Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Quem é empregado doméstico; 3. Panorama do trabalho doméstico brasileiro; 4. Direitos do empregado doméstico; 5. Mudanças legislativas do emprego doméstico oriundas da Lei 11. 324/2006; 6. Considerações finais.
Resumo: O artigo aborda a figura do empregado doméstico, visando conceituá-lo e abordar criticamente o conteúdo normativo e a doutrina acerca da matéria. Inicialmente desnuda os aspectos de surgimento do emprego doméstico no Brasil, passando à análise do conceito normativo e doutrinário do empregado doméstico. Na segunda etapa, a questão sociológica do empregado doméstico é discutida através da exposição de indicadores sociais, visando identificar que tipo de ser humano é empregado doméstico e a aplicação real do direito trabalhista. Por fim, a questão da alteração legislativa oriunda da Lei. 11. 324/2006.
Palavras-chave: Trabalho doméstico; direitos trabalhistas; inovações legislativas – Lei 11.324/2006.
1. Considerações Iniciais
O trabalho doméstico auferiu sua primeira regulamentação no Brasil em 1512, com as Ordenações Manuelinas. Naquela época, os empregados domésticos desfrutaram de proteção legal, ainda que incipiente, podendo, inclusive, litigar em face do seu empregador. Este instrumento normativo vigorou até a vigência do Código Civil de 1916, quando o art. 1.807 do diploma citado as revogou. Conforme visto, no esteio colonizatório brasileiro existia menção ao empregado doméstico, não sendo, pois figura presente apenas no período escravagista[1].
Os domésticos não eram, na colonização, escravos. Eram livres e possuíam direitos como quaisquer outros cidadãos. Desta sorte, o emprego doméstico não nasceu da escravidão, como afirmado por muitos. Porém, foi consideravelmente destituído de valor social com a cultura escravagista, que considerava o negro como ser inferior e delegava-lhe as funções consideradas “indignas” à época. O que seguramente contribuiu para a discriminação atual.
Herança do período de colonização, o trabalho doméstico tem sido discriminado e tratado de maneira preconceituosa. Na escravidão, a casa grande manteve os negros que labutavam internamente como empregados domésticos, certamente visando burlar a quase insignificante proteção jurídica então existente. Com a abolição, os negros ganharam a liberdade da miséria[2], e alguns permaneceram sob uma nova forma de trabalho: a escravidão doméstica, recebendo uma pseudo-autonomia, porque continuaram sob as ordens em troca de alimento e moradia, quando muito alguma pecúnia. Aos cativos domésticos, agora livres, consignou-se a pecha de segunda classe, tendo onde comer e morar por benesse, o que de certa forma permanece até hoje e parece ter se cristalizado em nossa cultura.
O trabalho doméstico é a forma laboral das mais discriminadas, destinada às pessoas sem preparo para o mercado de trabalho, desqualificadas, despreparadas, sem instrução formal. O fator cultural tem forte peso quando é tratada a questão do trabalhador doméstico, inicialmente porque a sociedade despreza as funções por eles realizadas, a exemplo da limpeza. Até mesmo é considerado humilhante apresentar-se como empregado doméstico, e muitos destes trabalhadores solicitam que seja aposto na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS outra função, serviços gerais, secretária, auxiliar, dentre outros.
O processo globalizatório e a inserção da mulher no mercado de trabalho fizeram com que o trabalho doméstico crescesse, tornando-se comum. A mulher moderna não deseja ser apenas dona de casa, que alçar vôos mais elevados, conquistar postos de trabalho, chefiar empresas, sustentar a casa. Tudo isto só é possível com o auxílio dos empregados domésticos que ficam com a desprezada função de cuidar dos afazeres domésticos e dos filhos[3].
2. Quem é Empregado Doméstico?
A palavra doméstico vem do latim domus, que significa casa. Pela etimologia da palavra podemos definir empregado doméstico como o que exerce seu labor dentro de casa, no âmbito de uma casa. A lei 5. 859/73, regulamentada pelo Dec. 71. 885/73, define empregado doméstico como aquele que presta serviços de natureza contínua e finalidade não lucrativa à pessoa ou família, para o âmbito residencial desta, com pessoalidade, subordinação, continuidade e onerosidade[4].
Maurício Godinho Delgado explica, de forma completa e levando em conta os elementos fático-jurídicos[5] da relação de emprego, o conceito de empregado doméstico em sua acepção técnica, como sendo a pessoa física que presta, com pessoalidade, onerosidade e subordinadamente, serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou família, em função do âmbito residencial destas[6].
Do conceito sobressaem características especiais que diferenciam o empregado doméstico das demais figuras trabalhistas de emprego. Em razão disto, a análise destes aspectos diferenciais se faz necessária.
O primeiro elemento especial do empregado doméstico é que a pessoa jurídica não pode ser empregador nesta relação juslaboral.
O segundo elemento é a ausência de finalidade lucrativa[7] nos serviços realizados pelo empregado doméstico, ou seja, o trabalho exercido não pode ter fins econômicos, comerciais ou industriais. O que significa que o interesse no trabalho do empregado doméstico deve ser pessoal do tomador ou sua família[8]. Exercendo a pessoa ou família atividade lucrativa, a empregada que lhe presta serviços passa a ser regida pela CLT, não sendo doméstica[9].
O terceiro elemento é que a atividade do empregado doméstico deve ser realizada no âmbito residencial do empregador, seja pessoa física ou família. Por âmbito residencial[10] deve ser entendido em sentido amplo, casa de praia, sítio, fazenda, viagem. Outro aspecto relevante trata-se da possibilidade de pessoas sem parentesco poderem ser empregadores, como o caso das repúblicas porque estas não visam lucro com a estada, nem possui dono[11]. Entretanto, os empregados de condomínios não são considerados domésticos[12].
A natureza do serviço prestado não é, por si só, fator para definir se o empregado é doméstico ou não. Tampouco a complexidade dos serviços prestados, se intelectuais ou meramente manuais[13]. Doméstico será o trabalhador (a) que exercer as atividades amiúde citadas.
Diante do conceito e características abordados podemos citar como possíveis empregados domésticos: mordomo, governanta, faxineira, cozinheira, copeira, professor particular, secretária particular, motoristas, caseiro, jardineiro, segurança particular, enfermeiro em casa[14], marinheiro em embarcação particular[15], dentre outros.
3. Panorama do Trabalho Doméstico Brasileiro
Para que possamos tecer considerações responsáveis e embasadas acerca do trabalho doméstico brasileiro utilizaremos dados confiáveis e que possibilitem uma análise crítica da posição social do trabalhador doméstico e suas perspectivas no que tange aos direitos trabalhistas.
Afirmar que o trabalho doméstico é discriminado, que os direitos trabalhistas são desrespeitados e que a dignidade da pessoa humana, nesta relação de trabalho, é profundamente atacada, pode soar falso e até mesmo ser confundido com discurso demagógico, populista ou puramente emocional. Para evitarmos incorrer neste erro, comum quando se abordam direitos de grupos excluídos socialmente, procuramos amparar o conteúdo afirmado em pesquisa[16] abalizada da Organização Internacional do Trabalho – OIT no Brasil com dados do Departamento intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos – DIEESE, órgão extremamente digno da respeitabilidade necessária.
A pesquisa chegou a muitas conclusões importantes, porém pela questão do recorte temático iremos abordar as seguintes:
1) Mais da metade das mensalistas das regiões do Nordeste e do Distrito Federal faz jornadas semanais superiores há 44 horas.
2) O tempo de permanência médio de mais de dois anos no emprego foi mais freqüente para as mensalistas com carteira de trabalho assinada.
3) O grau de instrução das trabalhadoras é geralmente baixo. Em torno de 60% não completou o ensino fundamental (menos de oito anos de estudo). Em Recife observou-se o maior percentual de analfabetas (14,2% das trabalhadoras domésticas).
4) O emprego doméstico aparece como alternativa de ocupação significativa para as mulheres. Representa cerca de 10% dos postos de trabalho na maioria das regiões pesquisadas. Essa função é ocupada predominantemente por mulheres, cuja presença atinge expressivas taxas de, no mínimo, 93%.
5) Há maior proporção de trabalhadoras negras ocupadas no emprego doméstico, superior a 20% em todas as regiões analisadas. Para as não-negras, esse percentual foi inferior a 15%.
6) Um pouco mais da metade das ocupadas no emprego doméstico não contribui para a previdência social. Isso pode significar que uma parcela considerável não terá acesso à aposentadoria e provavelmente ficará mais tempo no mercado de trabalho. Quase a totalidade das que têm carteira de trabalho assinada faz o recolhimento da contribuição (índice superior a 97% em todas as regiões)[17].
A primeira questão a ser abordado é a jornada semanal do trabalhador doméstico. Pela inexistência de norma atribuindo hora extra ao empregado doméstico costuma-se dizer que o mesmo tem hora para iniciar o serviço, mas não tem hora para finalizá-lo. Muito comum o empregado ficar à disposição do empregador o tempo todo, principalmente quando mora na residência do empregador, ficando à mercê deste, inclusive podendo ser chamado no meio da noite para preparar comida/desjejum, a exemplo das empregadas domésticas e motoristas particulares quando o patrão/empregador vai viajar.
A pesquisa demonstra que a jornada de trabalho semanal do empregado doméstico ultrapassa a jornada constitucional de 44 (quarenta e quatro) horas semanais[18]. Esta norma constitucional leva em conta aspectos de saúde e segurança, porque sabidamente o cansaço causado pelo excesso de atividade laboral é mote de doenças ocupacionais físicas e psicológicas. Em razão disto, que a hora extraordinária (hora extra) é remunerada com 50% (cinqüenta por cento) a maior que a hora ordinária de trabalho, visando recompensar o trabalhador pelo seu maior desgaste e incentivar o empregador a exigir hora extra somente em casos excepcionais[19].
Outro dado conclusivo da pesquisa aponta para uma razoável permanência no emprego. Além desta “estabilidade”, é da própria motivação da contratação a permanência indefinida, eis que a ausência do empregado doméstico desestrutura a organização da residência.
Como já era esperado, o grau de escolaridade dos empregados domésticos é baixo e sua remuneração gira em torno do salário mínimo. A ausência de qualificação profissional faz com que estes trabalhadores permaneçam a serviço doméstico, sem perspectivas de melhora ou avanço no patamar social, uma vez que o acesso à educação e cultura é prejudicado pelo baixo poder aquisitivo e pelo cansaço causado pelas extensas jornadas de trabalho.
O trabalho doméstico é realizado em sua esmagadora maioria por pessoas do sexo feminino. Coube à mulher a tarefa de cuidar da casa e dos filhos culturalmente, de sorte que ao homem esta tarefa é considerada inadequada aos padrões sociais. A preferência por mulheres para realização dos afazeres domésticos é facilmente constatada nos anúncios de jornais na busca por empregadas domésticas. Da mesma sorte a presença da mulher negra no cenário do emprego doméstico é predominante, sem falar nas mulheres mestiças (cafuzas, mulatas) à qual a pesquisa não fez referência. Basta olhar para os lares ao redor e ver que a empregada doméstica se não é negra, tem raízes genealógicas negras. Se isto é fruto ou não do período escravocrata não se pode afirmar, mas o indício é forte neste sentido.
A pesquisa disponível no O Globo on line[20], além de atual, nos fornece o seguinte raio-x do trabalho doméstico:
Referência | Quantidade numérica |
Total de empregados domésticos | 6.472.484 |
Com carteira assinada | 1.671.744 (25,83 %) |
Sem carteira assinada | 4.799.296 (74,15 %) |
Sexo feminino | 6.040.067 (93,3 %) |
Sexo masculino | 432.417 (6,68 %) |
Diaristas[21] | 1.597.652 (24,6 %) |
O dado mais alarmante é 74% (setenta e quatro por cento) dos trabalhadores domésticos não tem carteira assinada e não contribuem para o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, o que culminará na impossibilidade da aposentadoria e mais tempo de serviço. O empregado doméstico, no Brasil, vive à margem da lei e distante dos benefícios trabalhistas mínimos a que tem direito isto é um fato.
A análise destas conclusões demonstra que o emprego doméstico é marginalizado, tanto com relação aos direitos trabalhistas e previdenciários, quanto aos aspectos sociais e culturais. Cenário lamentável e que exige políticas públicas corretivas, visando tornar o empregado doméstico cidadão, na sua acepção de pertencente a uma sociedade organizada sob a égide de um Estado Democrático de Direito.
4. Direitos do Empregado Doméstico
A Constituição Federal de 1988 conferiu aos trabalhadores domésticos uma gama de direitos, excluindo alguns através de pormenorização numerus clausus, ou seja, em rol taxativo, que não permite interpretação ampliativa, impõe hermenêutica restritiva[22], dependendo de emenda constitucional[23] para sofrer qualquer alteração. Porém, existe uma corrente doutrinária[24] que embasada no art. 7º, caput da Constituição Federal e em obediência ao princípio justrabalhista da norma mais favorável, reputa válida a ampliação dos direitos do empregado doméstico via lei infraconstitucional. Esta posição é por nós perfilhada em razão da principiologia constitucional e justrabalhista, na qual o princípio da dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho são baluartes de todo o sistema normativo vigente.
Dentro da sistemática constitucional, os direitos conferidos ao empregado doméstico[25] são: salário mínimo, irredutibilidade de salário, repouso semanal remunerado, 13º salário, férias anuais remuneradas, licença gestante, licença paternidade, aviso prévio, aposentadoria e integração à previdência social. Ainda o empregado doméstico tem direito: a salário-maternidade[26], FGTS[27] (opcional do empregador). Restaram excluídos uma série de direitos[28], tais como: seguro desemprego, FGTS, piso salarial, remuneração do trabalho noturno superior ao diurno, salário família, jornada de trabalho, hora extra, redução dos riscos inerentes ao trabalho, adicional de insalubridade, por trabalho penoso e periculosidade, seguro contra acidente de trabalho etc.
Afora o conteúdo constitucional, as normas que tratam do trabalho doméstico são: a Lei 5.859/72, Lei 10.208/01 e mais recentemente a Lei 11.324/06 que passaremos a analisar.
5. Mudanças legislativas do emprego doméstico oriundas da Lei 11.324/2006.
A Medida Provisória 284/2006 foi transformada na Lei 11. 324/06, que está em plena vigência desde o dia 20 de julho de 2006, trouxe algumas relevantes alterações no cenário jurídico do empregado doméstico. Neste tópico a análise pontual das mudanças oriundas da nova lei será objeto de singelo comentário.
A Lei 11. 324/06 é fruto de pressão política com finalidades eleitorais. Infelizmente e mais uma vez, o cidadão foi usado como joguete. O Congresso Nacional tencionava equiparar o doméstico aos outros trabalhadores ordinários, deixando o Presidente da República em má situação, acatando a proposta do Congresso ou não, uma vez que qualquer das suas atitudes desagradaria os empregados domésticos ou os empregadores domésticos, com possível efeito negativo se houvesse desemprego na área doméstica. O resultado foi o veto presidencial[29] ao salário família[30] com o argumento de que os cofres públicos não teriam como arcar com a despesa estimada, ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS obrigatório e a correspondente multa fundiária de 40% sob o argumento de que isto seria oneroso demais para o empregador[31],
Foi perdida a oportunidade de estender o FGTS de forma obrigatória ao empregado doméstico, que continua fazendo jus, somente, se o empregador assim o desejar. Seria razoável estender ao empregado doméstico o FGTS sem a possibilidade de multa fundiária, o que já seria um avanço considerável. Da mesma forma o seguro desemprego conseqüência da despedida sem justa causa ao empregado inscrito no sistema fundiário, que será de um salário mínimo pelo período máximo de três meses.
As férias do empregado doméstico foram majoradas para 30 (trinta) dias corridos, fazendo jus, também, ao terço constitucional[32]. O descanso semanal remunerado também foi objeto da nova lei, mas já constava do texto constitucional, significando mera atualização normativa. As regras sobre período aquisitivo e concessivo das férias são as mesmas do trabalhador ordinário. Anteriormente as férias do empregado doméstico eram de 20 dias úteis, na prática o aumento foi pequeno, mas em razão da ausência de jornada de trabalho fixada caracteriza um fator importante para redução dos riscos inerentes ao trabalho.
Um problema que surge é quando esta alteração das férias terá efeito, ou seja, até 19 de julho de 2006 o empregado doméstico tinha direito apenas a 20 dias úteis de férias e no dia 20 de julho de 2006, na vigência da nova lei, tem direito a 30 dias corridos. Como ficará a questão? Para o período aquisitivo já completo até 19.07.06 tem aplicação os 20 dias úteis. Entretanto, para o período aquisitivo incompleto, em razão do princípio protetivo, ícone do Direito do Trabalho, 30 dias corridos de férias são devidos ao empregado doméstico. Em razão, também, do contrato de trabalho ser de trato sucessivo, as alterações incidem sobre o mesmo imediatamente[33].
A empregada gestante[34] agora possui estabilidade até o quinto mês após o parto, garantindo 14 (quatorze) meses de estabilidade provisória[35], o que de certa forma garante ao menos a segurança e bem-estar da gestação e os vitais meses iniciais do nascituro.
A estabilidade provisória da empregada doméstica gestante é ponto de estrangulamento das alterações aqui tratadas, porque traz uma série de conseqüências econômicas ao empregador que dispensar a empregada gestante. Inicialmente, acaso o empregador seja processado na Justiça do Trabalho, a alegação de que não tinha ciência do estado gravídico, de nada adiantará à luz da Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho: “I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade. (art. 10, II, “b” do ADCT)“.
No caso do empregador pedir a reintegração ao posto de trabalho e a empregada não desejar alegando animosidade entre as partes, ocorrerá a condenação do empregador ao pagamento dos salários de todo o período de estabilidade, 13º salário, aviso prévio, férias vencidas e terço constitucional e os recolhimentos previdenciários sobre estas verbas. A despesa com este processo girará em torno de 2 (dois) a 4 (quatro) mil reais, quantia elevadíssima para o padrão de vida brasileiro, ultrapassando consideravelmente o que a maioria da classe média aufere como renda. Esta conta pode prejudicar significativamente a contratação de novos empregados domésticos. Certamente o salário do empregado doméstico será de um salário mínimo, até mesmo para evitar aumentar o passivo trabalhista.
Se de um lado a estabilidade da gestante empregada doméstica é um avanço civilizatório, de outro pode significar um entrave à contratação e redução do montante pago pelo serviço doméstico à cifra de um salário mínimo.
O empregado doméstico com a vigência da lei em comento escapou dos descontos[36] (a exemplo de alimentação, moradia e uniforme), podendo ser descontado apenas no quesito moradia se morar em local diverso da residência da pessoa ou família para o qual presta serviço, desde que acordado pelas partes de forma expressa. Esta alteração consagra o princípio da intangibilidade salarial. O novo instrumento normativo também veda que os possíveis objetos de descontos tenham natureza salarial, acaso sejam incorporados à remuneração.
A forma expressa exigida para que possa haver o desconto referente à moradia impõe que o empregador doméstico, elabore um contrato simples para que o desconto fique caracterizado nos moldes das novas exigências legais, afastando a possibilidade de que numa eventual lide trabalhista seja surpreendido neste aspecto. Um exemplo muito comum disto é a casa do caseiro em sítios, chácaras e fazendas e a residência de empregados em grandes mansões.
A alteração mais alardeada foi a de natureza fiscal com a criação da possibilidade do empregador deduzir o que paga à Previdência Social do Imposto de Renda até o exercício de 2012[37] (o que significa até 2011) se fizer a declaração de Ajuste Anual no formulário/modelo completo. O limite é um salário mínimo mensal, adicional de férias e 13º salário e só pode ocorrer para o contribuinte individual quando o comprovar a regularidade do empregado doméstico no regime geral da previdência social[38]. Além disto, facilitou o recolhimento previdenciário em um dia único, do 13º salário.
A medida visa reduzir os encargos sociais e estimular o emprego e angariar fundos para a Previdência Social. Porém só pode ser feita em relação a um empregado doméstico e tem efeito a partir de janeiro de 2006. O empregador que tiver mais de um empregado doméstico ficará no prejuízo diante da impossibilidade do desconto sobre mais de um empregado.
Esta última medida beneficiará os empregadores que já estão respeitando os direitos trabalhistas, poucos como anteriormente fora discutido. Acaso fosse o interesse dos legisladores ampliar a empregabilidade e o acesso aos direitos trabalhistas não faria mais sentido baixar a alíquota da contribuição previdenciária de quem recebe salário mínimo. Com isso, os benefícios poderiam se estender a outras categorias que sofrem igualmente com a informalidade e os salários aviltados[39]? Consoante visto, poucas alterações ocorreram de fato.
6. Considerações Finais
A conclusão de que as alterações da Lei 11. 324/06 irão aumentar o emprego ou fomentar o desemprego é prematura. As mudanças foram, no tocante à ampliação de direitos, pouco significativas. Somente a estabilidade provisória da doméstica caracteriza-se como verdadeiro avanço jurídico.
Conforme fora tratado os empregados domésticos são em sua maioria esmagadora mulheres, negras, sem qualificação profissional relevante diante do avassalador processo globalizatório, auferindo baixos salários e na maioria das vezes à margem da lei, haja vista que mais de 70% laboram sem a garantia da Carteira Assinada. Direitos previdenciários e a tão sonhada aposentadoria são quase uma quimera.
O empregador doméstico, quase em sua inteireza adstrito à classe média, certamente não poderá suportar todos os ônus da equiparação do doméstico ao empregado ordinário que dá lucro ao seu patrão, aquele do artigo 7º da Constituição Federal e da Consolidação das Leis do Trabalho. As peculiaridades do empregado doméstico não podem ser negadas e sua marginalização também não. A dívida social é imensa e é necessário uma atitude condizente com o ânimo constitucional de sociedade fraterna e justa.
Diante deste lamentável contexto, o legislador foi tímido, quase covarde por omissão. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da condição mais favorável parecem estar cada vez mais distantes do empregado doméstico, assim como o FGTS, única forma do pobre adquirir um lugar para morar no Brasil. Trata-se de uma questão política e não econômica, a esta classe o ônus social deveria ser assumido incondicionalmente pelo aparato governamental, que pode sim arcar com esta despesa, afinal são muitas malas, mensalões e valeriodutos. Enquanto não surgir um verdadeiro estadista, apto a promover as mudanças necessárias, os empregados domésticos ficarão a rogar à Santa Zita[40], sua padroeira, por melhores dias.
Informações Sobre o Autor
Dayse Coelho De Almeida
Professora do Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe – UFS e do Curso de Direito da Faculdade de Sergipe – FaSe, advogada cível e trabalhista do escritório Almeida, Araújo e Menezes Advogados Associados – ALMARME, Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ. Co-autora dos livros: Relação de Trabalho: Fundamentos Interpretativos para a Nova Competência da Justiça do Trabalho, LTr, 2005 e 2006; Direito Público: Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Tributário, PUC Minas, 2006 e Roda Mundo 2006, Editora Ottoni, 2006. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ, da Associação Brasileira de Advogados – ABA e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos – INEJUR.