. Passa-se então a destacar os títulos de crédito em face das modificações dispostas no Novo Código Civil.
Por sua vez, há de se mencionar que houve a inserção, no novo Ordenamento Civil, da possibilidade de criação de títulos de crédito inominados ou atípicos, “[…] uma categoria intermediária de documentação de direitos creditícios, a meio caminho entre os chamados – ‘créditos de direito não-cambiário’ – oriundos de negócios jurídicos celebrados por instrumento particular ou público – e os títulos de crédito típicos”[IV].
Ao que parece, o intuito do legislador foi de fixar os requisitos mínimos dos títulos de crédito, ou uma tentativa de construção de uma teoria geral dos títulos de crédito (embora a regulamentação permaneça por lei especial e cambiária), ou melhor, para os futuros títulos de crédito.
Outro ponto disposto no novo Código Civil, em seu Título VIII, Capítulo I, nas Disposições Gerais dos Títulos de Crédito, é o art. 887, que reproduz quase de maneira absoluta a celebre definição de Cesare Vivante [V] em alusão aos títulos de crédito, da seguinte forma: “Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente reproduz efeito quando preencha os requisitos da lei” [VI] (Grifo nosso).
Não obstante o legislador tenha acrescido no final do artigo que o título apenas produz efeito quando preencha os requisitos da lei, com efeito, ele deixa clara a sua preocupação, segundo a qual os títulos de crédito devem preencher garantias mínimas e essenciais, assim tornando verdadeiramente eficaz a circulação.
Conforme referido, as leis especiais permanecem como base legislativa para os títulos de crédito próprios. Caso haja lacunas ou omissões, a lei cambial é fonte supletiva de consulta. Contudo, quando a lei especial ou a lei cambial impossibilitem o preenchimento de tal lacuna ou omissão, tem-se como fonte subsidiária o Novo Código Civil. Nesse sentido, o art. 903 dispõe: “Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código” [VII]. Esse é também o entendimento de Fabio Ulhoa Coelho:
“O Código Civil de 2002 contém normas sobre os títulos de crédito (arts. 887 a 926) que se aplicam apenas quando compatíveis com as disposições constantes de lei especial ou se inexistentes estas (art. 903). De modo sumário, são normas de aplicação supletiva, que se destinam a suprir lacunas em regramentos jurídicos específicos. De qualquer modo, as normas do Código Civil de 2002 não revogam nem afastam a incidência do disposto na Lei Uniforme de Genebra, Lei do Cheque, lei das Duplicatas, […], e demais diplomas legislativos que disciplinam algum título particular (próprio ou impróprio). Apenas se, no futuro, a lei vier a criar um novo título de crédito e não disciplinar exaustivamente, nem eleger outra legislação cambial como fonte supletiva de regência da matéria, terá aplicação o previsto pelo Código Civil de 2002. [VIII]” (Grifo nosso).
O art. 889, § 3º, dispõe em seu rol a possibilidade de emissão do título de crédito, a partir de caracteres criados em computador ou meio equivalente, desde que constem da escrituração do emitente, respeitados os requisitos mínimos específicos.
“Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente.
§ 1º É à vista o título de crédito que não contenha indicação do vencimento.
§ 2º Considera-se lugar de emissão e de pagamento, quando não indicado no título, o domicilio do emitente.
§ 3º O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo. [IX]” (Grifo nosso).
Alguns autores passaram a afirmar que o título de crédito eletrônico ganhou base normativa para sua criação. Nesse ponto, assevera Mauro Rodrigues Penteado,
“[…] que uma das maiores novidades do Código Civil de 2002 é a introdução, em nosso Direito Positivo, de uma disciplina geral dos títulos de crédito (Parte Especial, Livro I, Título VIII), que a um tempo […]; (iii) confere respaldo aos títulos de crédito eletrônicos (art. 889, § 3º, c.c., art. 903). [X].”
Ainda que haja consenso por parte de alguns autores acerca da possibilidade da criação do título de crédito eletrônico, outros afirmam que a letra fria do § 3º do artigo 889 por si só não faz efeito, visto que há a necessidade de um novo ordenamento regulamentador, em que haja a possibilidade de criação dos títulos eletrônicos.
Assim sendo, percebe-se que o Novo Código Civil propõe positivar, no que se refere a uma nova teoria geral dos Títulos de Crédito (não típicos), disposta no Título VIII, alcançando os artigos 887 a 926, repartidos em quatro capítulos, que são: “Disposições Gerais – Art. 887-903”; “Do título ao portador – Art. 904-909”; “Do título à ordem – Art. 910-920” e finalmente “Do título nominativo – Art. 921-926”.
Informações Sobre o Autor
Fábio Antunes Gonçalves
Professor e Coordenador do curso de Direito do Centro Universitário de Formiga-MG. Mestre em D. Empresarial pela UIT e Doutorando em D. Privado pela PUC-MG. Advogado