Tríplice crítica à concepção contemporânea de Direitos Humanos

Resumo: A concepção de Direitos Humanos que prevalece na contemporaneidade apresenta determinados problemas que inviabilizam a expansão dos Direitos Humanos, dificultam a disseminação dos ideais de valorização da dignidade humana ao redor do mundo. É possível, a partir de uma reflexão doutrinária, identificar três principais focos críticos acerca da atual concepção de Direitos Humanos que impedem a universalização desses direitos. O primeiro viés que merece uma abordagem crítica é a prevalência de uma concepção individualista desses Direitos Humanos, o segundo panorama problemático é a representação da cultura ocidental refletida nos Direitos Humanos, por fim, mas não menos relevante, merece críticas a disposição antropocentrista desse conjunto de direitos. Objetiva-se demonstrar como esse conjunto de equivocados vieses dificultam, ou até mesmo, inviabilizam a universalização dos Direitos Humanos, propõe-se a reformulação da concepção de Direitos Humanos que leve em consideração o multiculturalismo, como condição de possibilidade para a universalização dos Direitos Humanos.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Tríplice crítica. Universalização.

Abstract: The conception of human rights that prevails in contemporary has certain problems that prevent the expansion of human rights, prohibit the dissemination of the ideals of valuing human dignity around the world. It is possible, from a doctrinal reflection, to identify three main focuses critics on the current conception of human rights that prevent the universalization of these rights. The first bias that deserves a critical is the prevalence of an individualistic conception of these Human Rights, the second scenario is problematic representation of Western culture reflected in Human Rights, last but not least, deserves critical layout anthropocentrist this set rights. It aims to show how this set of misguided biases hinder, or even render the universalization of human rights, it is proposed to reformulate the conception of human rights that takes into consideration multiculturalism, as a condition of possibility for universal human rights.

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Keywords: Human Rights. Three critical. Universalization.

Sumário: 1 Considerações iniciais. 2 Critica à Concepção Individualista dos Direitos humano. 3 Crítica à representação dos ideais ocidentais presentes na concepção contemporânea de Direitos Humanos. 4. Critica à concepção antropocêntrica dos Direitos Humanos: análise da possibilidade de construção de um Direito Cósmico. 5 A busca pela construção de um caminho viável a expansão dos Direitos Humanos. 6 Conclusão. Referências.

1. Considerações iniciais

Os Direitos Humanos podem ser conceituados como o conjunto de regras que pretendem concretizar a valorização do ser humano, a efetivação do princípio da Dignidade Humana.

Nos termos propostos por BARRETTO e BRAGATTO,

“Os direitos humanos são concebidos como um tipo de direitos morais, segundo a concepção da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, a partir da qual se inaugurou a atual fase universalista desses direitos. Sendo assim, diferem de outros direitos de mesma dimensão por pertencerem a todos os povos em todos os tempos”

Os autores defendem que há um processo de expansão dos direitos humanos, inaugurado a partir da Declaração Universal, da Organização das Nações Unidas, de 1948, o que caracterizaria tais direitos é a sua titularidade universal, ou seja, todos os seres humanos, indistintamente, são titulares desses direitos, apesar de, na prática, essa universalidade ser obstaculizada.

Nas palavras de MELLO:

“O direito internacional dos direitos humanos pode ser definido como o conjunto de normas que estabelece os direitos que os seres humanos possuem para o desenvolvimento de sua personalidade e estabelecem mecanismos para a proteção de tais direitos.” (MELLO, 2001, p. 33).

Busca-se que os países ao redor do mundo encontrem meios jurídicos e sociais viáveis de promover tais objetivos, através de acordos internacionais, programas globais de combate à violação desses direitos. Como entente NINO “as proposições sobre os direitos humanos expressam, sob algumas condições, razões para ações, atitudes ou decisões”.

LUÑO propõe um conceito de Direitos Humanos que considere as suas dimensões históricas, axiológicas e normativas.

“São os Direitos Humanos um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.”

A partir da análise dos conceitos propostos, observa-se que há a pretensão de promover-se uma efetiva implementação dos Direitos Humanos em um contexto global, mas esta pretensa universalização dos direitos humanos enfrenta barreiras verdadeiramente graves, nos termos apontados pela doutrina crítica da teoria dos Direitos Humanos.

É possível localizar como o primeiro desses aspectos impeditivos da pretensão de universalização dos Direitos Humanos o caráter Individualista que prevalece atrelado à concepção contemporânea dos Direitos Humanos.

Em um segundo panorama crítico, tem-se a possibilidade de vinculação do perfil desenvolvido ao longo dos anos desse discurso de Direitos Humanos como verdadeiro elemento representativo da cultura imperialista ocidental, o que coloca os países não ocidentais, em posição de desconfiança frente a esses direitos. Tal concepção pode ser resultado da própria construção desses Direitos através da elaboração dos seus principais documentos.

A terceira critica formulada se refere à concepção antropocêntrica, que coloca os seres humanos como elementos centrais na ordem de desenvolvimento do universo, desprestigiando a coexistência harmônica do ser humano com os seres não humanos (animais, meio ambiente), desconsiderando sua existência interdependente com o ambiente no qual está inserido.

A reunião dessa tríplice crítica denota uma necessária reanalise dos aspectos caracterizadores da concepção atual dos Direitos Humanos, para que seja possível a efetiva implementação desses Direitos e, propriamente, a valorização da dignidade humana em âmbito mundial, através da real universalização dos Direitos Humanos.

2. Crítica à concepção Individualista de Direitos Humanos

BRAGATO explica que é a partir da Modernidade que se torna possível perceber o surgimento do paradigma individualista, posto que em uma configuração pré-moderna o homem permanece inserido em um contexto social, que não prioriza sua existência autônoma.

Acredita, a citada autora, que o Cristianismo é um dos elementos influenciadores desse processo de emergência do paradigma individualista, pois coloca ao homem a possibilidade de relacionamento direto com Deus, deixa-o perceber sua independência frente a coletividade.

Prossegue o processo de elevação do homem como ser independente, exclusivo em sua racionalidade, com o Iluminismo Europeu da Idade Moderna.

“Nesse contexto, processam-se as descobertas físicas, geográficas, astronômicas, e matemáticas de Galileu Galilei, Isaac Newton, Copérnico, Giordano Bruno, e tantos outros colocando em xeque a estrutura medieval, introduz-se a supremacia da ciência, […] a revolução comercial provoca o reaparecimento das rotas comerciais e das feiras de comercio, a formação das cidades (burgos), e a conquista da América, que de fato permite à Europa afirmar sua hegemonia sobre o resto do mundo. […] foi-se consolidando o discurso da exaltação da pessoa humana, substituindo o sistema mental hierárquico da sociedade medieval por uma perspectiva individualista.”

Portanto, há uma concepção individualista que acompanha o próprio desenvolvimento histórico da humanidade, que, conforme visto, é potencializada na Modernidade, a crença na autonomia do ser humano, excluindo-se a importância do ser social, pertencente a um grupo, acaba por influenciar a definição dos Direitos Humanos.

 Para MUZAFFAR, os direitos humanos, nos moldes evidenciados atualmente, em verdade, são sinônimos de direitos individuais, especificamente, direitos civis e políticos. “Esta equação tem uma história por trás dela. Trata-se de um produto do Iluminismo Europeu e da secularização do pensamento e da sociedade dos últimos 150 anos”.

Defende o mesmo autor que, essas ideias, valores e visões de mundo pautadas em um paradigma individualista, acabam por marginalizar outras ideias sobre o ser humano, sobre as relações humanas e sobre os laços sociais incorporadas em civilizações mais antigas e mais ricas. É um processo de marginalização que pode, a longo prazo, resultar no empobrecimento e degradação moral espiritual do ser humano.

Entende MUZAFFAR que se faz necessária a criação de condições para o desenvolvimento de uma visão de mundo maior, moral e espiritualmente construída a partir de princípios universais extraídas das grandes religiões do mundo.

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A concepção individualista impede a universalização dos Direitos Humanos em razão da incompreensão por parte de determinados povos, de determinadas culturas dessa relevância exclusiva e autônoma do ser humano. Algumas sociedades mantêm viva a concepção social do homem, consideram inviável a existência humana, a felicidade humana, de maneira alheia a sua coletividade.

Pelo exposto, o primeiro obstáculo a ser superado para efetiva universalização dos Direitos Humanos passa pela superação, ou reavaliação do paradigma individualista, posto que os ideais afirmados nessa concepção não encontram força homogênea em todos os países e culturas ao redor do mundo.

3. Crítica à representação dos ideais ocidentais presentes na concepção contemporânea de Direitos Humanos

MUZAFFAR entende haver uma forte dominação ocidental, principalmente norte-americana, na comunidade mundial, por exemplo, o autor evidencia a dominação militar, em razão do alto grau de tecnologia de armas e a detenção da maioria das armas de destruição em massa; essa dominação é verificável também através do controle da economia global por meio do FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e do G7; há um controle do Ocidente inclusive da imprensa global através dos grandes empresas de comunicação (Reuters e CNN); a música ocidental, os filmes ocidentais, modas ocidentais, e alimentos ocidentais criam, na visão do citado autor, uma cultura global que não é apenas ocidental em caráter e conteúdo, mas também incapaz de acomodar culturas não-ocidentais em uma base justa e equitativa.

Conforme WRIGHT,

“Qualquer alegação de que os direitos humanos são ‘universais e indivisíveis’ deve estar preparada para responder à afirmação de estudiosos internacionais do Terceiro Mundo, feministas ou não brancos de que os direitos humanos possuem um histórico bem específico atrelado particularmente à política, à economia e à psicologia social de uma cultura branca, burguesa, masculina e eurocêntrica que possivelmente têm pouca relevância para as necessidades das pessoas que não se enquadram nessa descrição. De fato, alguns iriam além e diriam que os direitos humanos são a consequência direta da história capitalista e colonialista da Europa pós-medieval e fazem parte da exportação de políticas opressivas e, por vezes, genocidas dos colonizadores europeus.”

KYMLICKA concorda com os críticos das doutrinas de direitos humanos que apontam esses direitos como elementos que contribuíram para a colonização injusta de minorias e de povos não ocidentais, defende um posicionamento crítico dos direitos humanos abordando a questão da ausência de justiça etnocultural.

Os direitos humanos não se mantem a margem desse processo de ocidentalização do mundo, ao contrário, sofre forte influencia ocidental na sua constituição.

No desenvolvimento do ramo da ciência jurídica oportunamente estudada, foram forjados diversos documentos. Sendo o mais importante deles a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

Ao analisar o processo de formulação da Declaração Universal dos Direitos Humanos a partir da explicação de ISA, é possível perceber que, em verdade, há forte influência ocidental na estipulação dos direitos declarados como Direitos Humanos. Como resposta a essa decisiva influência, inclusive, determinados países orientais se abstiveram de votar a versão final do mencionado documento.

“Finalmente, el 10 de diciembre de 1948 tuvo lugar la aprobación en el palácio Chaillot de Paris de la Declaración Universal de los Dereches Humanos por la Asamblea General de las Naciones Unidas. La votación final que se produjo em la Asamblea General es bastante reveladora de donde habían estado los principales problemas em orden a la aprobación de la Declaración Univerla. En estesentido, hay que señalar que la Declaración contó con 48 votos a favor, 8 abstenciones y ni um solo voto en contra. […] Estas 8 abstenciones fueran las seguientes: República Socialista Soviética de Bielorusia; Checoslovaquia; Polonia; Yogoslavia; República Socialista Soviética de Ucrania; la Unión Sociética; la Union Sudafricana y Arabia Saudí. Como podemos comprobar, los países de la órbita socialista se abstuvieram en bloque al no estar de acuerdo con alguna de las partes de la Declaración. Por su parte, a Arabia Saudí expresó ciertas reservas derivadas de sus tradiciones religiosas y familiares, y lá Unión Sudafricana no se mostraba en absoluto de acuerdo con la inclusión en la Declaratión de los derechos económicos, sociales y culturales.”

 

Mas tal abstenção, evidentemente, não impediu a promulgação da declaração. Mas, em razão dessa determinante carga ocidental que se evidencia nos Direitos Humanos a partir da declaração, há uma verdadeira rejeição por parte dos países não ocidentais ao discurso destes direitos.

Nas palavras de KRETSCHMANN:

“No Ocidente encontramos os ideais da cristandade, formação dos Estados seculares, individualismo, contratualismo, capitalismo e modernização. Em razão da percepção e consciência civilizacional de hindus, mulçumanos e chineses, principalmente, passaram a rechaçar alguns valores ocidentais, o que é debitado também por conta do crescimento de suas economias e sua história de exploração e submissão do ocidente. […]”

A autora aponta diferenças nos ideais verificáveis no ocidente em relação ao oriente, o que torna improvável a aceitação dos Direitos Humanos, em razão da crença de serem esses direitos parte do discurso imperialista ocidental.

BRAGATO estima que essa visão dos direitos fundamentais (humanos) como produto do ocidente, tal qual a tecnologia, a literatura, a arte, a moda, o modelo de Estado, de ideiais de vida, inviabilizam o processo de consideração global dos Direitos Humanos, impedem a sua universalização.

Nos termos propostos por SALGADO,

“Há muita dificuldade na conciliação entre a tradição islâmica e os direitos humanos, os quais resultam da cultura ocidental, cuja forma de entender o ser humano é bastante diversa da muçulmana. Assim, muitas idéias, como a de dignidade humana, não podem ser entendidas no mundo muçulmano como no ocidental. Na visão islâmica, não há distinção essencial entre o sagrado e o secular; além disso, o dever humano de servir seu criador está presente em todas as circunstâncias da vida. A religião é um elemento muito importante nessa cultura, e os direitos humanos, se pretendemos aplicá-los e efetivá-los, devem ser interpretados sob a perspectiva do Islã.”

Com base em sua situação pessoal, a autora analisa a dificuldade de aceitação da concepção ocidental de Direitos Humanos pelo mundo islâmico em razão da completa incongruência verificada entre esta concepção e a Islâmica.

O caráter ocidental da concepção contemporânea de Direitos Humanos resultado da histórica hegemonia euro-americana e verificada através da forte interferência na elaboração e promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos, representa um relevante entrave ao processo de universalização dos Direitos Humanos.

3. Crítica à concepção antropocêntrica dos Direitos Humanos: análise da possibilidade de construção de um Direito Cósmico

PANIKKAR identifica como sendo um dos problemas verificáveis na atual concepção de Direitos Humanos, que impedem a sua real efetivação, a característica da antropocentricidade presente nesses direitos.

Nas palavras do citado autor:

“Existe, com certeza, uma natureza humana universal, mas ela não precisa ser segregada e diferenciada fundamentalmente da natureza de todos os seres vivos e/ou da realidade como um todo, dessa forma, direitos exclusivamente humanos seriam considerados como uma violação dos Direitos Cósmicos, e um exemplo de antropocentrismo que prejudica a si próprio, um novo tipo de apartheid. Responder que Direitos Cósmicos são vazios de sentido apenas denunciaria a cosmologia subjacente à objeção, para a qual a expressão não faz qualquer sentido. Mas a existência de uma cosmologia diferenciada é exatamente o que está em jogo aqui. […]”

Nos termos propostos pelo referido autor, há a necessidade de se desenvolver o que ele chama de Direitos Cósmicos, ou seja, pensar o desenvolvimento pleno de direitos imprescindíveis para o universo, mas sem que os humanos ocupem uma posição cêntrica e exclusiva, sob pena de cometimento de uma segregação dos direitos dos indivíduos em relação aos seres vivos não humanos, ou seja, o meio ambiente e os animais.

O autor não propõe em termos práticos a conceituação desse Direito Cósmico, é possível imaginar que este novo ramo a ser desenvolvido cuide da possibilidade de desenvolvimento pleno e proteção dos elementos do cosmo (Universo), do respeito ao que é humano e não humano, que se privilegie a construção de um universo congruente em objetivos, seja pensada a proteção conjunta dos direitos dos indivíduos, dos animais, do equilíbrio ambiental, do equilíbrio econômico, inclusive, em uma visão global.

CANOTILHO trata da necessária reformulação da concepção humana em matéria ambiental, o autor português aponta que a visão antropocêntrica evidenciada atualmente deve ser substituída por uma visão ecocêntrica. Pois, a satisfação das necessidades humanas como objetivo único de existência do meio ambiente resultará invariavelmente no fracasso da própria humanidade.

“Só uma visão ecocêntrica permitirá gerar um direito do ambiente ecologicamente amigo. Os desafios aí estão: para quando um sistema jurídico reconhecedor e garantidor dos direitos da natureza? Enquanto não se garantirem juridicamente os direitos fundamentais de todos os seres vivos – os direitos dos animais e os direitos das plantas – os ecologistas continuarão a olhar para o direito como a expressão mais refinada da razão cínica. “

Ao se criticar esta visão antropocêntrica, como a que se verifica na relação humana com a o meio ambiente nos termos propostos por CANOTILHO, não se defende o abandono dos Direitos Humanos, ao contrário, sugere-se uma reformulação da atual concepção dos Direitos Humanos, aposta-se que a ampliação do foco de importância para além do ser humano, pode gerar uma visão igualitária, que favorecerá efetivamente a proteção do ser humano conjuntamente com a proteção dos seres não humanos (plantas, animais e a própria coletividade).

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4. A busca pela construção de um caminho viável a expansão dos Direitos Humanos

Ao se inaugurar a fase universalista de direitos humanos, ou a pretensão a essa universalização, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, evidencia-se por consequência o problema em justificar esses Direitos Humanos tendo em vista o marco de um mundo multicultural, multiético e marcado por diferentes visões de mundo.

Há forte dificuldade, ou mesmo impedimento, na promoção da efetiva universalização dos Direitos Humanos, tal entrave é resultante dos aspectos abordados neste trabalho, tais como o caráter individualista desses direitos, a sua evidente representação ocidental, e a concepção antropocentriva denotada na existência desses direitos de forma segregada, tais aspectos demonstram que o desenvolvimento dos Direitos Humanos não considerou as diferenças multiculturais e multiéticas mundiais.

Nas palavras de BARRETTO e BRAGATO:

“A efetivação dos direitos humanos enfrenta um sério desafio ligado à falta de um consenso sobre as razões de sua observância. Isso indica a necessidade de uma rediscussão que leve ao reconhecimento de razões mais plurais que fundamentem direitos que parecem ter-se tornado incontest´´aveis, tais como a proibição de tortura e escravidão ou mesmo certas liberdades. A vinculação estrita a pressupostos de uma determinada cultura – como se articula o discurso dominante dos direitos humanos – torna estes direitos comprometidos com uma visão de ser humano e de sociedade contestáveis e, até mesmo, contraditória com o objetivo dos direitos humanos.”

Os autores defendem uma reavaliação do discurso dominante de direitos humanos, e a vinculação desses direitos a promoção da reversão dos processos de vulnerabilização dos seres humanos, exigindo-se para tanto o reconhecimento de uma série de direitos e a correspondente necessidade de ações que desafiam a noção liberal-individualista que sustenta os clássicos direitos de liberdade.

Propõe-se o desenvolvimento dos Direitos Humanos sob um viés multiculturalista, que respeite as diferenças entre os povos, tal transformação pode representar uma alternativa a superação das dificuldades de universalização desses direitos.

5. CONCLUSÃO

A concepção atual de direitos humanos reproduz uma ideologia individualista do ser humano, exclusivista, partindo deste pressuposto, percebe-se que o conceito de direitos do homem se manifesta sob um viés antropocentrista que dificulta inclusive a efetivação e difusão desses direitos ao redor do mundo. Faz-se necessário uma análise crítica dessa forma de compreender os Direitos ditos Humanos, marcadamente, sua pretensão segregativa dos direitos exclusivamente humanos.  

A primeira critica abordada no presente trabalho tratou da concepção individualista, dentro desse tópico, a partir da matriz teórica capitaneada por BRAGATO, percebeu-se que a concepção de direitos humanos que se dissemina, coloca o ser humano como fim em si mesmo, na medida em que foca como autônomo, independente da coletividade que o cerca, na qual está inserido, tal concepção é resultado da Modernidade e influencia decisivamente a concepção contemporânea de Direitos Humanos.

O segundo ponto abordado traz a baila a carga imperialista ocidental entranhada na concepção contemporânea dos Direitos Humanos, inclusive na formulação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tal aspecto dificulta a aceitação e compreensão dos Direitos Humanos, sobretudo pelos países que formam o mundo dito oriental, pois o discurso dos Direitos Humanos, e a tentativa de sua implementação passam a ser vistos como um verdadeiro produto ocidental.

Na última vertente crítica elencada neste trabalho, verifica-se a concepção antropocêntrica, como sendo um impedimento a plena compreensão e universalização dos Direitos Humanos, no sentido proposto por Raimundo Panikkar, faz-se necessária uma reavaliação do lugar do ser humano, defendendo-se um alargamento dos elementos de importância, sugerindo-se o desenvolvimento do que ele chama de Direito Cósmico.

Os Direitos Humanos são o conjunto de regras que pretendem a valorização do ser humano e a efetivação do principio da Dignidade Humana. Busca-se que os países ao redor do mundo encontrem meios jurídicos viáveis de promover tais objetivos, através de acordos internacionais, programas globais de combate a violação desses direitos.

A disseminação dos ideais de proteção dos Direitos Humanos, da formulação de um conceito de Direitos Humanos que respeite a concepção multiculturalista, passa pelo enfrentamento dos aspectos problemáticos abordados neste artigo.

 

Referências
BARRETTO, Vicente de Paulo. BRAGATO,  Fernanda Frizzo. Leituras de filosofia do direito. Curitiba: Juruá, 2013. p. 257.
BRAGATO, Fernanda Frizzo. Pessoa humana e Direitos Humanos na Constituição Brasileira de 1988 a partir da perspectiva pós-colonial, 2009, p. 65. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp134412.pdf acesso em 10 de abr. 2013.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Juridicização da ecologia ou ecologização do Direito. Oração de Sapiência na abertura do ano letivo 1995. Universidade Autônoma de Lisboa, em 13 de dezembro de 1995.
ISA, Felipe Gomez. La Declaración Universal de Derechos Humanos: algunas reflexiones em torno a su génesis y a su contenido.
KYMLICKA, Will. Direitos humanos e justiça etnocultural. Disponível em < http://www.fumec.br/revistas/index.php/meritum/article/view/1075/768> acesso em 04 de jul. 2013.  
KRETSCHMANN, Angela. Choque entre civilizações ou cultura? Faz diferença para a compreensão dos Direitos Humanos?. 2008, p. 07. Disponível em < http://www.culturasjuridicas.com.br/pdf/vol3num1/kretschmann.pdf> acesso em 04 jul 2013.
MELLO. Celso D. Albuquerque. Curso de direito internacional público. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
MUZAFFAR, Chandra. From human rights to human dignity. IN: VAN NESS, Peter. Debating Human Rigths: critical essayes from the United States and Asia. London: Routledge, 1999, p. 25.
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, estado de derecho y Constitución. 3ª ed. Madri: Teccnos, 1990. p. 48.
SALGADO Karine. O Direito e o Islã, 2008, p. 353. Disponível em http://www.fumec.br/revistas/index.php/meritum/article/view/866/650 Acesso em 04 jul. 2013.
WRIGHT, S. International human rights standards and diversity in local practices. Alberta: Centre for Constitutional Studies, University of Alberta, 1996. p. 3-4.

Informações Sobre o Autor

Lorena Duarte Lopes Maia

Mestra em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (2015). Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Graduada em Direito pela Universidade Estadual do Piauí (2007). Analista Judicial do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí.


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